SUMÁRIO: 1. Introdução: a influência da natureza na sociedade segundo Platão. 2. A criação do Estado segundo Maquiavel. 3. A liberdade e o prático segundo Hegel. 4. A intersubjetividade segundo Habermas. 5. Conclusão. 6.Bibliografia.
RESUMO: O presente trabalho busca apresentar a evolução das visões do papel do Estado no pensamento filosófico-jurídico, especificamente quanto à sua atuação em favor dos direitos fundamentais, de modo a permitir a fluidez social na comunidade. Para tanto, será analisado o pensamento de Platão sobre a natureza humana, de Maquiavel sobre a criação do Estado, de Hegel sobre a liberdade e o prático e de Habermas sobre a intersubjetividade como mecanismo de legitimação da atuação estatal.
PALAVRAS-CHAVE: Estado – Filosofia jurídica – Maquiavel – Intersubjetividade – Habermas.
Platão afirma, em sua obra “A República”, que cada um de nós “deve ocupar-se de uma função na cidade, aquela para a qual a sua natureza é mais adequada”. Ora, república, dada sua origem na res publica (coisa pública), é a forma de organização da sociedade com base na busca pela justiça, considerado a polis pública que se pretende administrar. Em sua obra, Platão busca identificar os papéis adequados a cada um na comunidade. Essa identificação passa pela análise da alma das pessoas.
Na verdade, com base numa divisão tríplice, propõe uma correspondência entre elementos da estruturação da alma e as virtudes humanas: (i) razão e sabedoria; (ii) espírito e coragem; (iii) apetite e temperança. Nessa linha, levando em conta a maior propensão dos elementos da estrutura da alma de cada um, Platão sugere, respectivamente, que os filósofos governem, os militares lutem e os agricultores produzam.
Com isso há uma tripartição de tarefas na organização do Estado, de modo que cada função é exercida de acordo com a natureza de cada um.
Platão parece corroborar a ideia da essencialidade da metafísica como ponto de partida para o mundo dos fundamentos, em contraposição ao das aparências. Reforça, na linha da famosa Alegoria da Caverna, a necessidade de busca pelo próprio eu, de enxergar a verdade, de nos livrarmos das amarras da escuridão a que nos encontramos presos.
Mesmo defendendo a filosofia teórica, Platão busca, com o trecho citado, traçar o vínculo entre a filosofia prática e a teórica, ou melhor, dispor sobre as relações entre a metafísica e o mundo prático, o que se dá pela fundamentação da organização da sociedade na natureza de cada ser humano. Assim, ele reforça a tese de que a prática, apesar não ser desprovida de importância, é ilusória, porquanto transitória em sua essência, ao contrário da metafísica e da verdade suprema, que seriam imutáveis, protegidas das interferências de tempo e lugar. Platão deixa claro, então, que a lógica deve ser da teoria para a prática, e não da prática para a teoria.
Tal visão acaba reforçando a ideia de ausência de autodeterminação e de impossibilidade de mudança de status dentro da sociedade. Atribui à metafísica e à natureza, e não à prática, a função que cada um vai exercer pelo resto da vida. De certa forma, nessa mesma linha, Aristótelesafirmaalguém é senhor não porque saiba governar, mas porque ele assim o é por sua natureza. Entende-se, contudo, que, no mínimo há uma conjunção desses fatores, e não um deles atuando isoladamente. Na verdade, parece ter razão, nesse ponto, Hegel, quando defende que o homem constitui sua própria identidade, e não é, como parece em Aristóteles, simplesmente predeterminado pela natureza.
O Estado, portanto, deve ser concebido como uma instituição que garanta a paz na comunidade, permitindo fluidez social aos seus integrantes. A natureza ou o estado das coisas não deve servir de empecilho à concretização da justiça social segundo preceitos éticos e jurídicos constantemente legitimados pela sociedade. Nesse contexto, então, serão analisadas, em suma, a visão de Nicolau Maquiavel sobre as forças iniciais que motivaram a criação do Estado, bem como as contribuições de Immanuel Kant e Jürgen Habermas para o desenvolvimento da ética e da legitimidade no seio estatal.
