RESUMO
O contrato de time sharing turístico também é conhecido como contrato de tempo compartilhado, bem como por contrato de adesão a clube ou programa de férias, entre outros. Consiste em um tipo contratual pelo qual o consumidor efetua pagamento antecipado pelo gozo de férias futuras. Isto é, mediante a aquisição de um título de afiliação e o pagamento de uma taxa de manutenção periódica, o consumidor tem direito a converter os montantes pagos em diárias de hotéis em várias localidades do Brasil e/ou do exterior.
Trata-se de modalidade contratual capaz de trazer diversos benefícios para consumidores e fornecedores de serviços turísticos. Portanto, pode parecer um contra senso que haja uma quantidade significativa de demandas judiciais, movidas por consumidores, que envolve esse tipo de negócio. Ocorre que esta insatisfação, por parte dos consumidores, não se deve às peculiaridades dessa espécie de contrato, em si, mas sim, em razão de condutas ilícitas e abusivas, muitas vezes, praticadas pelas empresas que atuam no ramo.
A principal delas, sem dúvidas, refere-se à utilização de técnicas agressivas de venda e marketing, que submetem o consumidor a uma situação de pressão psicológica. A adoção desse tipo de tática tem, por finalidade, a celebração imediata do contrato, sem que o consumidor tenha a oportunidade de formar seu consentimento de maneira livre e racional. Outra prática ilícita e abusiva, que se verifica neste setor, é a prolação de ofertas e a propagação de publicidades com informações falsas ou, ainda, repletas de omissões atinentes a aspectos relevantes quanto ao serviço que será prestado, em caso de realização do negócio. Não raramente, ainda, a prestação do serviço é falha e/ou dissonante do avençado em convenção contratual.
Todas estas situações levam, em diversos casos, os consumidores a buscar a rescisão unilateral destes contratos. Contudo, em face da recusa ou procrastinação, pela empresa, em atuar conforme requerido, não resta alternativa, ao consumidor, senão buscar, em sede judicial, a rescisão contratual e o ressarcimento pelos danos matérias e morais incorridos.
Diante deste contexto, é relevante salientar que o consumidor conta com amplo suporte legal e jurisprudencial para tutelar seus interesses. Afinal, o Código de Defesa do Consumidor garante, ao consumidor, o direito ao consentimento livre e informado. Sendo assim, assegura, a este, diversas alternativas para que, caso ofendido seu direito, seja devidamente compensado. Nesse sentido, prevê a possibilidade de arrependimento injustificado no prazo de sete dias. Prevê, ainda, a possibilidade de rescisão do contrato, mesmo após esse prazo, com a devolução integral dos valores pagos, com juros e correção monetária, sem prejuízo de indenização pelos danos materiais e morais sofridos, caso haja falha na prestação do serviço ou, ainda, não cumprimento do serviço nos termos em que foi ofertado. Adicionalmente, o Código Civil possibilita a anulação do contrato caso este tenha sido realizado com base em erro, dolo ou coação.
A jurisprudência tem exercido relevante papel na defesa do consumidor nessas situações. Afinal, os Tribunais têm, massivamente, admitido a possibilidade de rescisão ou anulação contratual, conforme o caso, quando o consumidor é pressionado a contratar e/ou quando lhe são fornecidas informações inadequadas sobre o serviço. Entende-se que, nessas hipóteses, o consumidor é impelido a realizar um negócio que não realizaria se tivesse tempo para formar sua opinião racional sobre o contrato e/ou se tivesse sido adequadamente informado sobre o serviço a ser prestado e sua qualidade
INTRODUÇÃO
O contrato de time sharing turístico teve sua origem no direito imobiliário. O contrato de time sharing, como modelo de contrato imobiliário, surgiu na Europa, na década de sessenta. Naquele período, a Europa passava por um grave período de recessão em virtude do término, relativamente, recente da Segunda Guerra Mundial. Naquele contexto, os contratos de time sharing constituíram uma alternativa interessante para famílias que pretendiam desfrutar de uma casa de veraneio, sem onerar-se com pesados custos de aquisição e manutenção. Por este tipo contratual, um grupo de pessoas adquire, conjuntamente, a propriedade de um bem imóvel e reveza-se, no tempo, para seu uso, gozo e fruição. Assim, torna-se possível usufruir do bem, em determinada época do ano, a um custo mais acessível.
Com o passar do tempo, o contrato de time sharing passou a ser utilizado, também, no setor turístico, mas com suas próprias peculiaridades. No contrato de time sharing turístico, não há a aquisição da propriedade de um imóvel. O que se adquire são créditos que serão convertidos em diárias de hotéis. Sendo assim, o consumidor, ao contrário do que acontece na celebração de um contrato de time sharing imobiliário, em que há aquisição de um direito real de propriedade, no contrato de time sharing turístico, os direitos adquiridos têm natureza pessoal.
O contrato de time sharing turístico configurou relevante instrumento para fomentar o dinamismo no mercado turístico, sobretudo, nos períodos de baixa temporada. Todavia, muitas vezes, são adotadas práticas ilícitas e abusivas, por parte das empresas que atuam no ramo, principalmente, destinadas à captação de consumidores. Aludidas práticas podem causar graves prejuízos a estes que, diversas vezes, celebram contratos, unicamente, em razão de serem submetidos à pressão psicológica e a informações inverídicas.
Para evitar este tipo de situação, é fundamental que o consumidor esteja a par dos direitos que lhe são garantidos pelo Código consumerista. Afinal, desta maneira, não se deixará influenciar indevidamente, assegurando-se de celebrar o negócio somente se puder proferir seu consentimento livre e informado. E, caso já realizado o contrato, poderá tomar as providências cabíveis para compensar os prejuízos que sofrer.
I. OS CONTRATOS DE TIME SHARING TURÍSTICO
O contrato de time sharing turístico é um contrato atípico de natureza consumerista que tem como objetivo democratizar o turismo, permitindo que consumidores possam usufruir de infraestruturas hoteleiras de luxo, às quais, possivelmente, não teriam condições financeiras de ter acesso. Além disso, visa garantir a circulação de riquezas, neste ramo, mesmo nas épocas de baixa temporada, uma vez que são oferecidos preços mais atraentes para a ocupação nesses períodos. Aludido modelo contratual apresenta-se, no mercado, de diversas maneiras e com variadas denominações. Portanto, contratos chamados de “clubes de férias”, “programas de férias”, “tempo compartilhado”, possuem, apesar de poderem apresentar determinadas peculiaridades, as características essenciais de um contrato de time sharing turístico.
