RESUMO: Internacionalização da proteção dos direitos humanos após as barbáries ocorridas durante Segunda Guerra Mundial, resultando na criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, na normatização e na judicialização dos crimes contra o ser humano, observadas após o Tribunal de Nüremberg e a definição do sistema global de proteção aos direitos humanos após a Carta das Nações Unidas, com seus sistemas convencionais e não-convencionais de atuação.
Palavras-chave: Internacionalização dos Direitos Humanos. Carta das Nações Unidas. Tribunal de Nüremberg. Mecanismos não convencionais de proteção aos direitos humanos.
Sumário: 1. Introdução. 2. Precedentes do processo de internacionalização dos direitos humanos e a internacionalização dos direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial. 3. O Tribunal De Nuremberg. 4. A Carta Das Nações Unidas de 1945. 5. Mecanismos não convencionais de proteção aos direitos humanos. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Após a Segunda Guerra Mundial, a humanidade presenciou a normatização e a internacionalização da proteção dos direitos humanos, que se deu principalmente com a Carta das Nações Unidas. Analisando-se dados históricos, como o Tribunal de Nüremberg, observa-se a importânciadesses acontecimentospara ajudicialização dos crimes contra a humanidade no plano internacional e, por fim, verifica-se a criação do sistema global de proteção internacional dos direitos humanos, com seus mecanismos convencionais e não convencionais de atuação.
2. PRECEDENTES DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Do ponto de vista histórico, em que pese a grande quantidade de fatos ocorridos em que se pode observar o preâmbulo do surgimento dos Direitos Humanos, dá-se destaque a dois acontecimentos marcantes e fundamentais que precederam o processo de internacionalização desses direitos.
O primeiro diz respeito à Declaração de Independência dos Estados Unidos, ocorrida em 1776, e o segundo corresponde à Declaração de Direitos do Homem da Revolução Francesa, de 1789, com o famoso lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
“No entanto, apesar de toda a emergência que a questão foi revestida desde a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração de Direitos do Homem da Revolução Francesa (1789), somente após a Segunda Guerra Mundial (1945) se inicia a verdadeira mudança no cenário internacional, onde não mais se permitiria aos Estados fazer distinções entre ordenamentos jurídicos internos e o sistema jurídico internacional, sobretudo no que concerne aos valores inerentes à pessoa humana” (DUARTE JR, 2006, p. 84).
De fato, a internacionalização do regime de proteção dos direitos humanos surgiu “sob o impulso das atrocidades perpetradas durante a Segunda Guerra Mundial” (AMARAL JR, p. 479).
Também para Flávia PIOVESAN, em meados do século XX, o Direito Internacional dos Direitos Humanos “surge em decorrência da Segunda Guerra Mundial e seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte dessas violações poderiam ser prevenidas se existisse um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos” (2008, p. 20).
Nessa linha, AMARAL JR afirma que “a concretização dos direitos humanos foi obra do constitucionalismo do final do século XVIII, que organizou a esfera pública com base na liberdade e na igualdade entre os cidadãos” e que “a criação da ONU favoreceu, extraordinariamente, a edificação de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos” (2011, p. 480).
Por fim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, inaugurou a fase de positivação e universalização dos direitos humanos (AMARAL JR, 2011, p. 480).
A partir daí, tornou-se possível, no plano internacional, através de tratados multilaterais, adotar-se medidas concretas de proteção aos direitos humanos, respeitando-se a soberania dos países e, ainda sim, colocando a dignidade da pessoa humana em primeiro plano.
Importante salientar que, ao longo do processo de elaboração, consolidação e afirmação dos Direitos Humanos, seu leque foi ampliado, de forma a abranger todas as necessidades do homem como indivíduo específico, atentando-se para os direitos inerentes à características próprias, como sexo, idade, raça, religião, cultura, nacionalidade, saúde, educação, segurança, entre outros.
3. O TRIBUNAL DE NUREMBERG
“Crimes contra a paz e crimes de guerra já eram tidos como comportamentos ilícitos na perspectiva do Direito Internacional antes da II Guerra Mundial” (LAFER, 1988, p. 168).
Entretanto, ao final da Segunda Guerra Mundial,com o colapso do regime nazista e a observação de abomináveis violações aos direitos humanos perpetrados por Hitler e seus seguidores, os Aliados, convictos da sua vitória sobre os países do Eixo, decidiram por julgar os principais líderes nazistas, bem como as suas organizações e instituições.
Criou-se, assim, em oito de 8 de agosto de 1945, o Tribunal de Nüremberg, “para julgar e punir os grandes criminosos de guerra das potências europeias do Eixo”, que “tinha competência e jurisdição, nos termos do art. 6º do seu estatuto, em relação aos crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade” (LAFER, 1988, p. 167).