Maquiavel suscita a existência do que denomina de “dinâmica do desejo” do ser humano. Segundo ele, a natureza estimula o desejo. Trata-se, em abstrato, de uma instigação plurissignificativa do desejo, sem direção específica. Simplesmente o homem possui desejos indeterminados, à medida que as tentações mundanas aparecem. Essa observação de Maquiavel é ainda mais aplicável aos dias atuais, em que à sociedade, por meio dos diversos meios de comunicação de massa, são constantemente formuladas proposições de desejo pelo desejo, e não de desejo pela necessidade. Aproveita-se, assim, a dinâmica do desejo existente na natureza humana para a realização de vendas de produtos e/ou serviços.
O desejo desordenado, na visão de Maquiavel, implicaria o caos social, cabendo ao Estado, e apenas a ele, o controle dessa inquietação interior. A necessidade de controle parte da impossibilidade do ser humano de realizar todos os desejos que surgem, sejam materiais ou imateriais. De fato, a humanidade não é apta a satisfazer todos os desejos de todas as pessoas, de modo que é elemento essencial da vida em comunidade o controle racional das vontades.
Nessa linha, segundo Maquiavel, só o Estado, por meio do seu Príncipe, tem a capacidade e a força para manter esse controle sob controle, num nível razoável de equilíbrio social. Daí a necessidade das habilidades do soberano e do bom funcionamento das instituições estatais. É o Estado, pois, que deve garantir a vida em comunidade.
Como se verá, não há em Maquiavel grandes preocupações com a justiça social ou com princípios éticos, e sim com a manutenção do próprioEstado a fim de evitar o caos social e, consequentemente, a dilaceração da sociedade pelos seus próprios desejos.Sobre a separação entre a ética e a política em Maquiavel, interessante o trecho de sua obra “O Príncipe”:
“A lacuna entre como as pessoas vivem e como deveriam viver é tão grande, que aquele que vive se esquecendo do que está sendo feito considerando-se aquilo que deve ser feito o quanto antes, trabalha em favor de sua ruína ao invés de sua sobrevivência; aquele que tenta, entre o povo, e sob todas as circunstâncias, comportar-se de acordo com o que é considerado bom, inevitavelmente encontra sua ruína entre tantos outros que não são bons. Por isso, o príncipe que quiser manter-se no poder, tem necessariamente que aprender a não ser bom, optando por isto ou aquilo de acordo com a necessidade”.
O referido trecho de Maquiavel trata, em suma, da supremacia do Estado, personificado no seu Príncipe, premissa e objetivo de seu pensamento. Tal raciocínio é tão importante em Maquiavel que ele, sem quaisquer pudores, defende ser necessário que o Príncipe se conduza da forma que mais vá ao encontro da manutenção do Estado ou do poder, ainda que para isso tenha que ser mau. Do contrário, afirma a ruína do Príncipe como consequência de trilhar apenas o caminho da bondade.
Maquiavel, portanto, rompe com a afirmação aristotélica de que o homem é, por natureza, um ser político. Para ele, o homem é um ser essencialmente despolitizado, em busca da realização de seus próprios desejos. É, por assim dizer, um ser egoísta, embora o egoísmo só venha a ser desenvolvido em Hobbes. A natureza política pressupõe uma necessidade e um objetivo de vida em comunidade por si só. Já a natureza do desejo, ao contrário, instiga o individualismo e, por consequência, a ruptura com a vida em comunidade, ou seja, com a vida política. Aqui a vida em comunidade surge, na verdade, como um meio de controle das inquietações interiores. Sua necessidade é de meio, e não de fim. Destarte, só a teoria do soberano poderia explicar o surgimento da comunidade política.
