A Administração Pública, por vezes, depara com a dificuldade de efetuar compras de produtos com qualidade mínima. Isto porque o objetivo maior da licitação é a obtenção de condições mais vantajosas para a Administração, sendo que o menor custo mostra-se a maior delas, na maioria das vezes. Especificamente no caso da modalidade Pregão, comumente utilizado pela Administração para compras de bens comuns, o critério de julgamento definido pela Lei é o de menor preço[1], o que, em tese, dificulta a aquisição de bens com qualidade mínima.
Aliado a isso, nos últimos tempos, a Administração Pública deparou-se com a invasão no mercado nacional de produtos de baixa qualidade e bastante competitivos no que se refere ao preço.
Com vistas a se evitar a aquisição de produtos de baixa qualidade, embora com preços menores, a Administração Pública vem se utilizando de várias práticas, dentre elas a definição precisa do objeto, com a especificação de atributos indispensáveis a qualidade mínima do produto.
Tal especificação deverá constar do Edital, que estabelecerá critérios técnicos mínimos de aceitabilidade do produto. Referido procedimento foi denominado pelo doutrinador Marçal Justen Filho, em sua obra Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 10ª edição, como a “definição teórica do padrão de qualidade mínima”, que consiste na “solução teórica consiste em descrever, de modo abstrato, os atributos mínimos necessários, tomando em vista as características específicas do objeto da contratação.”
Também a imposição de apresentação de laudos técnicos se mostra como alternativa para garantir a qualidade do bem a ser adquirido. Contudo, segundo a Corte de Contas, referida exigência deve estar devidamente fundamentada em parecer técnico especializado, que deve ser anexado aos autos.[2]
Outra maneira de se garantir a qualidade mínima do produto é a exigência, pela Administração Pública, de amostras, a denominada “definição prática do padrão de qualidade mínima”[3].
Nesse caso, do edital constará a obrigação das licitantes em apresentar um exemplar do produto a ser oferecido, que será avaliado por uma comissão. Vale registrar que a exigência de amostras para garantir qualidade mínima dos bens ofertados foi objeto, inclusive, de recomendação pelo Tribunal de Contas da União, no Acórdão 1.215/2009 – Plenário[4], mesmo na modalidade Pregão[5].
Pois bem. Como já dito, a exigência da amostra vem sendo comumente utilizada pela Administração Pública Federal nos últimos tempos, com vistas a tentar adquirir bens com qualidade mínima. A par disso, a matéria vem sendo comumente submetida a julgamento pelo Tribunal de Contas da União, que em vários julgados impôs a observância de critérios quando da exigência das amostras.
O primeiro deles é a definição, no edital, de critérios técnicos e objetivos de avaliação. O julgamento das amostras não pode configurar em um ato subjetivo da Comissão Julgadora, senão vejam-se os termos do Acórdão 1.292/2011 Plenário:
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão de Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.2. nos termos dos art. 10, § 1º, e 12, inciso III, da Lei 8.443, 16 de julho de 1992 c/c o art. 202, inciso III, do Regimento Interno do TCU, realizar a audiência dos seguintes responsáveis:
9.2.1. (....), contendo as seguintes irregularidades:
9.2.1.1. previsão de análise das amostras dos bens ofertados por meio de cláusulas que afrontam a legislação e jurisprudência e não estabelecem critérios técnicos e objetivos de avaliação, permitindo desclassificações indevidas de licitantes e manipulação do resultado da licitação (itens 6.2.8.6 a 6.2.8.15), em afronta aos arts. 45 e 46 da Lei 8.666/1993, Acórdãos TCU 346/2002, 526/2005 e 1113/2008-Plenário, Decisões TCU 197/2000 e 1237/2002-Plenário, princípios da publicidade, da transparência, do contraditório e da ampla defesa;
Outro critério a ser seguido pela Administração é a previsão de que todos os licitantes interessados possam participar no teste da amostra, com vistas a observância do princípio constitucional da publicidade. Esse foi o entendimento da Primeira Câmara do TCU, ao prolatar o Acórdão 131/2010:
1.5. Determinar à (...), com base no art. 43, inciso I, da Lei nº 8.443, de 1992, c/c o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que:
1.5.1. nos próximos procedimentos licitatórios em que houver necessidade avaliação de protótipos, estabeleça e divulgue previamente aos licitantes a data e horário para a sua realização e oportunize a presença de representantes das empresas, com vistas à concretização do princípio da publicidade, insculpido no art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993; (item 11)
Por fim, o momento de apresentação das amostras deverá constar do edital do certame. Nas lições do doutrinador Marçal Justen Filho, a definição do momento da apresentação das amostras se mostra problemática, vez que a análise sob o prisma jurídico se contrapõe ao critério prática da avaliação, senão veja-se[6]:
"3.5.5.) O momento de apresentação das amostras
Uma das questões mais problemáticas, sob o prisma jurídico, consiste na determinação do momento de apresentação da amostra. Existe uma dissociação entre a solução teoricamente mais satisfatória e aquela exigida pela necessidade prática.
