1. INTRODUÇÃO
Há cizânia jurisprudencial acerca da competência para elaboração dos cálculos das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, da Constituição Federal, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho, ante a competência material executória a esta atribuída pelo inciso VIII do art. 114 da Carta Magna.
O presente trabalho busca analisar os entendimentos pretorianos conflitantes, à luz das normas constitucionais e infraconstitucionais pertinentes ao caso.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 A competência material executória da Justiça do Trabalho
A Emenda Constitucional nº 20/1998 (DOU de 16/12/1998), acrescentou o § 3º, ao art. 114 da Constituição Federal, estabelecendo a competência da Justiça do Trabalho para executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a", e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
Com a Emenda Constitucional nº 45 de 30 de dezembro de 2004 (DOU de 31/12/2004), foi alterada a redação do art. 114 da Constituição Federal, para se estabelecer, em seu inciso VIII, a referida competência da Justiça do Trabalho.
Leite (2008, p. 280), ao comentar o inciso VIII do art. 114 da Constituição Federal, ensina que a expressão "executar de ofício" deve ser compreendida como "conduzir a execução", vale dizer, "o juiz assume uma posição pró-ativa no processo, determinando a cobrança dos débitos em obediência aos ditames legais".
Meneses, apud Leite ensina que "a execução previdenciária ‘ex officio’ engloba os atos de quantificação da dívida, citação para pagar no prazo, constrição (arresto, penhora), expropriação (hasta pública) e satisfação do exeqüente." (sublinhamos).
2.2. Orientação pretoriana restritiva da competência fixada no art. 114, VIII da Constituição aos atos de execução
Não obstante o exposto no item anterior, há uma corrente jurisprudencial segundo a qual a elaboração dos cálculos das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, da Constituição Federal, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho, não seria de responsabilidade desta, como consequência da competência material executória fixada pelo art. 114, VIII da Constituição.
Com efeito, pela Resolução Administrativa nº 45, de 20 de outubro de 2011[1], a Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região aprovou a edição da Súmula nº 26, com a seguinte redação:
“CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE PELA LIQUIDAÇÃO. A competência atribuída à Justiça do Trabalho, para executar de ofício as contribuições sociais, não abrange a responsabilidade pela elaboração dos cálculos do crédito previdenciário.”.
Ademais, os seguintes precedentes do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região trazem os fundamentos que embasam o posicionamento em apreço:
Ementa: CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ELABORAÇÃO DE CÁLCULO PARA EXECUÇÃO DE OFÍCIO. Compete à União Federal, através de seus Procuradores, proceder à quantificação do julgado, para que o juízo de primeiro grau possa executar, de ofício, o crédito previdenciário. Não se pode imputar à secretaria da Vara do Trabalho a obrigação de elaborar tais cálculos, na medida em que o parágrafo 1º B do art. 879 da CLT ressalta que o cálculo de liquidação deve ser apresentado pela parte que, na hipótese, é a agravante. Agravo de Petição desprovido. (Processo 0085500-88.2007.5.05.0401 AP, ac. nº 024454/2009, Relator Desembargador ESEQUIAS DE OLIVEIRA , 5ª. TURMA, DJ 25/09/2009)
Ementa: CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ELABORAÇÃO DE CÁLCULO PARA EXECUÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM A DEMANDA DA SECRETARIA DA VARA. Não se pode atribuir caráter absoluto ao fato de ter a Justiça do Trabalho competência para executar de ofício as contribuições previdenciárias. Há necessidade de compatibilização do art. 879, § 3º, da CLT, que dispõe sobre a elaboração da conta de liquidação pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, com a dinâmica estrutural ofertada pelo Poder Judiciário às Secretarias das Varas, no caso insuficiente para a feitura da conta de liquidação do aludido tributo sem prejuízo à realização dos cálculos de reclamantes em outros processos. (Processo 0135600-04.2004.5.05.0611 AP, ac. nº 022049/2008, Relator Desembargador CLÁUDIO BRANDÃO , 2ª. TURMA, DJ 26/09/2008.)
Tal posicionamento jurisprudencial é passível de críticas, consoante será demonstrado a seguir.