Voltando à criação do Estado, ele formaria uma comunidade política, podendo promover o controle e equilíbrio sociais, diretamente, pelo próprio soberano, e, indiretamente, por meio de educação política ou, se necessário, de imposição política. De qualquer forma, o Estado deixa de mirar na virtude universal e passa a ser um instrumento de coerção e de persuasão de sua própria verdade. Não há confiança nos súditos. Daí Maquiavel argumentar que o soberano que confia na natureza moral de seus súditos está fadado à ruína.
A ética, nesse contexto, fica em segundo plano, pois a prioridade passa a ser, numa visão institucional, a manutenção do Estado, e numa visão personalística, a manutenção do soberano no poder, visões estas que, no Absolutismo que se iniciava na época de Maquiavel, se confluíam para um único ponto de vista. Conduzir-se sem virtude, então, por meio da maldade, passou a estar legitimado. As normas éticas estão claramente subordinadas ao imperativo de se manter e perpetuar o domínio do Estado (“mantenere lo stato”). O Príncipe, por sua vez, tem que saber trilhar o caminho do mal.
A virtude, conceito atemporal e universal, fica de lado em favor dessa análise temporal e contextualizada de Maquiavel, que, oscilando entre Aristóteles e Hobbes, entre a filosofia prática e a praxiologia, propõe a supremacia do soberano sobre a ética, com vistas à formação de uma comunidade política cujos desejos sejam controlados pelo Estado, por meio da força. Parece que Maquiavel, apesar de poder ter caminhado em direção à defesa do ser humano em última instância, acabou parando na defesa do soberano, chegando, assim, a uma defesa do Estado por si mesma, desprovida de eticidade, o que, do ponto de vista espiritual, não se sustenta.
É aí que parece residir a diferença entre Maquiavel e Hobbes. O primeiro defende a preservação do Estado, ao passo que o segundo defende a preservação do indivíduo ou autopreservação Além disso, Maquiavel aponta a necessidade do Estado, ao passo que Hobbes aponta a fundamentação da necessidade do Estado, inaugurando, assim, a teoria da legitimação.
O contrato de todos com cada um de Hobbes, fundado na busca pela paz decorrente do medo da morte, é enxergado, em última instância, como um desdobramento das leis da natureza. A filosofia moral é a materialização terrena ou mundana das leis da natureza. É como se a transposição do universal para o prático resultasse na filosofia moral, consagradora das virtudes morais. E a principal virtude moral existente parece ser justamente o esforço de pacificação, resultado da solidariedade – que nada mais é do que um vetor do próprio egoísmo – consistente na renúncia de direitos, juntamente com os demais, de modo a, restringindo liberdades, terminar, ao final dessa operação, com os mesmos direitos e liberdades que todos igualmente passam a ter.
Nesse contexto, Hobbes parece justificar o Estado – contrato social – baseado na virtude moral. Em outras palavras, ao considerar como uma virtude o esforço de pacificação, tal virtude, universal e atemporal, é que seria o fundamento do Estado. Maquiavel, ao contrário, esquece por completo a virtude, colocando o Estado acima dos valores. Assim, em Hobbes a virtude aparece acima do próprio Estado, ainda que de maneira implícita, ao passo que em Maquiavel a virtude aparece expressamente abaixo do Estado.
O trecho “O direito da particularidade do sujeito, seu direito de ser satisfeito, ou, em outras palavras, o direito da liberdade subjetiva, é o ponto crítico e o centro da diferença entre a Antiguidade e os tempos modernos”, da obra “Filosofia do Direito”, bem denota o pensamento de Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Após a introdução dos valores éticos por Kant, Hegel leva a liberdade para o mundo prático.
Do trecho é possível traçar um paralelo entre o Estado do Bem-Estar Social e o capitalismo. É que o direito de ser satisfeito, atendendo aos desejos humanos, pode se dar pelo próprio Estado ou pelo mercado, por meio do consumo. O mundo hodierno, então, foca o estímulo ao desejo desenfreado, à não realização dos desejos e, enfim, à criação de novos desejos. Foca-se, em outras palavras, no individualismo, na liberdade subjetiva que delimita o espírito político da humanidade.
