Introdução
Primeiramente, cumpre invocar o contexto social que ensejou o advento dos ditos contratos eletrônicos. O século XXI trouxe mudanças significativas, principalmente quanto ao surgimento de novas ciências, o que proporcionou, também, modificações na sociedade e na interpretação dos direitos. Assim, do mesmo modo que o desenvolvimento tecnológico e a globalização revolucionaram a forma como o ser humano mantém as relações sociais, também revolucionaram o modo como o Direito se relaciona com o homem.
Partindo-se desse pensamento e ao observar os acontecimentos do mundo jurídico pós-globalização, podem ser verificadas amplas mudanças nas concepções das áreas tradicionais – como exemplo a possibilidade da união homoafetiva, que transformou consideravelmente a concepção constitucional de família -, como também a criação de novos campos jurídicos.
Destarte, um desses novos campos – o dos contratos eletrônicos – é o objeto do presente trabalho. Com o advento da globalização e o fácil acesso à internet, o mundo comercial passou a realizar contratos com objetos novos – no caso dos contratos informáticos - e mediante um novo meio de exteriorização da vontade – no caso dos contratos telemáticos.
Acerca do assunto, insta transcrever as lições de Ettore Giannantonio:
“o computador pode ter relevância no campo da autonomia privada sob vários aspectos: pode constituir objeto do contrato, meio de circulação do direito de crédito, meio de conclusão do contrato ou de adimplemento de obrigação, fonte de responsabilidade contratual ou extracontratual.”[1]
Em que pese essas novas modalidades contratuais, é certo que, devido aos baixos custos de manutenção dos sítios eletrônicos em comparação com os de uma loja física e ao alto valor agregado que um objeto informático detém, as grandes empresas trataram de investir fortemente no setor, fator determinante para o seu desenvolvimento.
Apesar de não ser o objetivo primordial deste trabalho, são vários os tópicos que emergiram com esse novo meio de contratação que devem ser analisados e regulamentados pela ciência jurídica.
Considerações acerca da cibernética
Considerando-se ser o Direito indissociável da sociedade em que é vigente, faz-se necessário que este acompanhe os avanços tecnológicos e as novas relações contratuais daí advindas. A comunicação informacional, assim, não deve ser desconsiderada por apresentar peculiaridades, mas sim observada por uma nova óptica inclusiva. Conforme entendimento de Norbert Wiener, em sua obra Cibernética e Sociedade, a lei seria algo como um
[...] controle ético aplicado à comunicação e à linguagem enquanto forma de comunicação, especialmente quando tal aspecto normativo esteja sob o mando de alguma autoridade suficientemente poderosa para dar às suas decisões o caráter de sanção social efetiva[2].
Aliás, é interessante acrescentar que os estudos de Wiener, datados da década de 1940, influenciaram consideravelmente diversos campos científicos, como exemplo a antropologia. Tem-se, assim, a cibernética como resultado de um processo de reinvenção cultural, e o ciberespaço como uma alusão de uma nova ordem do real, capaz de reinventar o sistema antigo de interpretação da realidade sob novas formas.
Destarte, um dos principais produtos que a cibernética transmitiu à cibercultura – a qual será tratada adiante – foi a visão de que os seres vivos e as máquinas não são essencialmente diferentes. A manifestação dessa visão é facilmente observada na tecnologia da informação, robótica, nanotecnologia e biotecnologia. São categorias em que tanto o organismo quanto a máquina dependem da manipulação de códigos que determinam o seu funcionamento– códigos-fonte, no caso de softwares e código genético no caso de seres vivos.
Com relação à cibercultura, trata-se de um consenso social acerca de novas significações advindas do paradigma informacional. Assim, há o surgimento de uma vasta amplitude de termos, bem como a mudança da conotação de termos existentes que concebem significados totalmente novos quando comparados à sua antiga conjuntura. Nesse sentido, assevera-se uma nova projeção do sistema interpretativo da realidade vigente – a qual, vale dizer, é bastante díspar de qualquer contexto social anterior –, que se apresenta como uma resposta da cultura na criação de uma nova ordem.