Em um contrato de time sharing turístico, o consumidor efetua um pagamento antecipado para garantir o gozo de suas férias futuras, normalmente, em hotéis de luxo localizados em vários países. Primeiramente, o consumidor deve arcar com uma taxa de afiliação, tornando-se, então, sócio do programa ou do clube de férias. É comum que esse montante pago para aquisição do título de sócio possa ser parcelado durante os anos subsequentes. Após a aquisição desse título, o consumidor assume a obrigação de efetuar, periodicamente, o pagamento de uma taxa de manutenção. O prazo dessa sociedade é variável, mas, geralmente, tem como fim estender-se por um longo período, isto é, cerca de dez a trinta anos. Durante esta sociedade, o consumidor tem direito de gozar dos benefícios das férias pré-programadas. Isto é, os montantes pagos convertem-se em diárias de hotéis, a serem usufruídas em períodos de baixa, média ou alta temporada, segundo o que constar em disposição contratual. Conforme aludido, referido modelo de contrato garante vantagens para ambas as partes do negócio. Afinal, os consumidores passam a ter direito de usufruir de infraestruturas hoteleiras luxuosas em várias localidades do mundo a preços mais acessíveis, enquanto estes hotéis têm a ocupação assegurada mesmo em períodos de baixa temporada.
O time-sharing turístico, atualmente, já é muito difundido na Europa e nos Estados Unidos e destina-se, principalmente, para o planejamento de férias familiares. No Brasil, este tipo contratual vem ganhando espaço desde a década de noventa, contudo, a maioria dos brasileiros, dada sua relativa novidade no mercado nacional, ainda não está familiarizada com este modelo e suas peculiaridades, o que facilita o cometimento de abusos por empresas que atuam no ramo.
Portanto, o contrato de time sharing turístico não é, em si, abusivo ou ilícito, pelo contrário, pode vir a ser bastante vantajoso para o consumidor. Entretanto, não raramente, o emprego de técnicas agressivas de venda e a escassez ou inverdade de informações oferecidas pelos vendedores podem fazer com que venham a possuir essas características, ou seja, ilicitude e abusividade, levando os consumidores a suportarem graves prejuízos. Nesse sentido, para evitar ou reparar danos, é relevante que o consumidor esteja muito atento aos seus direitos garantidos pela Lei, bem como aos mecanismos de defesa jurídicos a sua disposição.
II. DIREITO DO CONSUMIDOR AO CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO
O direito à informação é um dos mais relevantes princípios que norteiam as relações de consumo, além de figurar como um dos direitos básicos do consumidor, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 4º, incisos III e IV, e artigo 6º, incisos II e III:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
(...)
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
É possível verificar, nesses dispositivos, os dois elementos contidos no direito/dever de informação: a educação e a informação em sentido estrito. A educação consiste na atitude do fornecedor de buscar a efetiva compreensão, pelo consumidor, das formas de utilização, riscos do produto ou serviço e dos exatos termos da oferta e do contrato. A educação do consumidor visa, portanto, proferir, a este, condições para uma escolha racional. Quanto à informação em sentido estrito, deve ser adequada e clara. Adequação nada mais é que o ajustamento ao consumidor, ou seja, ao destinatário da mensagem. Para que seja adequada, é fundamental que a informação seja correta, verdadeira, completa e exata. Clara é aquela facilmente compreendida pelo consumidor. Nesse sentido, é necessário que sejam evitadas palavras e construções gramaticais rebuscadas ou, ainda, termos demasiadamente técnicos. Além disso, a informação deve limitar-se àquilo que interessa ao consumidor, não devendo ser exagerada[1].
Pela análise, especificamente, do artigo 4º, pode-se extrair que as relações de consumo são, ainda, regidas pelo princípio da transparência. O princípio da transparência demanda que haja clareza sobre o conteúdo da relação de consumo. Isso significa que o consumidor deve estar consciente de seus direitos e obrigações, oriundos da relação de consumo, para que possa manifestar, livremente, sua vontade negocial[2].
De acordo com o inciso III, também do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, a relação de consumo rege-se, ainda, pelo princípio da boa-fé objetiva. A boa-fé objetiva trata-se de um dever de conduta, cujo descumprimento é apurado, independentemente, do aspecto volitivo do infrator. A boa-fé objetiva é o dever de portar-se bem, de maneira leal, de modo a ser promovida a cooperação entre o fornecedor e o consumidor nas relações de consumo[3].
O princípio da boa-fé objetiva também foi contemplado pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 422, de modo a torná-lo um dos mais importantes princípios que regem as relações contratuais, em todas as suas fases, ou seja, pré-contratual, de conclusão, de execução e a pós-contratual, conforme se observa:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Vale ressaltar que o princípio da boa-fé objetiva está intimamente ligado ao direito/dever de informação, havendo, inclusive, autores que entendem que o direito/dever de informar deriva, em muitos casos, do princípio da boa-fé objetiva[4]. Compreendem, dessa maneira, que não basta, simplesmente, haver sido prestada a informação. Faz-se necessário que a mesma haja sido fornecida de forma sincera e verdadeira, atendendo-se, desse modo, ao princípio da boa-fé. Nesse sentido, é possível dizer que o conceito de direito/dever de informação e a exigência de boa-fé interpenetram-se e, muitas vezes, até se confundirem. Assim, deve-se atentar para o fato de que a consagração do princípio da boa-fé objetiva faz emergir a relevância de deveres secundários anexos, como o direito/dever de informação. Afinal, a informação é, sem dúvidas, um dos instrumentos pelo qual é possível atuar nas relações negociais de maneira leal e verdadeira.
O direito à informação vem se apresentando como assunto de crescente relevância nas relações negociais, uma vez que grande parte da desigualdade existente na celebração de negócios jurídicos figura-se em um desequilíbrio informativo, sobretudo nas relações de consumo. Afinal, os consumidores somente dispõem de informações mais completas a respeito dos produtos e serviços após já os haverem consumido. Contudo, essa hipótese não se verifica em relação aos fornecedores, que detêm plenitude de informação quanto aos produtos e serviços que disponibilizam no mercado. Tal situação torna o consumidor vulnerável, uma vez que não há igualdade entre as partes contratantes.
Por esse motivo, no ordenamento jurídico brasileiro, a informação surge como um verdadeiro direito/dever. Entretanto, esse direito/dever não se refere à informação fornecida, simplesmente, para atender a um desejo de saber sobre determinado assunto. Na verdade, a informação abrangida pelo direito/dever à informação apresenta-se como verdadeiro instrumento preparatório para que seja realizado um determinado interesse principal, isto é, um negócio jurídico. Em outras palavras, o direito/dever de informação, a que se refere o Código de Defesa do Consumidor, está relacionado a elementos dos quais o consumidor deve estar ciente antes da celebração do contrato, uma vez que estas informações influenciam, de maneira determinante, na decisão de contratar. Ou seja, conhecer as peculiaridades do negócio, sendo devidamente informado sobre as condições e características do produto ou serviço, é o que garante, ao consumidor, que emane manifestação de vontade livre e consciente no sentido de realizar, ou não, um contrato de consumo. Afinal, a informação adequada, oferecida pelo fornecedor, permite, ao consumidor, que não celebre um negócio jurídico eivado por dolo, erro ou coação, situações em que, na verdade, a sua vontade real não se coaduna com a que foi manifestada.
