I- Introdução
A Ação Civil Pública é instrumento processual relativamente recente no Direito Brasileiro. Apesar da tutela a interesses da coletividade existir desde constituições anteriores, somente em 1985 foi criada a figura da Ação Civil Pública, com a edição da Lei 7.347/85.
Inicialmente limitada a um número determinado de direitos, elencados taxativamente no art. 5º da referida lei, a Constituição de 1988 recepcionou a norma infraconstitucional e tornou a Ação Civil Pública remédio constitucional, passando o art. 129, inciso III, da Constituição a representar fonte primária deste específico instrumento de proteção dos interesses transindividuais.
Este trabalho se propõe a discutir a natureza da Ação Civil Pública, bem como a analisar uma omissão importante na edição da Lei, a qual tutela seu funcionamento: a falta de qualquer comando relativo ao prazo prescricional para interposição da referida ação.
II- Breve Histórico das Ações Coletivas
Segundo historiadores do Direito, as primeiras notícias relativas a conflitos de natureza coletiva se deram na Inglaterra, por volta do ano 1199 (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, “Ações Coletivas”, Ed. RT, 2002, p. 43). A evolução deste tipo de lide resultou na criação das representative actions, concebidas para cuidar de conflitos nos quais a quantidade de pessoas e instituições envolvidas tornasse impossível a identificação de cada uma delas.
Nos Estados Unidos, à imagem do costume inglês, foram criadas as class actions, destinadas a amparar interesses de grupos específicos da sociedade. Países europeus, da mesma forma, criaram institutos voltados à tutela de interesses coletivos.
No Brasil, a defesa dos interesses coletivos se deu, por muito tempo, por meio da Ação Popular. Esta, pórem, é instituto relativamente recente: a primeira vez que figurou em constituições foi em 1934, sendo renegada na de 1937. Posteriormente, em 1946, o remédio foi reestabelecido, sendo mantido até os dias de hoje.
Somente em 1985 que foi criada a Ação Civil Pública, com a edição da Lei 7.347/85. Cabe ressaltar que a Ação Popular, embora eficiente para resguardar os interesses meta-individuais, se limitava às atitudes administrativas que afetassem a coletividade. Sendo assim, ficavam excluídos deste rol entes privados (no polo passivo).
Apesar da edição da mencionada Lei, a Constituição de 1969 não mencionava expressamente direitos coletivos e difusos, nem diferenciava claramente direitos individuais e transindividuais, à época ainda não tão difundidos pelo Direito Pátrio.
Posteriormente, em 1988, a Lei 7.387/85 foi recepcionada pela Constituição de 1988, tornando a Ação Civil Pública remédio Constitucional instrumento de defesa coletiva.
III – Da expansão do alcance da Ação Civil Pública
Inicialmente, a Ação Civil Pública elencava número determinado de direitos que pudessem ser tutelados por ela, limitando as situações nas quais se pudesse resguardar interesses coletivos.
Entretanto, com a reforma produzida pela Constituição de 88, a Ação Civil Pública passou a contemplar diversas outras possibilidades que não aquelas previstas na Lei 7.347/85.
O art. 129, inc. III, da Constituição Federal, que trata não só da Ação Civil Pública, mas também de seu objeto, prevê a possibilidade de utilizá-la na proteção de “outros interesses difusos e coletivos”.
Frente a este elemento, o alcance da Ação Civil Pública aumentou consideravelmente, e coube à Legislação Complementar posterior, bem como aos Tribunais, construir as hipóteses nas quais coubesse tal remédio constitucional.
IV – Da prescrição em Ação Civil Pública – omissão da Lei 7.347/85
Apesar de edição de Lei específica para tratar de seus procedimentos, e mesmo com a recepção posterior da Ação Civil Pública pela Constituição de 1988, muito se discute acerca do prazo prescricional nesta.
Isso porque não existe previsão legal que verse acerca de seu prazo prescricional. Tal omissão ensejou grande discussão tanto em sede doutrinária como jurisprudencial, já que, frente à lacuna imposta pela omissão, se fez necessária a criação de teses e precedentes para supri-la.
Em um primeiro momento, mister é se afastar qualquer tese que defenda a imprescritibilidade de ações civis públicas. Não obstante o interesse coletivo seja de suma importância para o funcionamento da sociedade, a segurança jurídica também o é, da mesma forma.
Não há que se falar em imprescritibilidade, independente do interesse envolvido. Se assim o fosse, por exemplo, por meio de Ação Civil Pública poderia se desconstituir negócio jurídico celebrado há três décadas, em razão da má gerência de um cemitério.
De fato, é de interesse geral que o cemitério se encontre nas devidas condições de segurança e higiene, mas não há de se pensar em desconstituição de negócio jurídico neste sentido, já que isso afetaria a segurança jurídica das relações contratuais, no exemplo utilizado para ilustrar melhor os efeitos da inexistência de prazo prescricional na Ação Civil Pública.
