Resumo: O presente artigo tem como objetivo principal tecer considerações acerca da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, utilizando a metodologia da pesquisa bibliográfica em doutrinas, como também análise dos principais dispositivos legais, artigos jurídicos.
Palavras-chave: Direitos Humanos; Direito Internacional Público; Direitos Fundamentais.
Abstract: This paper has as main objective to make considerations about the American Convention on Human Rights, using the methodology of the literature on doctrines, as well as analysis of key legal documents and legal articles.
Key-words: Human Rights; International Public Law; Fundamental Rights.
Com a formação do sistema interamericano de direitos humanos das Nações Unidas, que tem na declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 sua norma mater, e posteriormente com a emigração a diversas regiões do planeta, formaram-se os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos. Esses sistemas regionais passaram a integrar o sistema global de proteção dos direitos humanos.
Dentre os sistemas regionais, merecem destaque o sistema europeu, que tem como tratado-regente a Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950; o sistema regional interamericano, alicerçado na Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica e o sistema regional africano, com suas bases na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, em 1981.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos originou-se pela Resolução VIII da V Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores, em Santiago, EUA, em 1959. Em 1960, foi aprovado pelo Conselho da Organização dos Estados Americanos (OEA) o Estatuto da Comissão, que afirmava ser a promoção dos direitos humanos sua principal função. Em nova reunião em 1965, houve modificações em seu Estatuto, transformando-a em órgão de fiscalização dos direitos humanos nos Estados da OEA.
No entanto, a mesma só se tornou o principal órgão da OEA após a adoção do Protocolo de Buenos Aires em 1967, que emendou a Carta da OEA, como explicam Gomes e Mazzuoli (2009, p. 18):
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (popularmente conhecida como Pacto de San José da Costa Rica) é o principal instrumento de proteção dos direitos civis e políticos já concluído no Continente Americano, e o que confere suporte axiológico e completude a todas as legislações internas dos seus Estados partes.
A Convenção foi assinada em San José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, entrando em vigor em18 de julho de 1978, após ter sido obtido o mínimo de 11 ratificações. No Brasil, só entrou em vigor em 25 de setembro de 1992, sendo promulgada pelo Decreto presidencial 678, de 06 de novembro desse mesmo ano, reconhecendo assim sua competência contenciosa 23 anos após sua assinatura.
Entretanto, nem todos os 35 Estados-partes da Organização dos Estados Americanos (OEA) ratificaram a Convenção Americana. Atualmente, muitos deles, como os de origem anglo-saxã e a maioria dos países do Caribe, com exceção de Barbados, ainda não ratificaram a Convenção. Porém, muitos países que ratificaram a Convenção ainda não aderiram à competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Oportuno são os conhecimentos de Mazzuoli (2007, p. 726) em relação à participação e adesão a competência contenciosa dos Estados Americanos:
Somente os Estados–membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) é que têm o direito de se tornar parte dela. Não obstante a sua importância na consolidação do regime de liberdade individual e de justiça social no Conatinente Americano, alguns países, como os Estados Unidos (que apenas a assinou) e o Canadá, ainda não a ratificaram e, ao que parece, não estão dispostos a fazê-lo. O Brasil retificou o Convenção Americana somente no ano de 1992, tendo a mesma sido promulgada internamente pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro desse mesmo ano.
Desta forma, a ausência de reconhecimento da competência contenciosa impede que pessoas sujeitas à jurisdição desses países vindiquem no sistema interamericano indenizações ou reparações pelas violações de direitos perpetradas. Ensinam Gomes e Mazzuoli (2010, p. 19) que: "É obrigação da OEA fomentar nesses Estados reticentes (que não ratificaram a Convenção ou, se já ratificaram, ainda não aceitaram a competência contenciosa da Corte) a vontade de se integrar por completo ao sistema de direitos e garantias previsto pelo Pacto de San José".