O direito/dever de informação surge na hipótese de serem verificados três requisitos. O primeiro deles diz respeito ao consumidor, para quem o direito à informação apenas surgirá se não puder obtê-la sem ajuda do fornecedor. O segundo requisito refere-se ao devedor, para quem surgirá o dever de informar na hipótese de poder oferecer facilmente a informação. O último requisito refere-se a ambos, uma vez que surgirá o direito/dever de informação, somente, se houver uma relação jurídica entre as partes mencionadas[5].
Nesse sentido, observa-se que o direito/dever de informação surge como modo de equilibrar a relação contratual e para aferir, ao consumidor, condições para que tenha livre escolha sobre produtos e serviços disponíveis no mercado. Afinal, pela informação prestada ao consumidor é possível equilibrar a relação jurídica que este estabelece com o fornecedor, posto que, dessa forma, o consumidor adquirirá uma real liberdade de contratação. Portanto, é possível concluir que o direito/dever de informação visa a liberdade de escolha, bem como a igualdade real de negociação contratual[6].
Para que o consentimento seja válido, faz-se necessário que esteja livre daqueles defeitos que atingem os atos jurídicos em geral, ou seja: dolo, coação, simulação e fraude[7]. Isso significa que o consentimento precisa ser voluntário. Consentimento voluntário é aquele proferido com discernimento, intenção e liberdade. Discernimento é o entendimento, ou seja, a capacidade de distinguir entre o verdadeiro e o falso, entre a conveniência ou inconveniência da celebração do contrato. A intenção é a vontade de que o ato seja realizado. Sendo assim, frustra-se a intenção quando a vontade baseia-se em informações inverídicas ou incompletas. E, finalmente, a liberdade concerne à espontaneidade da declaração[8].
Pode-se dizer que o consentimento está intimamente ligado ao dever de informação, uma vez que apenas será válido se precedido de ampla, completa e clara prestação informativa pelo fornecedor. Isso significa que o consentimento somente será levado em conta quando o consumidor tiver plena consciência do ato com que está consentindo, bem como de todas as suas implicações. Por esse motivo, tende-se a utilizar o termo “consentimento informado”.
O direito/dever de informação assegurado na Constituição Federal trata-se de um instrumento essencial para assegurar direitos fundamentais dos cidadãos, tais como à dignidade da pessoa humana, à cidadania e à livre iniciativa, relacionados nos incisos II, III e IV do artigo 1º da Carta Magna, conforme se observa:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
(...).
O direito/dever de informação é, ainda, pressuposto para garantia de princípios relacionados no artigo 5º da Constituição Federal, tais como o da liberdade, saúde e segurança:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
O direito/dever de informação garante a liberdade do indivíduo tanto no sentido de não comprometer a autodeterminação da pessoa humana sem a obtenção de seu livre consentimento, quanto no sentido de assegurar a voluntariedade na celebração dos contratos por meio da garantia de discernimento, intenção e autonomia das partes contratantes. Garante, ainda, a saúde e a segurança do cidadão no sentido de possibilitar que este não se submeta a riscos aos quais, se detivesse a informação necessária, não se submeteria. Também viabiliza que o indivíduo municie-se, diante do risco, das cautelas necessárias para garantir sua segurança e saúde[9].
Tal principio é amparado também, ainda que implicitamente, pela Constituição Federal em diversos outros artigos. A exemplo disso, é possível citar os incisos XIV e XXXII do artigo 5º, que tratam da informação, garantindo seu acesso a todos, e da defesa do consumidor, respectivamente.
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
(...)
XXXII – O Estado promoverá, na forma de lei, a defesa do consumidor.
De acordo com Alexandre David Malfatti, analisando a Constituição Federal, pode-se concluir pela existência de três ramificações do direito/dever de informação, no que se refere à relação de consumo. Em primeiro lugar, discorre sobre o direito de informar com enfoque no fornecedor, que se consubstancia no direito de colocar seus produtos e serviços no mercado de consumo, utilizando-se dos meios de comunicação que preferir para divulgá-los, bem como selecionando a mensagem que lhe parecer mais conveniente. O segundo aspecto refere-se ao dever do empresário de informar, que se apresenta como instrumento para viabilizar a escolha livre, consciente e transparente pelo consumidor. Por fim, salienta, o autor, terceiro aspecto do dever de informação, segundo qual, a partir do dever de informação do fornecedor, origina-se, logicamente, o direito do consumidor de ser informado, direito esse que lhe garante informação em sentido estrito e educação sobre os produtos a serem adquiridos[10].
É, ainda, relevante atentar para o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe:
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Tal dispositivo legal refere-se à oferta. A oferta é o meio pelo qual o produto ou serviço é colocado, pelo fornecedor, no mercado de consumo para negociação com o consumidor interessado. O artigo 31 determina, expressamente, que o fornecedor terá o dever de informar o consumidor sobre o produto ou serviço, na fase pré-contratual, de forma verdadeira, o que significa que deve haver correspondência adequada entre as características reais do produto ou serviço e o que se diz a seu respeito. A lei estabelece, também, que a informação deve ser clara, ou seja, deve ser facilmente inteligível por qualquer consumidor. É de se ressaltar que a informação a ser prestada pelo fornecedor não deve ser apta para informar apenas o bonus pater familias, ou seja, o cidadão médio. A mensagem deve ser inteligível, ainda, pelo homem que detém conhecimento, cultura e educação mínimos. A informação também deve ser precisa. A precisão da informação relaciona-se à relevância do conteúdo da mensagem para o consumidor. Afinal, o direito/dever de informação não pode ser de uma amplitude tal que venha a dificultar o exercício profissional do fornecedor, sob pena de infração a princípios constitucionais como a livre iniciativa[11].
Também de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a informação deve ser ostensiva, de modo a ser facilmente perceptível pelo consumidor, que não deverá ter qualquer dificuldade para identificar a mensagem. Além disso, exige a Lei a utilização da língua portuguesa para garantir a efetiva compreensão pelos cidadãos[12]. As informações prestadas pelo fornecedor, expressas no contrato, devem ser claras, precisas e ostensivas[13]. Para que a informação seja clara e precisa, é necessário que esteja em língua portuguesa, assim como é preciso o emprego de vocabulário comum e construções gramaticais simples e diretas, evitando-se as construções sofisticadas, rebuscadas ou metafóricas. Não devem ser utilizados vocabulários técnicos ou científicos, a não ser que estes sejam acompanhados de explicações destinadas ao consumidor leigo. A ostensividade da informação refere-se a tamanhos e cores de letras, que devem ter padrão tal que facilite a leitura pelo consumidor e que ajude na identificação das cláusulas contratuais mais relevantes[14]. Assim, o contrato de consumo deve ser um documento simples e adaptável a diversas situações, contendo frases curtas, concisas e organizadas em tópicos, bem como palavras acessíveis, e não técnicas. Afinal, caso seja complexo, haverá empecilhos para a compreensão do consumidor, que poderá se confundir e sofrer prejuízos indevidos. Portanto, o consumidor possui direito subjetivo de exigir que seja efetivamente informado a fim de poder escolher livremente produtos e serviços colocados à disposição no mercado de consumo.
