RESUMO: Surgimento dos Direitos Humanos na visão da autora Lynn Hunt, focado na transformação interior do indivíduo através da conscientização e, consequentemente, na contribuição do mesmo para a mudança de pensamento, de postura social, da cultura e da política. O tema será abordado no presente trabalho através de uma breve resenha informativa.
Palavras-chave: Lynn Hunt; Direitos Humanos.
O presente artigo busca demonstrar, através de uma resenha informativa, o surgimento dos Direitos Humanos na visão da autora Lynn Hunt.
Lynn Hunté professora de História Europeia Moderna na Universidade da Califórnia e especialista em Revolução Francesa, tendo concluído mestrado e doutorado pela Universidade de Stanford. Seu livro mais conhecido, A Invenção dos Direitos Humanos: uma história (2007) foi anunciado com a análise mais abrangente da história dos direitos humanos e aclamado pela crítica acadêmica.
O grande diferencial desta obra é que a autora não ignora a participação do indivíduo, do “eu”, na mudança do pensamento, da postura social, da cultura e da política. Ela não negligência como a mudança interior do ser humano, pela empatia, pelo “se colocar no lugar da outra pessoa”, através de experiências como leituras de romances, por exemplo, influencia na mudança de opinião da sociedade e na aceitação de novos paradigmas.Nas palavras da autora:
Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tortura ou romances epistolares teve efeitos físicos que se traduziram em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro como novos conceitos sobre a organização da vida social e política. Os novos tipos de leitura (e de visão e audição) criaram novas experiências individuais (empatia), que por sua vez tornaram possíveis novos conceitos sociais e políticos (os direitos humanos). Nestas páginas tento desemaranhar como esse processo se realizou (p. 32).
E, complementando:
Para que os direitos humanos se tornassem autoevidentes, as pessoas comuns precisaram ter novas compreensões que nasceram de novos tipos de sentimentos (p. 33).
Aponta a raiz da disseminação dos direitos humanos no século XVIII, com a capacidade de sentir empatia, que, emborajá existisse e seja universal e biológica, foi aguçada pelos romancesepistolares, como Julia, de Rousseau, e Pamela e Clarissa, do inglês Samuel Richardson. Esses romances, embora amplamente criticados pelo clero e pelos setores mais conservadores da sociedade, apresentavam a ideia de que todas as pessoas são fundamentalmente semelhantes por causa de seus sentimentos íntimos, independente da classe social.Portanto, ao ler os romances, os indivíduos sentiam empatia além de fronteiras sociais tradicionais, passando a ver os outros como seus semelhantes, não necessariamente no campo político, mas tendo os mesmos tipos de emoções internas, o que se acredita poderia ajudar na transformação da natureza interior do indivíduo e na produção de uma sociedade mais moral, fornecendo a base para a autoridade social e política.
O termo "direitos do homem" começou a circular em francês depois de sua aparição em O contrato social, de Rousseau. Em Tratado sobre a tolerância, por ocasião da morte de Jean Calas, que fora torturado e condenado à morte, também em 1762, Voltaire usou pela primeira vez a expressão "direito humano".
A partir daí, o tema sobre tortura tornou-se corrente nas obrascontemporâneas, uma vez que a tortura judicialmente supervisionada para extrair confissões tinha sido reintroduzida na maior parte dos países europeus. A maioria das sentenças determinadas pelos tribunais franceses na última metade do século XVIII incluía alguma forma de castigo corporal público.No entanto, a partir da década de 1760, campanhas de vários tipos levaram à abolição da tortura sancionada pelo estado e a uma crescente moderação nos castigos. O italiano Beccariae o inglês Blackstoneajudaram a estabelecera visãode que a lei criminal deveria se conformar aos ditados da verdade e da justiça, aos sentimentos humanitários e aos direitos indeléveis da humanidade.
As novas atitudes sobre a tortura e sobre uma punição mais humana se cristalizaram primeiro na década de 1760, não apenas na França, mas em outros países europeus e nas colônias americanas. Em 1789, o governo revolucionário francês renunciou a todas as formas de tortura judicial, introduzindo a guilhotina em 1792, que tinha a intenção de tornar a execução da pena de morte uniforme e tão indolor quanto possível. No final do século XVIII, a opinião pública parecia exigir o fim da tortura judicial e de muitas indignidades infligidas aos corpos dos condenados.
A autora salienta, ainda, a importância do Jusnaturalismo para o nascimento dos direitos humanos. Teóricos como Grotius, Pufendorf, Burlamaqui, Locke e Hobbes influenciaram principalmente em dois eventos que marcaram profundamente a história dos direitos humanos: a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), nos quais os declarantes afirmavam estar confirmando direitos que já existiam e eram inquestionáveis, mas, ao fazê-lo, efetuavam uma revolução na soberania e criavam uma base inteiramente nova para o governo: justificado pela garantia dos direitos universais.