A Convenção Americana reconhece e assegura um conjunto de direitos civis e políticos similares ao previsto pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966. Dentre eles, em sua Parte I, a Convenção elenca um rol de direitos, aos quais se destacam o direito a personalidade jurídica, o direito à vida, o direito a não ser submetido à escravidão, o direito à liberdade, o direito a um julgamento justo, o direito a compensação em caso de erro judiciário, o direito à privacidade, o direito à liberdade de consciência e religião, o direito à liberdade de pensamento e expressão, o direito a resposta, o direito à liberdade de associação, o direito ao nome, a nacionalidade, o direito a liberdade de movimento e residência, o direito de participar do governo, o direito à igualdade perante a lei e o direito à proteção judicial. Na sua parte II enumera os meios de serem alcançados essas proteções dos direitos elencados na parte I.
Como bem salienta Mazzuoli (2007, p. 726), os direitos sociais, culturais e econômicos abarcados pela Convenção, não são estabelecidos de forma a imputabilidade e codificação de sanções, quando da violação de tais direitos previstos, mas sim previstos genericamente, mediante um comprometimento dos Estados no sentido de reconhecerem e respeitarem esses direitos.
É bom que fique nítido que a Convenção Americana não estabelece, de forma específica, qualquer direito social, econômico ou cultural, contendo apenas uma previsão genérica sobre tais direitos, constante do seu art.26, segundo o qual “os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.” (MAZZUOLI, 2010, p. 726)
Ao tratar do Catálogo de direitos previstos pela Convenção Americana leciona Thomas Buergental citado por Piovesan (2000, p. 30) que “A Convenção Americana é mais extensa que muitos instrumentos internacionais de direitos humanos. Ela contém 82 artigos e codifica mais que duas dúzias de distintos direitos.”
A Convenção Americana reafirma a fé dos Estados Americanos de se consolidar no Continente Americano, um regime respaldado na liberdade pessoal e de justiça social, fundado nos respeito dos direitos humanos essenciais, sempre dentro do contexto democrático.
Elucidam Gomes e Mazzuoli, (2010, p. 23) que:
[...] os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados Americanos.
A obrigação de garantir proteção aos direitos humanos dos cidadãos é do Estado e não diretamente intitulada na Convenção. Esta inicia a operar somente nos casos em que o Estado deixar de cumprir sua função de garantir a proteção de tais direitos, ou seja, protegendo menos do que deveria ou quando demonstrar morosidade no amparo às vítimas. Daí o caráter complementar da Convenção.
Como atenta Thomas Buergenthal apud Piovesan (2000, p. 31): “Os Estados – partes da Convenção Americana têm a obrigação não apenas de ‘respeitar’ estes direitos garantidos na Convenção, mas também de ‘assegurar’ o livre e pleno exercício destes direitos”. Assim sendo, a Convenção Americana estabelece um aparato de monitoramento e implantação dos direitos que enuncia, integrado com a Comissão Interamericana e pela Corte Interamericana.
A Comissão Interamericana surgiu através da resolução VIII da V Reunião de Consulta dos Ministérios das Relações Exteriores ocorrida em Santiago (Chile) em 1959, começando a operar em 1960. Sua função foi estabelecida de forma a promover os direitos previstos na Carta da OEA e na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Sua sede fica na cidade de Washington, Estados Unidos.
Atua de forma ambivalente uma vez que é órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos e da Organização dos Estados Americanos. Segundo Piovesan (2000, p. 33):
[...] a competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos alcança todos os Estados – partes da Convenção Americana, em relação aos direitos humanos nela consagrados. A competência da Comissão alcança ainda todos os Estados – membros da Organização dos Estados Americanos, em relação aos direitos consagrados na Declaração Americana de 1948.
Nesse sentido os ensinamentos de Gomes e Mazzuoli (2000, p. 37) de que "A Convenção Americana estabelece que os Estados – partes devem aceitar ipso facto a competência automática da Comissão para apreciar as petições individuais contra eles próprios".