Além disso, o Código de Defesa proíbe que sejam adotados, pelo fornecedor, quaisquer tipos de práticas abusivas em face do consumidor, bem como propagandas abusivas e enganosas, conforme se observa:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
§ 4° (Vetado).
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. (Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
XI - Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.(Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. (Incluído pela Lei nº 9.870, de 23.11.1999)
Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.
A publicidade feita ao consumidor equivale à oferta. Nesse sentido, em hipótese alguma, as informações fornecidas em publicidade podem ser falsas, assim como também não são permitidas omissões que levem o consumidor a cometer equívocos. Além disso, são vedadas quaisquer práticas abusivas em prejuízo do consumidor, sendo elencadas, na Lei, a título exemplificativo, algumas dessas práticas. Todavia, conforme aludido, essa enumeração não é exaustiva, portanto, pode-se concluir, tranquilamente, que quaisquer técnicas, cujo emprego possa limitar o convencimento racional do consumidor, é abusiva.
É relevante ressaltar, ainda que o contrato destinado ao fornecimento de produtos ou serviços no mercado de consumo deve respeitar disposições específicas previstas no Código de Defesa do Consumidor que tratam, precisamente, dos contratos de consumo.
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
(...)
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de forma a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
(...)
Art. 48. As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive a execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos.
Pela análise dos referidos artigos, entende-se que o pretendido pelo legislador foi que todas as informações fornecidas, ao consumidor, tivessem força vinculativa, passando a integrar obrigações e direitos das partes. Portanto, as informações prestadas, pelo fornecedor, anteriormente à celebração do contrato, traduzem-se como fonte de obrigação para este. Por isso, é relevante que todas as informações prestadas na fase pré-contratual integrem o contrato de consumo. Afinal, em havendo disparidade entre as informações prestadas na fase pré-contratual e as contidas no instrumento escrito, prevalecerão as primeiras.
Além disso, dispõe o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor que:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
(...)
§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamaño da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4ª As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
Adicionalmente, é salutar observar que a mera leitura do contrato pelo consumidor e sua suposta compreensão acerca das suas cláusulas não são suficientes para que seja considerado plenamente atendido o dever de informação do fornecedor. Para isso, é preciso que tenha havido uma explicação prévia das cláusulas contratuais por aquele que coloca o produto ou serviço no mercado. Somente assim, poderá ser considerado que o consumidor teve real acesso ao conteúdo do instrumento contratual[15].
Portanto, conclui-se que o consentimento escrito não é suficiente, tendo em vista que o consentimento não se confunde com a sua instrumentalização. O consentimento deve ser aferido como um processo que se estende durante todo o período em que subsiste a relação negocial. Logo, o contrato não substitui o diálogo, que é a base do processo de consentimento. Sendo assim, o contrato é relevante instrumento para a comprovação do cumprimento do dever de informação pelo fornecedor. Todavia, o oferecimento de informação escrita no instrumento contratual não significa, necessariamente, que toda informação relevante para a celebração do contrato foi adequadamente proferida[16].
III. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS EM FACE DA OFENSA DO DIREITO DO CONSUMIDOR AO CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO PELO CONSUMIDOR
Toda oferta realizada ao consumidor, escrita ou verbal, vincula o fornecedor, conforme se conclui a partir do artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, caso o fornecedor realize uma oferta com intuito exclusivo de atrair a atenção do consumidor, não poderá, quando da celebração do contrato, eximir-se da obrigação com a qual se comprometeu, alegando que esta não consta do instrumento contratual escrito. Afinal, uma vez prometido, ao consumidor, produto ou serviço, de qualquer forma, o fornecedor assume a obrigação de satisfazer a expectativa legítima gerada no sentido de que aquela promessa estaria inserida no instrumento contratual.
Caso a confiança depositada pelo consumidor no fornecedor seja frustrada em virtude da recusa do fornecedor em adimplir a obrigação conforme o prometido na oferta, o Código de Defesa do Consumidor garante determinadas alternativas ao consumidor, que são previstas no artigo 35 deste diploma normativo:
Art. 35. Se o fornecedor dos produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e a sua escolha:
I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade.
II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente.
III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
Nesse sentido, conforme preferir, o consumidor poderá exigir, judicialmente, quaisquer das alternativas asseguradas pela Lei. Se ainda tiver interesse no cumprimento da obrigação assumida pelo fornecedor, terá a opção de requerer, ao juiz, a execução forçada obrigação, isto é, que o fornecedor cumpra a obrigação contratada nos termos em que esta foi, efetivamente, oferecida. Caso isto não seja possível, terá a faculdade de aceitar, no lugar da obrigação contratada, produto ou serviço equivalente, a custa do fornecedor. E, por fim, na hipótese de não possuir mais interesse na continuidade da relação contratual, poderá requerer a rescisão do contrato, recebendo de volta todas as quantias pagas previamente, adicionadas a montantes atinentes a atualização monetária e aos prejuízos sofridos.
É possível, contudo, que o fornecedor não se recuse a adimplir a obrigação que prometeu, mas a realize de maneira defeituosa, frustrando também, dessa maneira, expectativa legítima do consumidor. No que se refere à prestação de serviços viciada, dispõe o artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.
Portanto, de acordo com este dispositivo legal, os serviços apresentam vícios de qualidade quando: a) tornem os serviços impróprios para o consumo, b) diminuam o valor dos serviços e c) sejam fruto de disparidade entre a oferta ou mensagem publicitária e o serviço efetivamente prestado. Nessas hipóteses, a Lei garante ao consumidor três possibilidades, cabendo, ao consumidor, escolher a que melhor lhe convenha. Sendo assim, o consumidor pode requerer judicialmente: a) a reexecução do serviço, b) o abatimento proporcional do preço ou c) a rescisão do contrato, com a restituição imediata das quantias pagas, com direito à atualização monetária e indenização pelos prejuízos incorridos. Em análise ao referido dispositivo, é possível concluir que, segundo o Código de Defesa do Consumidor, se o serviço for oferecido em desacordo com aquilo que foi ofertado pelo fornecedor e aceito pelo consumidor, este serviço é viciado e, assim sendo, é possível, inclusive a rescisão judicial do contrato.
