1. Fato interessante, e merecedor de análise, que pode vir a ocorrer no âmbito de concessões de ferrovias, diz respeito a eventual solicitação de antecipação dos valores devidos pela Concessionária – por conta do contrato de arrendamento firmado com a extinta RFFSA –, com descapitalização das parcelas vincendas pela mesma taxa prevista no contrato para fins de atualização do parcelamento do valor original, sem contudo restar claro a existência de efetiva capitalização das parcelas devidas à época em que ofertada no leilão.
2. Entendo que referida descapitalização de parcelas vincendas não se trata de um direito certo da Concessionária, exercível unilateralmente, sem a aceitação expressa do Poder Concedente e desde que demonstrada que a antecipação é vantajosa para a Administração.
3. Não se pode perder de vista que o contrato em questão é de natureza administrativa, ao qual, somente subsidiariamente aplica-se dispositivos de direito privado, havendo, pois, leis próprias a orientá-lo. Desse modo, defendo o entendimento de que os dispositivos do Código Civil e os que se aplicam às relações privadas de consumo não têm aplicação ao caso em análise.
4. Esse tipo de Contrato de Arrendamento, abordado no presente estudo, existente entre a Concessionária e o Poder Concedente, origina-se de Edital calcado no Programa Nacional de Desestatização. Assim, a Lei n.º 9.491, de 1997, que revoga a Lei n° 8.031, de 12 de abril de 1990 e alterou procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização, deve ser visitada.
5. Neste ponto, e para fins de deslinde da questão em análise, convém a transcrição do art. 4º da Lei n.º 9.491, de 1997:
“Art. 4º As desestatizações serão executadas mediante as seguintes modalidades operacionais:
...
IV - alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações;
...
VI - concessão, permissão ou autorização de serviços públicos.
...
§ 3° Nas desestatizações executadas mediante as modalidades operacionais previstas nos incisos I, IV, V e VI deste artigo, a licitação poderá ser realizada na modalidade de leilão.
§ 3° Nas desestatizações executadas mediante as modalidades operacionais previstas nos incisos I, IV, V, VI e VII deste artigo, a licitação poderá ser realizada na modalidade de leilão. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 2001)” “Art. 4º As desestatizações serão executadas mediante as seguintes modalidades operacionais:
...
IV - alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações;
...
VI - concessão, permissão ou autorização de serviços públicos.
...
§ 3° Nas desestatizações executadas mediante as modalidades operacionais previstas nos incisos I, IV, V e VI deste artigo, a licitação poderá ser realizada na modalidade de leilão.
§ 3° Nas desestatizações executadas mediante as modalidades operacionais previstas nos incisos I, IV, V, VI e VII deste artigo, a licitação poderá ser realizada na modalidade de leilão. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 2001)” |
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6. Em razão dessa necessária vinculação dos bens arrendados com a concessão do serviço público de transporte ferroviário, não é desarrazoado inferir-se ter sido considerado no Edital o mesmo critério previsto no § 3° do art. 4º (transcrição tachada), em vigor à época em que se realizou a licitação, qual seja, a maior oferta pelos bens objeto do contrato de arrendamento, mesmo que o pagamento se desse em parcelas.
7. De modo geral, existe dispositivo no contrato de arrendamento estabelecendo o IGP-DI como índice aplicável para reajustar as parcelas de arrendamento, e não para fins de vir a ser utilizado como parâmetro de descapitalização que vier a ser pleiteada.
8. Referido dispositivo justifica-se e aponta no sentido de restar consignado expressamente no contrato a preocupação voltada à preservação dos valores então fixados para as parcelas, evitando-se, assim, a sua desvalorização no tempo.
9. Se esta visão estiver correta, não haveria valor a ser descapitalizado. Ademais, isso pode ter sido considerado para fins da escolha da proposta mais vantajosa, à época, e, ainda hoje, inclusive, continuar a ser mais vantajosa a manutenção da avença, nos exatos termos pactuados.
10. Essa questão, no entanto, necessariamente deverá ser respondida pela Secretaria do Tesouro Nacional, órgão competente no âmbito da Administração Federal para avaliar a vantajosidade de eventual proposta de antecipação do pagamento de parcelas vincendas, bem como se haveria, efetivamente, valores a serem descapitalizados, como adiante se demonstrará.
11. Não se pode olvidar que esses contratos de arrendamento firmados pela Concessionária com o Poder Concedente, invariavelmente, não contém cláusula permitindo a antecipação de pagamento, que, aí, sim, seria um direito oponível pela Concessionária ao Poder Concedente.
12. O que se verifica nesses contratos é dispositivo no qual a Concessionária se obriga a pagar as parcelas de arrendamento conforme os valores e prazos definidos. A par disso, inexistindo algum dispositivo contratual prevendo eventual descapitalização dos valores das parcelas, no caso de antecipação de pagamento, temos, em uma primeira análise, que isso não foi objeto da avença.
13. Daí porque, embora pareça intuitivo, não é possível vislumbrar a possibilidade de que a antecipação dos pagamentos das parcelas de arrendamento, “acompanhada da solicitada descapitalização”, seja um direito certo do Concessionário/Arrendatário, garantido por lei ou pelo contrato. Contudo, não enxergo óbice em antecipação dos pagamentos, se for considerada a soma dos valores nominais das parcelas de arrendamento, conforme previstas no contrato, pois restaria preservado o direito da Administração receber os valores pactuados, esse, sim, um indiscutível direito.