A cibernética e o Direito
Após as breves colocações acerca da cibernética, cabe dissertar sobre a atuação do Direito nesse campo. O jurista Mario Losano realiza satisfatório esclarecimento relativo ao objetivo da informática jurídica e sua história:
A informática jurídica estuda a aplicação dos computadores eletrônicos ao direito, unida aos pressupostos e consequências desta aplicação. A história de tal disciplina está rigorosamente conexa à evolução tecnológica da informática e, portanto, a informática jurídica inicia com a difusão dos computadores eletrônicos na sociedade civil após a segunda guerra mundial. Convencionou-se fazer coincidir sua origem com a obra do estadunidense Lee Loevinger (1949). Dos EUA, a disciplina chega à Europa por volta da metade dos anos 60: como símbolo dessa passagem pode-se tomar o Congresso Mundial de Juízes, realizado em Genebra, de 9 a 15 de julho de 1967, preparado com a difusão do breve texto Law Research by Computer, de agosto de 1966[3].
Em sua obra Lições de Informática Jurídica, de 1974, Losano cunhou o termo juscibernética e classificou a sua aplicação ao Direito em quatro temas, quais sejam: i) o estudo da inter-relação entre as normas jurídicas e o sistema social, conforme um modelo cibernético; ii) a concepção do direito como um sistema auto-regulador, de modo que o foco não seja o das relações externas, mas sim as internas – que ligam entre si as partes do sistema; iii) a aplicação da lógica e outras técnicas de formalização ao Direito; iv) as técnicas para utilização do computador no setor jurídico – salienta-se que a passagem para a aplicação prática traz grandes problemas, pois pressupõe-se a existência de noções jurídicas e técnicas. Dessa forma, conforme explica Newton De Lucca, “o setor de tratamento das normas jurídicas como informações é o setor interdisciplinar que marca a fronteira entre a Juscibernética e a tecnologia de computadores”[4]. De acordo com o renomado autor, a terminologia juscibernética compreende as abordagens teóricas, enquanto que a terminologia informática jurídica compreende as abordagens empíricas.
Outro entendimento sobre informática jurídica que merece ser mencionado é o de Celso Ribeiro Bastos e André Ramos Tavares, na obra Revolução Tecnológica e Direito Artificial:
Pode-se afirmar que a Informática Jurídica é a parte da ciência jurídica que estuda as possibilidades e limitações da aplicação da informática ao Direito. A Informática Jurídica pode ser dividida, cronologicamente, em três etapas evolutivas. Trata-se de uma disciplina que tem início com a informática documental. Nesta fase, floresceram os bancos de dados jurídicos, que possibilitam a ordenação da informação e sua posterior recuperação. A informática jurídica, contudo, toma fôlego com a informática de gestão, em que são criados sistemas que permitem controle de processos, tratamento de textos, geração automática de documentos e decisões rotineiras, mas sempre como auxiliar (dinamizador) da decisão humana, sem substituí-la. A última e derradeira etapa aparece com a denominada informática jurídica decisória. Situa-se, nesta última fase, a elaboração e criação de sistemas capazes de produzirem decisões por si mesmos. (...) O produto final da aplicação da informática jurídica poder-se-ia designar por Direito Artificial, em contraposição à toda fórmula jurídica criada naturalmente, vale dizer, pelo Homem, e não pela máquina. Note-se: tais sistemas estariam capacitados não apenas a oferecerem decisões administrativas, mas também judiciais e até legislativas, concentrando-se aqui a maior polêmica dentre todas polêmicas que o tema inequivocamente suscita[5].
A ideia dos autores é a de que a informática, aplicada ao Direito, foi capaz de automatizar diversas rotinas, além de possibilitar um elevado grau de organização ao sistema jurídico. Não se pode, contudo, remover completamente o caráter humano de determinadas searas, como os critérios de julgamento, por exemplo, visto a inequívoca subjetividade do homem.
Outra terminologia comumente apresentada e, vale dizer, de difícil determinação jurídica é o ciberespaço, o dito espaço cibernético ou espaço virtual. William Gibson, em Neuromancer, traz interessante acepção à imagem do ciberespaço, quando o aponta como
uma alucinação consensual vivida diariamente por bilhões […] Uma representação gráfica dos dados abstraídos dos bancos de dados de cada computador no sistema humano. Complexidade inimaginável. Linhas de luz enfileiradas no não-espaço da mente, agregados e constelações de dados. Como luzes da cidade, retrocedendo…[6]
Trata-se de um espaço obviamente diverso do físico, facilmente passível de modificação – haja vista a possibilidade de redefinição de seus códigos –, autônomo – no sentido de funcionar de acordo com suas próprias regras – e inassimilável a um espaço real.
