Resumo: O presente artigo tem o objetivo de propor formas de aplicação prática do instituto da prescrição das medidas socioeducativas, demonstrando que a fixação de entendimento sumular favorável não se traduziu em pleno respeito ao microssistema previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente ou no atendimento das diretivas internacionais aplicáveis aos sujeitos especialmente protegidos pela legislação infanto-juvenil.
Palavras chave: prescrição; medidas socioeducativas; Estatuto da Criança e do Adolescente.
Abstract: This paper has the objective of providing alternatives for a practical application of the statute of limitation in disciplinary measures, demonstrating that the setting of a benefic sumular understanding did not lead to a full compliance of the microsystem foreseen in the Statute of the Child and Adolescent noir in the respect of the international directives applied to those specially protected by the juvenile law.
Key words: limitation; disciplinary measures; Statute of the Child and Adolescent.
Introdução
É ordinária a constatação de que cada vez mais os adolescentes alvos da Justiça Especializada são cuidados, ou melhor, simplesmente processados, sem o completo respeito às garantias próprias e adequadas à sua condição de pessoas em desenvolvimento físico, mental e especialmente psíquico.
Diversas são as falácias ditas, ouvidas e infelizmente até oficializadas em termos oficiais durante a realização das atividades estatais correlacionadas, quando da apuração de atos infracionais. Ora se indica a segregação da liberdade e, conseqüentemente da convivência familiar e social, como “necessária” medida “protetiva”, ora se utiliza dessa e de outras privações de direitos à título supostamente “profilático”. Mas, acima de tudo, comumente não se medita por mais do que alguns segundos quanto aos efeitos da imposição desmesurada das medidas sócio-educativas.
Quais as razões, então, desta ausência de limites?
Tal constatação, que deveria restar abolida pela vigência plena da lei federal nº 8.069/90, pelos vetores da Constituição Federal e por aquilo que nos obrigamos em Tratados Internacionais de o que o Brasil é signatário, no entanto, acaba por ser justificada pela própria e pretensa aplicação do sistema de proteção integral. Uma contradição que em raros momentos de lucidez é trazida à ordem do dia pelos operadores do Direito.
Com efeito, não se ignora que a sistemática estatutária tem contornos diferenciados, os quais nem sempre podem ser mesclados, ou até confundidos, com os de outros ramos jurídicos diversos. Entretanto, essa leitura torna-se essencialmente duvidosa ao nos depararmos com institutos protetivos, mesmo que indiretos, das garantias gerais de qualquer processado perante o Poder Judiciário.
É neste diapasão que o estudo das consequências práticas trazidas pelo enunciado da súmula nº 338 do Superior Tribunal de Justiça mostra-se relevante, mormente porque, a despeito de afirmar certo limite à ação estatal, a partir da aplicação de regras penais nos processos socioeducativos (prescrição), não define em que medida tal limitação da pretensão deve ser aplicada e, ainda, em que extensão a enunciada intersecção de um instituto estranho ao espírito do microssistema estatutário deve ser balizada.
1 NOTAS DA EVOLUÇÃO ESTATUTÁRIA: PRÉVIO ENTENDIMENTO DA MUTAÇÃO DE PARÂMETROS NORMATIVOS
A lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – surgiu no cenário jurídico brasileiro rompendo as características enunciadas nas legislações anteriores que visavam tratar da prática de infrações penais por menores inimputáveis na esfera penal.
Antes de sua edição vigia a doutrina da situação irregular, admitida pelo Código de Menores – lei federal nº 6697, de 10 de outubro de 1979 – o qual preconizava pretenso “direito dos menores infratores”, denominando de delinquência a conduta antissocial manifestada durante o desenvolvimento dos infantes. Como se percebe, sem qualquer preocupação aparente com a condição diferenciada daquele que cometia uma infração em tenra idade e com o desenvolvimento psicossocial incompleto.
A então denominada situação irregular nada mais era do que a classificação de “menores infratores” pela difusão da ideia de que teria havido a “opção” pela vida marginal e delinquencial.
Para tanto, partia-se do pressuposto de que a todos eram oferecidas as mesmas oportunidades de crescimento e de desenvolvimento sócioeconômico, restringindo-se a análise dos casos à esfera subjetivo-psicológica do “menor”, sem questionar-se acerca dos reais motivos da prática ilícita.
Os infratores eram nada mais do que objetos de um procedimento sindicante, minimizando-se, por efeito, suas garantias e seus direitos como ser humano ímpar, merecedor de tutela diferenciada, mesmo que de forma disfarçada.
Foi apenas com a Constituição Federal de 1988 que passou-se a abordar o cuidado da criança e do adolescente dando-lhe cores que se coadunaram àquelas há tempos explicitadas e esmiuçadas por diversos diplomas internacionais há muito vigentes e assumidos pelo Brasil. Mencionada proteção especial, por exemplo, já era objeto da Declaração de Genebra de 1924, a qual determinava “a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial”.
