Este artigo busca esclarecer qual a legislação aplicável à divisão de participações governamentais decorrentes da lavra de petróleo e gás natural entre os entes da federação.
O cerne da controvérsia reside em saber se o Decreto nº 4.983, de 2004 é aplicável para efeito de demarcação territorial na costa brasileira, repercutindo na distribuição de royalties entre os entes federados. Caso isso se confirme, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no exercício da função demarcatória,deverá utilizar o referido diploma legal de modo a subsidiar aAgência Nacional do Petróleo – ANP no que tange à identificação dos Entes Federados a serem beneficiados.
Inicialmente cumpre enfatizar que não há controvérsia quanto à competência do IBGE para traçar as linhas divisórias na costa Brasileira, pois no novo marco regulatório da indústria do petróleo, instituído nos anos 90, o IBGE manteve a competência para traçar as linhas de projeção dos limites territoriais dos Estados, Territórios e Municípios confrontantes, nos termos do art. 1º[1] do Decreto nº 93.189, de 1986 enquanto à ANP compete calcular e definir os valores devidos a cada beneficiário, conforme o art. 20[2] do Decreto n.º 2.705, de 1998.
Toda celeuma que ora se propõe a discutir diz respeito à aplicabilidade do chamado método das linhas de bases retas que é quando o litoral apresenta “reentrâncias profundas ou saliências, ou onde exista uma série de ilhas ao longo da costa e em sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de bases retas, ligando pontos apropriados para o traçado da linha em relação à qual serão tomadas as projetantes dos limites territoriais” (art. 3º do Decreto nº 93.189, de 1986 responsável pela regulamentação da Lei n.º 7.525, de 1986).
Desse modo há de se verificar se o IBGE na fixação dos limites territoriais deverá observar os pontos discriminados no Decreto n.º 4.983, de 2004, que regulamentou o art. 1º[3] da Lei n.º 8.617, 1993, sem se esquecer que o referido Decreto, aparentemente, tem finalidade específica de aplicação, o que o afastaria para os fins que ora se articula.
Neste ponto, importante destacar que a Lei nº 7.525, de 22 de julho de 1986, atribuiu ao IBGE a competência para o traçado das linhas de projeção até o ponto de sua interseção com os limites da plataforma continental, para efeito de definição dos entes federativos confrontantes aos poços produtores localizados no mar.
Nessa esteira, entende-se que o Instituto deve tomar por base o disposto no Decreto n.º 93.189, de 1986, que regulamentou a Lei n.º 7.525, de 1986, e estabelece os critérios geográficos a serem observados no traçado das linhas de projeção dos royalties, dentre os quais, a possibilidade de utilização do método das linhas de bases retas.
Entendo que não como se pensar de forma diversa, pois o próprio Decreto nº 4.983, de 2004, elencou as situações em que ele é aplicável, conforme se infere do consignado no seu art. 4º, in verbis:
“Art. 1º São adotadas as Linhas de Base Retas ao longo da costa brasileira, formadas pelos segmentos que unem os pontos de coordenadas geográficas a seguir mencionadas:
I- Na baia do Oiapoque:
Ponto nº 01 – LAT. 04º ...
Art. 4º As Linhas de Base Retas e Normais, conforme definidas neste Decreto, devem ser exclusivamente usadas como origem para o traçado dos limites exteriores do mar territorial, da zona contígua, da zona econômica exclusiva e da plataforma continental, cujos conceitos estão especificados na Lei 8.617, de 4 de janeiro de 1993. (grifei)
Art. 5º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 6º. Fica revogado o Decreto nº 1.290, de 21 de outubro de 1994”
Data máxima vênia daqueles que pensam em contrário não vejo como conferir aplicabilidade ao Decreto para fixação dos limites internos e se a própria legislação expressamente ressalvou o seu uso aos limites externos.
Não me parece que um esforço exegético possa conduzir a uma situação de aplicabilidade de uma legislação a uma hipótese que ela mesma cuidou de ressalvar, de negar vigência. Não se trata de privilegiar a interpretação literal, mas apenas de buscar a vontade do legislador que ficou expressa na norma.
