1.CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
O presente artigo objetiva analisar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao comércio eletrônico, especialmente, no que diz respeito à internet. Tal forma contemporânea de estabelecer relações de comércio é de extrema relevância para a sociedade moderna, e, nesse sentido, impõe a necessidade de que o comércio tradicional seja repensado criticamente pelo de tratamento pelo Direito, no Código Civil.
Nessa esteira, serão abordados pontos importantes acerca dos contratos eletrônicos, enquanto negócios jurídicos realizados a partir de declarações de vontade autônomas, os quais são regidos, via de regra, pelas mesmas disposições que abordam as outras espécies de contratos existentes[1]. Observar-se-á, entretanto, a dificuldade de se delimitar com precisão o regime jurídico a ser aplicado nos casos que envolvem as peculiaridades desta modalidade de contratação.
É válido ressaltar que a identificação dos valores e interesses envolvidos na contratação eletrônica também se mostra ponto relevante quando da aplicação das cláusulas gerais previstas no Código Civil, como por exemplo a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, princípios fundamentais para a integração hermenêutica de quaisquer negócios jurídicos[2].
Diante da escassez de estudos sobre o tema, que está sendo posto em foco apenas recentemente, a proteção do consumidor face os contratos eletrônicos, ao princípio da vulnerabilidade, ao surgimento do atual Código de Defesa do Consumidor, à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao comércio eletrônico, ao princípio da boa-fé objetiva e ao Direito do Arrependimento, são assuntos extremamente importantes para os operadores do Direito.
Assim, conforme esclarecido alhures, o objetivo do trabalho é esclarecer questões referentes à aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao comércio eletrônico, considerando-o frente ao dinamismo da sociedade, a ideia de consumo eletrônico aparece como uma perspectiva promissora.
2.DA COMPREENSÃO HISTÓRICA ACERCA DO CÓDICO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Para uma melhor compreensão acerca do problema proposto faz-se necessário analisar, diante do aspecto histórico acerca das relações de consumo, o desenvolvimento deste instituto ao longo do tempo, bem como as características que foram alteradas e as que persistem.
Os primeiros resquícios da proteção ao consumidor remetem-se ao Código de Hamurabi, no qual havia um dispositivo que regulava a defesa dos indivíduos que compravam bens e serviços. Já no Antigo Egito, era possível perceber, de forma rudimentar, a competição existente entre os fabricantes de materiais usados para a pintura dos corpos, que procuravam obter uma maior qualidade dos produtos devido à exigência dos consumidores. Ainda nesse contexto, durante a Idade Média, já haviam preocupações sobre questões relativas à qualidade dos produtos, como por exemplo as espadas.
No entanto, a forma rudimentar de proteção ao consumidor não podia ser considerado um direito do consumidor propriamente dito. Apenas algum tempo depois, com a influência de movimentos sociais que ocorreram nos Estados Unidos contra a comercialização e comunicação em massa, surgiu o consumerismo que é atualmente denominado como tal.
A título de esclarecimento, o consumerismo surgiu na década de 1960 nos Estados Unidos, e foi considerado um movimento que objetivava garantir a qualidade dos produtos e serviços, apresentando-se de maneira contrária ao que se mostrasse prejudicial a tal questão. Esse movimento consistiu em uma base de forte e sólida de influência no modelo de direito do consumidor.
Após diversas experiências em relação à proteção da figura do consumidor, a ONU estabeleceu, através da Resolução n. 39/248, de 1985, o princípio da vulnerabilidade do consumidor. Diante disso, percebe-se que havia uma intensa tentativa de universalizar o direito à proteção do consumidor.
No Brasil, a ideia de consumo esteve presente desde o momento posterior à industrialização, ou seja, aproximadamente na década de 1930. A Lei n. 7.347/85, denominada Lei da Ação Civil Pública, que foi anterior à Constituição Federal de 1988, foi considerado o mais importante marco do direito do consumidor, posto que visava proteger os interesses difusos da sociedade brasileira. Cumpre ressaltar, ademais, que, paralelamente à citada lei, foi criado o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, o que reforça a preocupação já existente com o consumidor.
