Durante o período do Estado Liberal, a Administração Pública não possuía qualquer influência no plano das relações privadas. As leis do mercado regiam a sociedade. O Estado possuía uma função acessória de garantir a liberdade dos cidadãos, garantir a ordem interna e respeitar a separação dos poderes, deixando o âmbito econômico como área de atuação exclusiva da sociedade.
Derivam deste momento histórico os chamados direitos de primeira geração ou dimensão, que tinham como principal objetivo defender o cidadão do próprio Estado, impor uma conduta negativa ao Estado. Como exemplo desta espécie de direitos temos o habeas corpus e toda série de proteção estatal ao direito de propriedade.
Porém, as pressões sociais exercidas por grande parcela da sociedade destituída do acesso aos bens materiais e, portanto, longe da área de proteção estatal, levaram a uma série de mudanças no Estado Liberal.
Dessa forma, o Estado foi chamado para corrigir distorções do mercado, na tentativa de diminuir o abismo então existente entre pobres e ricos. Em um intervalo de menos de cinquenta anos a atuação estatal passou da total ausência de interferência na atividade econômica para um protagonismo exacerbado, sendo implantadas ações tais como o fornecimento de serviços como educação, saúde e previdência social e programas de distribuição de renda.
Para dar lugar a este aumento de sua competência e passar a ser um agente atuante na economia, o Estado se viu obrigado a modificar sua estrutura. Assim, surgiram entes como as autarquias, as fundações, as empresas públicas, sociedades de economia mista.
Com o advento do Estado Social, houve, consequentemente, uma mudança no perfil das Constituições, às quais caberia o papel de definir, em termos jurídicos, a configuração do no novo tipo de Estado e sociedade.
Nessa época, o Estado passa a ser entendido como o produtor da justiça social. O Estado Social é marcado pela inflação normativa advinda da Administração, pela enorme concentração de tarefas no Estado, pelas relações de clientelismo entre os indivíduos e o Poder Público e pela consagração de novos direitos que não se voltavam apenas ao aspecto formal dos cidadãos. Passou de um Estado absenteísta para um Estado ativo, presente, produtor e concentrado nos meios materiais de vida da sociedade.
Apesar das várias atribuições que passaram a fazer parte das competências administrativas do Estado Social, como a prestação de variados serviços públicos e a exploração direta de atividade econômica em sentido estrito, assim como a não participação do cidadão na formação do direito do período, conduziram a uma crise que acabou por gerar a transformação do Estado Social.
Pode-se falar de uma crise de múltiplas feições, manifestada por uma crise fiscal, de uma crise de legitimação e de uma crise das categorias jurídicas do Estado Social. A crise fiscal evidenciará a incapacidade do Estado continuar a atuar diretamente na economia com a função de prover bens e serviços para a sociedade, ou seja, será a crise básica que marcará a passagem de um Estado de caráter produtor (intervenção direta) para um Estado de caráter regulador (intervenção indireta).
No Estado Social, a forma prioritária de atuação foi caracterizada pela atuação do Estado assumindo uma participação direta, produtiva, por meio de entidades especialmente criadas para tal fim. O Estado Social, hipertrofiado, atingiu seu período de crise multifacetada. Contudo, o maior problema foi a face econômico-fiscal, que acarretou, basicamente, problemas de financiamento que impediram que o Estado continuasse a atender a todas as demandas que lhe eram dirigidas. Houve o esfacelamento das estruturas sociais, a erosão das políticas públicas, a incapacidade estatal de cumprir suas funções mais essenciais.
O Estado Social é marcado pela inflação normativa advinda da esfera pública, pela concentração de tarefas no Estado, pela consagração de direitos que não se voltavam apenas ao aspecto formal dos cidadãos. A esfera pública, o poder público, é o grande promotor da justiça social nesse período.
A grande diferença entre o Estado liberal e o Estado social foi a mudança de perfil, ou seja, o Estado deveria deixar de se mostrar distante da esfera privada de relações jurídicas, sociais e econômicas, para passar a intervir ativamente na esfera privada, na sociedade civil. Isso se faz, sob o ponto de vista da economia, com a preponderância de um Estado produtor de bens e serviços, seja em termos de sua relação com a sociedade civil, os indivíduos passar a ser o destinatário das atividades do Estado, como se fossem um “cliente” do Estado.
No período do Estado produtor, a relação entre a esfera pública e a esfera privada era de um estado paternalista. Diante das demandas sociais, o Estado apresentava respostas prontas por meio da consagração jurídica de direitos e de prestações estatais.
Esta tendência de atuação estatal em todas as áreas e desenvolvendo quase todos os papéis não poderia levar a outro quadro que não fosse uma crise. No aspecto econômico-fiscal, o Estado entrou em uma crise de financiamento, impedindo-o de atender a todas as demandas que eram solicitadas pela população. Além disso, a enorme burocracia estatal apresentava um índice de eficiência inferior ao apresentado pela iniciativa privada.
Ao atribuir tantas funções ao Estado, este passou a não atender satisfatoriamente as suas novas competências, passando também a falhar no atendimento das antigas. Observa-se tal fenômeno na crise econômica que atingiu a grande maioria dos países entre as décadas de Setenta e Oitenta.