Os contratos informáticos
Ante os apontamentos realizados anteriormente, passa-se, agora, a discorrer acerca dos ditos contratos informáticos, isto é, aqueles que, segundo De Lucca, têm por objeto bens e/ou serviços de informática. Deve-se ter em mente que os contratos informáticos dão ensejo não só ao modelo de contrato complexo, mas a vários contratos com diferentes objetos e características, isto é, um complexo de contratos. Tal ocorre em virtude de determinadas situações que exigem a criação de contratos secundários vinculados ao principal.
Desse modo, segundo a doutrina francesa, seria necessário a obtenção de uma tipologia eficaz desse tipo de contrato, com critérios simples de definição; são eles: o tempo, a natureza da prestação, o local da prestação do objeto informático e o volume e tamanho deste último[7].
Em relação ao tempo, importa distinguir as operações principais das operações complementares. Entende-se por complementar o contrato que não existiria sem o principal – como exemplo o contrato de manutenção do computador em relação ao contrato de venda do mesmo. A importância dessa dicotomia está na possibilidade de diferenciação dos tipos de serviços que possam ser prestados, bem como para caracterizá-los adequadamente na elaboração do contrato.
Ressalta-se que se devem observar os casos em que o prestador do serviço é diverso do fornecedor do computador. Assim, se se trata de mesmo fornecedor e prestador de serviço, há a figura da coligação contratual. Do ponto de vista do consumidor, tal acarreta em um benefício, posto que proporciona maior homogeneidade e menor fragmentação dos seus direitos. Acrescenta-se, também, que o contrato informático pode estar superposto a um contrato telemático, que, sinteticamente é aquele que tem o computador e uma rede de comunicação como suportes básicos para sua celebração. É o que ocorre, por exemplo, na situação da aquisição de um computador por intermédio da internet.
No que tange à natureza da prestação, cabe diferenciar os equipamentos informáticos – hardware – dos programas de computador – software. Enquanto estes são as diferentes espécies de programas que se destinam a realizar funções determinadas, os equipamentos informáticos são os próprios objetos destinados à atividade informática.
Nesse tópico, há de se apontar que um programa de computador pode i) ser especialmente elaborado em vias de suprir necessidades específicas do solicitante; ii) ser fornecido ao mercado em geral, situação em que é comumente denominado de software de prateleira.
No tocante à tributação, destaca-se a importância de se saber se as operações envolvendo programas de computador possuem fim específico para atender à determinada necessidade do usuário ou se estão colocados à disposição para qualquer um. Na primeira hipótese, incide o ISS sobre a comercialização do programa de computador, na segunda, incide o ICMS.
Portanto, em relação ao software, há a dificuldade em se saber se este se inclui na categoria de mercadoria, bem móvel objeto de negociação ou na de serviço. A incidência do ISS no licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação – softwares – encontra-se prevista na Lei Complementar 116/2003, a qual segue abaixo:
Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
1 – Serviços de informática e congêneres.
1.01 – Análise e desenvolvimento de sistemas.
1.02 – Programação.
1.03 – Processamento de dados e congêneres.
1.04 – Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos.
1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
1.06 – Assessoria e consultoria em informática.
1.07 – Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados.
Nesse sentido, a Lei Complementar 116/2003 entende o software como prestação de serviço puro e simples, uma vez que esta não faz ressalvas. A título de complementaridade, há vantagem da tributação do ISS em contrapartida ao ICMS, vez que a alíquota daquele é consideravelmente menor do que a deste – a do ISS possui valor máximo de 5%, enquanto que a do ICMS possui valor de 18%. Abaixo, algumas ementas que demonstram a dita incidência tributária.