Com o advento da Constituição de 1988, o direito do consumidor restou consubstanciado expressamente no artigo 170, e está inserido no rol dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, conforme abaixo:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Após a inclusão da matéria na Constituição Federal e, face a preocupação do legislador em organizar os dispositivos legais acerca do tema de forma coerente em uma única lei, surgiu o que denominamos hoje de Código de Defesa do Consumidor. O Código é responsável por regular a relação de consumo no âmbito do território brasileiro, bem como objetiva estabelecer o equilíbrio das relações de consumo.
3. O PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE
O princípio da vulnerabilidade é considerado a base primordial para o sistema de proteção ao consumidor. Tal princípio está encartado no artigo 4, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, conforme segue:
Art. 4º: A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
Sobre isso, Luiz Antonio Rizatto Nunes nos fornece valiosos esclarecimentos:
O consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico. O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção não se está apenas referindo aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo que é produzido[3].
A figura do consumidor é limitada ao indivíduo que adquire um produto para consumo próprio ou de sua família. Tal concepção decorre da idéia fundamental estabelecida no Código de Defesa do Consumidor, qual seja proteger o polo mais vulnerável da sociedade, isto é, a parcela de indivíduos que realmente precisa de especial proteção, conforme se depreende do princípio da vulnerabilidade.
Cabe informar, ademais, que a vulnerabilidade pode se dar no plano jurídico, técnico ou fático, e alguns defendem, ainda, a possibilidade de ocorrência no plano informacional. Na vulnerabilidade técnica, o comprador encontra-se em situação de ser facilmente enganado em relação às questões que dizem respeito à utilidade e características do bem e dos serviços, pois não possui grande conhecimento acerca do objeto que está sendo adquirido por ele. Na vulnerabilidade jurídica, o consumidor encontra-se diante da ausência de conhecimentos jurídicos necessários, e pode-se compreende-la como uma vulnerabilidade presumida em relação ao consumidor não-profissional. Quanto à vulnerabilidade fática, esclarecemos abaixo:
[...] onde o ponto de concentração é outro parceiro contratual, o fornecedor que, por sua posição de monopólio, fático ou jurídico, por seu grande poder econômico ou em razão da essencialidade do serviço, impõe sua superioridade a todos que com ele contratam, por exemplo, quando um médico adquire um automóvel, através do sistema de consórcios, para poder atender suas consultas, e se submete às condições fixadas pela administradora de consórcios ou pelo próprio Estado[4].
E, por último, em relação à vulnerabilidade informacional, alguns autores defendem o entendimento de que trata-se de uma vulnerabilidade inerente ao papel de consumidor, posto que consiste em característica básica de todo consumidor a falta de conhecimentos específicos sobre determinados bens e serviços.
Esclarece-se, portanto, que a maioria dos autores defende a existência dessas quatro espécies de vulnerabilidade, e, alguns, defendem a existência somente das três primeiras espécies citadas ao longo o presente artigo. Entretanto, no trabalho em questão busca-se realizar uma análise acerca da existência do princípio da vulnerabilidade no âmbito eletrônico, uma vez que o contrato eletrônico passou a ser um dos meios mais utilizados pelos consumidores atuais.
Cabe ressaltar que o contrato eletrônico, isto é, realizado por meio da internet, minimiza as fronteiras geográficas existentes. Tal contrato normalmente não conta com a presença das pessoas físicas contratantes no momento de sua celebração, e, ademais, sua vantagem primordial é a interatividade e rapidez com que são formados.
Nesse sentido, o Direito encontra-se frente à novas demandas judiciais, especialmente no que diz respeito à proteção do consumidor, que, ainda no contrato por meio eletrônico, permanece sendo a parte vulnerável da relação jurídica.
Busca-se defender, nesta obra, que o Código do Consumidor abarca de modo limitado as relações de consumo virtuais, isto é, os contratos eletrônicos realizados por meio da Internet. É imperioso destacar que os consumidores virtuais possuem facilidade em relação à busca de conhecimentos sobre o objeto que almeja adquirir, no entanto, tal argumento não exclui a posição de vulnerabilidade do consumidor.
