1. Introdução.
Questão que vem sendo debatida no Poder Judiciário diz respeito à incidência ou não de imposto de renda e proventos de qualquer natureza sobre o terço constitucional de férias dos servidores públicos, previsto no art. 7º, inc. XVII, c/c art. 39, §3º, ambos da Constituição da República de 1988.
A União, sujeito ativo da relação tributária neste caso, entende pela incidência de tal tributo sobre aquela rubrica, mas o estudo apurado da situação demonstra raciocínio em sentido contrário, conforme será melhor explicitado a seguir.
2. DESENVOLVIMENTO.
Dispõe o artigo 43, do Código Tributário Nacional, que:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
O fato gerador do imposto de renda e proventos de qualquer natureza alude, essencialmente, a acréscimos patrimoniais que a pessoa física ou jurídica percebe em determinado exercício financeiro.
Acerca do conceito de acréscimo patrimonial, Leandro Paulsen[1] assim leciona:
“acréscimo patrimonial significa riqueza nova (...). Sendo o acréscimo patrimonial o fato gerador do Imposto de Renda, certo é que nem todo o ingresso financeiro implicará sua incidência. Tem-se de analisar a natureza de cada ingresso para verificar se realmente se trata de renda ou proventos novos, que configurem efetivamente acréscimo patrimonial. As indenizações em geral (...) não configuram o fato gerador do Imposto de Renda”.
Por certo, para fins de incidência do imposto de renda e proventos de qualquer natureza, o acréscimo patrimonial há de guardar relação com um incremento patrimonial do sujeito passivo da relação tributária.
Bastante elucidativa é a ementa de precedente do Superior Tribunal de Justiça a seguir transcrita:
Ementa: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC . IMPOSTO DE RENDA. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE DESAPROPRIAÇÃO. VERBAINDENIZATÓRIA. NÃO-INCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. A incidência do imposto de renda tem como fato gerador o acréscimo patrimonial (art. 43 , do CTN ), sendo, por isso, imperioso perscrutar a natureza jurídica da verba percebida, a fim de verificar se há efetivamente a criação de riqueza nova: a) se indenizatória, que, via de regra, não retrata hipótese de incidência da exação; ou b) se remuneratória, ensejando a tributação. Isto porque a tributação ocorre sobre signos presuntivos de capacidade econômica, sendo a obtenção de renda e proventos de qualquer natureza um deles. (...) (STJ. REsp 1116460/SP. Publicado no DJ de 01/02/2010).
Assim, nem todo acréscimo patrimonial enseja a incidência do imposto de renda, devendo-se aferir sua natureza jurídica antes de se concluir por essa tributação.
Este raciocínio não se aplica exclusivamente ao caso em apreço. Como exemplo no Direito Tributário pode-se citar que, não raras as vezes, verifica-se a ocorrência do fato gerador, mas isto não significa, ipso facto, a tributação da pessoa física ou jurídica, devendo-se verificar os demais requisitos para a tributação, além da inocorrência, v.g., de qualquer isenção legalmente estabelecida (art. 150, §6º, da CR/88).
Ao terço constitucional de férias deve ser atribuída a natureza jurídica de verba indenizatória, não constituindo, por conseguinte, fato gerador do imposto de renda e proventos de qualquer natureza.
A respeito da natureza indenizatória do terço constitucional de férias, assim consignaram os Tribunais Superiores, in verbis:
“(...) A jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido de ser ilegítima a incidência de contribuição previdenciária sobre o adicional de férias e horas extras, por tratar-se de verbas indenizatórias. Nesse sentido, o RE n. 345.458, 2ª Turma, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 11.3.05, e o RE n. 389.903-AgR, 1ª Turma, de minha relatoria, DJ de 5.5.06 (...)”(STF. 2ª Turma. AgRg AI nº 727.958-7/MG. Rel. Min. Eros Grau. Publicado no DJ de 27/02/2009).
“EMENTA: TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO - INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS - NATUREZA JURÍDICA - NÃO-INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO - ADEQUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ AO ENTENDIMENTO FIRMADO NO PRETÓRIO EXCELSO.
1. A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais firmou entendimento, com base em precedentes do Pretório Excelso, de que não incide contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias.