O Código de Defesa do Consumidor garantiu, ainda, a proteção do consumidor, especificamente, em caso de vendas realizadas fora do estabelecimento comercial, em seu artigo 49:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
De acordo com este artigo, caso o contrato tenha sido celebrado em local distinto do estabelecimento comercial do fornecedor, o consumidor poderá exercitar o seu direito de arrependimento em sete dias. Isto é, mesmo que já tenha efetuado pagamento, integral ou parcial, poderá, simplesmente, desistir do contrato nesse prazo. E, a partir da comunicação ao fornecedor, é devida a devolução integral do montante pago, atualizado monetariamente. O objetivo deste artigo é, justamente, proteger o consumidor de táticas agressivas de venda. Afinal, em muitos casos, quando a venda é realizada fora do estabelecimento, não é o consumidor que, depois de realizar pesquisa sobre preço, utilidade e outras características essenciais, que procura o produto ou serviço. Pelo contrário, é o fornecedor que o surpreende com uma proposta. Portanto, nesse contexto, não é raro que o consumidor não tenha tempo para analisar a oferta de maneira adequada e celebre um contrato que, em outra situação, não teria celebrado. Atualmente, a jurisprudência dominante tem sido no sentido de estender os efeitos do aludido artigo também a vendas realizadas no estabelecimento comercial do fornecedor, desde que este tenha sido surpreendido com ofertas para as quais estava desprevenido e tenha sido pressionado para realizar o negócio. Este tipo de venda foi apelidado, pelos Tribunais, de venda emocional e é considerada prática abusiva no mercado de consumo.
Além das alternativas garantidas ao consumidor pelo diploma consumerista, conforme a hipótese ocorrida, o Código Civil admite, ainda, a anulação do contrato em caso de erro por parte do consumidor, bem como no caso de dolo por parte do fornecedor:
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.
Incide em erro aquele consumidor que se engana, espontaneamente, sobre uma situação de fato. Isto é, equivocadamente, o indivíduo realiza uma representação mental que não se coaduna com a realidade. Todavia, para que o ato seja anulável, é preciso que se trate de um erro essencial, isto é, um engano sobre elemento essencial do contrato, como, por exemplo, sobre a pessoa ou sobre o objeto. Portanto, este elemento deve apresentar tal importância que, se houvesse a correta aferição da realidade, o contrato não teria se realizado ou teria sido celebrado de outra maneira.
Age de forma dolosa o fornecedor que provoca equívoco no consumidor ou, ainda, percebendo o engano, omite informação que o faça perceber corretamente a realidade. Também nessa hipótese, é preciso que o erro incida sobre aspecto essencial do contrato. Caso contrário, o contrato é mantido sem prejuízo de eventuais indenizações pelos prejuízos sofridos pelo consumidor.
Todos os mecanismos mencionados acima são instrumentos legais destinados a garantir o consentimento livre e informado do consumidor. Afinal, seria completamente contrária a uma interpretação sistemática, do ordenamento jurídico, admitir que prevalecessem e gerassem efeitos regulares aqueles contratos em que o consumidor manifestou vontade desvinculada de suas reais intenções sem culpa sua.
IV. AS PRÁTICAS ABUSIVAS CONTRA O CONSUMIDOR E OS CONTRATOS DE TIME SHARING TURÍSTICO
Conforme aludido anteriormente, o modelo contratual de time sharing turístico é de utilização relativamente recente no Brasil, se comparada a sua expansão nos mercados europeu e norte americano. A falta de familiaridade dos brasileiros com este tipo de contrato, o que faz com que a procura espontânea não seja tão significativa, levou à captação de consumidores com a utilização de técnicas agressivas de venda pelas empresas que atuam no ramo. O emprego dessas técnicas, bem como de mecanismos incisivos de marketing não são, em si, irregulares. Contudo, é fato que existe uma linha tênue que separa um simples método de venda incisivo de métodos que visam à captação de consumidores a qualquer custo, inclusive com a manipulação e omissão de informações e a submissão destes a situações de pressão psicológica. É evidente que a adoção da segunda modalidade de captação é ilícita e abusiva, uma vez que impede a manifestação de consentimento livre e informado pelo consumidor.
Para atrair potenciais interessados nos contratos de time sharing turístico, é comum que os consumidores sejam abordados, por representantes das empresas que atuam no setor, em seu período de lazer, por exemplo, quando estão em filas de cinema, em restaurantes ou bares. Normalmente, estes representantes, simpáticos e bem treinados, solicitam, aos consumidores, que preencham formulários com informações sobre determinados dados pessoais. E, para persuadi-los a, efetivamente, preencher e entregar aludidos formulários, os representantes dessas empresas informam que, se o fizerem, concorrerão a cortesias que, usualmente, são diárias em hotéis luxuosos. Decorrido certo período de tempo, outros representantes da empresa, igualmente atenciosos e treinados, entram em contato, por e-mail ou por telefone, com os consumidores que preencheram os formulários. Informam, então, que teriam sido sorteados ou selecionados para receber as cortesias a que concorriam. Informam, ainda que, para isso, o único requisito exigido é o comparecimento a um coquetel, ou a algum evento do mesmo gênero, com intuito de apresentação da empresa. Usualmente, garantem que, para o ganho da cortesia, não será demandada a aquisição de qualquer produto. Além disso, é estabelecido um período de duração do evento, que varia entre uma hora e uma hora e meia.
Seduzidos pela cortesia, supostamente, ganha, não raramente, os consumidores comparecem aos eventos para que foram convidados. E, de fato, ao comparecerem, em um primeiro momento, tanto a empresa quanto sua área de atuação são apresentadas aos consumidores por um agente, que explica, detalhadamente, o mecanismo de funcionamento de um contrato de time sharing turístico (ainda que não afira esta nomenclatura) e aponta para todos os seus benefícios. Assegura-se, ao consumidor, caso opte por um plano que conte com essa garantia, que haverá disponibilidade de hospedagem em quaisquer hotéis, pertencentes à rede de time sharing ou hotéis parceiros, em qualquer período do ano. Garante-se, ainda uma assistência especializada e eficiente, por agentes da empresa, no planejamento de todo tipo de viagem para variadas localidades do mundo. Depois disto, geralmente, são efetuados longos questionários ao consumidor a fim de ser traçado seu perfil mercadológico. Concluídas as perguntas, não demora para que o consumidor seja surpreendido por uma primeira proposta de aquisição de título de afiliação e valor de taxa anual de manutenção. Esta proposta é, usualmente, realizada em ritmo frenético e confuso, baseada em uma série de cálculos que, nem sempre, seguem premissas verdadeiras. Referidos cálculos têm como por escopo convencer o consumidor de que será, financeiramente, muito mais vantajoso afiliar-se a um programa ou a um clube de férias do que pagá-las de maneira avulsa. E, com intuito de atrair o consumidor para um fechamento de contrato rápido, são oferecidas diversas outras cortesias, tais como passagens aéreas e diárias de hospedagem gratuitas adicionais.