No mesmo sentido, mas posteriores, foram a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, do ano de 1948 (Paris), a qual enunciava o “direito a cuidados e assistência especiais” e, também, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José - Costa Rica, de 1969), que manifesta em seu artigo 19 que “Toda criança tem direito às medidas de proteção que na sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado”.
Seguindo essa esteira, nas palavras de ANTONIO FERNANDO DO AMARAL E SILVA e de MUNIR CURY[1], “Ainda mais recentemente, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras de Beijing (Res. 40/33 da Assembléia-Geral, de 29.11.85); as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil – Diretrizes de Riad (Assembléia-Geral da ONU, novembro/90); bem como As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (Assembléia-Geral da ONU, novembro/90), lançaram as bases para a formulação de um novo ordenamento mundial no campo do Direito e da Justiça, possível para todos os países, em quaisquer condições em que se encontrem, cuja característica fundamental é a nobreza e a dignidade do ser humano criança.”
A aclamada doutrina da proteção integral passou, assim, a ser o foco da questão infanto-juvenil, mas o tratamento dispensado aos “menores infratores” pela legislação brasileira em curso já não pairava à mesma altura dos valores constitucionais e internacionalmente apontados.
Nesse cenário de verdadeira revogação implícita da legislação em vigor, é que o novo texto infraconstitucional foi desenvolvido.
Toda normatização dos modelos de conduta definidos em legislação criminal, sejam eles enunciados de crime ou de contravenção, traz reflexos aos sujeitos do processo socioeducativo dentro da respectiva faixa de idade e segundo o sistema sancionatório próprio do Estatuto da Criança e do Adolescente[2].
Nesse sentido, os artigos 103 a 105 e 112 da Lei, estabelecem parâmetros para o aplicador do Direito delimitando a atuação estatal e definindo os contornos do que será tido como ato infracional, além das medidas cabíveis às crianças e aos adolescentes em cada situação[3].
Tanto aqueles enquadrados etariamente como crianças, como os demais sob o título de adolescentes, são, dessa forma, objetos da tutela responsabilizadora desse microssistema legislativo, de acordo com as premissas tipificadoras das leis penais.
Criança, na acepção jurídica do termo, é toda pessoa que tenha até 12 anos de idade incompletos.[4] A estas, no teor da norma do artigo 105[5] da lei federal nº 8.069/90, serão aplicadas as medidas previstas em seu artigo 101[6].
Tais medidas, denominadas de proteção, são as únicas possíveis de imposição às crianças. Àqueles incursos na prática de ato equiparado à infração penal, por conseqüência, não serão endereçadas as medidas socioeducativas do artigo 122[7], tendo sido coerente o legislador ao afastar as medidas mais severas previstas nos incisos II a VI do artigo 112.[8]
Já no que toca ao tratamento socioeducativo dirigido aos adolescentes, pode-se afirmar que seu fim é a busca do melhor interesse, visto este de forma sistêmica e integrada a fatores sócioeconômicos, culturais, educacionais e até religiosos, para o atingimento do bem-estar social. O melhor interesse que o E.C.A. estabelece, portanto, é a prevenção, a qual permeia todos os institutos ali contidos.[9]
Prova exemplificativa é a possibilidade de aplicação cumulativa ou simples de medidas de proteção e medidas socioeducativas aos adolescentes infratores (artigo 98, inciso III, c.c. os artigos 105, 112, inciso VII, e 136, inciso VI, todos do E.C.A.).
Estando inserido na faixa de idade do artigo 2º da Lei, e considerado adolescente, estas as medidas sócio-educativas possíveis de serem aplicadas quando responsabilizado pela prática de ato infracional: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação se serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional.
É certo que as realidades são diversas e merecem tratamento compatível. Crianças e adolescentes, como agentes, têm cuidado legislativo próprio e específico, decorrentes dos vetores fundadores desse subsistema estatutário, relativamente dependente do sistema criminal:
A atribuição para a aplicação das medidas específicas de proteção, às crianças infratoras é do Conselho Tutelar, segundo artigos 136, inciso I, c.c. os artigos 98 e 105 do Estatuto.
Já, à autoridade judiciária, foi dada a competência privativa para a administração das medidas de proteção aos adolescentes infratores, sem exclusão de sua atuação quanto àquelas delineadas às crianças. [11]
3 NATUREZA JURÍDICA DAS SANÇÕES ESTATUTÁRIAS
Mesmo objetivando a ressocialização e a reeducação dos infratores, as medidas previstas pelo E.C.A. também são inseridas dentre as espécies de sanção pela autoria de conduta ilícita pela teoria geral do direito[12].
É indiscutível que dentro do arcabouço axiológico em que inseridas, as medidas socioeducativas têm finalidade pedagógica-educativa como mote principal. Porém, da mesma forma que as penas criminais, não se discute terem elas caracteres secundários como a natureza impositiva, sancionatória e retributiva.[13] Aproximam-se, assim, também, de um fim preventivo especial, em que o objetivo é menos a coerção ou afirmação de vigência da norma e, mais, a tentativa de fazer com que o autor infracional não mais pratique condutas desregradas segundo normas de convivência da época.
