RESUMO
Várias legislações espraiadas por estados e municípios brasileiros (instituidoras dos programas de inspeção veicular) prescrevem que a remuneração das empresas particulares vencedoras dos certames licitatórios se dá por meio de tarifa/preço público. No entanto, essas legislações estaduais e municipais, nesse ponto, são inconstitucionais. A atividade da inspeção veicular é exercício do poder de polícia que não pode ser delegado à empresa particular desprovida de vínculo com a Administração Pública. O Estado, ao delegar o exercício do poder de polícia a particular, o faz indevidamente, o que afronta princípios basilares do direito público, tais como supremacia e indisponibilidade do interesse público. O particular é desprovido do ius imperii, potestade. O Estado (ou seus órgãos) é que deve realizar esse poder de polícia. A atividade da inspeção veicular deve ser remunerada através de taxa (de polícia), cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia estatal, nos termos dos arts. 145, II, da CF/88 e 77 do CTN.
Palavras-chave: Taxa. Preço público. Tarifa. Poder de polícia. Delegação. Remuneração. Inspeção Veicular.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho discorre acerca de tema bastante atual, porém ainda pouco debatido no universo jurídico-tributário, a saber, a natureza jurídica da contraprestação da atividade de inspeção veicular. Busca-se analisar a qual regime jurídico está circunscrita a contraprestação da inspeção dos veículos automotores, isto é, se se trata de taxa ou de tarifa/preço público.
Os Programas de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso organizados pelos Estados e Municípios brasileiros são instrumentos para redução de emissões de gases e partículas poluentes, bem como de ruído emitido pela frota alvo circulante de veículos automotores.
Para que se possa examinar mais a fundo a verdadeira natureza jurídica da contraprestação da inspeção dos veículos automotores, faz-se necessário adentrar, preliminarmente, em tema pertencente mais propriamente ao Direito Administrativo, que é o poder de polícia. Tal incursão se faz necessária porque o poder de polícia estatal está intimamente ligado ao tema que ora discorrer-se-á.
Isso porque há duas modalidades de taxa: a decorrente da prestação de serviço público (taxa de serviço) e a cobrada em virtude do exercício do poder de polícia (taxa de polícia). Assim, essa última tem como fato gerador justamente a prestação do poder de polícia estatal.
Este trabalho tenta demonstrar que a atividade da inspeção veicular constitui exercício do poder de polícia não passível de delegação a empresas particulares que não integram a Administração Pública. O Estado, detentor do ius imperii, da postatade, é que deve desempenhar esse poder de polícia e, como decorrência, tem o poder/dever de cobrar tributo, na modalidade taxa, nos termos do art. 145, II, da CF/88 e 77 do CTN.
O poder de polícia é atividade estatal a qual a Constituição Federal impõe específica modalidade tributária, a saber, taxa, sendo a relação estabelecida entre o cidadão e o Poder Público de cunho legal, e não contratual, a que o particular se submete compulsoriamente.
Observa-se, entretanto, que várias legislações estaduais e municipais que instituem os programas de inspeção veicular prevêem, indevidamente, a delegação desse poder de polícia às empresas particulares, bem como que estas sejam remuneradas por meio de tarifa/preço público.
Neste cenário, o Poder Judiciário deve apresentar papel importante no sentido de frear esses equívocos cometidos pelos legisladores desses entes federativos. Incumbe ao Judiciário, assim, reconhecer a inconstitucionalidade dos enunciados prescritivos que contenham a expressão “tarifa ou preço público”, bem como declarar que a exação (que entendemos ser taxa) deva ser recolhida pelo Estado, uma vez que à pessoa jurídica de direito público é dado o poder de exigir essa espécie tributária.
1. BREVE ANÁLISE DO REGIME JURÍDICO DA TAXA E DO PREÇO PÚBLICO/TARIFA[1]
1.1 Taxa: Conceito e espécies
Taxa é espécie tributária que pode ser instituída pelos entes de direito público interno (União, Estados, DF e Municípios) em virtude da utilização, pelo contribuinte, de forma efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, ou em razão do exercício do poder de polícia estatal. Este conceito, aliás, se assemelha ao prescrito no art. 145, II, da CF/88 e no art. 77 do CTN.
CARVALHO (2010, p. 70) assevera que as taxas são “tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de uma atitude estatal, direta e especificamente dirigida ao contribuinte”.
No mesmo sentido, LAMCOMBE (1985, P. 21) apregoa que taxa “é tributo em cuja norma está feita a previsão, no núcleo do seu antecedente normativo, de uma atuação estatal diretamente referida ao sujeito passivo”.
Daí se extrai as suas espécies, a saber: taxas de serviço e taxas de polícia. Vejamos cada uma delas. A criação das taxas de serviço só se verifica possível por meio da disponibilização de serviços públicos que se caracterizem pela divisibilidade e especificidade. Serão divisíveis, em linhas gerais, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por cada um dos seus usuários. Específicos serão em sendo possível destacá-los em unidades autônomas.
Já as taxas de polícia apresentam como fato gerador o exercício regular do poder de polícia – atividade administrativa –, atividade essa fundamentada no princípio da supremacia do interesse público, o qual norteia, diga-se, o direito público em geral. Por isso, o interesse público e o bem-estar geral podem justificar o condicionamento ou a restrição do exercício dos direitos individuais.
1.2 Taxa e Poder de Polícia
1.2.1. Poder de Polícia – conceito E PREVISÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO.
TÁCITO (1997, p. 530) conceitua poder de polícia como sendo “o conjunto de atribuições concedidas à administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais”.
O poder de polícia comporta dois sentidos, um amplo e outro estrito. No sentido amplo[2], significa toda ação restritiva do Estado no que toca aos direitos individuais. Nessa visão, destaca-se a função do Poder Legislativo, incumbido da criação do ius novum, uma vez que cabe às leis, organicamente consideradas, o delineamento do perfil dos direitos, reduzindo ou alargando a sua substância. É o princípio constitucional previsto no art. 5º, II, da CF/88[3].
Na acepção estrita, o poder de polícia se configura como atividade administrativa que consubstancia verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração Pública, consistente no poder de condicionar e restringir a propriedade e a liberdade.
A Carta Política de 1988 autoriza a União, os Estados, o DF e os Municípios a instituírem taxas em razão do exercício do poder de polícia (art. 145, II).
Infraconstitucionalmente, o art. 78 do CTN, reitere-se, traz uma definição de poder de polícia, considerando-o como a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Importante frisar, aqui, que não é lícito ato administrativo instituir tarifa para remunerar o poder de polícia[4], posto que, em verdade, este tem de ser instituído mediante taxa, a ser processada por lei.
1.2.2. INVIABILIDADE DE DELEGAÇÃO do poder de polícia ao particular. Inspeção veicular e poder de polícia.
A prestação do serviço público constitui uma atribuição privativa do Estado, podendo ser exercida por particular, desde que haja regular delegação e seja precedida de licitação.
Há certa discussão na doutrina a respeito da remuneração dos serviços públicos delegados (concedidos ou permitidos). Noutros termos, ainda persiste divergências acerca da possibilidade ou não de o delegatário (concessionário/permissionário) ser remunerado por meio taxa (de serviço).
Com a máxima vênia aos que pensam de modo diferente, temos para nós[5] que quando ocorre a delegação do serviço público do Estado para o particular, a remuneração deve se dar por meio de tarifa/preço público[6].
No ordenamento jurídico pátrio, a regra é a de que as pessoas jurídicas de direito público são as legitimadas a figurar como sujeitos ativos em relações obrigacionais tributárias. Ou seja, pessoas privadas não possuem aptidão ou competência para exigir[7] tributos, nem mesmo por meio de delegação do poder público. Desta feita, os particulares delegatários de serviços públicos, em regra, não podem ser remunerados através de taxa. Portanto, a remuneração da prestação de serviço público delegado deve ser realizada mediante preço público, cobrada pelo concessionário ou permissionário pela utilização efetiva do benefício pelo administrado.
Ultimamente, ao que consta, vem predominando no âmbito jurisprudencial este entendimento. Em precedentes do STJ[8], fixou-se a tese de que teria natureza jurídica de preço público/tarifa a contraprestação dos serviços (no caso, de água e esgoto), prestados por concessionária de serviço público, e não de taxa, como outrora havia entendido (quando se tratou da remuneração referente ao serviço de fornecimento de água).
TÁCITO (1997, pp. 800-801) também comunga de semelhante entendimento. Para o ilustre doutrinador, a natureza jurídica da contraprestação dos serviços públicos concedidos é a de preço público[9].
Na mesma trilha, FRANÇA (2001, p. 202-203) assevera que está vedado, constitucionalmente, que serviços públicos cuja prestação é realizada por pessoa jurídica de direito privado e sob o regime de concessão (ou de permissão) componham o critério material da hipótese tributária da taxa pela prestação de serviço público.
Pois bem. Feito esse esboço a respeito da (im)possibilidade da remuneração, mediante taxa, dos serviços públicos delegados (objeto de concessão e permissão), passemos ao tema da (im)possibilidade de delegação do poder de polícia ao particular.
Dividiremos nossa análise em dois pontos: (i) possibilidade de delegação do poder de polícia a entidade integrante da Administração Pública; e (ii) impossibilidade de delegação do poder de polícia a particular (pessoas da iniciativa privada).
Já vimos que o poder de polícia constitui-se numa prerrogativa de direito público que, com respaldo na lei, legitima a Administração Pública a restringir o gozo e o uso da propriedade e da liberdade em favor do interesse de toda a coletividade.