A Comissão é composta por sete membros, que devem ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos, aos quais podem ser de qualquer Estado – membro. São eleitos a título pessoal, pela Assembleia Geral por um período de quatro anos, sendo admitida a reeleição por apenas uma vez. Importante salientar que é vedado fazer parte da Comissão mais de um nacional de um mesmo país. A Comissão possui um presidente, um primeiro vice-presidente e um segundo vice-presidente, que exercem seus cargos pelo período de um ano.
Nesse sentido Piovesan (2000, p. 33-34)
Quanto a sua composição, a Comissão é integrada por sete membros “de alta autoridade moral e reconhecida versação em matéria de direitos humanos”, que podem ser nacionais de qualquer Estados membro da Organização dos Estados Americanos.
A Comissão Interamericana zela pela proteção dos direitos humanos na América, tendo como função estimular a consciência dos direitos humanos nestes povos, velando pela observância e pelo respeito desses direitos. Desenvolve um programa geral de trabalho, por meio do qual se examinam aspectos fundamentais dos direitos humanos. Realiza estudos, relatórios, compilações e pesquisas jurídicas, publicados e distribuídos às instituições oficiais, escolas, agrupações cívicas, sindicatos de trabalhadores, dentre outros. Leva a efeito ciclos de conferências, seminários universitários e intercâmbio de informações, para despertar o interesse pelo estudo dos direitos humanos no universo acadêmico e profissional.
Para isso, examina as comunicações e queixas que lhe são dirigidas por pessoa ou instituições, denunciando violações dos direitos humanos em países americanos. Quando necessário, faz recomendações aos governos dos Estados-membros, no sentido de se fazer valer os preceitos fundamentais no âmbito de suas leis internas e de seus preceitos constitucionais. Também atende às consultas que, por meio da Secretaria Geral da OEA, lhe formule qualquer Estado sobre questões relacionadas aos direitos humanos nesse Estado e, dentro de suas possibilidades, presta a assessoria solicitada.
A Comissão também apresenta um relatório anual à Assembleia Geral da OEA, no qual é levado em conta o regime jurídico aplicável aos Estados-partes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e aos Estados que ainda não aderiram a Comissão. É sua função, também, apresentar à Corte Interamericana de Direitos Humanos os casos que, de acordo com o Estatuto e o Regulamento, devem ser submetidos à decisão desse Tribunal.
Segundo Piovesan (2000, p. 34) a principal função da Comissão Interamericana é "Promover a observância e a proteção dos direitos humanos na América".
Poderá solicitar aos Estados-membros informações a cerca de adoção de medidas favoráveis as matérias de direitos humanos, ou mesmo fazes observações no território de um Estado-membro da OEA, com a anuência ou a convite do respectivo governo. A Comissão também poderá proceder com a coleta de provas, mesmo que para isso seja necessária a realização de inspeções in loco nesses Estados.
Oportuno os ensinamentos de Mazzuoli (2007, p. 728) quanto ao envio de denúncias pelos indivíduos a Comissão:
Uma das principais competências da Comissão é, seguramente, a de examinar as comunicações de indivíduos ou grupos de indivíduos, ou ainda entidade não governamental, atinentes a violação de direitos humanos constantes na Convenção Americana, por Estado que dela seja parte. Assim, os indivíduos, apesar de não terem acesso direto a Corte, também podem dar início ao procedimento de processamento internacional do Estado com a apresentação de petição à Comissão.
Prudente são as elucidações de Gomes e Mazzuoli (2010, p.262):
Desta forma, é a Comissão o canal por meio do qual a Convenção permite a um indivíduo, grupo de indivíduos ou ainda entidade não governamental, que acionem o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos para a salvaguarda de um ou mais direitos seus.
A Comissão permite que o indivíduo peticionário, seja de outro Estado daquele que violou os direitos humanos. Sendo assim, basta que o peticionário se encontre no território do Estado em causa e tenha sofrido uma violação de direitos não reparada pela jurisdição interna. Da mesma forma, quando o indivíduo não possuir condições ou meios que possibilitem a recepção da denúncia pela Comissão, ele poderá ser representado pelas entidades não governamentais. Para isso, a Comissão cobra que essas ONGs apenas sejam legalmente reconhecidas nos Estados- membros da Comissão.
