INTRODUÇÃO
Não há dúvidas de que o instituto do concurso público, pela sua importância, possui sustentação constitucional, sendo regra impostergável, pelo que deve ser obedecido por todas as entidades da administração direta e indireta do Estado brasileiro.
Nesse sentindo, o inciso II, do art. 37, da Constituição Federal, garante que a investidura em cargo ou função pública depende de aprovação prévia em concurso público, salvo devidas exceções, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
É sabido que quando um concurso é lançado e o número de vagas está expressamente previsto no edital, é porque os cargos vagos existem e já há previsão orçamentária para aquelas vagas, ou seja, a Administração tem os recursos necessários para admitir ou nomear e tem necessidade de servidores/empregados.
Assim, diante da promessa de ingresso no serviço público e da existência de cargos vagos, o candidato luta por uma aprovação que lhe permita nomeação ou admissão, ou seja, dentro do número de vagas.
Aprovação ocorre quando um candidato é considerado apto em todas as fases do certame; de outro lado, classificados são aqueles que, tendo sido aprovados, estão, por força da pontuação obtida, dentro do número de vagas imposto pela Administração Pública.
Neste ponto, importa lembrar que a aprovação em concurso público tem conseqüências jurídicas variadas, dentre elas, o fato dos candidatos aprovados em um certame poderem ser aproveitados no mesmo concurso, em momento futuro, quando surgirem vagas, seja por criação de novas vagas, seja por aposentadoria ou por exoneração/demissão.
Desse modo, enquanto o candidato encontrar-se no cadastro reserva, o que surge para ele é uma mera expectativa de seu direito à nomeação. Entretanto, surgindo nova vaga durante o prazo de validade do certame público a Administração Pública fica vinculada à convocação do candidato da vaga subseqüente.
Do direito subjetivo à nomeação
Sabe-se que a Constituição da República prevê duas ordens de direito ao candidato aprovado em um certame público: i) o direito de precedência, dentro do prazo de validade do concurso, em relação aos candidatos aprovados em certame superveniente e ii) o direito de convocação por ordem descendente de classificação de todos os aprovados.
Tais direitos estão, ao menos inicialmente, condicionados ao poder discricionário da Administração no que tange à conveniência e oportunidade do chamamento dos aprovados. Por isso se diz, até esse específico ponto, que a habilitação em concurso não cria, ao aprovado, direito à nomeação, mas tão somente uma mera expectativa de direito.
A sistemática é de lógica cristalina: a Administração Pública irá convocar os candidatos aprovados de acordo com a disponibilidade orçamentária e à medida que os cargos forem vagando, realizando verdadeiro juízo de mérito administrativo.
No entanto, essa sistemática é remodelada quando a Administração Pública, de algum modo, manifesta, de maneira inequívoca e objetiva, a necessidade, a conveniência e a intenção de provimento do mesmo cargo, no prazo de validade do concurso público. Nessa ocasião a mera expectativa se convalida em legítimo direito subjetivo do candidato a ser nomeado para o cargo a que concorreu e foi aprovado.
Isso porque, quando há previsão legal de determinado quantitativo de vagas a serem preenchidas, o ato de nomeação deixa de ser discricionário dotando-se de caráter notadamente vinculativo.
Ora, essa observância pela Administração ao texto legal é imposição decorrente do princípio constitucional da legalidade administrativa e da própria natureza de Estado de Direito da República Federativa do Brasil.
Acerca do tema, eis a doutrina do consagrado Luciano Ferraz[1]:
(...) a aprovação no concurso público não gera mera simples expectativa de direitos de ser nomeado ao aprovado, gera-lhe direito subjetivo presumido à nomeação. Com efeito, se a Administração deixar transparecer, seja na publicação do Edital, seja mediante a prática de atos configuradores de desvio de poder (contratações temporárias e terceirizações de serviço), que necessita de mão-de-obra dos aprovados, ou ainda se surgiram novas vagas durante o prazo de validade do concurso, a expectativa se transmuda em direito subjetivo. Vislumbra-se (...) que os aprovados no concurso possuem direito subjetivo presumido à nomeação e à prorrogação do prazo de validade, inteligência que na prática, transfere à Administração Pública o ônus de demonstrar, com argumentos razoavelmente aceitáveis (v.g. excesso de despesas de pessoal), os motivos que ensejaram a não-adoção dessas medidas. (destacou-se)
Se há, portanto, uma previsão legal de determinado número de vagas a serem preenchidas, não deixa a norma, pois, margem à Administração para qualquer juízo de mérito.