Muito bem. Ab initio, consigne-se que é de um todo pacífico, por óbvio, o exercício do poder de polícia pelas próprias pessoas políticas da federação (Administração Pública Direta). Ora, se lhes cabe editar as próprias leis limitativas, logicamente é razoável que se lhes conceda, em decorrência, o poder de minudenciar as restrições. Em verdade, trata-se, aqui, do poder de polícia originário, o qual abarca, em sentido amplo, as leis e os atos administrativos advindos de tais pessoas.
No entanto, certa discussão há em torno da viabilidade da delegação do poder de polícia a entidade que faz parte da Administração Pública Indireta que tenha personalidade jurídica de direito privado. Nesse caso, acreditamos ser viável tal delegação[10], desde que observados os seguintes requisitos, cumulativamente[11]: (i) a pessoa jurídica integrar a estrutura da administração indireta; (ii) a competência delegada ser conferida por lei; e (iii) o poder de polícia restringir-se à prática de atos de natureza fiscalizatório (partindo-se da premissa de que as restrições são preexistentes e de que se trata de função executória, e não inovadora).
Panorama distinto é o verificado quando o Estado pretende delegar o poder de polícia a particular (pessoa da iniciativa privada) [12]. Isso não é permitido[13]. Veja. O poder de polícia não pode ser outorgado a pessoas da iniciativa privada, desprovidas de vinculação oficial com os entes públicos. Ora, por maior que seja a parceria que tenham com estes, jamais serão dotadas da potestade, isto é, o ius imperii - que se faz necessário ao desempenho da atividade de polícia - não se encontra presente, in casu.
Trazendo essas lições para caso específico da inspeção e manutenção de veículos automotores[14], não é difícil perceber que o Estado outorgou (indevidamente) o exercício do poder de polícia a particular[15], o que afronta, quando menos, os princípios basilares do direito público, verbi gratia, supremacia e indisponibilidade do interesse público.
Isso é o que está previsto, aliás (e à título de exemplo), na Lei do Estado do Rio Grande do Norte n. 9.270/09 (e seu Decreto n. 21.542/09). Vejam-se apenas os parágrafos 1º e 3º do art. 1º do referido diploma normativo para confirmar o acerto do que acabamos de asseverar[16], vale dizer, a indevida previsão legal de delegação do poder de polícia a pessoa privada[17].
Algumas vozes poderiam alegar que se trata, nesse caso, de mera delegação de atos materiais preparatórios ao efetivo poder de polícia, tal como ocorre, excepcionalmente, em dois casos: (i) empresas que fixam e dão manutenção aos equipamentos (aparelhos eletrônicos) de fiscalização que identificam o excesso de velocidade (infrações de trânsito); e (ii) nas hipóteses de atribuição, a pessoas privadas, por meio de contrato, da operacionalização material da fiscalização através de máquinas especiais, usadas na triagem em aeroportos, que visam detectar eventual porte de objetos ilícitos/proibidos. Nesses dois raríssimos exemplos, e somente nestes, inocorre a delegação do poder de polícia, mas tão-somente a outorga de atos materiais preparatórios ao poder de polícia.
Entretanto, o que se transpassa na inspeção veicular feita pelo particular não é mera delegação de atos materiais preparatórios ao efetivo poder de polícia, mas, ao revés, o que ocorre é, inegavelmente, o próprio exercício do poder de polícia pela pessoa privada (como se possível fosse, sem afronta ao sistema de direito positivo).
Ora, imaginemos que a pessoa da iniciativa privada (concessionária), quando da realização da inspeção de determinado veículo, constate que este esteja emitindo poluentes (e/ou ruídos) acima dos níveis permitidos pela legislação. O que irá ocorrer? A pessoa privada não emitirá o certificado que atesta a adequação do veículo automotor aos níveis de emissão de poluentes permitidos pela lei e, consequentemente, o veículo não poderá transitar regularmente[18].
Em assim sendo, o proprietário desse automóvel verá restringido/tolhido[19], de certo modo, o seu direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF/88), que é um direito fundamental individual. Restringir o gozo e o uso de direito individual (o direito de propriedade) em prol do interesse de toda a coletividade é, justamente, exercício do poder de polícia. Portanto, transversal e indevidamente a pessoa privada estaria desempenhando o poder de polícia.
Convencidos estamos, pois, de que tal exercício do poder de polícia fiscalizatório (na inspeção veicular) não pode ser feito por empresa privada que não integre a administração pública, justamente porque é vedada a delegação a particular[20].
1.3 Distinção entre Taxa e Preço Público
Passemos a diferenciação entre taxa e preço público. Antes, no entanto, imprescindível que se diga que em ambos se faz presente o interesse público[21].
As taxas, como visto, são espécies de tributo caracterizadas por apresentar, em sua hipótese normativa, a descrição de fato que evidencia uma dada ação estatal, específica e diretamente voltada ao contribuinte.
Como se vê, as taxas (tanto as de serviço quanto as de polícia) decorrem de uma prestação estatal voltada ao contribuinte, sendo regidas pelo direito público.
Por outro giro, o preço público (ou tarifa) [22], consoante CARVALHO (2009, p. 404) consiste “na remuneração decorrente da prestação de serviço de interesse público, ou do fornecimento ou locação de bens públicos, efetivada em regime contratual e não imposta compulsoriamente às pessoas”.
O preço público ou tarifa remunera o serviço público prestado, sob regime de direito privado, por meio de empresas concessionárias. Analisada pelo ângulo daquele a quem onera, consiste no valor pecuniário que devem pagar os usuários à empresa concessionária sempre que se utilizarem do serviço prestado; vista pela óptica de quem desempenha, a tarifa é a remuneração que a empresa concessionária está legitimada a cobrar, dos usuários, em face dos serviços públicos efetivamente prestados. Em síntese, sua cobrança busca, entre outras finalidades, (i) garantir o custeio da prestação dos serviços concedidos; (ii) remunerar, de forma justa, o capital investido pelas concessionárias; e (iii) melhorar e expandir os serviços, assegurando o equilíbrio econômico do contrato[23].
Tanto na taxa quanto no preço público[24], subsiste vantagem mensurável para o indivíduo. Entretanto, enquanto na taxa há a obrigatoriedade do serviço mensurável; no preço público[25] o que existe é facultatividade dos serviços mensuráveis.
Acrescente-se, ainda, que a taxa está jungida a atividade legislativa, vale dizer, conditio sine qua non para sua instituição é a edição de lei, e dependem, para sua arrecadação, de serem inscritas na previsão orçamentária; ao passo que o preço público não se subordina a esses requisitos.
DEODATO (1954, p. 67-68), distinguindo taxas e preços, registra: “As características da taxa são estas: obrigatoriedade e divisibilidade. Enquanto isso, o preço se caracteriza pela facultatividade. Se a prestação a pagar é por um serviço pedido, não obrigatório, então o que se paga se chama preço”.
Há quem diga o traço diferenciador entre os institutos em comento não está na compulsoriedade ou facultatividade, mas na inerência ou não da atividade à função estatal[26]. Para os que assim entendem, em havendo evidente vinculação e nexo do serviço com o desempenho de função eminentemente estatal, estar-se-á diante de taxa. Ao revés, se ocorre uma desvinculação deste serviço com a ação estatal e inexiste óbice ao desempenho da atividade por particulares, tarifa será. Nessa linha de pensamento, quando o serviço público[27] deva ser prestado diretamente pela Administração Pública, por imposição legal ou constitucional, o regime será o de taxa, ainda que a lei adote outro.
Na esteira das ideias de Edwin Siligman[28], SOUZA (1954) insere entre as características das taxas o fato de serem destinadas ao custeio de atividades próprias do Estado, tocando aos preços públicos o custeio de atividades impróprias, ou seja, aquelas que poderiam, igualmente, ser exercidas por qualquer particular, não fosse o monopólio estatal.
No entender do ilustre relator do Código Tributário Nacional, o traço distintivo entre preço público e o tributo deve ser perquirido na própria natureza da atividade realizada pelo Estado. Pertinente esta breve passagem:
Sob este ponto de vista, são preços públicos as exações instituídas pelo Estado para custear atividades que, por sua natureza, não sejam específicas das funções do Estado em sua qualidade de entidade soberana de direito público: por outras palavras, atividades que, por sua natureza intrínseca, seriam próprias da atividade particular, mas cujo exercício é avocado pelo Estado em razão do interesse público que exija a sua instituição, o seu efetivo exercício, ou a sua difusão. Em resumo, o preço público é o próprio preço privado, sempre que perca esse caráter privado em razão do monopólio legalmente instituído pelo Estado. (SOUZA, 1951 p. 364).
Conclui TÁCITO (1997, p. 799) que no plano da elaboração legislativa, como no da exegese jurisdicional, a noção de preços públicos já adquiriu foros de autonomia, inconfundindo-se com o conteúdo das taxas. Ambas correspondem à propiciação de bens ou serviços divisíveis e caracterizados. Mas, enquanto as taxas pressupõem a obrigatoriedade e dispensam a utilização efetiva[29] (é necessário, apenas, que os serviços se encontrem à disposição dos usuários), os preços públicos equivalem a serviços facultativos e não se impõem senão em virtude do ato direto de uso ou aquisição.
Em síntese, enquanto as taxas são regidas pelo regime jurídico de direito público, as tarifas estão circunscritas ao regime contratual privado, ou seja, o preço público visa remunerar o serviço público prestado por empresas concessionárias, sob regime de direito privado. Tarifa, portanto, não é tributo, é apenas uma contraprestação que decorre do consumo, pelas pessoas, de bens ou serviços públicos.