Em relação à atuação dessas entidades não governamentais, Gomes e Mazzuoli (2010, p. 262) ratificam a possibilidade de representação de terceiros perante a Comissão:
Está a Convenção a permitir que as chamadas ONGs apresentem à Comissão Interamericana denúncias ou queixas de violação da Convenção por um Estado – parte. A condição, porém, para que uma ONG possa peticionar à Comissão é a de ser ela “legalmente reconhecida em um [qualquer um ...] ou mais Estados Membros da Organização”. Perceba-se que a Convenção não exige que a referida organização seja sediada no Estado – parte que está a acusar de violação de direitos humanos – da mesma forma que não se exige que os indivíduos que peticionam à Comissão sejam nacionais do Estado que violou seus direitos, como se falou acima -, bastando seja ela “legalmente reconhecida” em qualquer Estado – membro da OEA.
Oportuno os conhecimentos de Thomas Buergental, em Gomes e Mazzuoli (2000, p. 37) onde:
A Comissão Interamericana, nos textos do art. 41 (f), tem a competência de examinar comunicações que denunciem violações de direitos humanos por um Estado-Parte, que, por sua vez, é distinta em importantes aspectos da competência conferida a outros organismos internacionais de direitos humanos.
Qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidade não-governamental legalmente reconhecido pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em qualquer dos seus idiomas oficiais (espanhol, francês, inglês e português), petições em seu próprio nome ou em nome de terceiras pessoas, referentes à violação de direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
Claros são os esclarecimentos de Piovesan (2000, p. 41):
[...] é indiscutível que a disponibilidade do direito de petição individual assegura efetividade ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Ao garantir que os indivíduos encaminhem suas próprias reclamações, o direito de petição individual torna a efetividade dos direitos humanos menos dependente de considerações políticas outras, que tendam motivar uma ação ou inação governamental.
Para isso, a petição deverá ser apresenta por escrito, dentro de um prazo razoável após a ocorrência do dano, um relato do fato ou situação que se denuncia, especificando o lugar e a data das violações alegadas. Se for possível, o nome das vítimas dessas violações, bem como de qualquer autoridade pública que tiver tomado conhecimento do fato ou situação denunciada. Deverá haver a indicação do Estado que o peticionário considera responsável, por ação ou omissão, pela violação de um dos direitos humanos, mesmo que não se faça referência específica ao artigo supostamente violado, bem como informação sobre a circunstância de se haver feito ou não uso dos recursos de jurisdição interna ou sobre a impossibilidade de fazê-lo.
Para que seja admitida, a denúncia deve obedecer alguns requisitos de admissibilidade, artigo 46 da Convenção, como o prévio esgotamento dos recursos internos, salvo em caso morosidade processual injustificada, ou se a legislação doméstica não prover o devido processo legal. Também não poderá haver processo de litispendência internacional.
Acrescenta os ensinamentos de Mazzuoli (2007, p. 729) acerca dos esgotamentos dos recursos internos, em relação à facilitação adotada quanto ao recebimento e admissibilidade das denúncias:
[...] a regra do prévio esgotamento dos recursos internos tem sido, às vezes, e com absoluta justiça, interpretada restritivamente, mitigando-se o seu alcance quando, comprovadamente, a vítima da violação dos direitos humanos não tiver os meios e as condições necessárias para esgotar os recursos judiciários internos antes de deflagrar o procedimento perante a Comissão Interamericana. A Comissão, nos termos dessa disposição convencional, tem então facilitado aos reclamantes a admissibilidade de suas petições ou comunicações quando ao menos um desses fatores se fizerem presentes. Neste caso pode o Estado ser inclusive responsabilizado internacionalmente, justamente por não ter provido o indivíduo de meios jurídicos hábeis para reparar o dano que lhe foi causado em decorrência da violação de direitos humanos.