Ocorre que não é incomum que esta primeira proposta tenha um valor exorbitante. Sendo assim, dificilmente, os consumidores concordam com a celebração do contrato naqueles termos. A partir da negativa do consumidor, inicia-se uma série ininterrupta de novas propostas e, a cada série de negativas pelo consumidor, surge um novo agente, supostamente, de hierarquia mais alta, que, com as energias ainda intactas, realiza uma bateria de novas ofertas. Cada vendedor aproxima-se do consumidor com uma abordagem diversa, alguns muito simpáticos e sorridentes, outros, em tese, mais sérios e racionais e, por fim, alguns que apelam para o sentimentalismo. Todavia, todos costumam apresentar-se muito bem treinados para rebater quaisquer contra-argumentos do consumidor que não esteja interessado nos serviços ou que deseje um prazo para pensar no assunto. Caso sejam questionados sobre a possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo consumidor, os agentes, normalmente, informam que existe esta possibilidade a qualquer momento. Sendo assim, ressaltam que o cancelamento pode ser efetuado mediante simples notificação e pagamento de uma multa. Ao redor, para cada fechamento de contrato, os vendedores realizam um verdadeiro alvoroço, comemoram e/ou batem palmas.
Evidentemente, quando o consumidor é abordado pelo terceiro ou quarto vendedor, já está exausto e irritado, uma vez que está sendo, claramente, pressionado para assinar, prontamente, um contrato, cujas obrigações assumidas serão consideravelmente onerosas. Caso solicite um prazo para informar-se melhor sobre a questão, é informado de que os preços são promocionais e que, sendo assim, os contratos apenas poderão ser realizados com descontos expressivos caso sejam celebrados imediatamente. Cansado e persuadido, não é incomum que o consumidor assine o contrato de time sharing turístico mesmo inseguro e desconfiado.
Para aqueles que resistem a todo este teatro e não celebram o negócio, são entregues as cortesias prometidas, mas somente depois de ultrapassado período muito maior que o previsto para a duração do evento. Contudo, não é raro que, diante de uma análise mais apurada, descubra-se que os supostos brindes, na verdade, não possuem nenhuma gratuidade. Isto porque não é incomum que, para seu usufruto, sejam cobradas taxas elevadas de ativação ou, ainda, pagamento de sistema de all inclusive obrigatório. A não improvável consequência disto é que o valor pago pelo uso da cortesia seja mais elevado que aquele que seria pago sem o benefício.
Por outro lado, muitas vezes, aqueles que, efetivamente, assinam estes contratos sofrem prejuízos ainda maiores que a perda do tempo e a propaganda enganosa. Afinal, ao analisarem, posteriormente, os contratos assinados com mais calma e mais tempo, em diversos casos, percebem que, na verdade, foram proferidas, durante a venda, uma série de meias verdades ou, ainda, que foram realizadas muitas omissões. Por exemplo, podem vir a descobrir que, apesar de ser possível o acúmulo de créditos, este somente é possível por tempo limitado. Isto é, pode ser estipulado, por exemplo, prazo máximo de dois anos de acúmulo. Nesse caso, na hipótese de o consumidor, por algum motivo, não poder gozar de férias por período superior a este, perderá todos os seus créditos. Nesses casos, pode-se dizer que, claramente, a oferta não é condizente com o serviço, efetivamente, prestado, havendo incontestável ofensa a todos os artigos do Estatuto consumerista que visam garantir o direito à informação do consumidor e seu direito ao convencimento livre e racional na celebração de contratos de consumo. Nesse sentido, o próprio Código de Defesa do Consumidor assegura a possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo consumidor prejudicado, sendo possível a este escolher, a seu critério, se deseja a rescisão unilateral do contrato, com a restituição integral dos valores pagos, exigir o cumprimento da obrigação do fornecedor nos termos da oferta ou publicidade ou, ainda, a prestação de serviço equivalente, nos termos do artigo 35 da aludida Lei.
Pode ocorrer, também, que o consumidor, ao tentar usufruir de seus créditos, venha a descobrir que a disponibilidade de hotéis garantida não se coaduna com a realidade, uma vez que, ao tentar realizar reservas, não há vagas. É possível, ainda, que os hotéis não tenham o padrão de qualidade assegurado pelos vendedores e/ou em contrato. Também não é difícil que o atendimento para auxiliar no planejamento de férias não seja tão eficiente e prestativo conforme o prometido. Em todas essas hipóteses verifica-se clara falha na prestação do serviço. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor autoriza, em seu artigo 20, que seja exigida a reexecução do serviço, o abatimento proporcional do preço ou, ainda, a rescisão do contrato com a respectiva devolução dos montantes pagos pelo consumidor, sem prejuízo do pagamento de juros e correção monetária.
Ementa: Rescisão contratual, cumulada com indenização por danos materiais e morais. Contrato de hospedagem e transporte. Sistema de Tempo Compartilhado - 'Time sharing'. Relação de consumo caracterizada. Autora impossibilitada de agendar hospedagem, em razão de óbice imposto pelas rés. Desfazimento do pactuado deve prevalecer, com a devolução integral dos valores pagos. Apeladas não apresentaram clareza e precisão junto ao consumidor por ocasião do ajustado. Retorno das partes ao 'statu quo' primitivo. Danos morais não configurados. Mero aborrecimento é insuficiente para dar suporte à verba reparatória pretendida. Apelo provido em parte (Apelação 0033404-93.2010.8.26.0001 - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – 4ª Câmara de Direito Privado – São Paulo - Natan Zelinschi de Arruda – julgado em 13.03.2012)
Em aludido acórdão, a Câmara admitiu a possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo consumidor, sendo devida a restituição integral dos valores pagos, sem desconto de montante relativo à multa contratual, justamente, em virtude de falha quanto às informações prestadas ao consumidor em ocasião de venda emocional, aplicando-se o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o já referido dispositivo, caso haja recusa do fornecedor em prestar o serviço nos termos da oferta, o consumidor terá o direito de exigir a devolução total dos montantes já pagos.
É relevante, ainda, salientar que é possível a indenização por danos morais ao consumidor, caso estes sejam verificados.