Ademais, defende-se que, quanto às peculiaridades dos contratos eletrônicos, o consumidor virtual deve ter suas normas regulamentadas. A própria Organização das Nações Unidas (ONU), através de sua Comissão para o Comércio Internacional, cuidou de elaborar alguns exemplos de normas que podem ser adotados pelos países-membros. No Brasil, já nos deparamos com algumas demandas judiciais no sentido de cobrar uma postura intervencionista do Estado, mas ainda discute-se o modo como se dará esta posição.
4. APLICABILIDADE DO CDC AO COMÉRCIO ELETRÔNICO
Se, por um lado, as transações à distância realizadas por meio eletrônico facilitam as relações de comércio para ambos os lados da relação, tanto comprador, quanto o vendedor, sob outro ângulo a economia digital representa, em certa medida, obstáculos no âmbito da defesa do consumidor e em matéria de jurisdição e aplicação das leis.
Ocorre que, ainda que a forma de transação comercial realizada no ambiente eletrônico, através de uma estrutura tecnológica, permita que a oferta e o contrato sejam feitos por transmissão e recepção de dados digitalizados, seja mais célere e, muitas vezes, mais conveniente para as partes na realização da atividade comercial, pode consubstanciar, no entanto, dificuldades de ordem prática e jurídica, especialmente no que tange à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
Cumpre destacar que, segundo Ricardo Luis Lorenzetti, “o contrato eletrônico caracteriza-se pelo meio empregado para celebrá-lo, cumpri-lo ou executá-lo, seja em uma ou nas três etapas de forma total ou parcial[5]”. Assim, o meio eletrônico pode causar consequências de diferentes formas para o contrato, de modo que será assim caracterizado o vínculo celebrado digitalmente, cumprido em meios digitais ou, ainda, aquele que utilizou a web como meio de execução das obrigações estabelecidas.
É indubitável, nesse sentido, que a modalidade de contratação aqui tratada possui um alto grau de insegurança jurídica, haja vista ao fato de que o ambiente eletrônico é acessível a quem quer que seja, não sendo possível o caráter da pretensão da transação. Ademais, este tipo de relação possui o elemento da imaterialidade, o que significa que é mais difícil a ciência da real situação do bem ou da legitimidade dos sítios que o expõem.
Nessa esteira, questiona-se acerca da seriedade e da confiabilidade desse tipo de relação. O Código de Proteção e de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/90) – acaba por tornar o contrato mais sinalagmático, representa uma maior segurança e estabilidade, já que é aplicável a esta modalidade de transação, ainda que “sendo necessário enfrentar os desafios impostos pelo comércio eletrônico, por meio da visualização, adaptação e aplicação das normas existentes às novidades advindas do consumo eletrônico[6]”.
Conclui-se, portanto, que mesmo que não haja uma proteção direta, portanto, é legítima a aplicação do que determina o CDC nas relações comerciais realizadas por meio eletrônico.
5. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA
O Código de Defesa do Consumidor, especialmente nos artigos 4, inciso III e 51, inciso IV, prevê expressamente o princípio da boa-fé como uma cláusula geral. Ponto relevante em relação a tal princípio é verificar se as peculiaridades do comércio eletrônico permitem a sua adequação ao princípio da boa-fé objetiva previsto no código supracitado.
Conforme já foi sustentado neste artigo, o comércio eletrônico conta com características próprias que o diferenciam do comércio tradicional, quais sejam: o caráter despersonalizado, desmaterializado, desterritorializado e atemporal dos contratos eletrônicos.
No entanto, já restou esclarecida a discussão acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor para as relações de comércio em geral, independentemente do meio utilizado. Por conseguinte, o princípio da boa-fé objetiva, por ser um princípio basilar do comércio tradicional, deve, também, ser aplicado ao comércio eletrônico.
6. DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO
A aplicabilidade das regras do CDC aos contratos eletrônicos depende das peculiaridades dos contratantes envolvidos: caso as partes envolvidas sejam caracterizadas como fornecedores e consumidores, incidirão as normas consumeristas. Assim, não é sem motivo que Newton De Lucca esclareceu que “aplicar-se-á total ou parcialmente o CDC às relações jurídicas, dependendo de serem ou não os sujeitos atuantes dessas relações fornecedores e consumidores. Identificados como tais, razão nenhuma existe para que a plena aplicação da legislação tutelar não lhes seja aplicada[7]”.