Destarte, afastada a hipótese de imprescritibilidade, surgem outras teorias que buscam suprir a falta de previsão legal quanto à matéria.
Sem dúvidas, a mais frutífera e que, recentemente, tem sido adotada pelos tribunais pátrios, é a de aplicação do prazo prescricional da Ação Popular à Ação Civil Pública. Dessa forma, por analogia, esta linha submete a ACP ao prazo prescricional de cinco anos, nos termos do art. 21 da Lei 4.717/1965.
Abaixo, transcrevemos dois julgados que expõem bem este entendimento:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EXPURGOS INFLACIONÁRIOS DE CADERNETA DE POUPANÇA - RELAÇÃO CONSUMERISTA - DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - PRESCRIÇÃO CONSUMADA NO CASO CONCRETO - APLICAÇÃO POR ANALOGIA DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO NO ART. 21 DA LEI N. 4.717/65 (LEI DA AÇÃO POPULAR) - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NA SEGUNDA SEÇÃO DESTA CORTE - RECLAMO DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1050758/RO, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 14/02/2012) (grifamos)
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPURGOS. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 21 DA LEI N.º 4.717/65. CINCO ANOS. JURISPRUDÊNCIA ATUAL PACIFICADA. PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 168 DO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA AO QUAL SE NEGOU SEGUIMENTO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "A posição atual e dominante nesta c. Corte Superior é no sentido de ser aplicável à ação civil pública e à respectiva execução, por analogia, o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 21 da Lei da Ação Popular" (AgRg nos EAREsp 119.895/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/08/2012, DJe de 13/09/2012) (...)
(...)
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EREsp 1070896/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 25/04/2013, DJe 10/05/2013)
Entretanto, apesar de boa parte da jurisprudência recente aplicar tal entendimento, uma segunda linha ainda se mantém forte, defendendo a aplicação do prazo prescricional do art. 205 do Código Civil, referente às relações de consumo, em razão de seu caráter subsidiário. A saber:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. PLANO DE SAÚDE. INTERESSE INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. REAJUSTE. CLÁUSULA ABUSIVA. PRESCRIÇÃO. ART. 27 DO CDC. INAPLICABILIDADE. LEI 7.347/85 OMISSA. APLICAÇÃO DO ART. 205 DO CC/02. PRAZO PRESCRICIONAL DE 10 ANOS. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A previsão infraconstitucional a respeito da atuação do Ministério Público como autor da ação civil pública encontra-se na Lei 7.347/85 que dispõe sobre a titularidade da ação, objeto e dá outras providências. No que concerne ao prazo prescricional para seu ajuizamento, esse diploma legal é, contudo, silente.
(...)
6. Dessa forma, frente à lacuna existente, tanto na Lei 7.347/85, quanto no CDC, no que concerne ao prazo prescricional aplicável em hipóteses em que se discute a abusividade de cláusula contratual, e, considerando-se a subsidiariedade do CC às relações de consumo, deve-se aplicar, na espécie, o prazo prescricional de 10 (dez) anos disposto no art. 205 do CC.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 995995/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 16/11/2010) – grifo nosso
Percebe-se, pelos julgados elencados, o claro conflito de entendimentos quanto à prescrição na Ação Civil Pública. Apesar de estss duas interpretações serem as mais recorrentes, outras, minoritárias, também podem ser encontradas. A título de exemplo, o próprio STJ possui decisões que entendem ser o prazo prescricional da ACP de vinte anos. Há de se reconhecer, portanto, a necessidade da resolução da questão, seja por meio de Emenda Constitucional, seja por pacificação da jurisprudência aplicável.
V- Conclusão
Após o exposto, é inegável que existe divergência quanto ao entendimento relativo ao prazo prescricional na Ação Civil Pública, em razão de ser a Lei 7.347/85, responsável por versar acerca dos procedimentos de tal instrumento processual silente quanto à questão.
Frente às mais diversas hipóteses, acreditamos ser ideal a aplicação, por analogia, do prazo quinquenal da Ação Popular à Ação Civil Pública, principalmente em razão das semelhanças entre ambas.
Mesmo que com consideráveis diferenças, tanto uma como outra são utilizadas para se proteger interesses transindividuais, razão pela qual a prescrição da pretensão se dá de forma similar.
Referências bibliográficas:
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
MILARÉ, Édis. A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios / coordenador Édis Milaré. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas Constitucionais. 6. Ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. Salvador: JusPODIVM, 2005. Coleção Temas de Processo Civil – Estudos em homenagem a Eduardo Espínola Fredie Didier (Cood.).
Estudante de Direito da Universidade de Brasília (UnB), aprovado no segundo vestibular de 2010, cursando no momento o sétimo semestre (abril de 2013). Atua em escritório de advocacia na área de contencioso civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAIM, Caio Eduardo Cormier. Ação Civil Pública: natureza e prazo prescricional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2013, 12:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36545/acao-civil-publica-natureza-e-prazo-prescricional. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.