Ementa: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PACOTE TURÍSTICO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO CUMULADA COM DANOS MATERIAIS E MORAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. Não reconhecimento. Agência de turismo integra a cadeia de fornecimento do serviço, tendo responsabilidade pelos danos decorrentes de inadimplemento de contrato de prestação de serviços. Precedentes. Recurso não provido. DANO MATERIAL. Reconhecimento. Falta de informação clara de que não estavam incluídos na contratação, serviços de guias em visitas a parques. Violação ao princípio da transparência. Reembolso devido. Recurso da ré não provido. DANO MORAL. Indenização devida. Transtornos e aflições decorrentes do fato, justificadoras da reparação pretendida. Quantum arbitrado mantido, por razoável e compatível com a ofensa. Recursos não providos. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Majoração do percentual que se justifica para melhor remunerar o trabalho do advogado. Decisão reformada. RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO E RECURSO DA RÉ, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO. (Apelação 0007822-70.2008.8.26.0451 – Piracicaba – Rel: Fernando Sastre Redondo – julgado em 20.06.2012)
Ementa: Contrato de “time sharing”. Relação de consumo caracterizada. Recusa repetida de pedidos de reserva efetuados com razoável antecipação. Frustração das expectativas do consumidor. Boa-fé. Possibilidade de rescisão contratual. Devolução total dos valores pagos. Férias frustradas. Caracterização dos danos morais. Indenização devida. Recurso desprovido. (Apelação 9206687-46.2006.8.26.0000 - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – 28ª Câmara de Direito Privado – Sâo José dos Campos – Rel: Mello Pinto – julgado em 21.06.2011) |
Adicionalmente, os Tribunais tem seguido entendimento segundo o qual a utilização de técnicas agressivas de venda e marketing que impedem o livre consentimento do consumidor, constitui prática abusiva e, portanto, ilícita. Visa-se, dessa maneira, garantir a livre manifestação de vontade do consumidor, que tem o direito de concluir pela celebração do negócio de forma lógica e consciente.
Conforme aludido anteriormente, os Tribunais têm entendido que é aplicável o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, quando são utilizadas técnicas agressivas de venda e/ou marketing, mesmo que esta tenha sido realizada em estabelecimento comercial. Isto é, se o consumidor manifestar arrependimento quanto à realização do negócio, no prazo de sete dias a partir, poderá rescindir o contrato sem a necessidade do pagamento de multa contratual e de maneira injustificada.
Ementa: AÇÃO MONITÓRIA Pretensão de reforma da sentença que julgou procedente o pedido para condenar os réus ao pagamento da multa contratual prevista pelo distrato do negócio jurídico celebrado Alegação dos réus de que se arrependeram em período inferior a sete dias, sendo inexigível a multa, nos termos do art. 49 do CDC Cabimento Hipótese em que os réus manifestaram arrependimento pela celebração do contrato em prazo inferior a sete dias Possibilidade de arrependimento, sem o pagamento de multa Aplicação do disposto no art. 49 do CDC, mesmo que a celebração do negócio tenha sido realizada no estabelecimento comercial da autora, tendo em vista que os consumidores se dirigiram ao estabelecimento para participar de almoço cortesia oferecido pela empresa e não para adquirir os produtos ou serviços desta, de modo que foram surpreendidos pela prática agressiva de vendas perpetrada pelos prepostos da empresa autora Prática da chamada venda emocional vedada pelo Código de Defesa do consumidor - RECURSO PROVIDO (Apelação 0218594-63.2009.8.26.0002 – Tribunal de Justiça de São Paulo – 13ª Câmara de Direito Privado – São Paulo – Rel: Ana de Lourdes Coutinho Silva – julgado em 23.05.2012).
De acordo com esta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, se o consumidor for convidado para um evento de apresentação da empresa e, no local, for surpreendido pela tentativa de venda incisiva de produtos ou serviços, estará caracterizado o que se denomina “venda emocional”. Portanto, diz-se ocorrida uma venda emocional quando o consumidor adquire produto ou serviço sem que possa formar seu livre consentimento informado. E, configurada a venda emocional, o consumidor tem direito de arrependimento no prazo de sete dias, sendo devida a devolução de todos os valores pagos à empresa, sem cobrança de pagamento de multa em virtude da rescisão unilateral do contrato pelo consumidor. É relevante observar que, para o exercício do direito de arrependimento, não é necessário que o consumidor ofereça qualquer justificativa. Portanto, mesmo que o contrato esteja em conformidade com a Lei consumerista, caso tenham sido empregadas técnicas incisivas de venda ou marketing, será admitido o arrependimento injustificado quanto à celebração do contrato.
No que se refere à possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo consumidor, passado o prazo para o exercício do direito de arrependimento, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também já proferiu diversas decisões favoráveis ao rompimento do negócio, inclusive, eximindo o consumidor do pagamento de multas contratuais, em virtude de tratar-se de venda emocional. Nesse sentido, foi a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Ementa: Rescisão contratual e devolução dos valores pagos - cessão de direitos de ocupação de unidade habitacional hoteleira em sistema de tempo compartilhado. Procedência do pedido. Inconformismo das rés. Venda emocional - utilização de técnicas que retiram do consumidor a possibilidade concreta de tomar conhecimento integral do negócio e de refletir sobre sua conveniência e oportunidade - consentimento viciado. Rescisão do contrato e devolução dos valores pagos. Decisão mantida. Recurso de apelação não provido (Apelação 9064578-77.2004.8.26.0000 – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – 9ª Câmara de Direito Privado – Americana – Rel: Piva Rodrigues – julgado em 19.10.2010).
De acordo com o ilustre relator do aludido acórdão:
Não negam, contudo, a utilização das incisivas táticas de persuasão apontadas na inicial, no sentido não só de atrair como até de tentar impor a venda aos autores que, convidados para o recebimento de um fim de semana gratuitamente em algum paraíso turístico, se viram diante de toda uma encenação, com coquetel, brindes e horas de explanação, tudo no sentido de pressionar os convidados a adquirirem o produto à venda. Tais métodos de negociação são, no mínimo, discutíveis, para não dizer indevido sob o aspecto ético, por retiram do consumidor a possibilidade concreta de tomar conhecimento integral do negócio e refletir sobre sua conveniência e oportunidade. Conforme bem asseverou o Douto Magistrado em primeiro grau, “ as táticas de marketing de comercialização dessa espécie se baseiam na submissão do consumidor a um grande número de informações de caráter genérico e bem montadas, em exíguo intervalo de tempo, impedindo-o de raciocinar de maneira calma e lógica acerca de seu real interesse na modalidade de negócio que lhe oferecem”. Essa conduta apelativa da ré, no sentido da venda do produto, caracteriza o que se tem chamado de “venda emocional”, que constitui verdadeiro atentado ao Estatuto Consumerista, em especial ao previsto nos artigos 37 e 39, do mesmo Estatuto, que proíbem uma série de práticas abusivas, sendo que o abuso pode estar também no método de venda que impede a reflexão e, consequentemente, a livre escolha prevista no artigo 6º, II. Nesse contexto, considerando-se, principalmente, as falsas promessas, as omissões e a forte pressão exercida para o fechamento do contrato, outra não pode ser a conclusão senão a de que os autores, ao contratarem, estavam com o seu consentimento viciado, seja pela coação, seja pelo erro, o que é motivo para a anulação do contrato (artigos 138 e seguintes do Código Civil)
Portanto, de acordo com o Eminente Desembargador, o emprego de técnicas incisivas e agressivas de venda ou marketing constitui prática abusiva segundo o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que essas táticas impedem o convencimento livre e racional do consumidor na escolha do produto ou serviço, bem como na decisão de contratar. Nesse sentido, pode-se dizer, segundo o Douto Relator, que o contrato celebrado nessas condições é anulável por haver vício de consentimento, ou seja, erro, dolo ou coação, nos termos do artigo 138 e seguintes do Código Civil, conforme anteriormente explanado.