E ainda, em notas rápidas, algumas outras distinções: na taxa, o sujeito ativo é uma pessoa jurídica de direito público, enquanto no preço público pode ser pessoa de direito público ou privado; a taxa pode ser cobrada em virtude de utilização efetiva ou potencial de serviço público, já quanto à tarifa só haverá a sua cobrança em caso de efetiva utilização do serviço; na taxa, a receita arrecadada é derivada, ao passo que na tarifa a receita é originária; por fim, em virtude de ser tributo, a taxa se sujeita aos princípios tributários (anterioridade, noventena, legalidade, entre outros), o que não ocorre com o preço público/tarifa, posto não ser tributo.
Nesse sentido, dispõe a súmula 545 do STF: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada a prévia autorização orçamentária, em relação a lei que as instituiu”.
Por fim, reitere-se uma observação já feita no sentido da divergência existente no ordenamento jurídico acerca da remuneração dos serviços públicos concedidos[30]. Vejamos algumas opostas jurisprudências do STJ na linha do tempo[31].
Num primeiro julgamento (REsp n. 167.489-SP[32]), firmou-se a posição de que o critério para a diferenciação entre taxa e preço público não seria a natureza da relação entabulada entre consumidor/usuário e a entidade prestadora/fornecedora do serviço/bem, vale dizer, não decorre a lógica de ser taxa quando a entidade prestadora do serviço público for de direito público, e, quando de direito privado, ser preço público/tarifa. Assentou-se a ideia de que a natureza jurídica da remuneração é decorrência da essência da atividade realizadora, não sendo afetado pela existência da concessão. “O concessionário recebe remuneração da mesma natureza daquela que o Poder Concedente receberia, se prestasse o serviço”. Inferia-se, portanto, que o Concessionário (ente privado) podia receber também taxa, o que de fato foi entendido no caso concreto.
Por outro lado, hoje vem predominando no âmbito jurisprudencial outro entendimento. Arestos do STJ vêm trazendo posicionamento diametralmente oposto ao primeiro acima apontado. Isso porque, conforme se vê (AgRg no Ag 819.677-RJ[33]), fixou-se a tese de que teria natureza jurídica de preço público (tarifa) a remuneração dos serviços (in casu, de água e esgoto), prestados por concessionária de serviço público, e não de taxa, como noutra ocasião se havia entendido. A mesma orientação é manifestada no AgRg no REsp 985522-RS[34].
2. NOTAS ACERCA DA INSPEÇÃO VEICULAR
2.1 Inspeção Veicular no direito positivo. Traços gerais.
Os Programas de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso organizados pelos Estados e Municípios – que devem ser guiados por critérios estabelecidos pela União – são instrumentos para redução de emissões de gases e partículas poluentes, bem como de ruído emitido pela frota alvo circulante de veículos automotores.
Há uma política pública nacional que cuida do tema, composta pelo Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (Pronar)[35], assim como pelo Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve)[36].
No que tange ao controle da emissão de gases e partículas, o Ministério do Meio Ambiente, através do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA[37], é responsável por ditar a pauta a respeito da matéria.
A matéria é, hoje[38], minudenciada pela Resolução CONAMA n. 418, de 25 de novembro de 2009[39], que dispõe sobre os critérios para elaboração de Planos de Controle de Poluição Veicular (PCPV) e para a implantação de programas de inspeção e manutenção de veículos em uso (I/M) pelos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente e determina novos limites de emissão e procedimentos para a avaliação do estado de manutenção de veículos em uso.
Diga-se, ainda, que os planos antecedem aos programas, nos temos do art. 10, parágrafo único da Resolução CONAMA n. 418[40]. Aqueles se constituem em instrumentos de gestão – tempo em que dados serão levantados para avaliação dos instrumentos mais adequados para o controle da poluição. A instituição, pelos entes municipais e estaduais, do programa de inspeção e manutenção é justamente um desses instrumentos a ser adotados, presentes a favorável equação custo-benefício.
O Código de Trânsito Brasileiro[41], nos termos do art. 104, dispõe que os veículos em circulação terão suas condições de segurança, de controle de emissão de gases poluentes e de ruído[42] avaliadas mediante inspeção, que será obrigatória, na forma e periodicidade estabelecidas pelo CONTRAN para os itens de segurança e pelo CONAMA para emissão de gases poluentes e ruído. Está previsto no § 5º desse artigo aplicação de medida administrativa de retenção aos veículos reprovados na inspeção de segurança e na de emissão de gases poluentes e ruído.
Já o art. 131[43] do mesmo Diploma prescreve, entre outras exigências para o licenciamento anual do veículo, a comprovação da aprovação nas inspeções de segurança veicular e de controle de emissões de gases poluentes e de ruído (§3º). No mesmo sentido, o art. 20 da Resolução CONAMA n. 418 dispõe que os veículos da frota alvo sujeitos à inspeção periódica não poderão obter o licenciamento anual sem terem sido inspecionados e aprovados quanto aos níveis de emissão, de acordo com os procedimentos e limites estabelecidos pelo CONAMA ou, quando couber, pelo órgão responsável.
Várias são, pois, as legislações estaduais[44] e municipais[45] existentes no ordenamento pátrio[46] que instituíram os programas de inspeção e manutenção de veículos em uso (I/M). Conquanto dotadas, no mais das vezes, de imperfeições e inconstitucionalidades, visam todas, de um modo geral, a reduzir a poluição do ar e, desta feita, a melhorar a qualidade de vida das pessoas.
2.2 A Inspeção Veicular como expressão do poder de polícia que deve ser remunerado por meio de taxa - art. 77 do CTN e art. 145, II, CF/88. Inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 9.270/09 do RN (e Decretos nos. 21.542/2010 e 16.511/02). Violação aos arts. 145, II, e 150, I, da CF/88. ADIN 4551.
Já vimos a distinção entre taxas e tarifas[47]. Embora ambas sejam prestações pecuniárias voltadas a suprir de recursos os cofres estatais[48], não há razão para confundi-las, pois peculiares e distintos são os seus regimes jurídicos. Aqui, nos deteremos, especificamente, em demonstrar que a exação cobrada em decorrência da realização da inspeção veicular deve ter, necessariamente, natureza tributária, notadamente a de taxa em decorrência da prestação do poder de polícia fiscalizatório, previsto nos arts. 77 do CTN[49] e 145, II, da CF/88[50].
Diga-se, ainda, que igualmente já nos posicionamos a respeito da impossibilidade de delegação do poder de polícia (exercido quando da realização da inspeção veicular) à empresa particular[51]. De fato, tratando-se do programa de inspeção veicular, o que se tem é a realização do próprio poder de polícia, e não, como pensam alguns[52], de atos materiais prévios ao exercício desse poder.
Segundo esse entendimento divergente[53], não configuraria transferência da competência do Poder Público no que toca à expedição de ato jurídico administrativo, isto é, a legislação estaria autorizando apenas a transferência ao particular da realização de tarefas secundárias ou operacionais consistentes na prestação da atividade técnico-material de inspeção de veículos, razão pela qual a empresa particular não poderia impor qualquer tipo de restrição aos administrados.
Ousamos, data venia, discordar dessa linha de argumentação. Vejamos.
Conforme já consignamos nesse trabalho, quando a empresa particular realiza a inspeção de veículo objeto da frota alvo do programa e constata que ele está emitindo poluentes (e/ou ruídos) acima dos níveis permitidos pela legislação, a empresa privada não emite o certificado que atesta a adequação do veículo automotor aos níveis de emissão de poluentes/ruídos permitidos pela lei e, em consequência, o veículo fica impedido de transitar regularmente[54].
Assim, o proprietário desse automóvel verá restringido, certamente, o seu direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF/88), que é um direito fundamental individual. Restringir o gozo e o uso de direito individual em prol do interesse da coletividade é, justamente, exercício do poder de polícia. Portanto, transversal e indevidamente a pessoa privada estaria desempenhando o poder de polícia.
Portanto, os dispositivos que permitem a delegação do poder de polícia (in casu, a realização da inspeção veicular) a particulares ferem o ordenamento jurídico-positivo[55]. Desta feita, os arts. 12, §2º, e 8º, parágrafo único, previstos na resolução CONAMA n. 418[56], são, a nosso ver, inválidos, assim como os dispositivos previstos nas legislações estaduais[57] ou municipais[58].
Pois bem. Passemos propriamente ao tema da contraprestação exigida em decorrência da realização da inspeção veicular.
Foi ajuizada pela PGR a ADI n. 4551[59] questionando-se, justamente, o regime jurídico da exação cobrada em virtude da realização da inspeção veicular – “preço público/tarifa” – constante na Lei n. 9.270/09[60] do Estado do Rio Grande do Norte. Para a PGR, o que se tem é o exercício de poder de polícia, atividade estatal a que a Constituição impõe específica modalidade tributária, em que a relação que se estabelece entre o cidadão e o Poder Público tem natureza legal, e não contratual, a que o particular se submete compulsoriamente. Não temos dúvidas do acerto desse entendimento[61]-[62].
Primeiramente, a inspeção veicular é desprovida de facultatividade, aliás, a exação paga em virtude dessa atividade é obrigatória. O administrado se vê compelido a submeter seu veículo à inspeção veicular, sob pena de restrição ao seu direito de trafegar regularmente, isto é, ou (i) o seu veículo é inspecionado e aprovado (sendo emitido o certificado), o que lhe permite o exercício das prerrogativas decorrentes do seu direito de propriedade[63], ou (ii) o seu veículo não é submetido à inspeção e, consequentemente, não poderá trafegar de modo regular[64]. Se não há facultatividade, não se pode remunerar essa atividade fiscalizatória através de tarifa/preço público. Só se pode exigir tarifa quando houver, portanto, voluntariedade.