TRIBUTÁRIO. FORNECIMENTO DE PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE).CONTRATO DE CESSÃO DE USO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PERSONALIZADOS. ISS. INCIDÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. TERRITORIALIDADE. SÚMULA 283/STF.83283
1. Discute-se nos autos a incidência do ISS sobre a obtenção, junto a empresas estrangeiras, de licença não exclusiva, pessoal, intransferível e não sublicenciável de uso de programa de computador para planejamento de redes de telecomunicações celulares. 2. Uma vez destacado pelo acórdão recorrido tratar-se de programa desenvolvido de forma personalizada, aplica-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que os programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS. 3. No quesito da territorialidade, a recorrente não impugnou o fundamento de que o ISS não incidiria sobre a elaboração do programa, serviço proveniente do exterior, mas, sim, sobre a cessão de seu direito de uso, que ocorreria em território brasileiro, o que faz incidir, na espécie, o enunciado 283 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido.
(32547 PR 2011/0101397-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 20/10/2011, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/10/2011) (Grifou-se)
TRIBUTÁRIO. OPERAÇÕES DE VENDA DE PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARES). INCIDÊNCIA DO ICMS.
"1. Esta Corte e o STF posicionaram-se quanto às fitas de vídeo e aos programas de computadores, diante dos itens 22 e 24 da Lista de Serviços. 2. Os programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS. 3. Diferentemente, se o programa é criado e vendido de forma impessoal para clientes que os compra como uma mercadoria qualquer, esta venda é gravada com o ICMS." Consectariamente, como no caso sub examine, as operações envolvendo a exploração econômica de programas de computador, quando feitos em larga escala e de modo uniforme, são consideradas operações de compra e venda, sujeitando-se, consectariamente, à tributação pelo ICMS (RESP 123.022-RS, DJ de 27.10.1997, Rel. Min. José Delgado; RESP 216.967-SP, DJ de 22.04.2002, Rel. Min. Eliana Calmon; ROMS 5.934-RJ, DJ de 01.04.1996, Rel. Min. Hélio Mosimann). 2. Deveras, raciocínio inverso negaria vigência ao CTN que determina a preservação, no direito tributário, da natureza jurídica dos institutos civis e comerciais, com só ser a compra e venda, mercê de descaracterizar a interpretação econômica, de suma importância para a aferição das hipóteses de incidência tributárias.3. É que "A produção em massa de programas e a revenda de exemplares da obra intelectual por terceiros que não detêm os direitos autorais que neles se materializam não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias." 4. Recurso Especial desprovido.
(REsp 633.405/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24.11.2004, DJ 13.12.2004 p. 241) (Grifou-se)
TRIBUTÁRIO. ICMS. ISS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE). CIRCULAÇAO.
1. Se as operações envolvendo a exploração econômica de programa de computador são realizadas mediante a outorga de contratos de cessão ou licença de uso de determinado "software" fornecido pelo autor ou detentor dos direitos sobre o mesmo, com fim especifico e para atender a determinada necessidade do usuário, tem-se caracterizado o fenômeno tributário denominado prestação de serviços, portanto, sujeito ao pagamento do ISS (item 24, da lista de serviços, anexo ao dl 406/68). 2. Se, porém, tais programas de computação são feitos em larga escala e de maneira uniforme, isto é, não se destinando ao atendimento de determinadas necessidades do usuário a que para tanto foram criados, sendo colocados no mercado para aquisição por qualquer um do povo, passam a ser considerados mercadorias que circulam, gerando vários tipos de negócio jurídico (compra e venda, troca, cessão, empréstimo, locação, etc), sujeitando-se portanto, ao ICMS. 3. Definido no acórdão de segundo grau que os programas de computação explorados pelas empresas recorrentes são uniformes, a exemplo do "Word 6, Windows", etc., e colocados à disposição do mercado, pelo que podem ser adquiridos por qualquer pessoa, não é possível, em sede de mandado de segurança, a rediscussão dessa temática, por ter sido ela assentada com base no exame das provas discutidas nos autos. 4. Recurso Especial improvido. Confirmação do acórdão hostilizado para reconhecer, no caso, a legitimidade da cobrança do ICMS. (REsp 123.022/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 14.08.1997, DJ 27.10.1997 p. 54729) (Grifou-se).
Assevera-se, assim, que é unificada a jurisprudência com relação à incidência de ICMS ou ISS nos softwares de prateleira e nos softwares feitos sob encomenda, respectivamente.