Posicionamento este que não é afastado das modernas doutrinas penais, estando arraigado nas concepções fundamentadoras das penas, de cunho socializador.[14]
E mais: à toda responsabilização estatutária aplicam-se as garantias processuais inscritas nos artigos 110 e 111 do E.C.A.; as disposições referentes à aplicação das medidas mais restritivas (internação e semiliberdade – artigos 120, § 2º; 121; e 122) são valoradas também em se considerando a gravidade do ato praticado[15]; a imposição das medidas socioeducativas, com a ressalva discutível quanto à advertência[16], exigem prova da materialidade e da autoria para o desfecho condenatório[17].
Cabe destacar, no entanto, como o faz AMARAL E SILVA[18], que a imputabilidade e a responsabilidade são conceitos diversos, sendo certo que, por tal motivo, não podem ser as crianças e os adolescentes responsabilizados pela, e conforme, a Lei Penal.
Assim, mesmo que próximas em alguns pontos, não é possível se afirmar ser de igual semelhança a natureza das sanções penais e a das medidas socioeducativas.
A despeito de operarem em uma linha paralela a das sanções criminais, uma vez que decorrem de ilícitos equiparados às infrações desta ordem, o foco das normas estatutárias é o sujeito por elas tutelado, não sua culpabilidade ou sua imputabilidade[19]. Tanto o é que são as necessidades pedagógicas, e não as circunstâncias do crime, que norteiam fundamentalmente desde a escolha até a imposição das medidas possíveis.[20]
Dizer-se, por efeito, que a determinação coercitiva de instrumentos socioeducativos como resultado de um ilícito abarcado pelo Estatuto seria uma punição, equivaleria a esvaziar os objetivos traçados pela Constituição Federal e tratados internacionais, reproduzidos na lei federal nº 8069/90, em favor da proteção integral – não punição - das pessoas em desenvolvimento.[21]
Apesar do posicionamento fixado pelo enunciado nº 338 do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da prescrição, com seu regramento penal, aos autores de atos infracionais, não se traduz como causa extintiva da punibilidade.
Ora veja. Nenhuma ação estatal em um Estado Democrático de Direito calcado na dignidade do ser humano, pode ser tida como ilimitada. Parâmetros devem ser observados visando objetivos constitucionais expressos e dirigidos aos jovens em conflito com a lei.
Não sendo meta legal ou constitucional a punição segregatória da liberdade, mas sim a adequação social das criança e dos adolescentes, por vias educativas e pedagógicas, no mesmo caminho deve ser conduzida a atividade jurisdicional especializada.
Dizer-se, então, que a prescrição penal merece aceitação nos processos infanto-juvenis resume-se a aplicação de parâmetros temporais estabelecidos nos diplomas legais correspondentes, sem que se perca o foco estatutário e se desnature seu cunho protetivo. Opção que se mostra consentânea à lacuna e omissão legislativa até hoje existente, em pleno beneficiamento daqueles indicados no artigo 2º da lei federal nº 8.069/90.
Há, por sua vez, quem entenda que diante do lema maior do trato estatutário seria inviável a previsão sumular da limitação penal, devendo ser apreciada, caso a caso, a necessidade pedagógica de cada infrator mesmo após a passagem de grande lapso temporal.[22]
Porém, deixar ao alvedrio atemporal do Estado - ou demasiado longo em se tratando de pessoas em desenvolvimento - a imposição de medidas limitadoras de direitos implica a desconsideração de garantias mínimas dos cidadãos, deixando crianças e adolescentes como Dâmocles, sob a espada de uma jurisdição dionísica.
Assim, não se compreende que tais conclusões estejam acomodadas no seio da ordem constitucional brasileira e dos vetores entendidos aplicáveis aos infratores infanto-juvenis, como se passa a demonstrar.
4.1 GARANTISMO
A principal característica do direito protetor, qual seja o privilégio do interesse das crianças e dos adolescentes, não pode ser tida como suficiente para garantir todos os direitos fundamentais dos infratores.
O escopo principal do Direito da Criança e do Adolescente é a proteção integral. Porém, esse objetivo só é atingido por meio dos princípios-garantia do respeito à condição peculiar da pessoa em processo de desenvolvimento e da prioridade absoluta no atendimento aos seus direitos[23].
Segundo Márcio Thadeu Silva Marques[24], “A novel denominação, de Justiça de Menores para Justiça da Infância e da Juventude, representou bem mais que mera renovação de nomenclatura, mas uma real ruptura de uma estrutura baseada em um paternalismo que, por melhor intencionado que fosse, sempre revestia-se de uma natureza arbitrária, por ser concentradora e baseada em idiossincráticas posições, como anota o Desembargador Amaral e Silva: ‘a Lei nº 8.069/90 criou mais que uma Justiça. Ela estabelece o estado democrático de direito numa esfera em que estava ausente desde a nossa formação histórica. Ela aboliu o arbítrio e o subjetivismo, consagrando o Direito e dignificando a Justiça.”