O Programa de Inspeção Veicular no Estado do Rio Grande do Norte, tal como autorizado pela legislação nacional, exige, obrigatória e anualmente, a inspeção e certificação de todos os veículos da frota licenciada, que devem, necessariamente, estar adequados às exigências técnicas, para a finalidade maior de redução das emissões de poluentes. A inspeção veicular obrigatória a ser realizada na frota alvo de veículos é, assim, compulsória[65], que deve ensejar a cobrança de taxa[66] decorrente do exercício do poder de polícia, nos termos dos arts. 77 do CTN e 145, II, da CF/88. Há nas taxas, assim, compulsoriedade[67] e a submissão aos efeitos tributários sempre que ocorrer o fato gerador desse tributo.
Inexiste, igualmente, autonomia da vontade. Não há liberdade de contratar, inerente ao regime privado das tarifas. A relação havida entre administrado e Poder Público, in casu, é de cunho legal (e não contratual), a qual o cidadão se submete compulsoriamente. A contraprestação cabível nesse caso da realização da inspeção veicular deve ser norteada pelo regime de direito público, pois tem inegável natureza tributária. E, como se sabe, o dever de pagar tributo é obrigação ex lege.
E mais: a relação deve ser contrabalanceada. Explicamos. Se por um lado o Estado impõe uma prestação pecuniária em decorrência da realização do poder de polícia, o administrado tem o direito de invocar, a seu favor, as limitações a esse poder de tributar estatal, para que se façam presentes todas as prerrogativas albergadas pela Carta Política.
A taxa, diferentemente da tarifa, só pode ser exigida por pessoas jurídicas de direito público[68], de modo que deve ser paga à Administração Pública, e não à empresa particular. Daí porque pensamos que a Lei Estadual n. 9.270/09, além de ser inconstitucional no que toca ao tipo de contraprestação prevista (tarifa/preço público), o é, ainda, pelo fato de empresa particular não poder receber taxa. Noutros termos: o poder judiciário deve reconhecer a inconstitucionalidade[69] dos enunciados prescritivos que contêm a expressão “tarifa ou preço público” [70], assim como declarar que a taxa deve ser recolhida pelo Estado, vez que só à pessoa jurídica de direito público é dado o poder de exigir essa espécie tributária.
Por tais motivos é que temos para nós que a Lei n. 9.270/09[71] do Estado do Rio Grande do Norte viola nitidamente os arts. 145, II, e 150, I, da Carta Política de 1988, quando fixa a remuneração da atividade de inspeção e manutenção veicular por meio de preço público ou tarifa, quando, em verdade, se trata de inegável exercício do poder de polícia, que é fato gerador da taxa (de polícia).
CONCLUSÃO
Os Programas de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso organizados pelos Estados e Municípios brasileiros, como visto, são mecanismos para a redução de emissões de gases e partículas poluentes, como também para diminuição de ruído emitido pela frota alvo circulante de veículos automotores.
O Código de Trânsito Brasileiro traz, em seus arts. 24, 25, 104 e 131, alguns contornos gerais acerca do controle da emissão de poluentes e ruídos dos veículos.
O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), é o órgão responsável por regulamentar o controle da emissão desses gases e partículas, vale dizer, incumbe-lhe determinar a pauta a respeito da matéria.
Hoje, a matéria é minudenciada basicamente pela Resolução CONAMA n. 418, de 25 de novembro de 2009, que dispõe sobre os critérios para elaboração de Planos de Controle de Poluição Veicular (PCPV) e para a implantação de programas de inspeção e manutenção de veículos em uso (I/M) pelos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente e determina novos limites de emissão e procedimentos para a avaliação do estado de manutenção de veículos em uso.
Conforme demonstramos, a inspeção veicular é atividade que, inegavelmente, realiza o poder de polícia. As legislações estaduais ou municipais têm, indevidamente, delegado o exercício desse poder fiscalizatório a empresas particulares (vencedoras de certames licitatórios).
O poder de polícia – enquanto plexo de atribuições concedidas à administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público, liberdades e individuais – não é passível de delegação a empresas privadas que não integram o Estado. Noutros termos, é indelegável o exercício desse poder a pessoas da iniciativa privada que não possuem quaisquer vínculos oficiais com a administração pública.
Por maior que seja a parceria existente, jamais serão dotadas da potestade, do ius imperii – imprescindível ao desempenho da atividade de polícia.
Assim, percebe-se que o Estado, delegando o exercício do poder de polícia a particular, o faz de modo indevido, o que afronta, quando menos, os princípios basilares do direito público, exempli gratia, supremacia e indisponibilidade do interesse público.
Tal situação se passa, por exemplo, na Lei n. 9.270/09 do Estado do Rio Grande do Norte (e seu Decreto n. 21.542/09). A indevida previsão legal de delegação do poder de polícia a pessoa privada está expressa no art. 1º, §§ 1º e 3º desse diploma normativo[72]. Verifica-se similar previsão normativa nas legislações de diversos outros entes estaduais e municipais brasileiros.
Alguns argumentam que se trata, nesse caso, de mera delegação de atos materiais preparatórios ao efetivo poder de polícia, sustentando que a própria lei prevê que não há efetiva delegação desse poder, tal como previsto no art. 1º, §4º, da Lei n. 9.270/09 do Estado do RN[73]. Em verdade, não é a denominação que exprime a substância de um ato jurídico, assim como não é a forma que define a essência do conteúdo. Dizia Geraldo Ataliba, não sem razão, que “os institutos jurídicos são aquilo que sua essência jurídica revela” [74].
Quando a empresa particular constata que o veículo está emitindo poluentes (e/ou ruídos) acima dos níveis permitidos pela legislação, ela não emite o certificado e, consequentemente, o veículo não poderá transitar regularmente (sujeitar-se-á a sanções, v.g., retenção, multas e impossibilidade de renovar a licença do veículo) [75].
O administrado verá, pois, restringido, de algum modo, o seu direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF/88), que é um direito fundamental individual. Restringir o gozo e o uso de direito individual em prol do interesse da coletividade é, certamente, exercício do poder de polícia. Portanto, a pessoa privada estaria desempenhando, indevidamente, o poder de polícia. Daí porque não se pode delegar o poder de polícia, no caso a atividade fiscalizatória realizada na inspeção veicular, à pessoa da iniciativa privada.
Quanto à contraprestação cobrada em virtude desse exercício do poder de polícia, não resta dúvidas de que se trata de taxa, nos termos dos arts. 145, II, da CF/88, e 77 do CTN.
O poder de polícia é atividade estatal a qual a Constituição Federal impõe específica modalidade tributária (taxa), sendo a relação estabelecida entre o cidadão e o Poder Público de cunho legal, e não contratual, a que o particular se submete compulsoriamente.
Na inspeção veicular não há facultatividade. A exação paga em virtude dessa atividade é obrigatória. O administrado se ver compelido a submeter seu veículo à inspeção veicular, sob pena de restrição ao seu direito de trafegar regularmente. Se não há facultatividade, não se pode remunerar essa atividade fiscalizatória através de tarifa/preço público. Só se pode exigir tarifa quando houver, portanto, voluntariedade.
Inexiste, igualmente, autonomia da vontade. Não há liberdade de contratar, inerente ao regime privado das tarifas. Portanto, a contraprestação cabível nesse caso da realização da inspeção veicular deve ser norteada pelo regime de direito público, pois tem inegável natureza tributária. O dever de pagar tributo, sabe-se, é obrigação ex lege.
Se por um lado o Estado impõe uma prestação pecuniária em decorrência da realização do poder de polícia, o administrado tem o direito de invocar, a seu favor, as limitações a esse poder de tributar estatal, para que se façam presentes todas as prerrogativas albergadas pela Carta Política.
A taxa, diferentemente da tarifa, só pode ser exigida, regra geral, por pessoas jurídicas de direito público, de modo que deve ser paga a Administração Pública, e não a empresa particular. Daí porque pensamos que a Lei Estadual n. 9.270/09, além de ser inconstitucional no que toca ao tipo de contraprestação prevista (tarifa/preço público), o é, ainda, pelo fato de empresa particular não poder ser remunerada por taxa.
Por outros torneios, o poder judiciário deve reconhecer a inconstitucionalidade dos enunciados prescritivos que contêm a expressão “tarifa ou preço público” (os arts. 1º, §1º, 2º e 5º, da Lei n. 9.270/09 do Estado do Rio Grande do Norte), assim como declarar que a exação (que entendemos ser taxa) deve ser recolhida pelo Estado, vez que só à pessoa jurídica de direito público é dado o poder de exigir essa espécie tributária.
Temos para nós, enfim, que a Lei n. 9.270/09[76] do Estado do Rio Grande do Norte viola nitidamente os arts. 145, II, e 150, I, da Carta Política de 1988, quando fixa a remuneração da atividade de inspeção e manutenção veicular por meio de preço público ou tarifa, quando, em verdade, se trata de inegável exercício do poder de polícia, que é fato gerador da taxa (de polícia).
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[1] Parcela significativa da doutrina trata as expressões preço público e tarifa como sendo sinônimos. Contudo, outros entendem que tarifa é espécie do gênero preço público. Para esta última corrente, tarifa é especificamente o nome dado ao preço público que representa a contraprestação pecuniária de um serviço público, pago diretamente pelo usuário ao prestador. De uma forma ou de outra, o que mais nos interessa, no limites desse trabalho, é distingui-las (preço público/tarifa) das taxas.
