1. Promovendo a análise quanto à possibilidade de parcelamento do valor devido por descumprimento de obrigações contratuais e até mesmo de Termos de Ajustamento de Conduta – TAC, relativa à manutenção dos bens ferroviários arrendados, por meio de licitação promovida pela Administração Federal, entendo que isso poderia ocorrer em sede administrativa, desde que o contrato de arrendamento não disponha em sentido contrário e levando em conta as considerações que se seguem.
2. Inicialmente, é importante fixar o entendimento quanto à natureza da dívida que se deseja parcelar, que é proveniente de descumprimento de obrigações contratuais, afastando-se, pois, eventual entendimento de atribuir natureza indenizatória àquilo que tem natureza infracional.
3. Em que pese a dívida a ser parcelada não ter natureza indenizatória, importante frisar não ser razoável eventual interpretação no sentido de que somente ao final da concessão, com a extinção do contrato, seria exigida eventual indenização pela não conservação dos bens arrendados, buscando fundamento legal no § 2º do art. 35 da Lei n.º 8.987, de 1995:
“Art. 35. Extingue-se a concessão por:
I - advento do termo contratual;
...
III - caducidade;
...
§ 2o Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários.
...
§ 4o Nos casos previstos nos incisos I e II deste artigo, o poder concedente, antecipando-se à extinção da concessão, procederá aos levantamentos e avaliações necessários à determinação dos montantes da indenização que será devida à concessionária, na forma dos arts. 36 e 37 desta Lei.
...
Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes.
§ 1o A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:
...
II - a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão;
...
§ 4o Instaurado o processo administrativo e comprovada a inadimplência, a caducidade será declarada por decreto do poder concedente, independentemente de indenização prévia, calculada no decurso do processo.
§ 5o A indenização de que trata o parágrafo anterior, será devida na forma do art. 36 desta Lei e do contrato, descontado o valor das multas contratuais e dos danos causados pela concessionária.”
4. Apesar de o inciso I do art. 35 da Lei de Concessões poder dar a impressão que somente com o advento do termo do contrato se daria a extinção da concessão, não podemos deixar de apontar o inciso III do mesmo art. 35 (cc/ art. 38, § 1º, inciso II) como sendo, também, motivo de extinção da concessão, e, diga-se, com potencial aplicação ao caso em tela, pois prevista para os casos em que ocorra descumprimento de cláusula contratual.
5. Neste ponto a o presente artigo merece abrir um parêntese e alertar para o equivocado entendimento de que a Concessionária/Arrendatária teria a faculdade de cumprir suas obrigações, até o final do prazo do contrato de concessão, por falta de dispositivo contratual prevendo o tempo em que deve se dar. Esse ponto de vista contraria frontalmente um interesse público, qual seja, ter à disposição uma malha ferroviária em condições de plena utilização.
6. Essa situação deve ser enfrentada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, regulando as relações jurídicas (contratos de concessão e arrendamento) que por ventura sejam silentes quanto ao modo e ao tempo em que devem ocorrer os investimentos do Concessionário/Arrendatário.
7. Deve, assim, buscando a plena utilização da malha ferroviária concedida, determinar a elaboração de cronograma adequado para que o investimento ocorra de maneira satisfatória ao longo da concessão, evitando-se a concentração de investimentos nos últimos anos do contrato de concessão, ou em qualquer outro período, em detrimento da conservação da malha durante todo o período contratual.
8. A concessão do serviço está voltada para o atendimento do interesse público. Sendo assim, a ANTT deve regular as eventuais omissões contratuais buscando evitar que os investimentos do concessionário sejam dirigidos somente para os trechos da malha ferroviária em que tenham interesse direto, em detrimento do interesse público na totalidade dos trechos que compõem a malha objeto da licitação.
9. Isso pode levar ao completo abandono de alguns trechos, tornando-os inviáveis economicamente e justificando a sua devolução pelo concessionário. Quer dizer, aquele que tinha o dever de investir, passaria a ter o “direito” de devolver trechos nos quais pouco ou sequer investiu. A adequada regulação deve impedir que, afinal, o concessionário possa beneficiar-se da própria infração contratual. Neste ponto, fecho o parêntese.
10. Ao lado disso, os levantamentos, avaliações e liquidações necessários dizem respeito aos eventuais bens que deverão ser indenizados ao Concessionário, sendo que, a única relação que eventuais dívidas existentes à época da extinção da concessão (como as que se discutem) guarda com esses levantamentos, é a possibilidade de serem descontadas do valor apurado para fins de indenização dos investimentos ainda não amortizados no curso da concessão.
11. Vale frisar que é cediço que a dívida é exigível desde o momento de seu vencimento, e passa a ser formalmente exigida a partir do momento que o devedor é notificado para pagá-la.
12. Neste ponto, é salutar frisar que estamos diante de um contrato administrativo, cujo direito aplicável rende homenagens ao princípio da legalidade, traduzido no fato de que só é permitido ao administrador fazer o que a lei determinar, não havendo espaço para a aplicação desse princípio conforme ocorre no direito privado, no qual se entende possível a realização de ato que não esteja proibido.
13. Assim, em que pese não haver lei própria aplicável ao caso, conforme colocado, pode-se, por analogia, aplicar norma legal que trata de assunto similar, como forma de integração de normas, possibilitando encontrar solução para o caso concreto.