Daí que Hegel traça os parâmetros da liberdade ligada ao prático, da perspectiva prática da liberdade. Nessa esteira, a liberdade deve ser avaliada no mundo dos homens, concreto, dissociada do mundo natural onde se encontra a metafísica tão perseguida. A liberdade, então, só faz sentido quando voltada aos homens em vida e enquanto fundamento da ação política em sua busca. Essa a razão, de superarmos, segundo Hegel, a natureza para alcançarmos o mundo humano.
Nessa esteira, o Estado deve direcionar sua atuação para os homens enquanto seres concretos que vivem na comunidade sob seu controle. Passa-se a se preocupar com os cidadãos, e não apenas com a manutenção da ordem. O Estado deve ser politicamente organizado e voltado para o bem comum.
A política, assim, pressupõe a intersubjetividade, ou seja, a relação entre sujeitos. Inclusive, para Hegel a satisfação do desejo, embora nunca atingida, também pressupõe a intersubjetividade e o mundo social. Corrobora-se, assim, a dependência do próximo tanto para a convivência social e política como para a satisfação dos próprios desejos.
Kant, por sua vez, ao afirmar que a autoconsciência é o fato da nossa estrutura, vincula tempo e sujeito, desvinculando-se da objetividade. Tem-se, assim, o que se denomina de sujeito constitutivo.A subjetividade em Kant encontra-se no interior do indivíduo sem, contudo, transbordar para o mundo. A liberdade, aí, é encarada num mundo metafísico, sem história. A subjetividade também é encarada sem a história, privilegiando-se a autoconsciência e a interioridade.
Habermas rompe com os paradigmas dos gregos, dos cristãos e, na linha do texto sob estudo, de Husserl, pois apresenta uma visão mais ampla da filosofia, que abrange conhecimento, ciência e metafísica, esta última atrelada, na verdade, à autorreflexão. Busca-se superar a estática de todos os fundamentos antes estudados para advogar a ideia do diálogo, do argumento. Constrói uma visão linguística e comunicativa do sentido.
Nessa linha, aponta que o argumento, além de sua parte propriamente propositiva, contém uma base, um ponto de partida que se toma como verdadeiro para conferir racionalidade ao que se pretende argumentar. E é justamente esse ponto de partida que necessariamente, na visão dele, se relaciona ou dialoga com a comunidade real e ideal.
O ser humano não consegue se livrar de suas próprias impressões. O próprio isolamento, inclusive sob o ponto de vista teórico, parte de algum ponto existente no mundo empírico ou ao menos no mundo vivido por quem tenta se isolar. A crítica, então, encontra dificuldades para fugir de si mesma, o que implica uma crítica sob o olhar de quem inevitavelmente se encontra no mundo crítico. As análises, nessa linha, encontram-se viciadas por elas próprias.
Todo esse entrelaçamento advém da intersubjetividade humana. De forma mais simples, advém da comunidade, corpo vivo que a materializa, já que aquilo que é comum pressupõe a convivência e o relacionamento, ou seja, a intersubjetividade ou o diálogo, ainda que implícito. O Estado, então, deve se preocupar com as relações humanas, com os valores sociais que permitem a convivência em comunidade.A intersubjetividade deve existir tanto entre os indivíduos quanto entre estes e o Estado. Com o diálogo é que se pode conferir maior legitimidade à atuação racional do Estado, possibilitando a concretização dos direitos fundamentais.
A racionalidade, então, repousa suas bases na intersubjetividade, que ultrapassa o paradigma da relação entre sujeito e objeto e da própria subjetividade em si. Trata-se, agora, de relação entre subjetividades.
E é com base nessa intersubjetividade que Habermas aponta como uma das formas de solução das controvérsias a teoria discursiva do direito, por meio da qual se operaria uma descentralização do poder. Partindo do pressuposto de que o Direito confere forma jurídica ao poder político, Habermas não se contenta com o poder formal como mecanismo de legitimação. Faz uso do poder comunicativo de Hannah Arendt.