[2] Destaca Caio Tácito (1997, p. 523) que o poder de polícia é, em suma, um instrumento de defesa social em sentido amplo, inspirando-se naquele estado de necessidade a que se refere Bielsa (Rafael Bielsa, Derecho Administrativo, 1939, vol. III, págs. 89 e 99) e se dilatando na proporção em que se exacerbam as lesões efetivas ou potenciais à ordem pública ou ordem jurídica.
[3] Art. 5º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
[4] ADINMC n. 2247-DF, Rel. Ilmar Galvão, julg. Em 13/2/2000. No caso, o IBAMA havia criado preço por meio de portaria, embora a hipótese fosse pagamento pelo exercício do poder de polícia. O STF, portanto, deferiu liminar para suspender a eficácia da portaria, em face da plausibilidade jurídica da tese através da qual a hipótese seria, inegavelmente, de taxa a ser criada por lei.
[5] Com esse entendimento, Antônio Carlos Cintra do Amaral (Licitação para concessão do serviço público. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 10); Toshio Mukai (Concessões, permissões e privatizações de serviços públicos: comentários à lei n. 8497 de 13 de janeiro de 1995, e à lei n. 9.074/95, das concessões do setor elétrico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 29); Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 346); Carlos Roberto de Miranda Gomes (Manual de direito financeiro e finanças. Natal: Nossa editora, 1996, p. 185-188). Esses mencionados doutrinadores, conquanto não compartilhem inteiramente as mesmas premissas, alcançam as mesmas conclusões. Em sentido contrário: Hamilton Dias de Souza, Marco Aurélio Greco (Distinção entre taxa e preço público. Cadernos de Pesquisas Tributárias. São Paulo, n. 10, p. 114, [19-]; Eugênio Doin Vieira (Taxas: algumas considerações propedêuticas. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. (Org.). Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba: direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 140; Roque Antonio Carrazza (Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 333-335).
[6] Essa é a regra. Há exceções, como, por exemplo, a remuneração das concessionárias de rádio e TV aberta, em que a remuneração não é paga pelo telespectador ou ouvinte, mas sim advinda do pagamento recebido dos anunciantes (veiculação das propagandas e peças de publicidade). É plausível, igualmente, que, a par da remuneração através da tarifa, o particular/delegatário aufira outras receitas (acessórias ou complementares), obtidas da exploração do serviço público delegado: é o que se dá, v.g., na hipótese de concessionárias de serviço de conservação de estradas de rodagem que recebem receita decorrente do aluguel de espaços para afixação de publicidade às margens de rodovia que fora objeto de concessão. Também excepcionalmente, o STF (RE 116.208/MG; ADI 1.444/PR, ADI 1145/PB, ADI-MC n. 1.772/MG) entende que os cartórios (Ofícios de Notas), embora dotados de personalidade de direito privado (art. 236 da CF/88, regulamentado pela Lei n. 8935/94), recebem taxas (de polícia, em decorrência das atividades notariais e de registro, vale dizer, os emolumentos resultam de serviço público, ainda que prestado por particular).
[7] Não ignoramos a possibilidade do fenômeno da parafiscalidade, no qual o ente competente delega a outrem (tanto às pessoas jurídicas de direito público, com ou sem personalidade política; como às entidades paraestatais, que são pessoas jurídicas de direito privado, mas que desempenham atividades voltadas ao interesse público), além das funções de arrecadar e fiscalizar tributos, a prerrogativa deste (delegatário) ficar com o produto arrecadado. Isso tudo porque este delegatário/ente paraestatal dirige suas atividades para o fim/interesse público, em que pese poder possuir personalidade jurídica de direito privado. Eis a definição de parafiscalidade dada por Paulo Ayres: “A não coincidência entre a titularidade da competência impositiva e a indicação do sujeito ativo da relação jurídica não desnaturam o caráter tributário da exigência. Da mesma forma, a disponibilidade do recurso ao eleito para figurar no polo ativo dessa mesma relação jurídica, com o objetivo de aplicação nos propósitos que motivaram a sua exigência, não modifica a sua natureza tributária. A parafiscalidade harmoniza-se plenamente com o conceito de tributo”. (Contribuições: Regime jurídico, destinação e controle, São Paulo, Noeses, 2006, p. 99). A parafiscalidade, assim, não tem o condão de negar totalmente a regra de que é o ente público tem a competência para exigir determinada exação.
[8] AgRg no Ag 819.677-RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 14/06/2007; AgRg no REsp 985522 RS 2007/0212866-1, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 05/02/2009, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/02/2009.
[9] Diz o autor: “As tarifas dos serviços públicos concedidos são, em suma, taxas ou preços? A resposta, a essa altura da exposição, parece evidente. Se preço público é a contribuição paga pelo usuário à empresa, ente ou serviço do Estado, não se transfigurará a sua natureza jurídica, para incutir-lhe a feição de taxa, quando o Estado se ausenta de sua execução, deferindo-a à empresa concessionária ou permissionária. (...) O fato de que as tarifas constituam emanação da vontade do Estado não é suficiente para lhes imprimir natureza tributária. Falta-lhes, de uma parte, o liame a um serviço público obrigatório, oriundo da soberania do Estado. A contribuição dos particulares é voluntária, no sentido de que a simples disponibilidade do serviço não justifica a imposição do pagamento, fazendo mister a utilização pessoal. De outro lado, a fixação das tarifas é, materialmente, um ato administrativo, usualmente exercido pelo Poder Executivo. As taxas, ao contrário, como espécie tributária que são, somente podem ser instituídas em lei, isto é, em ato materialmente legislativo, por força do princípio clássico da representação como base do poder impositivo fiscal (no taxation without representation). (TÁCITO, 1997, pp. 800/801).
[10] Um exemplo, entre vários outros, é a Fundação Depto. Estradas e Rodagens do RJ (DER/RJ), fundação estadual de direito privado, que exerce poder de polícia fiscalizatório (Lei RJ 1.695/90 e Decr. 15.330/90).
[11] Nesse sentido, ver FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 74.
[12] É este o entendimento de autorizada doutrina. Ver, a propósito, FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 75.
[13] Constitui atividade indelegável exercida pelo Estado, consoante decidido pelo STF (ADI 1.717/DF – Relator Min. Nelson Jobim, j. 07/11/2002. Tribunal Pleno. DJU: 28/03/2003, p. 61) e STJ (REsp 686419 / RJ. Relator: Min. Castro Meira. 2ª Turma. DJU: 01/08/2005, p. 411). O STF, quando do julgamento da ADI 1.717-DF, declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei n. 9.469/98, que previa a delegação a entidades privadas do poder de fiscalização de profissões regulamentadas, fundando-se a decisão justamente na indelegabilidade do poder de polícia. Por sua vez, o acórdão do STJ, no REsp 686419/RJ acima citado, tem a seguinte ementa: “RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO. AUTOS DE INFRAÇÃO LAVRADOS POR AGENTES DE TRÂNSITO CONTRATADOS POR EMPRESA PÚBLICA. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE BASEIA NA IMPOSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA. FUNDAMENTO QUE SE MOSTRA SUFICIENTE PARA SUA MANUTENÇÃO”.
[14] Vide, por exemplo, a Lei Estadual do RN no 9.270/09 (regulamentada pelo Decreto Estadual no 21.542, de 2009, que derrogou o Decreto n. 16.511/02), que dispõe sobre o Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso no Estado do Rio Grande do Norte.
[15] Isso é o que está prescrito na lei. Contudo, pensamos que tal previsão de delegação se afigura inválida. Pela só leitura dos §§ 1º e 3º da lei do Estado do RN já percebemos tal tentativa (descabida) de delegação do poder de polícia a particular.
[16] Art. 1º. Fica instituído o Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso no Estado do Rio Grande do Norte, em cumprimento do disposto nos artigos 24, 25, 104 e 131 do Código de Trânsito Brasileiro, aprovado pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, e das Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente –
CONAMA -, em especial a Resolução nº 256, de 30 de junho de 1999.
§ 1º O Estado do Rio Grande do Norte poderá implementar o Programa previsto no caput, diretamente ou sob o regime de concessão, podendo cobrar tarifas dos usuários. (...)
§ 3º Os serviços de inspeção de veículos serão executados por empresa, ou por consórcio de empresas, mediante concessão de serviço público, precedida de execução de obra pública a ser executada pela concessionária, após o devido procedimento licitatório, seguindo as normas, condições e critérios de julgamento estabelecidos pelo Plano de Controle da Poluição de Veículos em Uso – PCPV -, aprovado por Decreto do Chefe do Poder Executivo
[17] Não é aceitável eventual argumentação no sentido de que inexiste delegação do poder de polícia em virtude de tal previsão no §4º do art. 1º da Lei do RN n. 9.270/09, que dispõe: art. 1º, § 4º: “A concessão prevista no parágrafo anterior não acarreta a delegação do poder de polícia, privativo dos órgãos ambientais e de trânsito do Estado do Rio Grande do Norte, limitada a atuação da concessionária à prestação de serviços técnicos especializados, de emissão de laudos e instrumentos eletrônicos de fiscalização a ser fornecido aos órgãos fiscalizadores Estaduais, devendo o contrato de concessão ser firmado pelo prazo de vinte anos, prorrogável de acordo com a Lei”. E isso porque a forma não suplanta a verdade material que se perpassa na realidade factual. Noutros termos, não é a denominação que exprime a substância de um ato jurídico, assim como não é a forma que define a essência do conteúdo. Se a lei pretende legitimar algo ilegitimável, não há como não reconhecer o seu caráter ilegítimo. Portanto, a lei, nesse aspecto, se mostra inválida.