Com relação ao download de softwares, ainda não há entendimento jurisprudencial totalmente unificado. Entretanto, o STF já esclareceu que o fato de existir download não descaracteriza o aspecto tributário da operação. Assim, na ADI 1.945, o Supremo autorizou o Estado do Mato Grosso a cobrar ICMS sobre softwares comercializados por meio de download. Ou seja, entendeu o STF que o fato de o software não estar disponível em meio físico não o descaracteriza como mercadoria, e consequentemente, este admite tributação pelo ICMS.
Aplicação do ordenamento jurídico brasileiro aos contratos informáticos
Aos contratos informáticos são aplicáveis os dispositivos constantes no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, bem como os dispositivos constantes na Carta Magna. Tal se dá tendo em vista que se trata de verdadeira relação de consumo, vale dizer, com desigualdade de condições entre adquirente e fornecedor.
Entretanto, há de se salientar que essa modalidade não constitui uma modalidade de contratação autônoma, o que impede a criação de princípios jurídicos próprios. Assim, de acordo com De Lucca, “não há que cogitar uma natureza jurídica específica, mas sim apenas o seu enquadramento nas categorias jurídicas já conhecidas”[8]. Resta saber, contudo, se as categorias já existentes estão aptas a suprir as necessidades que esse tipo de contratação demanda.
Nesse sentido, Miguel Angel Davara Rodríguez aponta:
Pensar que isso se resolva com a aplicação do princípio da autonomia da vontade dos contratantes, acolhido no art. 1.255 do Código Civil, seria uma solução muito simplista pois, ainda que certamente tenha sido assim na maior parte da contratação informática até agora levada a cabo, também é certo existir um grande despreparo para evitar-se o predomínio de uma das partes sobre a outra[9].
Para ele, o desconhecimento da informática pelo usuário, bem como a ausência de legislação específica que regule essa modalidade contratual, acarretam na efetivação do contrato às cegas, o que aumenta a desigualdade entre fornecedor adquirente.
Darío Bergel entende que, embora não haja questionamento no sentido de se criar uma categoria doutrinária específica para essa modalidade, os contratos informáticos, em geral, não se apresentam como esquemas puros, compreendendo contratações de variada natureza. O autor conclui que a elaboração de um sistema não se esgota em uma mera locação ou em uma compra e venda[10] e que costuma haver uma clara relação de hiper e hipossuficiência entre os contratantes. A inclusão de cláusulas abusivas nos contratos informáticos se deve a basicamente dois pontos: i) disparidade econômica e negocial das partes; ii) maior domínio técnico do fornecedor em relação ao adquirente.
As características do contrato informático
Giusella Finocchiaro traça um breve quadro relacionado aos problemas caracterizadores dos contratos informáticos. Assim, o quadro estaria exposto da seguinte forma: das condições gerais dos contratos; da avaliação do dano causado pelo inadimplemento contratual e seu ressarcimento; das questões relacionadas ao software; da coligação negocial; da importância da aplicação dos usos e costumes; e do problema da qualificação jurídica do contrato.
Em relação à primeira característica, é notável o uso de contratos de adesão nesse meio, certo que existem exigências de padronização e de rapidez nesses negócios. As cláusulas constantes nesses contratos são caracterizadas pelo seu preestabelecimento, unilateralidade da estipulação, uniformidade, rigidez e abstração.
Além disso, para um consumidor que não é especialista no assunto, o que é bastante comum, diga-se de passagem, a linguagem impõe entraves no momento de decidir o objeto do contrato de maneira a suprir suas necessidades. Destarte, o consumidor se vê envolvido nas informações e nos esclarecimentos prestados pelo próprio fornecedor, que seguramente é interessado na realização de um contrato que o beneficie.
Em verdade, a questão é agravada com a manutenção da relação mesmo após a aquisição do objeto do contrato, posto que a relação entre o adquirente e o fornecedor costuma se perpetuar além do momento do adimplemento contratual previsto. Dessa maneira, evidencia-se ainda mais a necessidade de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor nessa modalidade contratual.