O grande mérito do Julgamento de Nuremberg foi ter marcado, pela primeira vez na história, a criação de um Tribunal (O Tribunal Militar Internacional) em que os vencedores, em conjunto, julgaram publicamente os criminosos de uma guerra (PEREIRA, p. 3)
“Nesses julgamentos os principais líderes da Alemanha nazista foram acusados de crimes contra o direito internacional. Alguns dos réus foram acusados de terem provocado deliberadamente a Segunda Guerra Mundial e empreendido guerras agressivas de conquista. Quase todos foram acusados de assassinato, escravização, pilhagem e outras atrocidades cometidas contra soldados e civis dos países ocupados. Alguns foram também acusados de serem responsáveis pela perseguição aos judeus e outros grupos raciais e nacionais”(PEREIRA, p. 4)
“Para muitos o Julgamento de Nuremberg pode ser considerado um progresso do Direito Internacional, para outros (os revisionistas e neonazistas) este não passou de um tribunal improvisado e arbitrário, onde observou-se a espantosa negação de elementares postulados do Direito Penal tradicional, como o princípio da legalidade, pois deu efeito retroativo a um Plano de Julgamento para a incriminação de fatos pretéritos, não considerados crimes ao tempo de sua prática, e impôs aos acusados o enforcamento e penas arbitrárias, sem direito a qualquer recurso, além de ter sido um tribunal que foi criado e funcionou segundo a vontade arbitrária dos vencedores (ao mesmo tempo nos papéis de juízes e de acusadores), com o exclusivo propósito de uma vingança pura e simples”(PEREIRA, p. 4)
Contudo, para LAFER, “a concepção de crimes contra a humanidade, previstos no art. 6º, ‘c’, do Estatuto do Tribunal de Nüremberg, procurava identificar algo novo, que não tinha precedente específico no passado. Representava um primeiro esforço de tipificar, como ilícito penal, o ineditismo da dominação totalitária” (1988, p. 168). E, ainda para o autor, “se é certa a afirmação de que as potências vitoriosas criaram um Direito Internacional Penal ad hoc através do estatuto do Tribunal, é igualmente válido dizer-se que elas o fizeram sem desvio de poder, pois não incidiram na tentação das represálias e das violências incontroladas. Esta conquista da consciência jurídica teve desdobramentos importantes no tempo, pois Nüremberg não se esgotou nas sentenças de um tribunal ad hoc, mas acabou se convertendo no momento inicial que levou à afirmação, no plano do Direito positivo, de um Direito Internacional penal” (LAFER, 1988, p. 169)
4. A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS DE 1945
A Carta da ONU é um tratadoconstitutivo de uma organização internacional, constituindo-se em um documento que contém os princípios básicos do direito internacional, com disposições gerais para permitir a coexistência, em sua composição, de países ocidentais e orientais, capitalistas e socialistas, desenvolvidos esubdesenvolvidos.
Desde os horrores da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacionaltraçou, em 1945, a meta de “preservar as gerações vindouras dos flagelos da guerra”,que deveria ser alcançada por meio de um sistema de segurança coletiva, através da ONU.
Entretanto, “mesmo diante da tragédia do Holocausto, as preocupações iniciais dos líderes mundiais estavam concentradas quase exclusivamente na produção de uma ordem internacional estável ancorada em novo sistema de segurança coletiva”, de forma que “alguns observadores tendem a considerar que os direitos humanos entraram na Carta pela porta dos fundos” (BELLI, 2009, p. 29).
Ainda para BELLI, “A ideia de direitos humanos universais, assim, encontrou um lugar na Carta das Nações Unidas, mas como um fio tênue, numa rede de poder e interesse. O que poderia advir daí não estava nada claro. A Carta não disse o que esses direitos poderiam significar e ninguém sabia se algum direito poderia realmente ser chamado de universal, no sentido de ser aceitável por todas as nações e povos, incluindo aqueles ainda não representados na ONU” (2009, p. 30).
Ainda sim, a inclusão dos direitos humanos na Carta das Nações Unidas consistiu num marco para a proteção internacional dos direitos humanos, uma vez que passaram a ser matéria de Direito Internacional.
5. MECANISMOS NÃO CONVENCIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo global de proteção aos direitos humanos, no âmbito das Nações Unidas, é integrado por instrumentos de alcance geral (como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966) e por instrumentos de alcance específico, como as convenções internacionais, que buscam responder determinadas violações dos direitos humanos, como a tortura, a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, a violação dos direitos das crianças, dentre outras formas de violação (PIOVESAN, 2008, p. 23).
O sistema global é, então, composto por mecanismos convencionais e mecanismos não-convencionais de proteção dos direitos humanos. Os mecanismos convencionais são aqueles criados por convenções específicas de direitos humanos, sendo os respectivos Comitês análogos ao Comitê de Direitos Humanos criado pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
Os mecanismos não-convencionais, por sua vez, são aqueles decorrentes de resoluções elaboradas por órgãos das Nações Unidas, como a Assembleia Geral e o Conselho Econômico e Social. Cita-se, como principal exemplo, o Conselho de Direitos Humanos (CDH), mecanismo não-convencional criado pela Assembleia Geral, que possui posição central no sistema não-convencional de proteção.