[18] O proprietário do veículo objeto da frota alvo (cuja inspeção é obrigatória) estará sujeito a algumas medidas, tais como (i) multas; (ii) impossibilidade de renovar a licença do veículo junto ao órgão estadual de trânsito, entre outras medidas. Veja-se, por pertinente, o que dispõe a Lei Federal n. 9503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) no seu art. 104, § 5º: “Será aplicada a medida administrativa de retenção aos veículos reprovados na inspeção de segurança e na de emissão de gases poluentes e ruído”. Anote-se, ainda, ainda, que o art. 20 da Resolução CONAMA n. 418 dispõe que os veículos da frota alvo sujeitos à inspeção periódica não poderão obter o licenciamento anual sem terem sido inspecionados e aprovados quanto aos níveis de emissão, de acordo com os procedimentos e limites estabelecidos pelo CONAMA ou, quando couber, pelo órgão responsável.
[19] Além disso, os veículos não aprovados em inspeções ou reinspeções estarão sujeitos às normas e sanções previstas na legislação ambiental vigente (art. 11 do Decreto no 16.511/02, do Estado do RN, nessa parte não revogado pelo Decreto n. 21.542/09.
[20] Dois questionamentos se colocam para reflexão: (i) Caso a concessionária constate que o veículo (objeto da frota alvo) não esteja dentro dos parâmetros legais no que tange a emissão de poluentes e/ou ruídos e, ato contínuo, não emita o certificado, pode o órgão estadual de trânsito ignorar esse resultado da inspeção, e vir a emitir a licença do veículo (tendo em vista que a aprovação na inspeção veicular é requisito para renovação da licença desse automóvel)? (ii) e a situação contrária: em tendo o veículo recebido o certificado da concessionária, pode o órgão de trânsito negar a licença desse veículo (ao fundamento, por exemplo, de discordância do certificado emitido)? Para os que defendem que a empresa particular não realiza poder de polícia (mas sim atos materiais preparatórios/antecedentes ao exercício do poder de polícia), para serem coerentes com sua linha de raciocínio, devem responder afirmativamente (isto é, pela possibilidade de o órgão estadual de trânsito conceder a licença do veículo, mesmo que não tenha a concessionária emitido o certificado da inspeção), já que a titularidade do poder de polícia, para os que assim pensam, continua com o Estado (ou órgãos a ele vinculados) e, como o poder de polícia é exercido por este (Estado ou órgão que lhe é vinculado), a ele cabe dizer a última palavra, ou seja, a ele cabe exercer o poder de polícia (restringir o uso/gozo do direito). Contudo, dadas as premissas assumidas neste trabalho, não concordamos com esse entendimento, haja vista que, para nós, sequer pode o Estado delegar o poder de polícia ao particular, in casu. No que tange ao segundo questionamento, mais uma vez aqueles que entendem que a empresa da iniciativa privada não realiza poder de polícia, devem (para manterem a coerência) responder afirmativamente, ou seja, que o órgão estadual de trânsito pode negar a renovação da licença anual do veículo mesmo tendo a empresa particular (realizadora da inspeção) emitido o certificado. E isso nos parece por demais forçoso!
[21] Nesse sentido, TÁCITO (1997, p. 793).
[22] Anota Paulo de Barros Carvalho que o uso já consagrou a equiparação dos termos "preço público" e "tarifa". Vale ressalvar, apenas, que "tarifa", na tradição do Direito Financeiro, significa a tabela de preços e não os preços em si. (2009, p. 404).
[23] Nesse sentido é também a lição de CARVALHO (2009, p. 405).
[24] CARVALHO (2009, p. 405) salienta que a tarifa apresenta inequívoco caráter remuneratório. Nesse sentido, os valores arrecadados devem convergir para a empresa concessionária, que com eles desempenha e aprimora os serviços que presta aos usuários. Caso a quantia exigida não decorra da prestação de serviço de interesse público, exercida pela empresa concessionária, isto é, não apresente conteúdo remuneratório, nem se destine ao custeio ou ao implemento dos serviços prestados, não se pode cogitar da existência de tarifa ou preço público, figura que, necessariamente, há de conter os elementos anteriormente descritos.
[25] Eis a compreensão do Supremo Tribunal Federal, expressa pelo ministro Moreira Alves, acerca do preço público (“Taxa e preço público", in Caderno de Pesquisa Tributária n. 10, São Paulo, Resenha Tributária, 1985, p. 174): "Preço público é o preço contratual, que constitui contra-prestação de serviços de natureza comercial ou industrial - e que, por isso mesmo, podem ser objeto de concessão para particulares -, serviços esses prestados por meio de contrato de adesão. Para haver preço público é necessário existir contrato, ainda que tacitamente celebrado, e o contrato ainda que de adesão, dá a quem pretende celebrá-lo, se aderir às condições dele, a liberdade de não contratar, atendendo a sua necessidade por outro meio lícito. Quem não quiser tomar ônibus, e aderir, portanto, ao contrato de transporte, poderá ir, licitamente, por outros meios, ao lugar de destino. O que não tem sentido é pretender-se a existência de contrato quando o que deve aderir não tem sequer a liberdade de não contratar, porque, licitamente, não tem meio algum para obter o resultado de que necessita" (RTJ/ STF n. 98).
[26] É justamente por isso, aliás, que alguns criticam a súmula 545 do STF.
[27] Para o ilustre Moreira Alves, os serviços públicos podem ser assim classificados: (i) serviços públicos propriamente estatais (são de competência exclusiva do Estado, indelegáveis e remunerados por meio de taxa, v.g., serviço judiciário, emissão de passaportes etc); (ii) serviços públicos essenciais ao interesse público (também remunerados por meio de taxa, desde que a lei os considere de utilização obrigatória, v.g., serviços de distribuição de coleta de lixo, de esgoto, de sepultamento; (iii) serviços públicos não essenciais (são, de regra, passíveis de delegação, podendo ser concedidos e remunerados através de preços públicos. Exemplos: serviços postal, telefônico, de distribuição de gás, de energia elétrica. Podem ser aqui incluídos os serviços essenciais ao interesse público que não venham a ser considerados legalmente obrigatórios, v.g., tarifa municipal de esgoto, sabendo-se que no município se autorizam as fossas particulares. (Conclusões extraídas do acórdão do RE n. 89.876-RJ, relatado pelo Ministro Moreira Alves, bem como da conferência, por este proferida no “X Simpósio Nacional de Direito Tributário” sobre o tema “Taxa e Preço Público, ocorrida em 19/10/85, em São Paulo. Apud CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007).
[28] No início do século XX, o francês Siligman foi um grande inovador num tema relativo à Ciência das Finanças, qual seja, receitas públicas. Tratando do custeio dos serviços públicos, e partindo do fator coercitivo, foi ele quem fez a distribuição das “contribuições feitas ao governo” em gratuitas, contratuais ou obrigatórias.
[29] Há certa discussão acerca da necessidade de efetiva utilização do poder de polícia para que o fato gerador da taxa (de polícia) ocorra. Há doutrina e jurisprudência que entendem que, inexistindo efetiva prestação do poder de polícia, não há falar em fato gerador e, portanto, descabida será a cobrança da taxa. Contudo, recentemente, o STF (RE 588.322-RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, em 16/06/2010) decidiu que, se no ente público há órgão específico e estrutura implantada, é de considerar-se presumido o exercício do poder de polícia, podendo eventual omissão, no entanto, ensejar a responsabilização dos agentes desidiosos.
[30] Note que aqui se trata aqui de serviço público (remunerado por tarifa). No entanto, como estamos a ver, no caso da inspeção veicular, trata-se não de serviço público, mas de exercício do poder de polícia que, por ser indelegável a particular, deve ser realizado pela administração pública (direta ou indireta). E, uma vez devendo ser realizado pelo Estado, este exercício de polícia deve ser remunerado por meio de taxa.
[31] À título ilustrativo, REsp n. 167.489-SP (concessionária remunerada por taxa) x AgRg no Ag 819.677-RJ e AgRg no REsp 985522 RS (remuneração da concessionária por preço público/tarifa).
[32] REsp n. 167489 SP 1998/0018591-7, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 02/06/1998, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 24/08/1998 p. 24.
[33] AgRg no Ag n. 819.677/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 14/06/2007.
[34] AgRg no REsp 985522 RS 2007/0212866-1, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 05/02/2009, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/02/2009. Vejamos, a propósito, trecho da ementa desse julgado: PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. FORNECIMENTO DE ÁGUA. VALORES DEVIDOS PELA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO. NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA OU PREÇO PÚBLICO. CRÉDITO NÃO-TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. 535CPC1. A natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto, prestados por concessionária de serviço público, é de tarifa ou preço público, consubstanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário. (...)
[35] Instituído pela Resolução CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) n. 5, de 15 de junho de 1989.
[36] Criado pela Resolução CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) n. 18, de 06 de maio de 1986.
[37] O CONAMA foi criado (pelo art. 6º, inciso II) da Lei n. 6.938/81, tendo por finalidade assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo diretrizes e políticas governamentais voltadas para o meio ambiente e recursos naturais; bem como deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. O CONAMA é, portanto, uma entidade dotada de poder regulamentar em razão de expressa determinação legal. A competência legal do CONAMA está prevista no art. 8º do referido diploma normativo. Anote-se que o Decreto n. 99.274 de 06 de junho de 1990, com a nova redação dada pelo Decreto n. 3.942, de 27 de setembro de 2001, em seu art. 7º, regulamentou tal competência. (Sobre o assunto, vide ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 108/109).