14. Sem que seja verificada a existência de dispositivo, seja no edital, seja no contrato, que garanta à Concessionária o direito de antecipar os pagamentos das parcelas de arrendamento (descapitalizadas), entendo temerário interpretar o contrato no sentido de reconhecer a existência desse direito, sob pena de ser alegada burla à licitação, pois afrontar-se-ia o princípio da isonomia do tratamento dos concorrentes, com assento constitucional e previsto no art. 3º da Lei n.º 8.666, de 1993:
“Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010).”
15. Tal princípio visa assegurar o tratamento igual a todos os interessados em contratar a Administração Pública. É condição essencial para garantir competição em todos os procedimentos licitatórios, visto que oferece a todos a oportunidade de participar do certame. No caso em tela, a ignorância quanto à possibilidade futura de antecipação, com deságio, de valores ofertados, poderia ser tido como motivo suficiente ao desequilíbrio do certame.
16. Dessa maneira, caberia à Secretaria do Tesouro Nacional (considerando o que constar no Edital e contrato de arrendamento), como órgão competente para avaliar a vantajosidade da aceitação de eventual proposta apresentada pelo Concessionário, inclusive no sentido de haver, efetivamente, valores a serem descapitalizados e, caso existam, qual o valor a ser trazido a tempo presente.
17. Neste ponto é bom que se frise que não poderia ser diferente, em virtude do que preceitua o inciso II do art. 77 da Lei n.º 10.233, de 2001, e o caput do art. 8º do Decreto n.º 6.018, de 2007, senão vejamos:
Art. 77. Constituem receitas da ANTT e da ANTAQ:
...
II - recursos provenientes dos instrumentos de outorga e arrendamento administrados pela respectiva Agência, excetuados os provenientes dos contratos de arrendamento originários da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA não adquiridos pelo Tesouro Nacional com base na autorização contida na Medida Provisória no 2.181-45[1], de 24 de agosto de 2001; (Redação dada pela Lei nº 11.483, de 2007)” – grifei.
“Art. 8o Cabe à Secretaria do Tesouro Nacional receber e dar quitação das parcelas oriundas dos contratos de arrendamento firmados pela extinta RFFSA, e informar à ANTT eventuais inadimplências.” – grifei.
18. Conclui-se, então, que poderá a Administração, dentro dos seus limites de conveniência e oportunidade, analisar se seria vantajoso aceitar eventual proposta apresentada pela Arrendatária, devidamente fundamentada e certa de que foi preservada a concorrência na licitação promovida por força do respectivo Edital, por não se tratar de um direito certo da Concessionária, exercível unilateralmente, sem a aceitação expressa do Poder Concedente.
[1] Medida Provisória no 2.181-45[1], de 24 de agosto de 2001: “Art. 10. Fica a União autorizada a assumir as obrigações da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, representadas pelos saldos devedores de contratos de financiamento junto ao BNDES, até o montante de R$ 210.000.000,00 (duzentos e dez milhões de reais).
§ 1o As obrigações a que se refere o caput serão objeto de auditoria por parte da Secretaria Federal de Controle do Ministério da Fazenda.
§ 2o Caso já tenha havido a assunção, eventual diferença constatada pela Secretaria Federal de Controle será paga à União, em espécie ou em bens, pela RFFSA, no prazo de trinta dias.
§ 3o Fica a União autorizada a emitir títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal em pagamento das obrigações a que se refere o caput ou a securitizar as obrigações assumidas, em ambos os casos com características a serem definidas em ato do Ministro de Estado da Fazenda.
Art. 11. Em contrapartida à assunção das dívidas de que trata o art. 10, a RFFSA transferirá à União, pelo valor de face, créditos relativos a contratos de arrendamento ou de concessão de serviço público celebrados no âmbito do PND.
Art. 12. Fica autorizado o encontro de contas entre os créditos do BNDES a que se refere o caput do art. 10 e créditos detidos pela União contra o BNDES, inclusive os transferidos à União nos termos desta Medida Provisória.
Art. 13. Fica a União autorizada a adquirir créditos da RFFSA relativos a contratos de arrendamento ou de concessão de serviço público celebrados no âmbito do PND, pelo valor de face, até o limite de R$ 2.097.956.000,00 (dois bilhões, noventa e sete milhões, novecentos e cinqüenta e seis mil reais), utilizando em pagamento, até o montante de R$ 1.789.956.000,00 (um bilhão, setecentos e oitenta e nove milhões, novecentos e cinqüenta e seis mil reais), Letras Financeiras do Tesouro - LFT, e, até o montante de R$ 308.000.000,00 (trezentos e oito milhões de reais), certificados emitidos pelo Tesouro Nacional.” – grifei.
Bacharel em Direito pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal - AEUDF. Exerce o cargo de Procuradora Federal desde 2006. Exerce o cargo de Diretor do Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal desde 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Antonio Carlos Soares. A necessidade de avaliação da vantajosidade pela administração federal diante de eventual pedido de antecipação do pagamento de valores devidos por concessionária de ferrovia a título de arrendamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35723/a-necessidade-de-avaliacao-da-vantajosidade-pela-administracao-federal-diante-de-eventual-pedido-de-antecipacao-do-pagamento-de-valores-devidos-por-concessionaria-de-ferrovia-a-titulo-de-arrendamento. Acesso em: 23 dez 2024.
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