Segue o autor dizendo que “(...) o que se tem é a cidadania infanto-juvenil como integrante basilar do princípio da proteção integral que, deste modo, não poderá extrapolar as raias do garantismo, como política asseguradora dos direitos civis da pessoa humana, ainda que em período de maturação física, psicológica e emocional.”[25]
Por sua vez, a Constituição de 1.988 é marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direito e garantias fundamentais. A Lei Maior marca o rompimento com o regime autoritário do período ditatorial e introduz avanço extraordinário na consolidação das garantias e direitos fundamentais, tornando-se o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos na história legislativa brasileira.[26]
Desde seu preâmbulo, verifica-se a instauração de um Estado Democrático de Direito “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)”.[27]
E o principal fundamento alicerce do Estado Democrático de Direito no Brasil é a dignidade da pessoa humana, como se vê no artigo 1º, inciso III, da C.F. Colocou-se tal princípio, portanto, como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional e legal.[28]
Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).[29]
Neste diapasão, CELSO DELMANTO[30] observa que a prescrição é instituto fundamental no Estado Democrático de Direito, destacando, entre seus motivos, o fato de conferir segurança jurídica ao cidadão, vedando, assim, que seja ele perseguido por tempo indeterminado; impõe ao Estado que efetivamente se movimente em sua atividade jurisdicional, em prol da própria sociedade; e, a perda da finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora com o decurso do tempo.[31]
A prescrição é vista, sob esse prisma, como instrumento real de controle das atividades do Estado, adequando-as às necessidades e fins das penas e demais sanções de sua alçada.
Por via transversa, a imprescritibilidade seria nada mais do que a clara demonstração da incapacidade Estatal, e de seus agentes, em seus misteres de executar a lei, sancionando o responsável por práticas ilícitas dentro de prazo razoável e útil ao apenamento.
O modelo do estatuto propõe, dentro de um contexto processual essencialmente garantista, um adolescente mais ativo, capaz, reconhecido como um cidadão com direito a não ficar indefeso diante do poder estatal.
O modo como foi concebido o procedimento de apuração de prática de ato infracional denuncia uma concepção garantista, particularmente projetada para a proteção do adolescente infrator na relação processual.[32]
Limites existem para todos, não sendo diferente a posição do Estado-Juiz em processos por atos infringentes à legislação. O devido processo legal, a devida pena e o devido tempo do processo são consectários lógicos do vetor da dignidade humana, fundamento de nossa ordem normativa.
Não podem os jovens serem mais severamente responsabilizados do que os adultos, tal como prescreve o item 56 das Regras Mínimas das Nações Unidas Para Prevenção da Delinqüência Juvenil (Regras de RIAD).
Não subsistindo possibilidade de apenamento para adulto frente à extinção de sua punibilidade pela prescrição, em relação ao jovem infrator, não há como se valer, o Juízo Especial da Infância e da Juventude, da prática infracional para imposição ou manutenção de quaisquer medidas impositivas.
Chegar-se-ia ao absurdo de restringir-se, em menor ou maior grau, a liberdade de um infrator juvenil que, se tivesse alguns meses ou dias a mais de vida, nunca receberia qualquer apenamento, por ter atingido a maioridade presumida na legislação.
É no mínimo razoável, por isso, que a situação jurídica do infrator estatutário não se concretize de forma mais gravosa do que a de um adulto processado por uma mesma infração penal.
Sendo o contexto fático idêntico, pelo menos no que tange ao ilícito teórico, mas sendo praticado por pessoa em desenvolvimento e especialmente protegida, nada mais lógico do que beneficiá-la com a limitação preconizada.
Pelo princípio da proporcionalidade ou da “justa medida”, meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcional em relação ao fim.[35]
Segundo CANOTILHO[36], os campos de aplicação do princípio em comento são, basicamente, decorrentes da proibição do excesso e do defeito. O primeiro, aplicado a todas as espécies de atos do poder público, em especial quando há discricionariedade na ação. O segundo, de maior relevância no tema tratado, “quando as entidades sobre quem recai um dever de proteção (Schutzpflitcht) adoptam medidas insuficientes para garantir uma proteção constitucionalmente adequada dos direitos fundamentais, Podemos formular esta idéia usando uma forma positiva: o estado deve adoptar medidas suficientes, de natureza normativa ou de natureza material, conducente a uma protecção adequada e eficaz dos direitos fundamentais. A verificação de uma insuficiência de juridicidade estatal deverá atender à natureza das posições jurídicas ameaçadas e à intensidade do perigo de lesão de direitos fundamentais. (...)”
A efetividade dos direitos fundamentais passa, assim, pela conexão clara que existe entre o reconhecimento legal de determinada necessidade protetiva e o suprimento judicial de eventuais lacunas, em prol das garantias consagradas constitucionalmente.