Recebida a petição, a Comissão então decide pela admissibilidade ou não da mesma. Reconhecendo-a, solicita ao Estado denunciado informações sobre o caso. As informações devem ser enviadas dentro de um prazo razoável, fixado pela Comissão ao considerar as circunstâncias de cada caso. Recebidas as informações pelo Governo, ou transcorrido o prazo sem que as tenha recebido, a Comissão verifica se subsistem os motivos da petição ou comunicação. Não subsistindo, o processo é arquivado. Caso contrário, decidindo pelo prosseguimento, a Comissão passa a fazer uma investigação apurada do assunto, com o conhecimento das partes.
A atuação da Comissão objetiva sempre a obtenção de uma solução amistosa do conflito envolvendo o denunciante e o Estado. Quando esta é obtida, a Comissão elaborará um informe que será transmitido às partes envolvidas e a Secretaria da Organização dos Estados Americanos para publicação.
Porém, não sendo possível a obtenção de qualquer solução amistosa, a Comissão redigirá um relatório contendo as informações relevantes ao caso, bem como suas conclusões. O relatório é então encaminhado ao Estado-parte que tem o prazo de três meses para dar cumprimento às recomendações feitas. Durante esse prazo de 90 dias, o caso poderá ser solucionado pelas partes ou ser encaminhado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Nesse sentido Piovesan (2000, p. 40) acrescenta que “é importante notar que o relatório elaborado pela Comissão, na terceira fase do procedimento, é mandatório e deve conter as conclusões da Comissão indicando se o Estado referido violou ou não a Convenção Americana.”
Se não for obtida a solução e se também não houver o envio à Corte Interamericana, transcorridos os noventa dias, a Comissão por maioria absoluta de votos, poderá emitir parecer conclusivo, fazendo inclusive recomendações ao Estado, que deverá tomar as medidas pertinentes ao caso a fim de se remediar a situação denunciada, dentro de um prazo fixado pela Comissão, que posteriormente publica um informe sobre o caso e as medidas adotadas no relatório anual de suas atividades.
Caso o Estado em questão se recuse a catar as conclusões estabelecidas pela Comissão Interamericana no seu relatório, esta poderá acioná-lo perante a Corte Interamericana, em caso de reconhecimento da jurisdição obrigatória.
A Corte Interamericana possui um procedimento contencioso que se inicia após a Comissão Interamericana ter aguardado sem que o Estado tenha cumprido com as recomendações contidas no relatório. A Corte Interamericana é o órgão jurisdicional do Sistema Interamericano. Para o caso ser submetido a esse órgão deverá o Estado-parte reconhecer através de declaração expressa a competência da Corte quanto à interpretação e aplicação da Convenção, embora qualquer Estado-parte possa aceitar a jurisdição da Corte para um determinado caso.
A competência da Corte Interamericana apresenta tanto o caráter consultivo quanto a competência contenciosa. Qualquer membro da OEA faça parte ou não da Convenção, pode solicitar parecer da Corte em relação à interpretação tanto da Convenção quanto de qualquer tratado relativo à proteção dos direitos humanos. O Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte apenas em 3 de dezembro de 1998, pelo Decreto Legislativo 89.
A Corte em seus vinte anos de atividade já proferiu dezesseis pareceres, dentre os quais se destacaram o parecer emitido acerca da impossibilidade da adoção da pena de morte pelo Estado da Guatemala. A importância desses pareceres é justamente possibilitar o fortalecimento dos Direitos Humanos através de sua proteção, uma vez que ao se emitir um parecer, fortalece as interpretações de direito e consequentemente, amplia-se a abrangência dos direitos consagrados na Convenção.
A sua competência contenciosa limita-se aos Estados – partes na medida em que estes a tenham reconhecido de forma expressa. Somente a Comissão Interamericana e os Estados – partes possuem legitimidade para submeter um caso à Corte, sendo que o indivíduo, pelo artigo 61, não possui legitimidade para submeter um caso a Corte.