Entretanto, devido à complexidade que da contratação eletrônica, nem sempre é possível definir compreender com segurança e clareza como deverão ser aplicadas tais regras. Ante isto, muito se diverge a respeito da aplicabilidade da cláusula de arrependimento, prevista no art. 49 do CDC[8], aos contratos eletrônicos.
As compras realizadas por meio da Internet são marcadas pelas mesmas qualidades das transações feitas a partir de catálogos ou de quaisquer outros meios semelhantes. Nesse sentido, não são incomuns as situações nas quais o bem adquirido não corresponde à expectativa gerada no momento da oferta. Logo, a princípio, seria perfeitamente cabível o exercício do direito de arrependimento do consumidor que contrata eletronicamente.
As divergências de entendimentos ocorrem devido às diversas interpretações que se poder dar ao conceito de localização do estabelecimento comercial. A doutrina majoritária[9] entende que as contratações feitas através da internet, por exemplo, podem ser equiparadas às transações feitas fora de estabelecimento comercial e, portanto, o consumidor que adquire um produto na web poderia, no prazo de 07 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, desistir do contrato.
A jurisprudência dominante também segue o entendimento já citado no sentido de reconhecer a possibilidade de exercício do arrependimento. Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA PELA INTERNET. LOJA VIRTUAL. ESPECIFICAÇÃO DO PRODUTO QUE NÃO O ADEQUADO AO CONSUMIDOR. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. ART. 49 C.D.C. DEMORA INJUSTIFICADA DE RESSARCIMENTO DO VALOR PAGO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. CARÁTER PUNITIVO E PEDAGÓGICO. Nas compras realizas fora do estabelecimento comercial da fornecedora de produtos, é conferido ao consumidor o direito de arrependimento, vez que o consumidor não tem a certeza de que está adquirindo um produto com as especificações e dimensões necessárias ao seu uso. A compra e venda utilizando a internet apresenta-se como uma realidade nos dias atuais, de modo a impor ao fornecedor a modernização e eficiência adequada para o cumprimento de sua obrigação. A situação privilegiada que estes se encontram, vez que apenas enviam os produtos comprados com o pagamento prévio do preço pelo consumidor, deve ser acompanhada de um dever de realizar a pronta restituição do valor pago quando da não concretização do negócio. A demora de meses para a devolução do valor despendido gera dano moral, que deve compreender um caráter punitivo-pedagógico.
Em que pese o considerável espaço ocupado pelos adeptos deste entendimento na doutrina e na jurisprudência, Fabio Ulhoa Coelho defende uma forma mais restrita de aplicabilidade do art. 49 CDC aos contratos firmados na web. Para ele, “não há direito de arrependimento se o consumidor puder ter, por meio da internet, rigorosamente as mesmas informações sobre o produto ou serviço que teria se o ato de consumo fosse praticado no ambiente físico e não no virtual[10]”.
Com a devida vênia, defende-se que a solução esposada pelo ilustre autor é inadequada.
Seria bastante questionável a possibilidade de se analisar quais informações seriam apreensíveis pelo comprador na hipótese da venda ter sido feita no ambiente físico. Além disso, a solução dada por Coelho é um tanto quanto inconsistente, na medida em que o autor considera apenas a existência das informações prestadas, não levando a cognoscibilidade destas.
Portanto, o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho não é considerado aplicável às hipóteses em que, a despeito da existência das informações tidas como “suficientes”, foi depositada no consumidor uma confiança em sentido contrário. Nesses casos, se o produto entregue pelo fornecedor apresentar características diversas daquelas apreendidas pelo consumidor a partir das informações do entedereço eletrônico, poderia ser possível – dependendo das circunstâncias do caso concreto – compreender-se que o fornecedor atuou em contradição com o seu comportamento anterior, o que configuraria o exercício do direito de arrependimento, em face do princípio da boa-fé objetiva.
Assim, sem embargos das respeitosas opiniões esposadas, defende-se que a aplicabilidade do art. 49 do CDC aos contratos celebrados eletronicamente dependerá, em síntese, da análise: (i) das características da oferta que ensejou a contratação e (ii) da legítima confiança depositada no adquirente ao serem prestadas essas informações.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todo o exposto, conclui-se que a tarefa hermenêutica que permeia a contratação eletrônica é distinta daquela comumente adotada na teoria geral dos contratos.