Quanto aos danos informáticos, é necessário distinguir os danos diretos dos danos indiretos. Os primeiros são aqueles ocorridos com o próprio sistema informático, como um defeito de fabricação do disco rígido, por exemplo; em contrapartida, os danos indiretos são os decorrentes da utilização do sistema informático e da não-satisfação dos resultados esperados por parte do adquirente desse sistema[11]. Nitidamente, os danos indiretos acarretam maiores complicações no estabelecimento de indenização do que os danos diretos.
Nesse mesmo contexto, Ramón Daniel Pizarro destaca oito dados acerca da dita fragilidade do adquirente – ou usuário – em face das empresas fornecedoras de bens e/ou serviços informáticos[12]: i) Complexidade técnica dos produtos e dos serviços oferecidos; ii) Abundância de bens informáticos que satisfazem necessidades similares; iii) Existência de uma oferta oligopolística dos principais produtos e serviços informáticos; iv) Desenvolvimento de vendas e prestação de serviços sem debate pré-contratual ou informação insuficiente durante a etapa negocial; v) Implementação de contratos por adesão a condições gerais que determinam, de forma minuciosa, o conteúdo negocial; vi) Implementação, também por adesão a condições gerais, do crédito para financiamento, outorgado pelo próprio vendedor ou por entidade financeira, que acaba vinculando a vontade do adquirente ao fornecedor; vii) Inferioridade de conhecimento do cliente – que costuma ser leigo no assunto – e do fornecedor – especialista; viii) Existência de uma situação de fato entre profissional e cliente capaz de gerar neste último uma expectativa de confiança.
Diante do exposto, mais uma vez assevera-se que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor é imprescindível nos contratos informáticos.
A comercialização de programa de computador (software)
Neste tópico, cabe realizar um esclarecimento acerca do objetivo da comercialização dos programas de computador. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, a finalidade é a de realizar a
transmissão de um conjunto organizado de instruções indispensáveis ao tratamento eletrônico de informações, em linguagem natural ou codificada. Os direitos de seu criador são tutelados pelo direito autoral, não se confundindo com os direitos do inventor, regidos pela propriedade industrial[13].
Luiz Olavo Baptista, em 1983, foi um dos primeiros a suscitar a polêmica questão acerca do enquadramento dos programas de computador, o qual poderia constar tanto no âmbito do direito industrial, quanto no âmbito do direito autoral.
Atualmente, o entendimento vigorante é o de que o regime de proteção da propriedade intelectual do programa de computador seria o mesmo outorgado às obras literárias, artísticas ou científicas. Dessa forma, assevera-se que o software encontra-se amparado pelo Direito Autoral.
No aspecto infraconstitucional, presentemente vige no ordenamento a Lei n. 9.610 de 1998, que, a partir dos aspectos do direito autoral, dispõe sobre a proteção do programa de computador e das demais criações do mundo informático. Dispõe o inciso XII do art. 7?:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
XII - os programas de computador
Destarte, são aplicáveis a Lei n. 9.609 – com relação aos textos e imagens produzidos por seu autor – e a Lei n. 9.610 – no que tange ao programa que põe em funcionamento aqueles produtos – , ambas as leis de 1998.
Ainda sobre o âmbito protecional, é interessante realizar a colocação de que o direito autoral apresenta a peculiaridade de ser composto por um direito patrimonial do autor sobre sua obra e pelo interesse coletivo no seu desfruto. São dois direitos: um direito moral do autor e um direito patrimonial relacionado à obra.
Considerações acerca dos contratos telemáticos
Conforme apontado anteriormente, contrato telemático é aquele negócio jurídico bilateral que tem o computador e uma rede de comunicação como suportes básicos para sua celebração[14], isto é, a aplicação das telecomunicações à informática.
Newton de Lucca menciona amplamente a polêmica discussão das categorias de contratação entre ausentes e presentes. Entretanto, ao final, o autor assevera que tal classificação é desnecessária do ponto de vista pragmático, conforme o trecho que segue “Conclui-se, de todo o exposto, que não se pode tratar das características da contratação telemática com os mesmos esquemas mentais existentes na tradição jurídica doutrinária, sob pena de incidirmos em discussões absolutamente inúteis”[15].