2. A Primeira Seção do STJ considera legítima a incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias.
3. Realinhamento da jurisprudência do STJ à posição sedimentada no Pretório Excelso de que a contribuição previdenciária não incide sobre o terço constitucional de férias, verba que detém natureza indenizatória e que não se incorpora à remuneração do servidor para fins de aposentadoria.
4. Incidente de uniformização acolhido, para manter o entendimento da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, nos termos acima explicitados.” (STJ. Pet nº 7.296/PE. Rel. Min. Eliana Calmon. Publicado no DJ de 10/11/2009 – grifou-se).
Há de se consignar que a natureza jurídica do terço constitucional de férias não pode ser alterada simplesmente por preceito normativo, não se podendo olvidar que tal rubrica não tem caráter retributivo, eis que não há efetiva prestação de serviço pelo servidor, razão pela qual não é passível de incidência de imposto de renda.
Nesse sentido, transcreve-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito de tema correlato, mas que também se refere ao terço constitucional de férias:
“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SALÁRIO-MATERNIDADE E FÉRIAS USUFRUÍDAS. AUSÊNCIA DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO EMPREGADO. NATUREZA JURÍDICA DA VERBA QUE NÃO PODE SER ALTERADA POR PRECEITO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE CARÁTER RETRIBUTIVO. AUSÊNCIA DE INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO DO TRABALHADOR. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARECER DO MPF PELO PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O SALÁRIO-MATERNIDADE E AS FÉRIAS USUFRUÍDAS.
(...)
5. O Pretório Excelso, quando do julgamento do AgRg no AI 727.958/MG, de relatoria do eminente Ministro EROS GRAU, DJe 27.02.2009, firmou o entendimento de que o terço constitucional de férias tem natureza indenizatória. O terço constitucional constitui verba acessória à remuneração de férias e também não se questiona que a prestação acessória segue a sorte das respectivas prestações principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional, de caráter acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal, pervertendo a regra áurea acima apontada.
6. O preceito normativo não pode transmudar a natureza jurídica de uma verba. Tanto no salário-maternidade quanto nas férias usufruídas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo Trabalhador, razão pela qual, não há como entender que o pagamento de tais parcelas possuem caráter retributivo. Consequentemente, também não é devida a Contribuição Previdenciária sobre férias usufruídas.
7. Da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício previdenciário mediante a prévia contribuição, a contribuição também só se justifica ante a perspectiva da sua retribuição futura em forma de benefício (ADI-MC 2.010, Rel. Min. CELSO DE MELLO); destarte, não há de incidir a Contribuição Previdenciária sobre tais verbas.
8. Parecer do MPF pelo parcial provimento do Recurso para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade.
9. Recurso Especial provido para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias usufruídas.” (STJ. Resp nº 1.322.945/DF. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Publicado no DJ de 08/03/2013 – grifou-se).
É estreme de dúvidas que o terço constitucional de férias detém caráter compensatório, com o claro objetivo de viabilizar ao servidor o descanso anual garantido constitucionalmente, não integrando, de todo modo, a sua remuneração.
Nessa senda, incorreto é o entendimento da União ao determinar a incidência de imposto de renda e proventos de qualquer natureza sobre o terço constitucional de férias.
3. CONCLUSÃO.
Dessarte, é forçoso concluir pela não-incidência de imposto de renda sobre o terço constitucional de férias, diante da incontestável natureza de verba indenizatória dessa rubrica, conforme os fundamentos jurídicos expostos acima e o entendimento consolidado dos Tribunais Superiores.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 17ª edição. Ed. Saraiva, 2011.
- COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8ª edição. Ed. Forense, 2005.
- MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31ª edição. Ed. Malheiros, 2010.
- PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 15ª edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado. 2013.
- SPAGNOL, WERTHER BOTELHO. Curso de Direito Tributário. Editora Del Rey: Belo Horizonte, 2004.
[1] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 15ª edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado. 2013. Pág. 749.
Procurador Federal .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Cristiano Alves. O direito dos servidores públicos à não-incidência de imposto de renda sobre o terço constitucional de férias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36415/o-direito-dos-servidores-publicos-a-nao-incidencia-de-imposto-de-renda-sobre-o-terco-constitucional-de-ferias. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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