Embora as classes sociais, as religiões e os sexos tivessem ficado de foram das declarações, declarar os direitos teve consequências fora dos Estados Unidos e da França, transformando a linguagem de todo mundo quase da noite para o dia, elevado o nível de discussão sobre o assunto.
Na França, pôde se observar uma linha de evolução bem delineada, em que os protestantes, posteriormente os judeus, adquiriram direitos políticos, de forma que, em dois anos após a Declaração, as minorias religiosas haviam ganhado direitos iguais.A França também concedeu direitos políticos iguais aos negros livres (1792) e emancipou os escravos (1794) muito antes de qualquer outra nação que possuía escravos, enquanto o Parlamento britânico somente votou pelo fim da participação no tráfico de escravos em 1807 e decidiu abolir a escravidão nas colônias britânicas em 1833.Já os Estados Unidos só aboliram oficialmente a escravidão em 1865.
Dada a exclusão universal das mulheres dos direitos políticos no século XVIII e durante a maior parte da história humana, as mulheres não ganharam o direito de votar nas eleições nacionais em nenhum lugar do mundo antes do fim do século XIX. A autora alega ser mais surpreendente que os direitos das mulheres não tenham sequer sido discutidos na arena pública do que o fato de as mulheres em última análise não os terem ganhado.
Já nos séculos XIX e XX, observa-se a nacionalização dos direitos humanos, que ficaram arraigados à ideia de nacionalidade.Nessa nova atmosfera protetora, o nacionalismo assumiu um caráter mais xenófobo e racista, intimamente entrelaçado com a etnicidade, alimentando uma ênfase crescente nas explicações biológicas para as diferenças.Contrariando pesquisas anteriores, cientistas pregavam a superioridade da raça branca em relação à raça negra e os perigos da miscigenação. Onovo antissemitismo também pregava a expulsão dos judeus.Também no século XIX, à semelhança do nacionalismo, o socialismo e o comunismo se formaram numa reação explícita a limitações visíveis dos direitos individuais constitucionalmente estruturados.
O século XX, por sua vez, presenciou duas Guerras Mundiais, com milhares de mortos, sendo a maioria civis. Essas barbáries resultaram na criação das Nações Unidas, com a assinatura da Carta das Nações Unidas,e na aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10/12/1948.
A Declaração Universal não reafirmava simplesmente as noções de direitos individuais do século XVIII, tais como a igualdade perante a lei, a liberdade de expressão, a liberdade de religião, o direito de participar do governo, a proteção da propriedade privada e a rejeição da tortura e da punição cruel. Ela também proibia expressamente a escravidão e providenciava o sufrágio universal e igual por votação secreta. Além disso, requeria a liberdade de ir e vir, o direito a uma nacionalidade, o direito de casar e, com mais controvérsia, o direito à segurança social; o direito de trabalhar, com pagamento igual para trabalho igual, tendo por base um salário de subsistência; o direito ao descanso e ao lazer; e o direito à educação, que devia ser grátis nos níveis elementares (p. 206)
Por fim, a autora conclui que embora as formas modernas de comunicação tenham expandido os meios de sentir empatia pelos outros,elas não têm sido capazes de assegurar que os homens ajam com base nesse sentimento de camaradagem, uma vez que se observa o contínuo desrespeito aos direitos humanos, aos direitos das mulheres, das crianças, reaparecimento da escravidão, emprego da tortura, genocídios, etc.Conclui ainda afirmando que:
A estrutura dos direitos humanos, com seus órgãos internacionais, cortes internacionais e convenções internacionais, talvez seja exasperadora na sua lentidão para reagir ou na sua repetida incapacidade de atingir seus objetivos principais, mas não existe nenhuma estrutura mais adequada para confrontar essas questões. As cortes e as organizações governamentais, por mais que tenham alcance internacional, serão sempre freadas por considerações geopolíticas. A história dos direitos humanos mostra que os direitos são afinal mais bem defendidos pelos sentimentos, convicções e ações de multidões de indivíduos, que exigem respostas correspondentes ao seu senso íntimo de afronta (p. 215, 216)
Verifica-se, por fim, que a luta pela positivação e pelo efetivo cumprimento dos direitos humanos é constante e está longe do fim. Ainda que já esteja reconhecido vários direitos humanos, políticos, sociais, difusos e coletivos, ainda há muito pelo que se lutar. E, o mais polêmico e talvez o mais atual no cenário nacional atual seja o direito dos homossexuais de se unirem civilmente e de formarem família. O livro apresenta, de forma brilhante, como a conscientização, a educação das massas e a modificação interior de cada indivíduo podem funcionar como catalizador do reconhecimento desses direitos pela sociedade, o que pode resultar na positivação e na efetiva aplicação dos mesmos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Procuradora Federal da Advocacia-Geral da União, Especialista em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes - UCAM e Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC/GO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Carolina Arantes Neuber. Lynn Hunt e a invenção dos direitos humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35732/lynn-hunt-e-a-invencao-dos-direitos-humanos. Acesso em: 23 dez 2024.
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