2.3 Críticas ao citado entendimento jurisprudencial
A decisão judicial que condiciona a cobrança da contribuição previdenciária devida em razão de sentença proferida pela Justiça do Trabalho à elaboração dos cálculos pela União viola literalmente o art. 114, VIII da Constituição, porque transforma a execução de ofício das contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a", e II, e seus acréscimos legais, decorrentes da sentença proferida, em cumprimento de sentença a requerimento do credor previdenciário, à vista de memória discriminada e atualizada do cálculo aritmético da exação.
Nesse sentido, vem decidindo o Tribunal Superior do Trabalho:
RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ELABORAÇÃO DE CÁLCULOS. RESPONSABILIDADE. APURAÇÃO DE OFÍCIO. A partir da vigência do art. 114, VIII, da Constituição Federal, a Justiça do Trabalho deve proceder, de ofício, à execução das decisões que proferir. Intimado o INSS do valor relativo à contribuição previdenciária, incumbe ao julgador proceder à execução do que é devido à Previdência Social. O silêncio do ente previdenciário não impede a execução pela MM. Vara de execução do valor já arbitrado. A ausência de manifestação do INSS apenas torna preclusa qualquer arguição quanto ao valor que está sendo recolhido, não desobrigando que a justiça do trabalho adote as providências necessárias para a execução do valor devido. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 176200-27.2005.5.19.0002 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 07/12/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: 16/12/2011)
O acórdão do julgado acima ementado possui fundamentação lapidar, in verbis:
"A partir da Emenda Constitucional nº 45, a Justiça do Trabalho é responsável para processar e julgar, através de impulso oficial, as execuções das contribuições previdenciárias.
A tese do v. acórdão regional no sentido de ser obrigatória a apresentação de cálculos de execução das contribuições previdenciárias pela União, vai de encontro ao referido dispositivo constitucional, pois, a elaboração dos cálculos de execução fazem parte do processamento da execução das contribuições previdenciárias devendo ser efetuada pela Justiça do Trabalho de ofício."
No Agravo de Petição nº 00050-2008-401-05-00-4-AP, o Desembargador Federal do Trabalho da 5ª Região, Dr. Edilton Meireles, então Juiz Convocado, em decisão monocrática, proveu recurso da União, "para determinar à Secretaria da Vara de origem a elaboração dos cálculos das contribuições previdenciárias, bem como a posterior intimação da Agravante para no prazo de 10 (dez) dias se manifestar" ao fundamento de que "a falta de estrutura da Vara ou qualificação do pessoal para a realização dos cálculos não pode ser argumento para se eximir de obrigação determinada em sede de norma constitucional, devendo-se, para isso, buscar outras soluções como treinamento do pessoal e parcerias com outros órgãos.".
Gize-se, ainda, que o § 1º-B do art. 879 da CLT não ampara conclusão diversa, porque a União não é parte do dissídio individual trabalhista, além do que as alterações promovidas pela Lei nº 10.035/2000 buscam viabilizar que a conta de liquidação apresentada pelas partes deste abranjam não apenas as verbas resultantes da condenação ou acordo, mas também a contribuição previdenciária sobre elas incidente, em homenagem ao princípio da economia processual.
3. CONCLUSÃO
Ante o exposto, concluímos que a competência material executória fixada no art. 114, VIII da Constituição, impõe que Justiça do Trabalho elabore os cálculos das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, da Constituição Federal, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças por ela proferidas, antes de proceder à citação executória do devedor, sem prejuízo do disposto no § 1º-B do art. 879 da CLT.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 15 jun. 2013.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2008.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 17. ed. Niterói: Impetus, 2012.
KERTZMAN, Ivan. As Contribuições Previdenciárias na Justiça do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012.
OLIVEIRA, Iuri Cardoso de. Execução de ofício de contribuições sociais na Justiça do Trabalho e identificação das partes. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2897, 7 jun. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19280>. Acesso em: 14 jun. 2013.
[1] Publicada em 27/10/2011 no DOERJ, Parte III, Seção II e republicada em 31/10/2011 e em 4/11/2011 no DOERJ, Parte III, Seção II.
Procurador Federal, pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho e pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Iuri Cardoso de. Notas sobre a competência para elaboração dos cálculos das contribuições sociais na execução de ofício destas pela Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35862/notas-sobre-a-competencia-para-elaboracao-dos-calculos-das-contribuicoes-sociais-na-execucao-de-oficio-destas-pela-justica-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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