Corrobora com a conclusão acima o que se infere da exposição de motivos da Lei n.º 8.617, de 1993 que foi regulamentada pelo Decreto n.º 4.983, de 2004, cujo inteiro teor trago a colação, in verbis:
“ Temos a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que em 22 de dezembro de 1988 o Brasil ratificou a convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, depois de haver ela sido aprovada pelo Congresso Nacional. A convenção celebrada em MontegoBay, Jamaica, a 10 de dezembro de 1982, incorpora o que já faz parte do direito internacional consuetudinário em matéria de definição de espaços marítimos, consagrando um mar territorial de 12 milhas marítimas, uma zona contígua, uma zona econômica exclusiva que se estende das 12 às 200 milhas, bem como uma plataforma continental que poderá estender-se além das 200 milhas de distância do litoral.
2. A Constituição Federal já reflete os novos conceitos do Direito do Mar, ao estabelecer, no art. 20, inciso V, que são bens da União “os recursos naturais da plataforma continental da zona econômica exclusiva”. Ocorre, porém, que ainda se encontra em vigor o Decreto-Lei nº 1.098, de 25 de março de 1970, que estendeu a largura do mar territorial brasileiro para 200 milhas marítimas, produzindo-se, em consequência, discrepância conceitual e terminológica entre a Constituição Federal e a legislação ordinária.
3. Com vistas a sanar essa discrepância, temos a honra de encaminhar à alta apreciação de Vossa Excelência projeto de mensagem que submete ao Congresso Nacional Projeto de lei que, ao revogar o Decreto-Lei nº 1098, incorpora os conceitos básicos consagrados na convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. (grifei)
Aproveitamos a oportunidade para renovar a Vossa Excelência, senhor Presidente, os protestos do nosso mais profundo respeito”
Portanto, o que se percebe é que a Lei n.º 8.617, de 1993 cuidou de ajustar a legislação local e incorporar os conceitos básicos (mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva, plataforma continental) em face da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar que havia sido ratificada pelo Estado Brasileiro.
Dessa maneira é possível concluir que essa legislação é inadequada e não pode ser utilizada como parâmetro para fixar o traçado dos limites territoriais internos, já que voltada ao atendimento do contexto internacional, sendo que o Decreto regulamentador da própria Lei pontuou o fim a que se destinava (art. 4º do Decreto nº 4.983, de 2004, – traçado dos limites exteriores).
Cabe ainda destacar, como outro indicativo da impropriedade da utilização do mencionado Decreto, que tanto os pontos definidos no Decreto n.º 1.290, de 1994(estabelece os pontos apropriados para o traçado das Linhas de Base Retas ao longo da costa brasileira),quanto aqueles definidos no Decreto 4.983, de 2004(estabelece os pontos apropriados para o traçado das Linhas de Base Retas ao longo da costa brasileira e dá outras providências), não cobrem todas as áreas de produção de petróleo off-shore, existindo lacunas críticas nos locais onde o litoral faz uma inflexão acentuada.
Desse modo, me parece correto defender o entendimento no sentido de que o IBGE deve pautar-se pelo disposto no Decreto n.º 93.189, de 1986, para traçar as linhas de projeção dos limites territoriais dos Estados, Territórios e Municípios confrontantes, pois estabelece os critérios geográficos a serem observados, dentre os quais, a possibilidade de utilização do método das linhas de bases retas.
Ante o exposto, resta demonstrada a inaplicabilidade do Decreto nº 4.983, de 2004, para servir de parâmetro à fixação das divisas territoriais de Estados e Municípios na costa brasileira com vistas à distribuição de royalties.
[1]Art. 1º A Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, para traçar as linhas de projeção dos limites territoriais dos Estados, Territórios e Municípios confrontantes segundo a linha geodésica ortogonal à costa, tomará por base a linha da baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro adotada como referência nas cartas náuticas.
[2]Art 20. Os recursos provenientes dos royalties serão distribuídos pela Secretaria do Tesouro Nacional - STN, do Ministério da Fazenda, nos termos da Lei nº 9.478, de 1997, e deste Decreto, com base nos cálculos dos valores devidos a cada beneficiário, fornecidos pela ANP.
[3]Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.
Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recorte profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar territorial. (Regulamento)
Bacharel em Direito pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal - AEUDF. Exerce o cargo de Procuradora Federal desde 2006. Exerce o cargo de Diretor do Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal desde 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Antonio Carlos Soares. Legislação aplicável quanto à divisão de royalties decorrentes da lavra de petróleo e gás natural entre os entes da federação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35736/legislacao-aplicavel-quanto-a-divisao-de-royalties-decorrentes-da-lavra-de-petroleo-e-gas-natural-entre-os-entes-da-federacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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