Verdadeira constitucionalização de atos pelo Judiciário quando chamado a discutir questões não suficientemente resolvidas e que apresentam forte carga valorativa e de repercussão social.
Entrando especificamente no tema tratado, vemos que a imprescritibilidade é situação de exceção prevista expressamente na Constituição Federal, em seu artigo 5°, incisos XLII e XLIV.[37]
Consequentemente, o princípio da proporcionalidade não é erigido à sua real significação em não se reconhecendo a possibilidade de prescrição em processos socioeducativos.
A prescritibilidade, unicamente por não ter sido tratada explicitamente na legislação específica, não pode ser afastada por conta de conjecturas ligadas à discutível prevalência teórica na natureza jurídica dos atos infracionais. Nenhuma razoabilidade há em tal conclusão. Nesses termos, inclusive, já se decidiu:
Conforme preceitua o artigo 227 da Carta Magna, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os direitos ameaçados dos adolescentes – nestes obviamente incluídos os infratores - e com absoluta prioridade, dentre outros elencados, o direito à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Proteção especial que compreende garantias processuais quando atribuídos atos infracionais (artigo 227, § 3°, inciso IV, da C.F.) e obediência aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento em caso de privação da liberdade (artigo 227, § 3°, inciso V, da C.F.).
Um “constitucionalismo adequado”, ainda nas palavras de CANOTILHO, é o que se precisa empreender.[38]
Uma das providências possíveis e recomendáveis é a utilização dos princípios hermenêuticos e jurídicos para a revelação de normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e a complementação do direito (Richterrecht, analogia júris). (...)”[39], como no caso da prescrição.
O que não pode permanecer é a atual situação de desrespeito a postulados constitucionais, com a desproporcionalidade de sancionamento entre jovens e adultos, equivalendo-se os sancionamentos correspondentes e suas consequências.
No que concerne aos parâmetros de aplicação do instituto da prescrição, dois métodos são cotejados:
5.1 MÉTODO PURO
De início, apresenta-se a simples utilização da prescrição como analisada no Direito Penal e em seu Código. Praticado um ato infracional, aplicar-se-ão as regras da prescrição da pretensão punitiva ou executória relativas à infração penal correspondente.
Far-se-á a investigação temporal inicial e de seus marcos interruptivos e suspensivos, previstos nos artigos 111, 116 e 117, e em outros dispositivos esparsos (e.g. artigo 366, do Código de Processo Penal), naquilo que aplicável.
Após, verificar-se-á a pena máxima abstratamente cominada no preceito secundário do tipo penal e adequar-se-á a sanção ao que determinado no artigo 109 do mesmo Codex Criminal. Isto, ressalvando-se os casos em que se comina pena de multa, cujas regras são específicas, nos termos do artigo 114 da Lei Penal.[40]
Ao final, reduzir-se-á o prazo prescricional encontrado, nos termos do artigo 115, primeira parte, do Código Penal, com ou sem o aumento previsto no artigo 110, “caput”, parte final, da Lei.[41]
Prescrito o “jus puniendi” quanto à teórica infração penal perpetrada, gênero e origem típica do ato infracional, prescrito também estará o direto de perseguir sua prática, por equiparação. Nenhuma dificuldade a ser sanada.
Neste sentido, JOÃO BATISTA COSTA SARAIVA[42]: “Assim, enquanto não existir expressa disposição legal, seja no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90) – seja em lei que o complemente (como a urgente e necessária lei de execução de medidas socioeducativas), devem ser operacionalizadas as regras do Código Penal, arts. 109 e 115, operando-se com a medida socioeducativa aplicável e considerando-se o lapso prescricional previsto no Código Penal, para a espécie pela metade por conta do agente contar com menos de 21 anos”.
Entretanto, quanto à prescrição da pretensão executória e subespécies da prescrição da pretensão punitiva (retroativa e intercorrente), prontamente é notada uma dificuldade nesta primeira opção: sendo necessária a utilização da pena cominada na sentença condenatória, como esta será estabelecida se nem todas as medidas previstas pelo E.C.A. têm prazo determinado na decisão final ou na Lei?
Uma solução se apresenta: a aplicação de regra semelhante à que é utilizada nos casos de prescrição das medidas de segurança previstas na legislação penal.
Como se sabe, ao ser aplicada a medida de segurança ao inimputável, criou a doutrina três posicionamentos diversos, levando-se em consideração problemática semelhante a que aqui foi levantada: aplicação apenas da prescrição da pretensão punitiva, posto que inexistente fixação de pena; aplicação da prescrição da pretensão punitiva, quando anterior à decisão e, após, análise da permanência do estado doentio e perigoso do réu para a imposição da restrição; e, por fim, aplicação tanto da prescrição da pretensão punitiva, como da executória, ambas se considerando a pena em abstrato fixada ao crime.[43]
No caso, por ser a mais aceita e de mais lógica aplicação, sugere-se a utilização da última regra discriminada, com base na sanção em abstrato do tipo penal por equiparação, também para a prescrição da pretensão executória e das subespécies da punitiva.