Deste modo, vale notar que o Código Civil não estabelece nenhum impedimento à formação do contrato via eletrônica, excetuados aqueles casos que necessitam de forma solene para a atribuição de validade e eficácia ao negócio jurídico. Ademais, restando evidenciada a relação de consumo, não existe motivo para que o Código de Defesa do Consumidor não seja aplicado nos contratos telemáticos. Cabe, aqui, a ressalva de que, embora haja a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, não se pode afirmar absolutamente que ela seja legislação suficiente.
O contexto social em que os contratos telemáticos aparecem, a despeito dos evidentes avanços e benefícios, traz consigo alguns aspectos negativos que serão tratados a seguir. Nesse sentido, nessa modalidade contratual há necessidade de disponibilização dos dados pessoais do usuário com a finalidade de obter a confirmação de que o usuário que declarou a vontade de celebrar o contrato é a pessoa que ele se diz ser.
Dessa forma, a base de dados pessoais dos usuários dentro da empresa prestadora de serviço fica disponível a um grande número de funcionários, o que tem gerado complicações no que se refere à privacidade dos dados cadastrais e ao sigilo de informações pessoais. Além disso, há empresas que vendem os dados constantes em seu banco, o que acarreta em um aumento do problema que pode violar tanto a privacidade quanto a intimidade do indivíduo.
Nesse ínterim, faz-se imprescindível citar a Portaria nº5 de 2002, editada pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que afirma:
Art. 1º Considerar abusiva, nos contratos de fornecimento de produtos e serviços, a cláusula que:
I - autorize o envio do nome do consumidor, e/ou seus garantes, a bancos de dados e cadastros de consumidores, sem comprovada notificação prévia;
II - imponha ao consumidor, nos contratos de adesão, a obrigação de manifestar-se contra a transferência, onerosa ou não, para terceiros, dos dados cadastrais confiados ao fornecedor;
III - autorize o fornecedor a investigar a vida privada do consumidor;
Segundo o entendimento de Newton de Lucca, essa Portaria ministerial interfere diretamente na maior parte dos contratos celebrados online, os quais são dotados das características próprias aos contratos de adesão. Assim, a Portaria também inibiria a utilização de cookies, visto que se trata de uma investigação da vida do usuário[16].
Conclusão
Neste trabalho, foram analisados os principais tópicos que emergiram com a contratação eletrônica, notadamente, a influência da internet para a elaboração de um novo paradigma jurídico, dando-se especial atenção à contratação informática e telemática e suas implicações para o direito do consumidor, bem como para o direito tributário.
Nestas considerações finais, deve-se salientar, por derradeiro, as anotações de Hugo Leonardo Duque Bacelar, no sentido de que os contratos eletrônicos são[17]:
[...] instrumentos obrigacionais de formação e veiculação por intermédio de meio digital, consubstanciando-se em todo acordo de vontades, transmitidas por signos eletrônicos pela Internet, que permitam a modificação, criação ou extinção de deveres e obrigações jurídicas, não sendo necessária a existência de qualquer suporte físico ao negócio jurídico.
Referências bibliográficas
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[1] GIANNANTONIO apud DE LUCCA, 2003, p . 21
[2] WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade — O uso humano de seres humanos. Trad. José Paulo Paes. São Paulo, Cultrix, s. d. p. 104.
[3] LOSANO, Mario Giuseppe. A informática jurídica vinte anos depois. RT, v. 715, fascículo I - Cível, maio 1995, p. 314.
[4] DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 12.
[5] TAVARES, A e BASTOS, C. Revolução Tecnológica e Direito Artificial, São Paulo: Saraiva, 2003.
[6] GIBSON, William. Neuromancer. New York: Ace Book, 1984, p. 51.
[7] DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003,p. 24.
[8] DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 41.
[9] DAVARA RODRIGUEZ, Miguel Angel. Manual de derecho informatico. 3ª ed. Pamplona, Aranzadi Editorial, 2001, p. 233.
[10] BERGEL apud DE LUCCA, 2003, p. 42
[11] DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 44
[12]PIZARRO apud DE LUCCA, 2003, p. 47-48
[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. Vol. III. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 24.
[14] DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 33.
[15] DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 107.
[16] DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 127.
[17] BACELAR, 2006, p. 81.
Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília. Estagiária da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Ana Carolina Lappe do Prado Teixeira. Reflexões sobre contratos informáticos e telemáticos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36529/reflexoes-sobre-contratos-informaticos-e-telematicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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