Sob o prisma jurídico, a amostra integra a proposta. Portanto, a sua apresentação deveria fazer-se na oportunidade de avaliação da aceitabilidade da proposta.
No entanto, a apresentação e o julgamento da amostra envolvem, tal como exposto, uma perturbação no seguimento normal do procedimento do pregão. Logo, o critério prático consiste em reduzir ao mínimo os problemas potenciais derivados do julgamento da amostra.
Adotado esse entendimento, a apresentação e o julgamento da amostra deverá ocorrer como última etapa antes de proclamar-se o vencedor do certame. Isso significa que, encerrada a fase de lances, deverá desencadear-se o exame da documentação de habilitação. Somente se passará ao recebimento e avaliação de amostras relativamente ao licitante que preencher todos os demais requisitos para ser contratado. Desse modo, evita-se que sejam promovidas as diligências relativamente à amostra em face de um licitante que não dispunha de condições de ser contratado por ausência de requisitos de habilitação (o que pode ser determinado de modo simples e rápido mediante o mero exame de documentos)
A Corte de Contas, por sua vez, entende que a amostra somente pode ser exigida do licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar, devendo ser fixado prazo razoável para a apresentação das mesmas, senão veja-se:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Representação formulada, ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer da presente nos termos do art. 113, § 1º, da Lei 8.666/93 c/c os arts. 235 e 237, inciso VII, do RI/TCU, para, no mérito, considerá-la improcedente;
9.2. determinar ao (...) que:
9.2.1. quando entender necessária a apresentação de amostras no âmbito de licitações promovidas pela entidade, restrinja a exigência aos licitantes provisoriamente classificados em primeiro lugar, e desde que de forma previamente disciplinada e detalhada no respectivo instrumento convocatório, nos termos dos art. 45 da Lei 8.666/93 c/c o art. 4º, inciso XVI, da Lei 10.520/2002 e o art. 25, § 5º, do Decreto 5.450/2005 (Acórdão 2.139/2009 – Plenário).
Pelo que foi exposto, verifica-se a possibilidade de se exigir, na licitação modalidade pregão, a apresentação de amostras visando a obtenção de qualidade mínima dos produtos a serem adquiridos pela Administração, desde que:
a – conste do edital critérios técnicos e objetivos de avaliação;
b – seja divulgado data e horário para a realização dos testes, oportunizando a presença dos licitantes e
c – seja exigida apenas do licitante classificado provisoriamente em primeiro lugar.
[1] Art. 4º Lei 10.520/2012:
(...)
X - para julgamento e classificação das propostas, será adotado o critério de menor preço, observados os prazos máximos para fornecimento, as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital;
[2]Acórdão 2.475/2012 – 2ª Câmara:
Dar ciência à Fundação Universidade de Brasília de que a exigência para apresentação de laudos analíticos laboratoriais emitidos por instituições acreditadas pelo Inmetro, tal como ocorrido no Pregão Eletrônico 286/2011, deve estar fundamentada em parecer técnico especializado, devidamente integrado ao procedimento licitatório, conforme a jurisprudência deste Tribunal (Acórdão 555/2008-Plenário).
[3] Justen Filho, Marçal. Comentários à lei de Licitações e Contratos administrativos. 10ª edição. São Paulo: Dialética, 2004, pag.383
[4] 9.1. recomendar à Secretaria de Fiscalização de Tecnologia da Informação que:
9.1.3.2. a avaliação de amostras na contratação de bens e suprimentos de Tecnologia da Informação pela modalidade pregão, visando minimizar o problema também corrente na Administração consistente na entrega de materiais dessa natureza de qualidade inservível e duvidosa.
[5] Acórdão nº 1.182/2007 – Plenário:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. NÃO-CONHECIMENTO. PREGÃO. POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE AMOSTRAS PARA AQUISIÇÃO DE MATERIAIS DE CONSUMO. ESCLARECIMENTO AO EMBARGANTE.
Não se conhece de embargos declaratórios intempestivos. Contudo, faz-se oportuno encaminhar informação ao órgão embargante esclarecendo que, preservado o princípio da celeridade inerente à modalidade de pregão, e com vistas a garantir a qualidade dos produtos adquiridos pela Administração Pública, é aceitável que se exija apresentação, por parte do licitante vencedor, de amostra do material de consumo a ser adquirido no certame
[6] Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, pag 137/138
Procuradora Federal da PGF/AGU
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALVADOR, Juliana Lima. Obtenção da qualidade mínima de produtos adquiridos pela Administração Pública. Amostras. Critério de avaliação da qualidade da contratação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 ago 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36437/obtencao-da-qualidade-minima-de-produtos-adquiridos-pela-administracao-publica-amostras-criterio-de-avaliacao-da-qualidade-da-contratacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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