Com tal método, a averiguação da ocorrência da prescrição executória seria feita, então, observando-se os marcos de tempo próprios (artigos 110 e 112 da Lei Penal e outros de aplicação geral), além da diminuição e do aumento correspondentes aos artigos 115, primeira parte, do Código Penal, e 110, “caput”, parte final, dessa Lei. Mesmo prazo de sanção que serviria de base para as subespécies da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final (retroativa e superveniente).[44]
5.2 MÉTODO MISTO
Seguindo-se com as propostas em cotejo, uma outra aqui se apresenta: a utilização parcial das regras previstas no Código Penal, excepcionando-se o uso das penas previstas nos tipos e substituindo-as pelos prazos e características do próprio Estatuto.
Para tanto, considerar-se-ia o lapso máximo permitido pelo E.C.A., em cada medida, para efeito de contagem da prescrição da pretensão punitiva (sanção “in abstrato”) e para a determinação da pretensão da prescrição executória (uso da sanção “in concreto” ou da “in abstrato” com base equivalente na regra da medida de segurança), ainda com fulcro nos prazos do Estatuto. Tudo, porém, segundo as regras gerais normatizadas no Código Penal.
Melhor visualizando, seriam considerados prazos máximos das sanções abstratas:
a) Medidas de internação, semiliberdade e liberdade assistida: prazo de três anos, conforme o artigo 121, § 3º, que impede aquela mais gravosa de perdurar por mais do que um triênio (prescrição da pretensão em quatro anos – artigos 109, IV, c.c. 115, do C.P.);[45]
b) Medida de prestação de serviços à comunidade: prazo de seis meses, segundo expresso no artigo 117 (prescrição da pretensão em um ano e seis meses – artigos 109, VI, c.c. 115, do C.P.);[46]
c) Medidas de obrigação de reparar o dano e de advertência: por serem as medidas sócio-educativas menos restritivas, por analogia, no mesmo prazo que a medida de prestação de serviços à comunidade (prescrição da pretensão em um ano e seis meses – artigos 109, VI, c.c. 115, do C.P.);
d) Medidas protetivas: o prazo de seis meses, menor parâmetro de sancionamento previsto no Estatuto, também por integração pela analogia (prescrição da pretensão em um ano e seis meses – artigos 109, VI, c.c. 115, do C.P.).
Uma segunda solução que se apresenta para a determinação da pretensão da prescrição executória seria a consideração das sanções estipuladas, quando possível, pelo prazo determinado em sentença e, quando não fixado, pelo período mínimo que a Lei Estatutária prevê, favorecendo-se o “réu” - infrator - pela ausência de termo certo (princípio do “favor rei”, plenamente aplicável em processos socioeducativos, consoante garantias já enunciadas).
Assim teríamos:
a) Medidas de internação, de semiliberdade e de liberdade assistida: prazo de seis meses, respectivamente, conforme os artigos 121, § 2º; 120, § 2º c.c. 121, § 2º; e, 118, § 2º, todos do E.C.A. (prescrição da pretensão em um ano e seis meses – artigos 109, VI, c.c. 115, do C.P.), ou pelo prazo certo eventualmente imposto;[47]
b) Medida de prestação de serviços à comunidade: sempre pelo prazo determinado, nunca excedente a seis meses, segundo artigo 117 (prescrição da pretensão em um ano e seis meses – artigos 109, VI, c.c. 115, do C.P.);[48]
c) Medidas de obrigação de reparar o dano e de advertência: por serem as medidas socioeducativas menos restritivas, por analogia, no mesmo prazo que a de prestação de serviços à comunidade, caso fosse fixada em seu topo, ou seja, seis meses (prescrição da pretensão em um ano e seis meses – artigos 109, VI, c.c. 115, do C.P.);
d) Medidas protetivas: o prazo de seis meses, parâmetro ordinário de sancionamento no Estatuto para várias medidas, também por integração pela analogia (prescrição da pretensão em um ano e seis meses – artigos 109, VI, c.c. 115, do C.P.).
Estes os contornos gerais das propostas, considerando-se o tratamento diferenciado, posto que privilegiado, a ser dispensado às crianças e jovens infratores, a partir da análise dos temas entendidos como relevantes.
Diferentes questões e detalhes concernentes à prescrição deixam, assim, de ser abordados, visto que dispensáveis para a aferição da possibilidade de aplicação da prescrição aos processos socioeducativos, frente ao enunciado da súmula nº 338/S.T.J.
Dentre eles destacam-se as causas interruptivas da prescrição, as quais, ou não têm campo para aferição (e.g. interrupção pela pronúncia), ou são análogas à situações procedimentais e fáticas do processo infanto-juvenil, não denotando qualquer dificuldade.
Evidente que divergências poderão existir quanto às sugestões aqui postas. Talvez outras, ou até mesmo variações dessas, poderão ser imaginadas e também apresentadas.