Em 1946, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas estabeleceu a Comissão de Direitos Humanos, “dando início à construção institucional do sistema de direitos humanos como passo prévio à elaboração dos padrões internacionais para a conduta dos Estados nesse campo” (BELLI, 2009, p. 35). No entanto, a Comissão de Direitos Humanos terminou seus dias desacreditada e muito criticada, entretanto, seu insucesso “poderia ser encarado como relativo – tento em vista que, apesar das deficiências, o organismo nunca deixou de dar contribuições à causa da proteção dos direitos humanos no mundo” (BELLI, 2009, p. 131)
Assim, em 15 de março de 2006, ela foi substituída pelo Conselho de Direitos Humanos, que foi criado como órgão subsidiário da Assembleia Geral, mas com a previsão de revisão desses “status” dentro de cinco anos.
Segundo BELLI, “entre os aspectos relevantes incluídos na resolução, sobressaem os seguintes: a. manutenção do mandato de lidar com situações de violações dos direitos humanos e fazer recomendações a respeito na linha do documento final da Cúpula de 2005; b. estabelecimento de mecanismo de ‘revisão periódica universal’ para o0 exame do cumprimento pelos Estados de seus compromissos e obrigações em matéria de direitos humanos (...); c. instrução para que o Conselho assuma, revise e, se necessário, melhore e racionalize todos os mandatos, mecanismos, funções e responsabilidades da CDH com vistas a manter um sistema de procedimentos especiais, de assessoria por peritos e procedimentos de queixas” (2009, p. 143).
Por fim, Abraham M, em BELLI, afirma que “o Conselho representa um novo capítulo para ao direitos humanos. O Conselho tem algumas novas características, como sessões mais longas e frequentes, a possibilidade de se reportar diretamente à Assembleia Geral, a exigência de revisão periódica de todos os Estados ao invés de apenas alguns poucos selecionados e um melhor processo eleitoral, que garantem maiores oportunidades para que ele seja um mecanismo mais forte e efetivo do que a Comissão (...) Os poderes e funções do Conselho são apenas uma parte do processo de reforma, cujo elemento mais determinante será a disposição dos Estados de mudar sua própria cultura de funcionamento e de dar poder ao Conselho para agir conforme estabelece seu mandato” (2009, p. 147).
6. CONCLUSÃO
Observa-se, após o fim da Segunda Guerra Mundial, uma movimentação global pelo reconhecimento efetivo dos direitos humanos como universais e autoaplicáveis, seja em qualquer território, seja por qualquer governante. Nesse cenário pós guerra, surge a Carta das Nações Unidas, documento que cria uma organização internacional com o objetivo de manter a paz e a segurança no mundo, com a participação de inúmeros Estados-Nações, de diversas características econômicas, religiosas, territoriais e ideológicas, lançando uma pequena semente de normatização dos direitos humanos.
No plano internacional, observa-se, ainda, a criação de um Tribunal Penal Internacional em Nüremberg, com o objetivo de julgar os crimes de guerra e contra os direitos humanos perpetrados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, que resultaram, pela primeira vez, na judicialização dos crimes internacionais cometidos contra os seres humanos.
Por fim, observou-se a formulação de um sistema global de proteção dos direitos humanos, sob o encargo das Nações Unidas, no qual se observa mecanismos convencionais e não convencionais de proteção dos direitos humanos. Entre os mecanismos não convencionais de proteção aos direitos humanos, destaca-se o Conselho dos Direitos Humanos, criado em 2006.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL JR, Alberto. Curso de Direito Internacional Público, 2 ed. Rio de Janeiro, Atlas, 2011.
BELLI, Benoni. A politização dos direitos humanos. São Paulo: Perspectiva, 2009.
DUARTE JR, Dimas Pereira. Tratados e sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos:dos princípios filosóficos à realização normativa. São Paulo: Revista da APG, PUC/SP, ano XIII, n.31, 2006.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
PEREIRA. Wagner Pinheiro. O julgamento de Nuremberg e o de Eichmann em Jerusalém: o cinema como fonte, prova documental e estratégia pedagógica. Disponível em: . Aces-so em 13 mar. 2013.
PIOVESAN, Flávia. A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos. EOS. Revista Jurídica da Faculdade de Direito. v. 2, n. 1, Curitiba: Dom Bosco, 2008.
Procuradora Federal da Advocacia-Geral da União, Especialista em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes - UCAM e Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC/GO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Carolina Arantes Neuber. A internacionalização dos direitos humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35724/a-internacionalizacao-dos-direitos-humanos. Acesso em: 23 dez 2024.
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