Assim, a legitimação do poder político decorre, também, da exposição da sociedade às discussões públicas e da interação com os problemas. De fato, a exposição ao problema legitima a escolha da solução. Chega-se ao ponto de suscitar a desnecessidade do direito natural, porquanto a legitimidade, agora, advém do poder comunicativo.
Exige-se, contudo, basicamente três requisitos para a legitimação por intermédio do discurso e da intersubjetividade: uma comunidade não coagida, uma comunicação não deformada e uma livre formação de opinião e de vontade. E é nessa linha que Habermas aponta três tipos de discursos legitimadores, que, correspondendo à sua visão de organização da comunidade ou do Estado, refletem em três tipos de questões: pragmáticas, morais e ético-políticas.
Daí que a visão de Habermas aponta a necessidade de existência de argumentos para que se fale em legitimidade. É que sem argumentos não há discurso nem intersubjetividade. Não há exposição da sociedade à problemática ou à tomada de decisões. Assim, sendo a legitimidade, na visão de Habermas, uma consequência do discurso e da argumentação dos atos políticos, realmente sem argumento não há legitimidade a embasar a atuação do Estado. Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho de sua obra “Para a reconstrução do materialismo histórico”:
“Legitimidade significa que há bons argumentos para que um ordenamento político seja reconhecido como justo e equânime; um ordenamento legítimo merece reconhecimento. Legitimidade significa que um ordenamento político é digno de ser reconhecido.” Habermas, Para a reconstrução do materialismo histórico
Habermas também faz críticas à modernidade, mais especificamente à despreocupação com o diálogo, com as relações intersubjetivas ou, ainda, com o outro. Em sua obra “Comentários à ética do discurso”, afirma que “o direito moderno [...] não contemplou a natureza intersubjetiva da formação da vontade coletiva”.
A modernidade, de fato, parece se preocupar mais com o subjetivo do que com o intersubjetivo, o que pode ser demonstrado, por exemplo, pela apatia política da sociedade.Contudo, penso que não se pode dizer o mesmo sobre o direito moderno. Trata-se aqui, do direito normativo e sua hermenêutica evolutiva e associada aos valores hodiernos, e não da modernidade empírica em si mesmo. Deve-se fazer uma diferenciação entre o valor consagrado pela norma e o valor consagrado na prática cotidiana da modernidade. Esta, como dito, parece consagrar valores subjetivos e individualistas.
Já o direito moderno, ao contrário, parece consagrar, sim, valores sociais, de onde se infere que ele está, sim, calcado na intersubjetividade. Nesse ponto, chamo atenção para o direito atual, e não para um chamado “direito moderno” que eventualmente se refere, na verdade, a séculos passados. É que num momento se está falando da Grécia antiga e do surgimento do cristianismo de modo que a noção de modernidade fica um pouco perdida.
Assim, considerando-se os dias de hoje como modernidade, o direito realmente consagra valores sociais. Nunca se falou tanto em funções sociais, interesses da coletividade, difusos, busca pela igualdade material, enfim, direitos exercidos em comunidade. Paulo Bonavides fala em direitos de quarta e até quinta dimensão, denotando uma visão totalmente intersubjetiva e holística do direito, exemplificada pelo direito a um meio ambiente saudável, à informação, à pluralidade, etc. São direitos que se inserem na comunidade, que só existem em função dela. Em outras palavras, que dependem da relação não só intersubjetiva, mas porque não dizer plurissubjetiva. E é dessa pluralidade de relações entre si que valores coletivos e sociais são consagrados no direito, explicita ou implicitamente, e que devem orientar a atuação do Estado.
O que se pode discutir é a razão pela qual o direito moderno não vem positivamente refletindo e impactando na modernidade em si, em seus diversos aspectos, inclusive nos sistemas econômico e político. O direito em si, embora ajude, não é capaz de, sozinho, provocar grandes transformações. A conjuntura de uma sociedade, sobretudo complexa e interligada como a atual, envolve diversos outros fatores dos quais dependemos. O papel do direito moderno, nesse contexto, é emoldurar a sociedade num conjunto de valores éticos, mostrando, assim, o trilho por onde se deve andar.