Contudo, entende-se que ao se considerar a sistemática jurídica vigente, os princípios relacionados ao tema e, em especial, a abordagem dada, a utilização de outros critérios poderia escapar, ou apenas tangenciar, os objetivos estatutários, garantias constitucionais e a equivalência metodológica com o Direito Penal, impossível de ser desprezada e aferida.
CONCLUSÃO
Como visto, a aplicação do instituto da prescrição nos processos socioeducativos, reconhecida pelo enunciado da súmula nº 338 do Superior Tribunal de Justiça, é matéria que suscita dúvidas quanto à sua utilização, abrindo margem à arbitrariedade interpretativa de cada operador do Direito.
A apresentação de parâmetros práticos, dessa forma, pretende lançar a discussão do tema sem que seja ignorado o real âmbito de proteção em que inserido o cuidado infanto-juvenil, demonstrando que em verdade tal norma extintiva da punibilidade, na seara penal, está mais ligada, nos processos pela prática de atos infracionais, à perda do direito de reação estatal impositiva do que à perda da pretensão punitiva do Estado.
Sendo agente constitucionalmente responsabilizado pelo trato pedagógico das pessoas em desenvolvimento, não há que se falar em direito de punir, mas sim em dever de educar.
A prescrição, portanto, sob o olhar estatutário, mostra-se como direito fundamental limitador do agir estatal que, por circunstâncias legislativas e parâmetros legais únicos, utiliza-se de regramento penal favorável aos infantes.
Conclusão que deriva de uma observação axiológica e não meramente terminológica como poderia aparentar.
REFERÊNCIAS
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[1] CURY, Munir – Coordenador. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais. 7ª edição revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2.005, p. 16.
[2] “A infração penal, como gênero, no sistema jurídico nacional, das espécies crime ou delito e contravenção. Só pode ser atribuída, para efeito da respectiva pena, às pessoas imputáveis, que são, em regra, no Brasil, os maiores de 18 anos. A estes, quando incidirem em determinado preceito criminal ou contravencional, tem cabimento a respectiva sanção. Abaixo daquela idade, a conduta descrita como crime ou contravenção, só pela circunstância de sua idade, não constitui crime ou contravenção, mas, na linguagem do legislador, simples ato infracional.” (Napoleão X. do Amarante, In, CURY, Munir – Coordenador. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2.000, p. 325)
[3] Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas. (...)
[4] Artigo 2º, “caput”, da Lei Federal nº 8.69/90.
[5] Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.
[6] Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação em família substituta. Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.
[7] Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. (...)
[8] Conceição Mousnier, In, CURY, Munir – Coordenador. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2.000, p. 308.
[9] PEREIRA, Tânia da Silva – Coordenadora. O Melhor Interesse da Criança: um debate Interdisciplinar. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2.000, pp. 725 e 736.
[10] Napoleão X. do Amarante, In, CURY, Munir – Coordenador. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2.000, pp. 116-117.
[11] Conforme enunciado da Súmula nº 108 do Superior Tribunal de Justiça, o magistrado ainda é o aplicador natural das medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto. Enunciado da Súmula nº 108: “A aplicação de medidas sócio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é de competência exclusiva do Juiz.”
[12] “Na verdade, não existe diferença entre os conceitos de ato infracional e crime, pois, de qualquer forma, ambos são condutas contrárias ao Direito, situando-se na categoria de ato ilícito.” (LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1.997, p. 70). No mesmo sentido Paulo Lúcio Nogueira (in Estatuto da Criança e Adolescente, Editora Saraiva, 1.991, p. 121).
[13] “Tem caráter impositivo, porque a medida é aplicada, independentemente da vontade do infrator – com exceção daquelas aplicadas em sede de remição, que têm finalidade transacional. Além de impositiva, as medidas sócio-educativas têm cunho sancionatório, porque, com sua ação ou omissão, o infrator quebrou a regra de convivência dirigida a todos. E, por fim, ela pode ser considerada uma medida de natureza retributiva, na medida em que é uma resposta do Estado á prática do ato infracional praticado (cf. nosso Adolescente e Ato Infracional – Medida sócio-educativa é pena? São Paulo, Juarez de Oliveira, 2.003). In: LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora Malheiros, 7ª Edição revista e ampliada, 2.003, p. 101.
[14] “Os princípios estabelecidos pela teoria correcional deram origem à teoria socializadora, que, no século XX, ganhou vários adeptos, entre os quais Jiménes de Asúa, para quem o fim da pena deve ser a ressocialização do condenado, e, seu benefício e no da própria sociedade. Assim, com a teoria socializadora, a pena reforça os princípios correcionalistas e afasta de seu conteúdo o retribucionismo, passando a ser orientada racionalmente, com vistas à reintegração social do infrator.” (MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da Pena. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008, p. 149).
[15] Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.
(...) § 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; (...)
[16] Artigo 114, parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria. Dispositivo que é severamente criticado por aqueles que entendem ser norma contrária a preceitos constitucionais como o da presunção da não-culpabilidade e o do devido processo legal.
[17] Artigo 114, “caput”. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.