Nasce então uma terceira via, um meio termo entre o Estado produtor, do Século XX e o Estado liberal, do Século XIX. O Estado tornou-se um regulador da economia. A atuação estatal passou a ser mais sutil, premiando condutas positivas por parte da sociedade, utilizando incentivos e combatendo condutas negativas, por meio do poder de polícia.
A crise do Estado Social levou à passagem do Estado produtor para o Estado Regulador, indicando a desmobilização de recursos estatais materiais e humanos, para o poder estatal de controle das atividades privadas, devolvendo à iniciativa privada o protagonismo econômico e social. Dessa forma, houve um remanejamento dos recursos estatais que pararam de produzir diretamente bens e passaram a ser empregados no controle e fiscalização da economia.
São desta época as ondas de privatizações que representaram um movimento estatal de abandono dos antigos meios de produção, agora não mais necessários.
Ocorreu ainda o que foi chamado de publicização de espaços públicos ou espaços públicos não estatais, ou seja, os serviços públicos considerados não exclusivos do Estado, como saúde, educação, cultura, pesquisa, etc., passaram a ser fornecidos em parcerias do Estado com o terceiro setor, ou o setor público não estatal. Assim, Estado e sociedade são parceiros no financiamento e controle desses serviços. O estado reduziu a sua parcela na produção dos serviços, passando a regular e a fiscalizar.
O Estado Regulador indica a desmobilização de recursos estatais materiais e humanos, desvinculando-se do desempenho direito e imediato de atividades materiais, passando a exercer um poder estatal de controle das atividades privadas. Devolve-se à esfera privada o protagonismo econômico e social.
Assim, com o advento do Estado Regulador esse passa a ter competências distintas dos períodos anteriores. A esfera pública passa a desempenhar um controle e fiscalização sobre as atividades da esfera privada. Trata-se de uma regulação econômica e social, ou seja, um conjunto de regras de conduta e de controle da atividade econômica pública e privada e das atividades sociais não exclusivas do Estado, com a finalidade de proteger o interesse público.
A passagem para o Estado Regulador levou a uma onda de privatizações no Brasil na década de 90 do século XX. Com a reforma do aparelho do Estado, houve a transposição da atividade econômica em sentido estrito para a iniciativa privada, entendida como aquela que teria melhores condições de exercer tais atribuições com eficiência de um modelo que busca o lucro, a redução de despesas e os ganhos em escala.
Com o aparecimento do chamado Terceiro Setor e o estabelecimento de parcerias entre este e o Estado, com o incremento dos mecanismos de participação democrática no processo de tomada de decisões quanto a políticas públicas, o Estado Regulador busca superar o modelo de separação entre Estado e sociedade civil que havia nos períodos anteriores. A nova feição de Estado, passando a ser um Estado Regulador, busca um modelo em que os destinatários das normas são entendidos como seus autores.
O Estado Regulador assume grandes parcelas de poder de controle sobre as atividades privadas, ampliando as competências públicas atinentes ao controle-regulação das atividades desempenhadas pelos particulares. Assim, incrementa seus poderes de controle, fiscalização e normatização das atividades privadas. Na realidade, desempenha várias competências públicas de forma conjunta, não se limitando ao estabelecimento de normas para regulamentar condutas. Ainda, a regulamentação não se restringe à economia, trata-se de regulação econômica e social, pois o patrimônio do ser humano não se reduz aos bens econômicos, mas abrange inúmeros bens imateriais como, por exemplo, o meio ambiente saudável.
Na década de 90, sentiu-se, no Brasil, uma onda de privatizações. O governo desencadeou uma reforma do aparelho do Estado, visando à transposição da atividade econômica em sentido estrito para a iniciativa privada, pois teria melhores condições de exercer as atribuições com eficiência, em um modelo que busca o lucro, a redução de despesas e os ganhos em escala. O Estado apenas desempenha atividades que são de interesse público.
Quanto ao chamado Terceiro Setor, Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que:
Os teóricos da Reforma do Estado incluem essas entidades no que denominam de terceiro setor, assim entendido aquele que é composto por entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos; esse terceiro setor coexiste com o primeiro setor, que é o Estado, e o segundo setor, que é o mercado. Na realidade, ele caracteriza-se por prestar atividade de interesse público, por iniciativa privada, sem fins lucrativos; precisamente pelo interesse público da atividade, recebe em muitos casos ajuda por parte do Estado, dentro da atividade de fomento; para receber essa ajuda, tem que atender a determinados requisitos impostos por lei que variam de um caso para outro; uma vez preenchidos os requisitos, a entidade recebe um título, como o de utilidade pública, o certificado de fins filantrópicos, a qualificação de organização social. (...) Normalmente, celebram convênio com o poder público, para formalizar a parceria.[1]
O processo de publicização, assim chamado pelo PDRAE, nada mais é que o estabelecimento de parceria com o Terceiro Setor, para realização de atividades que correspondem aos chamados “espaços públicos não estatais”, nos quais os serviços públicos, como saúde, educação, cultura, pesquisa científica, etc., não são atendidos como atividades exclusivas do Estado. Desse modo, transfere-se para o setor público não estatal a produção dos serviços competitivos ou não exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. Ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 413/414.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. As feições do Estado em sua relação com a economia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35763/as-feicoes-do-estado-em-sua-relacao-com-a-economia. Acesso em: 23 dez 2024.
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