5. Conclusão.
Embora Platão e até mesmo Aristóteles confiram bastante importância à metafísica e à natureza, tal visão acaba reforçando a ideia de ausência de autodeterminação e de impossibilidade de mudança de status dentro da sociedade. Dessa forma, parece ter razão, nesse ponto, Hegel, quando defende que o homem constitui sua própria identidade, e não é simplesmente predeterminado pela natureza.
O Estado, portanto, deve ser concebido como uma instituição que garanta a paz na comunidade, permitindo fluidez social aos seus integrantes. A natureza ou o estado das coisas não deve servir de empecilho à concretização da justiça social segundo preceitos éticos e jurídicos constantemente legitimados pela sociedade
Maquiavel, acreditando que o ser humano inevitavelmente se impulsiona por seu próprio desejo e que o Estado deve existir – apenas – para conter o caos social, acaba defendendo o Estado pelo Estado, legitimando, assim, as maldades do soberano sem preocupação com os indivíduos e seus direitos.Hobbes, por outro lado, parece justificar o Estado – contrato social – baseado na virtude moral. Em outras palavras, ao considerar como uma virtude o esforço de pacificação, tal virtude, universal e atemporal, é que seria o fundamento do Estado. Maquiavel, ao contrário, esquece por completo a virtude, colocando o Estado acima dos valores. Assim, em Hobbes a virtude aparece acima do próprio Estado, ainda que de maneira implícita, ao passo que em Maquiavel a virtude aparece expressamente abaixo do Estado.
Hegel, por sua vez, após a introdução dos valores éticos por Kant, leva a liberdade, um dos mais fundamentais dos direitos fundamentais, para o mundo prático. Nessa toada, o Estado deve direcionar sua atuação para os homens enquanto seres concretos que vivem na comunidade sob seu controle. Passa-se a se preocupar com os cidadãos, e não apenas com a manutenção da ordem. O Estado deve ser politicamente organizado e voltado para o bem comum.
Nessa esteira, a teoria discursiva de Habermas é apontada como uma das formas de solução das controvérsias, por meio da qual se operaria a legitimação e a descentralização do poder. Partindo do pressuposto de que o Direito confere forma jurídica ao poder político, Habermas não se contenta com o poder formal como mecanismo de legitimação. Faz uso do poder comunicativo de Hannah Arendt. A legitimação do poder político decorreria, também, da exposição da sociedade às discussões públicas e da interação com os problemas. A exposição ao problema legitimaria a escolha da solução.
O Estado, então, não é um fim em si mesmo. Ao contrário, deve se preocupar com as relações humanas, com os valores sociais que permitem a convivência em comunidade. A intersubjetividade deve existir tanto entre os indivíduos quanto entre estes e o Estado. Com o diálogo é que se pode conferir maior legitimidade à atuação racional do Estado, possibilitando a concretização dos direitos fundamentais.
6. Bibliografia
ARISTÓTELES, Política;
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Ed. Saraiva. 5ª edição. São Paulo. 2003;
FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. Ed. Malheiros. 1ª edição, 2ª tiragem. São Paulo. 2000;
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico;
__________. Comentários à ética do discurso;
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Filosofia do Direito;
KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes;
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica Jurídica Clássica. Ed. Mandamentos. Belo Horizonte. 2002;
MAQUIAVEL, Nicolau, O Príncipe;
PLATÃO. A República;
Procurador Federal, pós-graduado em Regulação de Telecomunicações e pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Paulo Firmeza. Um breve panorama do papel do Estado à luz da filosofia jurídica: de Maquiavel à intersubjetividade de Habermas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35765/um-breve-panorama-do-papel-do-estado-a-luz-da-filosofia-juridica-de-maquiavel-a-intersubjetividade-de-habermas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
Por: Marcos Antonio Duarte Silva
Por: LETICIA REGINA ANÉZIO
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