[18] AMARAL E SILVA, apud SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente e ato infracional – Garantias Processuais e Medidas Sócio-educativas. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 1.999.
[19] Artigo 27 do Código Penal: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”
[20] Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: I - condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal; II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares; III - responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais; IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; VI - intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida; VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente; VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada; IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente; X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta; XI - obrigatoriedade da informação: a criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei.
[21] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...) § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: (...) V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;(...)
[22] “Ora, o estabelecimento de uma suposta ‘causa de perda da pretensão socioeducativa’ - para ser mais coerente - seria contrário à proposta de proteção integral do adolescente, que, ainda, após decorrido o lapso prescricional previsto, poderia necessitar dos limites impostos pela medida que lhe foi aplicada.
Assim, por este primeiro móvel, não há que se falar em prescrição das medidas socioeducativas, porquanto incomparável a sua natureza jurídica com aquela constante das penas previstas nos Estatutos Penais, sendo nitidamente perceptível a diferença entre as suas finalidades.
Seguindo esta mesma linha de raciocínio, acrescente-se que a aplicação de uma medida socioeducativa, ao contrário de uma pena, não clama por uma limitação à possibilidade da atuação estatal concernente ao ius puniendi, eis que, justamente pela sua natureza educativa, por vezes revela-se eficiente e necessária, ainda que já transcorrido grande lapso temporal entre os fatos e a aplicação da medida, fazendo-se quase ilimitada (e não “imprescindível”) a atuação do Estado.” (SANTOS, Christiano Jorge; SALOMI, Maíra Beauchamp. A prescrição no estatuto da criança e do adolescente. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da PUC-SP. Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/red/article/view/5532/3962. Acesso em: 31 de maio de 2013.
[23] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da Criança e do Adolescente e Tutela Jurisdicional Diferenciada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.002, p. 83.
[24] PEREIRA, Tânia da Silva – Coordenadora. O Melhor Interesse da Criança: um debate Interdisciplinar. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2.000, p. 470.
[25] PEREIRA, Tânia da Silva – Coordenadora. O Melhor Interesse da Criança: um debate Interdisciplinar. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2.000, p. 472.
[26] FILOMENO, José Geraldo Brito; JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner; GONÇALVES, Renato Afonso. O Código Civil e sua Interdisciplinaridade – os reflexos do Código Civil nos demais ramos do Direito. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2.004, p. 09.
[27] Idem.
[28] Idem.
[29] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Lisboa: Editora Livraria Almedina, 1.999, p. 383.
[30] DELMANTO, Celso. et al. Código Penal Comentado. 3ª Edição. São Paulo: Editora Renovar, 2.002, p. 215.
[31] PRETTI, João Lucio. Prescrição Penal e o Princípio da Dignidade Humana. 2.004. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da – P.U.C. – S.P., 2.004, p. 47.
[32] MOREIRA, Dirceia. Os Direitos Individuais e as Garantias Processuais do Adolescente Infrator, e o procedimento de apuração de prática de ato infracional. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito - P.U.C. – S.P. pp. 150 – 151.
[33] Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil – Diretrizes de Riad – Doc. das Nações Unidas nº A/Conf. 157/24, parte I, 1.990.
[34] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Lisboa: Editora Livraria Almedina, 1.999, p. 385.
[35] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Lisboa: Editora Livraria Almedina, 1.999, p. 265.
[36] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Lisboa: Editora Livraria Almedina, 1.999, p. 267.
[37] Art. 5º. (...) XLII – a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (...) XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; (...)
[38] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Lisboa: Editora Livraria Almedina, 1.999, p. 1087.
[39] Idem.
[40] Art. 109 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.
Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: I - do dia em que o crime se consumou; II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.
Art. 114 - A prescrição da pena de multa ocorrerá: I - em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada; II - no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.
Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro. Parágrafo único - Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.
Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II - pela pronúncia; III - pela decisão confirmatória da pronúncia; IV - pela sentença condenatória recorrível; V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI - pela reincidência. § 1º - Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles. § 2º - Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção.
[41] Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.
Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos
[42] SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente cm conflito com a lei – da indiferença à proteção integral: Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 2ª edição revista e ampliada. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2.005, p. 103.
[43] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.002, p. 348.
[44] Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.
Art. 112 - No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional; II - do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.
[45] Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. (...) § 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
[46] Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
[47] Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. (...) § 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. (...)§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. (...)§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.
[48] Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
Procurador do Estado de São Paulo, Especialista em Direito Penal, Mestrando em Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANCO, Rafael Augusto Freire. Propostas de aplicação da prescrição em processos judiciais pela prática de ato infracional: o enunciado da Súmula Nº 338/STJ e a ausência de parâmetros apropriados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 set 2013, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36505/propostas-de-aplicacao-da-prescricao-em-processos-judiciais-pela-pratica-de-ato-infracional-o-enunciado-da-sumula-no-338-stj-e-a-ausencia-de-parametros-apropriados. Acesso em: 23 dez 2024.
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