14. Em razão disso, diante da ausência de dispositivo contratual e de lei específica acerca da possibilidade de parcelamento administrativo de débitos dessa natureza (infracional), mesmo que ainda não tenham sido inscritos em dívida ativa, os débitos relativos ao descumprimento de obrigações contratuais e TAC’s, é prudente que se adote os exatos parâmetros do parcelamento de dívida ativa, previstos no art. 37 – B da Lei n.º 10.522, de 2002, não podendo extrapolá-los, em hipótese alguma:
Art. 37-B. Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, poderão ser parcelados em até 60 (sessenta) prestações mensais. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 1o O disposto neste artigo somente se aplica aos créditos inscritos em Dívida Ativa e centralizados nas Procuradorias Regionais Federais, Procuradorias Federais nos Estados e Procuradorias Seccionais Federais, nos termos dos §§ 11 e 12 do art. 10 da Lei no 10.480, de 2 de julho de 2002, e do art. 22 da Lei no 11.457, de 16 de março de 2007. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 2o O parcelamento terá sua formalização condicionada ao prévio pagamento da primeira prestação, conforme o montante do débito e o prazo solicitado, observado o disposto no § 9o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 3o Enquanto não deferido o pedido, o devedor fica obrigado a recolher, a cada mês, o valor correspondente a uma prestação. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 4o O não cumprimento do disposto neste artigo implicará o indeferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 5o Considerar-se-á automaticamente deferido o parcelamento, em caso de não manifestação da autoridade competente no prazo de 90 (noventa) dias, contado da data da protocolização do pedido. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 6o O pedido de parcelamento deferido constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para exigência do crédito, podendo a exatidão dos valores parcelados ser objeto de verificação. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 7o O débito objeto de parcelamento será consolidado na data do pedido. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 8o O devedor pagará as custas, emolumentos e demais encargos legais. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 9o O valor mínimo de cada prestação mensal será definido por ato do Procurador-Geral Federal. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 10. O valor de cada prestação mensal, por ocasião do pagamento, será acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do mês subsequente ao da consolidação até o mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo efetuado. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 11. A falta de pagamento de 3 (três) parcelas, consecutivas ou não, ou de uma parcela, estando pagas todas as demais, implicará a imediata rescisão do parcelamento e, conforme o caso, o prosseguimento da cobrança. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 12. Atendendo ao princípio da economicidade, observados os termos, os limites e as condições estabelecidos em ato do Procurador-Geral Federal, poderá ser concedido, de ofício ou a pedido, parcelamento simplificado, importando o pagamento da primeira prestação em confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 13. Observadas as condições previstas neste artigo, será admitido reparcelamento dos débitos, inscritos em Dívida Ativa das autarquias e fundações públicas federais, constantes de parcelamento em andamento ou que tenha sido rescindido. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 14. A formalização do pedido de reparcelamento fica condicionada ao recolhimento da primeira parcela em valor correspondente a: (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
I – 10% (dez por cento) do total dos débitos consolidados; ou (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
II – 20% (vinte por cento) do total dos débitos consolidados, caso haja débito com histórico de reparcelamento anterior. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 15. Aplicam-se subsidiariamente aos pedidos de reparcelamento, naquilo que não os contrariar, as demais disposições relativas ao parcelamento previstas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 16. O parcelamento de que trata este artigo será requerido exclusivamente perante as Procuradorias Regionais Federais, as Procuradorias Federais nos Estados e as Procuradorias Seccionais Federais. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 17. A concessão do parcelamento dos débitos a que se refere este artigo compete privativamente às Procuradorias Regionais Federais, às Procuradorias Federais nos Estados e às Procuradorias Seccionais Federais. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 18. A Procuradoria-Geral Federal editará atos necessários à execução do parcelamento de que trata este artigo. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 19. Mensalmente, a Procuradoria-Geral Federal divulgará, no sítio da Advocacia-Geral da União, demonstrativos dos parcelamentos concedidos no âmbito de sua competência. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 20. Ao disposto neste artigo aplicam-se subsidiariamente as regras previstas nesta Lei para o parcelamento dos créditos da Fazenda Nacional. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)”
15. Outro ponto que convém ressaltar é a impossibilidade do valor devido ser objeto de parcelamento em quantidade de parcelas que coincidam com o termo do contrato de arrendamento, bem como seja aplicado o mesmo índice (IGP-DI) utilizado no contrato para fins de reajuste das parcelas, pois a dívida oriunda de penalidade por descumprimento contratual tem natureza diversa daquelas em que é utilizado o indexador presente no contrato.
16. E é justamente por essa razão, por tratar-se de dívida de cunho infracional, que o parcelamento não pode extrapolar a 60 (sessenta) prestações mensais, merecendo subsumir-se ao tratamento legal acima apontado (§ 10 do art. 37-B da Lei n.º 10.522, de 2002), de forma a integrar o ordenamento jurídico, diante da ausência de dispositivo legal específico, e pela impossibilidade de se adotar índice de correção contratual próprio para a atualização dos valores relativos às parcelas do arrendamento; não havendo qualquer óbice para que ocorra em sede administrativa, dispensando a judicialização.
Bacharel em Direito pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal - AEUDF. Exerce o cargo de Procuradora Federal desde 2006. Exerce o cargo de Diretor do Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal desde 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Antonio Carlos Soares. Limites ao parcelamento de valores devidos por descumprimento de obrigações contratuais relativas à manutenção de bens arrendados da Administração Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35730/limites-ao-parcelamento-de-valores-devidos-por-descumprimento-de-obrigacoes-contratuais-relativas-a-manutencao-de-bens-arrendados-da-administracao-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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