Cumpre, por fim, observar que o Código de Defesa do Consumidor também protege aqueles indivíduos que foram expostos às ofertas, mas não celebraram o contrato, afinal, determina o artigo 29 do aludido diploma legal estabelece que:
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
De acordo com referido dispositivo, equiparam-se aos consumidores quaisquer pessoas que tenham sido expostas à prática comercial. Portanto, são equiparadas aos consumidores todas as pessoas que foram abordadas para o preenchimento de formulários, que foram expostas à publicidade e/ou que compareceram ao evento de apresentação da empresa para que foram convidadas. Nesse sentido, também estes consumidores por extensão possuem todos os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor no que se refere à oferta, à publicidade e à proteção contra práticas abusivas. Sendo assim, sendo-lhe garantida uma cortesia, o consumidor por extensão tem o direito de exigi-la nos termos em que foi ofertada. Além disso, tem direito à informação clara e adequada a respeito de produtos e serviços oferecidos, sendo vedadas as propagandas enganosas e abusivas. Possui, ainda, direito a não ser exposto a outros tipos de práticas abusivas, principalmente, no que se refere à submissão a técnicas de venda agressivas, que o levem à privação do livre consentimento, bem como ao desgaste físico e psicológico e à perda de seu tempo produtivo e de lazer. Sendo assim, caso verificados prejuízos, é plenamente admissível não apenas que se admita a indenização por danos morais e materiais incorridos, como também a cobrança de cortesias garantidas, ao consumidor, para atraí-lo ao estabelecimento comercial.
CONCLUSÃO
Evidentemente, quando existe um produto ou serviço novo no mercado de consumo, é natural que empresas utilizem-se de estratégias de marketing e venda mais agressivos que as convencionais para captação de consumidores. Até mesmo porque é necessário levar o conhecimento desse produto ou serviço ao consumidor para que este possa averiguar se sua aquisição ou contratação é de seu interesse. Justifica-se ainda mais a utilização de referidas técnicas quando, realmente, o produto ou serviço puder trazer verdadeiros benefícios para aqueles que os adquirem ou contratam, como é o caso do contrato de time sharing turístico.
Todavia, a utilização de táticas incisivas de venda e marketing não pode chegar ao ponto de viciar o consentimento do consumidor, que deve ser livre e informado, conforme dispõe a própria Lei consumerista. Portanto, para que estes contratos estejam imunes à anulação ou à rescisão unilateral pelo consumidor, é preciso que sejam respeitados os seus direitos. Isto significa, em primeiro lugar, que a oferta deve ser clara, completa e verdadeira. Em segundo lugar, o consumidor, desprevenido, não pode ser surpreendido com uma avalanche de propostas para as quais não se preparou. Assim como também é vedado que seja submetido a situações estressantes, exaustivas e inadequadamente persuasivas. Além disso, os serviços devem ser prestados exatamente da forma que foram ofertados e contratados, inclusive, com os mesmos padrões de qualidade e disponibilidade garantidos. Desrespeitadas quaisquer das condições referidas, o contrato poderá ser anulado ou rescindido, conforme o caso, pelo consumidor prejudicado, que terá direito a receber a devolução integral dos valores pagos, com juros e correção monetária, bem como indenização pelos prejuízos materiais e morais que tenha sofrido.
Por fim, não se deve olvidar que são equiparados aos consumidores todos aqueles que não celebraram o contrato de time sharing turístico, mas que foram expostos às práticas comerciais. Sendo assim, caso tenham sido atraídos pela promessa de cortesias, ainda que não realizem o negócio, têm o direito de recebê-las nos termos em que lhes foi ofertado.
Conclui-se, assim, que não há nada de irregular na realização de uma venda incisiva, assim como o contrato de time sharing não é ilícito. O que não se pode admitir é que, pela utilização dessas técnicas ou desse modelo contratual, sejam ofendidos direitos do consumidor, uma vez que a este é garantido, acima de todos os direitos, o direito à dignidade, que não pode ser relativizado, jamais, em prol do fomento de qualquer mercado.
[1] MALFATTI, Alexandre David. O direito de informação no Código de Defesa do Consumidor, p. 249-260; no mesmo sentido: LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: s/e, 2000, p. 474.
[2] MALFATTI, Alexandre David. O direito de informação no Código de Defesa do Consumidor, p. 68-69.
[3] TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos – do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005, p. 88; no mesmo sentido: MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo. São Paulo: RT, 1996, p. 176; PFEIFFER, Roberto; PASQUALOTTO, Adalberto (Org.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 – convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005, p. 231; PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1997, p. 165-168.
[4] FABIAN, Cristoph. O dever de informar no direito civil, p. 45-46.
[5] FABIAN, Cristoph. O dever de informar no direito civil, p. 49, p. 106 e p. 157-160.
[6] Cf. MALFATTI, Alexandre David. O direito de informação no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Alfabeto Jurídico, 2003, p. 235.
[7] MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade civil do médico, p. 110.
[8] HIGHTON Elena; WIERZBA, Sandra. La relación médico-paciente: el consentimiento informado, p. 46.
[9] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova, p. 298; no mesmo sentido: BITTAR, Carlos Alberto. Direito do consumidor – Código de Defesa do Consumidor. 4. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 31; CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: RT, 1991, p. 82.
[10] MALFATTI, Alexandre David. O direito de informação no Código de Defesa do Consumidor, p. 231.
[11] FABIAN, Cristoph. O dever de informar no direito civil, p. 49.
[12] FABIAN, Cristoph. O dever de informar no direito civil, p. 258-259 e p. 278-287; no mesmo sentido: CHAVES, Antônio. Responsabilidade pré-contratual. 2. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Lejus, 1997, p. 175; SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1999, p. 95.
[13] FABIAN, Cristoph. O dever de informar no direito civil, p. 85 e 51.
[14] MALFATTI, Alexandre David. O direito de informação no Código de Defesa do Consumidor, p. 339-343.
[15] MALFATTI, Alexandre David. O direito de informação no Código de Defesa do Consumidor, p. 326-338.
[16] HIGHTON, Elena; WIERZBA Sandra. La relación médico-áciente: el consentimiento informado, p. 241.
advogada atuante na área cível, graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista em Direito da Propriedade Intelectual pelo Centro de Extensão Universitária, em convênio com à Universidad Austral de Buenos Aires, pós-graduada em Direito Empresarial pela GVlaw, Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, e mestre em Direito Internacional Privado pela Università Degli Studi di Roma - La Sapienza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NICODEMOS, Erika Cassandra de. As práticas abusivas contra o consumidor e os contratos de time sharing turístico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 ago 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36263/as-praticas-abusivas-contra-o-consumidor-e-os-contratos-de-time-sharing-turistico. Acesso em: 23 dez 2024.
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