Pois bem. O Superior Tribunal de Justiça, bem como a Suprema Corte Brasileira, têm consolidado o entendimento de que os candidatos aprovados em certame público, dentro do número de vagas anunciadas pelo edital regente, têm direito subjetivo à nomeação.
Tal posicionamento vem ao encontro do clamor social de se retirar da Administração Pública a possibilidade de angariar fundos por meio de realização de concursos públicos sem nenhuma possibilidade de nomeação dos aprovados.
Se assim não fosse, vulnerado estaria, entre outros o princípio da boa-fé inerente à Administração Pública, haja vista que o candidato, confiante nas normas previstas no edital de regência do concurso, teria frustrada a expectativa depositada no ente público, sem falar, ademais, em investimentos, gastos e estudos dispensados para a preparação intelectual, e por vezes físicas, a fim de lograr boa colocação no certame.
Neste mesmo sentido, é o entendimento das mais altas cortes do país:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS.
I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL.
Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas.
(...)
(STF, Tribunal Pleno, RE 598099/MS, Re. Min. Gilmar Mendes. DJ de 10/08/2011. Sem grifos no original)
“(...) Candidatos aprovados em concurso público e classificados além do número de vagas originalmente previsto no edital de convocação. Inclusão no cadastro de reserva destinado ao preenchimento de cargos que viessem a ficar vagos no prazo de sua validade. Consequência: direito subjetivo à nomeação, durante o lapso assinalado no respectivo edital, caso se verifiquem as condições legais veiculadas para o ato”. (STF, 2ª Turma, in Recurso em Mandado de Segurança nº 24119/DF, j. de 14/06/2002, Rel. Ministro Maurício Corrêa. Destacou-se).
“(...) comprovada a existência de vaga e demonstrada a necessidade de pessoal, em razão da contratação temporária para exercício da função, exsurge o direito líquido e certo da impetrante à nomeação no cargo para o qual foi aprovada”. (STJ, 5ª Turma, in Recurso em Mandado de Segurança nº 23.962, j. de 27/03/2008, Rel. Ministro Félix Fischer. Destacou-se).
Por consequência, ilegal a contratação de comissionados para o cargo a que o candidato aprovado no cadastro de reserva faz jus.
Da contratação de comissionadosaos cargos em questão
Com efeito, o inciso V do art. 37 da Constituição Federal trata da designação para o exercício de funções de confiança e do provimento de cargos em comissão, nos seguintes termos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
(...)
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
Como é cediço, o legislador constituinte, a par de exigir a realização de concurso público para o provimento de cargo público, criou duas exceções a essa regra. Uma relativa ao ingresso em cargos comissionados, que são de livre nomeação e exoneração. A outra, para a contratação por tempo determinado, com o fito de atender necessidade de excepcional interesse público.
Apesar de inexistir norma constitucional expressa, inquestionável a possibilidade de o Judiciário exercer algum controle sobre a criação indiscriminada de cargos em comissão. Ademais, sabe-se que o princípio da exigibilidade de concurso público é a regra geral, constituindo-se exceção a criação de cargos em comissão, de função de confiança e cargos temporários, conforme se depreende dos dispositivos constitucionais transcritos.
O que se extrai é que, na maior parte das vezes, a contratação de comissionados quando existem candidatos aprovados em concurso público para o mesmo cargos se dá não em face de um interesse público relevante, mas visando apenas o atendimento de interesses outros, de caráter eminentemente eleitoreiro, o que não se coaduna com os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa.