Com efeito, a evidente desproporção estabelecida entre as partes em um contrato – no caso, os contratos de consumo firmados na web – e as dificuldades inerentes à linguagem técnica utilizada pode levar à inseguranças capazes de desestimular a contratação por meio digital.
Nesse sentido, face o objetivo fundamental do direito, que é a estabilização das expectativas envolvidas nas transações eletrônicas, necessita-se de uma pacificação doutrinária e jurisprudencial acerca do tema. Contudo, o caminho para alcançar a estabilidade e segurança dessas relações, conforme já sustentado anteriormente, consiste na necessária regulamentação de normas relacionadas ao comércio eletrônico.
A atividade hermenêutica no âmbito dos contratos eletrônicos deve estar relacionar-se às suas peculiaridades e à proteção da confiança e da dignidade dos agentes envolvidos na contratação, o que, enseja a aplicação das cláusulas gerais de boa-fé objetiva e função social dos contratos.
Posto isto, pode-se concluir, por fim, que a modalidade contratual eletrônica, por ser reinventada a todo tempo em função do avanço tecnológico, deve ser visto como um campo fértil para se discutir distintos posicionamentos. Tal assunto promete adquirir cada vez mais espaço nos debates de direito civil contemporâneo.
8.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LORENZETTI, Ricardo Luís. A dogmática do contrato eletrônico. In: Direito & Internet – Aspectos Jurídicos Relevantes (Vol.II) – São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2008.
DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática – São Paulo: Saraiva, 2003.
COSTA, Judith-Martins. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional – 1ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: Direito Material (arts. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000.
__________________________. Curso de Direito do Consumidor. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima Marques, BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 2ª Edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MARQUES, Claudia Lima. Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v. 33, 2000.
_______________________. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor (um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004
[1] Ricardo Luis Lorenzetti esclarece que “o princípio jurídico aplicável [aos contratos eletrônicos] é o de ‘não discriminação’, ou seja, têm vigência as regras gerais que se possam invocar tão-só a presença do meio digital para descarta-las” (LORENZETTI, Ricardo Luis. A dogmática do contrato eletrônico. In: Direito & Internet – Aspectos Jurídicos Relevantes (Vol.II) – São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2008, p. 553). No mesmo sentido, adverte o Professor Newton de Lucca que os contratos eletrônicos não constituem uma modalidade de contratação autônoma e, por isso, não ensejam a criação de princípios jurídicos próprios. Dessa forma, “não que se cogitar da natureza específica, mas sim apenas de seu enquadramento nas categorias jurídicas já conhecidas (DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática – São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 40/41).
[2] Nesse sentido, Judith Martins-Costa preleciona que, tradicionalmente, a boa-fé objetiva assume três funções, quais sejam, a de cânone hermenêutico-integrativo do contrato, a de norma de criação de deveres jurídicos e a de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos. (COSTA, Judith-Martins. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional – 1Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 427).
[3] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: Direito Material (arts. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000.
[4] BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima Marques, BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 2ª Edição, Editora: Revista dos Tribunais, 2009, pg. 75.
[5] LORENZETTI, op. cit., p. 551.
[6] MARQUES, Claudia Lima. Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v. 33, 2000, p.. 152
[7] DE LUCCA, op. cit, p. 109.
[8] Art. 49 - O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 07 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
[9] Nesse sentido posicionam-se Manoel J. Pereira dos Santos, Mariza Delapieve Rossi, Newton de Lucca e Cláudia Lima Marques.
[10] Direitos do consumidor no comércio eletrônico. Disponível em <http://www.ulhoacoelho.com.br/site/pt/artigos/doutrina/54-direitos-do-consumidor-no-comercio-eletronico.html>
Estudante de Direito da Universidade de Brasília (UnB), aprovada no segundo vestibular de 2010, cursando no momento o sétimo semestre (abril de 2013).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Bruna Athayde. A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao comércio eletrônico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 set 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36525/a-aplicabilidade-do-codigo-de-defesa-do-consumidor-ao-comercio-eletronico. Acesso em: 23 dez 2024.
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