Piovesan (2000, p. 82) destaca o fato de o indivíduo não ter capacidade processual autônoma perante a Corte.
No sistema Interamericano, o indivíduo tem capacidade processual para apresentar um caso de violação de direitos humanos somente perante a Comissão Interamericana e não pode encaminhar em seu próprio nome, e de forma independente, um caso perante a Corte. A Corte somente pode receber um caso se for a requerimento da Comissão ou de um dos Estados – partes na Convenção Americana.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é composta por sete juízes nacionais dos Estados – membros da OEA. Conforme o artigo 52 da Corte, os juízes titulares são eleitos a título pessoal, entre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência jurídica em matérias de direitos humanos, não havendo limite de idade para o exercício da função. A eleição ocorre por maioria absoluta e de forma secreta durante a Assembléia Geral da Organização dos Estados.
Em relação aos critérios para o envio de um caso à Corte pela Comissão Interamericana, esta pode decidir sobre o envio do caso a Corte, a não ser que o Estado envolvido cumpra com as recomendações e venha a solucionar o caso. A decisão do envio do caso para a Corte é estritamente discricionário e não é obrigatória. Deve ser observado o prazo estabelecido de três meses contados a partir do momento em que a Comissão envia o relatório ao Estado, concedendo-lhe possibilidade de solucionar o caso.
Atualmente discute-se sobre o procedimento adotado em relação ao envio destes casos À Corte, bem como a transparência e efetividade na análise desses casos enviados à Corte. A decisão de se enviar um caso à Corte é discricionário, não sendo obrigatório. Dessa forma, há a necessidade de alteração do procedimento para um fortalecimento do sistema interamericano, a fim de possibilitar um aumento na quantidade de casos a serem analisados pela Corte.
Oportunas as considerações de Gomes e Mazzuoli (2000, p. 85):
Dado o caráter discricionário da decisão da Comissão sobre o envio do caso para a Corte, e a falta de transparência dos critérios desta decisão, alguns defensores de direitos humanos apontam para a necessidade urgente de se reformular o Regulamento da Comissão que dispõe sobre esta etapa do procedimento, a fim de torná-la mais transparente e garantir o acesso a Corte.
Quando a Corte recebe um caso, ela analisa primeiramente se possui competência para fazer o exame de mérito da matéria enviada, ela irá verificar se possui competência em razão das partes (ratione personae) e em razão da matéria (ratione materiae) e em razão do tempo (ratione temporis).
Importante salientar que para que haja análise pela Corte, deverá o Estado-parte ter reconhecido expressamente que aceita a competência da Corte sobre todos os casos relativos à aplicação e interpretação da Convenção. Conforme estabelece o artigo 62 da Convenção:
1.Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção.
2. A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou sob condição de reciprocidade, por prazo determinado ou para casos específicos. Deverá ser apresentada ao Secretário-Geral da Organização, que encaminhará cópias da mesma aos outros Estados membros da Organização e ao Secretário da Corte.
3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados-Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração especial, como prevêemos incisos anteriores, seja por convenção especial.
Como o indivíduo não possui legitimidade para acessar a Corte, as únicas partes envolvidas no procedimento são a Corte e os Estados, sem a participação direta dos indivíduos. Corroboram a esse estudo as elucidações de Gomes e Mazzuoli (2000, p.87):
A legitimidade ativa do demandante está restrita à Comissão e aos Estados – partes, conforme o art.61,I, da Convenção Americana. Neste particular, é interessante destacar que a Comissão não atua exatamente como representante da vítima ou do peticionário, mas exerce um direito próprio como uma espécie de Ministério Público do sistema interamericano.
A Corte poderá decidir se houve violação a algum dos direitos e liberdades reconhecidas pela Convenção, podendo adotar as disposições que julgar necessárias, realizando exames em qualquer caso que envolva interpretação ou aplicação das disposições contidas na Convenção.