Sobre a contratação de temporários, brilhante o posicionamento do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, quando do julgamento da ADIN 890/DF. Mutatis mutantis, a mesma linha de raciocíonio aplica-se aos comissionados, nos seguintes termos:
“(...) a cláusula constitucional autorizadora destina-se exclusivamente – e aqui a interpretação restritiva se impõe – aos casos em que comprovadamente haja necessidade temporária de pessoal. Tal situação não abrange aqueles serviços permanentes que estão a cargo do Estado nem aqueles de natureza previsível, para os quais a Administração Pública deve alocar, de forma planejada, os cargos públicos para isso suficientes, a serem providos pela forma regular do concurso público, sob pena de desídia e ineficiênciaadministrativa.” (grfou-se)
E continuou:
“Necessidade temporária de excepcional interesse público” não pode servir de escudo a justificar a contratação temporária ampla e irrestrita de servidores, a pretexto da permissão prevista no inciso IX do artigo 37 da Carta Federal, em evidente usurpação de cargos específicos e típicos de carreira.” (grifou-se)
Essa preterição, tal como a aprovação dentro do número de vagas previstas no edital, transmuta a “expectativa em direito” dos candidatos a verdadeiro direito subjetivo.
Isto porque, a partir da demonstração da necessidade de provimento pela Administração de um determinado número de vagas, a nomeação e a posse, que seriam, a princípio discricionárias, tornam-se verdadeiros atos vinculados, gerando em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro de tal previsão.
Nesse sentido, é o v. acórdão do Superior Tribunal de Justiça a seguir ementado:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO OFTALMOLOGISTA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO. COMPROVADA A PRETERIÇÃO DO CANDIDATO APROVADO NO CERTAME. RECONHECIDO O DIREITO À NOMEAÇÃO. NOVA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS DELIMITADOS NO ARESTO RECORRIDO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A manutenção de contratos temporários para suprir a demanda por Médicos Oftalmologistas, demonstra a necessidade premente de pessoal para o desempenho da atividade, revelando flagrante preterição daqueles que, aprovados em concurso ainda válido, estariam aptos a ocupar o cargo; circunstância que, a teor da Jurisprudência desta Corte Superior, faz surgir o direito subjetivo do candidato à nomeação. 2. O reexame vedado em sede de Recurso Especial, nos moldes da Súmula 7/STJ, cinge-se à existência ou correção dos fatos delimitados na sentença e no acórdão recorrido; a atribuição de nova qualificação jurídica a um fato é perfeitamente possível ao STJ,pois está adstrita ao debate de matéria de direito (AgRg no EREsp.134.108/DF, Corte Especial, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, DJU16.08.1999). Agravo Regimental desprovido. (AgRg no REsp 1124373/RJ. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. 5ª Turma. Julgado em 21/06/2011. DJe 01/07/2011. Original sem grifos)
Portanto, a contratação de servidores comissionados e/ou temporários para a ocupação de cargos para os quais há aprovados em concurso integrantes de cadastro de reserva transforma a expectativa em verdadeiro direito subjetivo.
CONCLUSÃO
Os cargos públicos no país, por expressa disposição constitucional, são providos através de concurso público. Embora a Administração Pública não seja obrigada a nomear, em tais concursos, mais candidatos do que o efetivo número de vagas existentes em seus quadros, uma vez aprovados, eles passam a ter direito subjetivo à sua nomeação se ficar demonstrada a necessidade de novos servidores concursados. Tal necessidade pode ser comprovada pela criação de novos cargos públicos, contratação ilegal de temporários e/ou comissionados, bem como aposentadorias ou falecimento de servidores.
Assim, em tais situações, não há discricionariedade da Administração em nomear os candidatos aprovados mas não classificados dentro do número de vagas, ou seja, aprovados no cadastro de reserva, posto que deve obediência ao princípio do concurso público, bem como aos seus subprincípios (precedência e convocação por ordem descendente de classificação de todos os aprovados).
Nesses casos, o Poder Judiciário, atento à burla dos princípios constitucionais da boa-fé, impessoalidade e moralidade, quando provocado, tem intervido de modo a garantir a nomeação dos candidatos aprovados.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http//: www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jun 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
FERRAZ, Luciano. Concurso público e direito à nomeação. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
[1] FERRAZ, Luciano. Concurso público e direito à nomeação. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005. P.255
Procuradora Federal. Pós-graduada em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NAVES, Silvia Costa. A obrigatoriedade de nomeação do cadastro de reserva em concursos públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35756/a-obrigatoriedade-de-nomeacao-do-cadastro-de-reserva-em-concursos-publicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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