[38] Registre-se que outras resoluções já dispuseram acerca do tema, como, v.g., a Resolução nº. 7 de 31/08/93 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que definiu diretrizes básicas e padrões de emissão para estabelecer o Programa de Inspeção e delegou sua execução para Estados e Municípios (hoje tal resolução n. 7/93 foi revogada pela de n. 418/2009).
[39] Registre-se que tal Resolução, pela previsão de seu art. 36, revogou as resoluções de nºs. 7, 15, 18, 227, 251, 252 e 256. Anote-se, ainda, que a Resolução CONAMA n. 426, de 14 de dezembro de 2010, altera o art. 4º e art. 5º, caput e §1º da Resolução CONAMA nº 418, de 2009, estabelecendo novos prazos para o Plano de Controle da Poluição Veicular e o Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso.
[40] Art. 10. O Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso - I/M tem o objetivo de identificar desconformidades dos veículos em uso, tendo como referências: (...) omissis. Parágrafo único. A implementação do Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso - I/M somente poderá ser feita após a elaboração de um Plano de Controle de Poluição Veicular - PCPV.
[41] Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997.
[42] O CTB, consoante art. 24, XX, diz que compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos pelos veículos automotores ou pela sua carga, além de dar apoio às ações específicas de órgão ambiental local, quando solicitado.
[43] Art. 131 do CTB: “O Certificado de Licenciamento Anual será expedido ao veículo licenciado, vinculado ao Certificado de Registro, no modelo e especificações estabelecidos pelo CONTRAN.
(Omissis).
§ 3º Ao licenciar o veículo, o proprietário deverá comprovar sua aprovação nas inspeções de segurança veicular e de controle de emissões de gases poluentes e de ruído, conforme disposto no art. 104”.
[44] No Estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, destaque-se a Lei n. 9.270/09 e o Decreto n. 21.542/2010 (que alterou o Decreto n. 16.511/02); no Estado do Rio Grande do Sul, a Lei n. 11.311/99, entre outras legislações espraiadas pelos demais entes estaduais e municipais.
[45] No município de São Paulo/SP, exempli gratia, o programa foi instituído pelas Leis Municipais nº 11.733 de 27 de março de 1995, n°12.157 de 09 de agosto de 1996, nº 14.717 de 17 de abril de 2008, e pelo Decreto Municipal 50.232, de 17 de novembro de 2008.
[46] Atualmente, aproximadamente 50 países realizam a inspeção.
[47] Já acentuamos que para certa corrente, tarifa é espécie de preço público que pode ser conceituado como sendo o preço de venda do bem, cobrado por empresas prestacionistas de serviços (permissionárias e concessionárias), como se fossem comuns vendedoras. Outros simplesmente tratam tarifa como sinônimo de preço público. Com este último entendimento, ao qual nos filiamos, encontramos, entre outros, o professor Paulo de Barros Carvalho. Este ilustre professor pontua que a tarifa, na tradição do Direito Financeiro, significa a tabela de preços e não os preços em si (CARVALHO, 2009, p. 404).
[48] Os aspectos que as aproximam são estes: (i) tratam-se de prestações contraprestacionais dotadas de (ii) referibilidade.
[49] Art. 77, CTN: As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
[50] Art. 145, CF: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...)
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
[51] Daí porque pensamos que devem ser tidos como inválidos os §§ 1º, 3º e 4º do art. 1º da Lei n. 9.270/09 do Estado do RN: Art. 1º omissis. §1º: “O Estado do Rio Grande do Norte poderá implementar o Programa previsto no caput, diretamente ou sob o regime de concessão, podendo cobrar tarifas dos usuários”; § 3º. “Os serviços de inspeção de veículos serão executados por empresa, ou por consórcio de empresas, mediante concessão de serviço público, precedida de execução de obra pública a ser executada pela concessionária, após o devido procedimento licitatório, seguindo as normas, condições e critérios de julgamento estabelecidos pelo Plano de Controle da Poluição de Veículos em Uso – PCPV -, aprovado por Decreto do Chefe do Poder Executivo”. § 4º. “A concessão prevista no parágrafo anterior não acarreta a delegação do poder de polícia, privativo dos órgãos ambientais e de trânsito do Estado do Rio Grande do Norte, limitada a atuação da concessionária à prestação de serviços técnicos especializados, de emissão de laudos e instrumentos eletrônicos de fiscalização a ser fornecido aos órgãos fiscalizadores Estaduais, devendo o contrato de concessão ser firmado pelo prazo de vinte anos, prorrogável de acordo com a Lei”. Quanto a este último parágrafo, observação deve ser feita: de nada adianta a lei dizer que não se trata de delegação do poder de polícia se o que ocorre, efetiva e verdadeiramente, é justamente o oposto ao que ela prescreve. Mais uma vez repetimos: não é a denominação que exprime a substância de um ato jurídico, assim como não é a forma que define a essência do conteúdo. Se a lei pretende legitimar algo ilegitimável, não há como não reconhecer o seu caráter ilegítimo. Não é aceitável, pois, a argumentação de que inexiste delegação do poder de polícia em virtude de a lei prever que não há (como o faz o mencionado §4º do art. 1º da Lei do RN n. 9.270/09). Se isso ocorre, o Poder Judiciário deve declarar sua invalidade.
[52] Essa posição contrária é defendida pela PGE/RN tanto nos autos da ADI 4551, proposta pela PGR, quanto na contestação à ação civil pública proposta pelo MP/RN nos autos do processo n. 0800223.02.2011.8.20.0001, em trâmite na 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal, cujo polo passivo é composto, além do Estado do Rio Grande do Norte, pelo DETRAN/RN e pelo órgão ambiental estadual (IDEMA). No âmbito doutrinário, Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, passim) dispõe acerca da possibilidade de delegação de atos materiais executórios do poder de polícia em alguns casos. Com esse entendimento concordamos. Porém, discordamos que ocorra isso no caso vertente da inspeção veicular.
[53] Ibidem.
[54] O proprietário do veículo objeto da frota alvo (cuja inspeção é obrigatória e em não se submetendo a mesma) estará sujeito a algumas medidas, tais como (i) multas; (ii) impossibilidade de renovar a licença do veículo junto ao órgão estadual de trânsito, (iii) retenção, entre outras. Veja-se, por pertinente, o que dispõe a Lei Federal n. 9503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) no seu art. 104, § 5º: “Será aplicada a medida administrativa de retenção aos veículos reprovados na inspeção de segurança e na de emissão de gases poluentes e ruído”. Anote-se, ainda, ainda, que o art. 20 da Resolução CONAMA n. 418 dispõe que os veículos da frota alvo sujeitos à inspeção periódica não poderão obter o licenciamento anual sem terem sido inspecionados e aprovados quanto aos níveis de emissão, de acordo com os procedimentos e limites estabelecidos pelo CONAMA ou, quando couber, pelo órgão responsável. As legislações estaduais e municipais também trazem todas essas medidas restritivas.
[55] O STF declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei n. 9.469/98, que previa a delegação a entidades privadas do poder de fiscalização de profissões regulamentadas, fundando-se a decisão justamente na indelegabilidade do poder de polícia (ADI 1.717-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, publ. 28.03.2003). Igual direção trilhou o STJ - REsp 686419 / RJ. Relator: Min. Castro Meira. 2ª Turma. DJU: 01/08/2005, p. 411.
[56] Art. 12, Resolução CONAMA N. 418. “Os Programas de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso - I/M serão implantados prioritariamente em regiões que apresentem, com base em estudo técnico, comprometimento da qualidade do ar devido às emissões de poluentes pela frota circulante. (...)
§2º Os serviços técnicos inerentes à execução do Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso - I/M poderão ser realizados diretamente pelo respectivo órgão responsável ou por meio da contratação pelo poder público de serviços especializados”.
Art. 8º, Resolução CONAMA N. 418: “Fica a critério do órgão responsável, no âmbito do PCPV, o estabelecimento e implantação de Programas Integrados de Inspeção e Manutenção, de modo que, além da inspeção obrigatória de itens relacionados com as emissões de poluentes e ruído, sejam também incluídos aqueles relativos à segurança veicular, de acordo com regulamentação específica dos órgãos de trânsito.
Parágrafo único. O órgão responsável ou as empresas contratadas, no caso de regime de execução indireta, deverão buscar o estabelecimento de acordos com as concessionárias das inspeções de segurança veicular, contratadas nos termos da regulamentação do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, para a realização, no mesmo local, das duas inspeções, mantidas as responsabilidades individuais de cada executor”.
[57] Como, v.g., os §§ 1º, 3º e 4º do art. 1º da Lei n. 9.270/09 do Estado do RN, conforme já visto alhures: Art. 1º omissis. §1º: “O Estado do Rio Grande do Norte poderá implementar o Programa previsto no caput, diretamente ou sob o regime de concessão, podendo cobrar tarifas dos usuários”; § 3º. “Os serviços de inspeção de veículos serão executados por empresa, ou por consórcio de empresas, mediante concessão de serviço público, precedida de execução de obra pública a ser executada pela concessionária, após o devido procedimento licitatório, seguindo as normas, condições e critérios de julgamento estabelecidos pelo Plano de Controle da Poluição de Veículos em Uso – PCPV -, aprovado por Decreto do Chefe do Poder Executivo”. § 4º. “A concessão prevista no parágrafo anterior não acarreta a delegação do poder de polícia, privativo dos órgãos ambientais e de trânsito do Estado do Rio Grande do Norte, limitada a atuação da concessionária à prestação de serviços técnicos especializados, de emissão de laudos e instrumentos eletrônicos de fiscalização a ser fornecido aos órgãos fiscalizadores Estaduais, devendo o contrato de concessão ser firmado pelo prazo de vinte anos, prorrogável de acordo com a Lei”
[58] Veja também, por exemplo, a Lei n. 11.733/95 do Município de São Paulo: Art. 3º. (A Secretaria Municipal do Verde e do Meio) Ambiente – SVMA selecionará, por concorrência pública, empresa ou consórcio de empresas tecnicamente capacitadas para, por concessão, e pelo prazo de 10 (dez) anos, renovável por igual período, prestar serviços de implantação à operação dos centros de inspeção.