Importantíssimo para a obtenção de uma responsabilização aos direitos violados é a independência dos órgãos do sistema interamericano, uma vez que a Corte, durante o exercício de suas atribuições não está vinculada a decisão da Comissão, sendo livre para tomar outra decisão, de acordo com o seu próprio exame dos fatos e direito.
Além da competência para analisar o caso, existem algumas condições de admissibilidade para que um caso possa ser julgado pela Corte. Os requisitos formais estão previstos no artigo 26 do Regulamento da Corte:
1. A demanda, sua contestação, o escrito de petições, argumentos e provas e as demais petições dirigidas à Corte poderão ser apresentadas pessoalmente, via courier, facsímile,
telex, correio ou qualquer outro meio geralmente utilizado. No caso de envio por meios eletrônicos, os documentos originais, assim como a prova que os acompanhe, deverão ser remitidos a mais tardar, em um prazo de sete dias.
2. O escrito original da demanda, contestação da demanda, petições, argumentos e provas (artigo 36 do Regulamento), contestação de exceções preliminares (artigo 37.4 do Regulamento), assim como os respectivos anexos destes, deverão ser acompanhados com 3 cópias idênticas à original.
3. O Presidente pode, em consulta com a Comissão Permanente, rejeitar qualquer petição das partes que considere manifestamente improcedente, o qual determinará devolvê-la, sem que lhe seja dado algum trâmite, ao interessado.
Após realizada as análises iniciais quanto à admissibilidade do caso pela Corte, procede-se com a citação do Estado e com a intimação da Comissão Interamericana. Instaura-se a partir desse momento o contraditório. Será concedido um prazo de quatro meses, contados a partir da notificação, para que o Estado demandado apresente sua contestação, juntando nesse instante os documentos necessários para compor sua defesa.
Porém, como atenta Mazzuoli (2007, p. 734):
Nada obsta que as partes cheguem a uma solução amigável da disputa, levando ao conhecimento da Corte a solução a que chegaram, caso em que a Corte poderá homologar a conciliação, atuando agora como fiscal das normas de direitos humanos protegidas pela Convenção Americana.
Encerrada a fase probatória, a Corte procederá com a decisão sobre a culpabilidade ou não do demandado elaborando a sentença. Porém, se após essa fase, se o órgão não houver decidido especificamente sobre reparações, a Corte determinará a oportunidade para sua posterior decisão e indicará o procedimento. No entanto, se a Corte for informada da obtenção de um acordo entre as partes em relação ao cumprimento da sentença de mérito, verificará se o acordo está em conformidade com o estabelecido pela Convenção.
O trabalho abordou a evolução dos direitos internacionais, com ênfase nos direitos humanos, ao longo da história da humanidade. Os direitos humanos deram uma proteção às relações sociais, a fim de proteger os direitos fundamentais à sobrevivência do homem, tendo em vista que os direitos que estiveram ameaçados no período das guerras mundiais, marcadas pelas atrocidades contra a raça humana.
Com o movimento de internacionalização e também com o surgimento dos sistemas regionais, os direitos humanos ganharam evidência e dimensão, o que possibilitou o desenvolvimento das jurisprudências, consequentemente, na mesma proporção, o nível de proteção assegurada por esse conjunto de normas internacionais.
O Pacto de San José da Costa Rica pode ser comparado como um divisor de águas para os direitos humanos. A criação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e sua integração com a Corte Interamericana de Direitos Humanos possibilita acesso a todos aqueles que não tem a devida prestação jurisdicional de seu país. Logicamente, as organizações internacionais são de relevância, pela possibilidade de representar a vítima perante a Comissão, quando estes não tiverem a condição de por si só, elevar a esse órgão a sua carência jurisdicional.
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Assessor Parlamentar; Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Catalão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Guilherme Weber Gomes de. Considerações acerca da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36231/consideracoes-acerca-da-convencao-americana-sobre-direitos-humanos. Acesso em: 23 dez 2024.
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