[59] A ADI 4551, ajuizada pela PGR, foi autuada em 07/02/2011 e tem como Relatora a Ilustre Min. Cármen Lúcia.
[60] Veja o que dispõem os arts. 5º; 1º, §1º, e 2º da Lei 9.270/09: “Art. 5º. Os serviços de inspeção objeto de concessão serão cobrados pela concessionária vencedora do certame, que cobrará dos proprietários de veículos integrantes da frota licenciada no Estado do Rio Grande do Norte preço público pelos serviços de que trata o "caput" deste artigo, nos valores aprovados pelo órgão executor do procedimento licitatório”. Art. 2º. “A inspeção e a certificação de veículos da frota licenciada no Estado do Rio Grande do Norte serão obrigatórias e devem ser feitas anualmente, num período anterior máximo de noventa dias da data limite para o licenciamento anual dos veículos, devendo no primeiro ano, ser dispensado tal prazo para sua realização, ocorrendo o cadastramento, pagamento da respectiva tarifa e agendamento da frota-alvo em meio eletrônico pela empresa concessionária para então ser procedido o processo de inspeção em centro especializado, segundo Plano de Controle da Poluição de Veículos em Uso – PCPV”. Art. 1º omissis. § 1º. “O Estado do Rio Grande do Norte poderá implementar o Programa previsto no caput, diretamente ou sob o regime de concessão, podendo cobrar tarifas dos usuários”. Esses são os dispositivos atacados na ADI 4551. Pelos mesmos fundamentos, em que pese o caráter regulamentar, a PGR também requer a declaração de inconstitucionalidade do art. 15 do Decreto 16.511/2002, na redação dada pelo art. 2º do Decreto 21.542/2010, regra que repete a cobrança de preço público.
[61] Apenas observamos que, conforme nossas premissas, muito embora concordemos plenamente que a exação seja de natureza tributária (taxa de polícia), vamos além para dizer que não pode recebê-la uma empresa particular, porque particular não pode exercer poder de polícia, sendo necessário, portanto, que a fiscalização/exercício do poder de polícia, ou seja, que a inspeção veicular seja realizada pela administração pública direta ou indireta (ou órgãos a ela vinculados, como, por exemplo, os órgãos ambientais e de trânsito estaduais/municipais). Corroborando nosso entendimento, vide art. 24, XX, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9503/97): Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (...) XX - fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos pelos veículos automotores ou pela sua carga, de acordo com o estabelecido no art. 66, além de dar apoio às ações específicas de órgão ambiental local, quando solicitado (registre-se que o art. 66 a que faz menção este art. 24 do CTB foi vetado).
[62] O STF já teve a oportunidade de decidir acerca da necessidade de uma determinada atividade de inspeção ser, mediante lei, remunerada por meio de taxa. O caso versava sobre a Portaria n. 62, de 20/03/2000, do Ministério do Meio Ambiente, que permitia que fossem cobradas as inspeções realizadas pelo IBAMA em produtos da indústria pesqueira advindos de importações ou destinados a exportações. O Ilustre Ministro Relator Ilmar Galvão afirmou que “(...) o ato de inspecionar, de fiscalizar, é típico do exercício do poder de polícia da Administração e caracteriza, segundo o art. 145, II, da Constituição Federal, fato gerador de taxa (...)”. (ADI 2.247/DF - medida liminar. Vide Informativo 202).
[63] Usar, gozar e dispor do bem, nos termos do art. 1.228 do CC/02. Aliás, direito de propriedade este assegurado constitucionalmente no art. 5º, XX, II, CF/88.
[64] Como já visto, sofrerá sanções (multas, retenção, impossibilidade de renovação da Licença Anual junto ao departamento/órgão de trânsito).
[65] Vide, v.g., o art. 2º da Lei n. 9.270/09 do Estado do RN: Art. 2º. “A inspeção e a certificação de veículos da frota licenciada no Estado do Rio Grande do Norte serão obrigatórias e devem ser feitas anualmente, num período anterior máximo de noventa dias da data limite para o licenciamento anual dos veículos, devendo no primeiro ano, ser dispensado tal prazo para sua realização, ocorrendo o cadastramento, pagamento da respectiva tarifa e agendamento da frota-alvo em meio eletrônico pela empresa concessionária para então ser procedido o processo de inspeção em centro especializado, segundo Plano de Controle da Poluição de Veículos em Uso – PCPV”. Veja, ainda, o art. 20 da Resolução do CONAMA n. 418: “Após os prazos previstos no art. 5º e no parágrafo 1º do art. 12, os veículos da frota alvo sujeitos à inspeção periódica não poderão obter o licenciamento anual sem terem sido inspecionados e aprovados quanto aos níveis de emissão, de acordo com os procedimentos e limites estabelecidos pelo CONAMA ou, quando couber, pelo órgão responsável”.
[66] Mais uma vez invocamos as lições do eminente CAIO TÁCITO: “(...) As taxas pressupõem a obrigatoriedade e dispensam a utilização efetiva (é necessário, apenas, que os serviços se encontrem à disposição dos usuários), os preços públicos equivalem a serviços facultativos e não se impõem senão em virtude do ato direto de uso ou aquisição”. (In RDA 44/518/534).
[67] Súmula n. 545 do STF: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada a prévia autorização orçamentária, em relação a lei que as instituiu”.
[68] Como já frisamos neste trabalho, essa é a regra em nosso ordenamento positivo; é a orientação que vem predominando na jurisprudência. Repise-se que, de modo excepcional, o STF (RE 116.208/MG; ADI 1.444/PR, ADI 1145/PB, ADI-MC n. 1.772/MG) entende que os cartórios (Ofícios de Notas), embora dotados de personalidade de direito privado (art. 236 da CF/88, regulamentado pela Lei n. 8935/94), recebem taxas (de polícia, em decorrência das atividades notariais e de registro, vale dizer, os emolumentos resultam de serviço público, ainda que prestado por particular). Porém, isso é uma exceção, razoável, diga-se.
[69] Por violar o art. 145, II, da CF: Art. 145. “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”;
[70] Notadamente os arts. 1º, §1º, 2º e 5º, da Lei n. 9.270/09 do Estado do Rio Grande do Norte.
[71] Muito embora o decreto detenha caráter regulamentar, deve-se igualmente ser declarado inconstitucional o art. 15 do Decreto 16.511/2002, na redação dada pelo art. 2º do Decreto 21.542/2010, regra que traz também a cobrança de preço público.
[72] Art. 1º. Fica instituído o Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso no Estado do Rio Grande do Norte, em cumprimento do disposto nos artigos 24, 25, 104 e 131 do Código de Trânsito Brasileiro, aprovado pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, e das Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente –
CONAMA -, em especial a Resolução nº 256, de 30 de junho de 1999.
§ 1º O Estado do Rio Grande do Norte poderá implementar o Programa previsto no caput, diretamente ou sob o regime de concessão, podendo cobrar tarifas dos usuários. (...)
§ 3º Os serviços de inspeção de veículos serão executados por empresa, ou por consórcio de empresas, mediante concessão de serviço público, precedida de execução de obra pública a ser executada pela concessionária, após o devido procedimento licitatório, seguindo as normas, condições e critérios de julgamento estabelecidos pelo Plano de Controle da Poluição de Veículos em Uso – PCPV -, aprovado por Decreto do Chefe do Poder Executivo.
[73] Art. 1º. Omissis. § 4º: “A concessão prevista no parágrafo anterior não acarreta a delegação do poder de polícia, privativo dos órgãos ambientais e de trânsito do Estado do Rio Grande do Norte, limitada a atuação da concessionária à prestação de serviços técnicos especializados, de emissão de laudos e instrumentos eletrônicos de fiscalização a ser fornecido aos órgãos fiscalizadores Estaduais, devendo o contrato de concessão ser firmado pelo prazo de vinte anos, prorrogável de acordo com a Lei”.
[74] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 6. ed., São Paulo: Malheiros, 2002.
[75] A Lei Federal n. 9503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) no seu art. 104, § 5º: “Será aplicada a medida administrativa de retenção aos veículos reprovados na inspeção de segurança e na de emissão de gases poluentes e ruído”. Anote-se, ainda, ainda, que o art. 20 da Resolução CONAMA n. 418 dispõe que os veículos da frota alvo sujeitos à inspeção periódica não poderão obter o licenciamento anual sem terem sido inspecionados e aprovados quanto aos níveis de emissão, de acordo com os procedimentos e limites estabelecidos pelo CONAMA ou, quando couber, pelo órgão responsável.
[76] Muito embora o decreto detenha caráter regulamentar, deve-se igualmente ser declarado inconstitucional o art. 15 do Decreto 16.511/2002, na redação dada pelo art. 2º do Decreto 21.542/2010, regra que traz também a cobrança de preço público.
Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte - UNI-RN. Pós-Graduado em Direito Tributário pelo IBET. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, João Eduardo de Carvalho. Remuneração da atividade de inspeção veicular: taxa de polícia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35950/remuneracao-da-atividade-de-inspecao-veicular-taxa-de-policia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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