Resumo: Busca o presente trabalho perquirir acerca dos modelos burocrático e gerencial de Administração Pública e as suas principais influências no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
Sumário: 1. Introdução. 2. O modelo burocrático de Administração. 3. O modelo gerencial de Administração Publica. 3.1. O modelo gerencial e o Terceiro Setor. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.
Palavras-chave: Administração Pública. Modelo burocrático. Estado Social. Impessoalidade. Modelo gerencial. Estado Democrático de Direito. Eficiência. Serviço público.
1. Introdução.
O estudo dos modelos de Administração Pública é importante no sentido de que nos ajuda a entender o contexto histórico em que determinadas garantias (como o concurso público) ou percepções (como aquela de que não apenas o Estado deveria prestar serviços de caráter público) surgiram. Assim, o modelo burocrático ou weberiano possui inegáveis e importantes influências na Constituição Federal de 1988. Já o modelo gerencial de Administração Pública possui íntima correlação com a ideia de Estado Democrático de Direito, com a necessidade de inserção da ideia de controle finalístico no âmbito da Administração Pública e com a preocupação em se inserir o cidadão no processo decisório dos assuntos que importam ao Estado. Vejamos a seguir as principais influências de cada modelo no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
2. O Modelo Burocrático de Administração.
O modelo de administração burocrática decorre da necessidade de se evitar o retorno às práticas absolutistas e o seu modelo patrimonial de administração. A ideia era, realmente, frear os desmandos do detentor do poder, mediante a criação de mecanismos formais que impedissem as antigas práticas. Buscava-se, assim, a limitação do poder, passando ao seu detentor a mensagem de que este não detinha caráter absoluto. Nesse sentido, preconiza Fernando Acunha (2012, p. 27) que o referido modelo “enfatiza aspectos absolutamente formais, controlando processos de decisão, estabelecendo uma hierarquia funcional rígida, baseada em princípio de profissionalização, formalismo, entre outros”.
Com tal afirmação também concorda Argemiro Martins (2012, p. 19-20), para quem o modelo weberiano se coaduna com o Estado de massas, como ocorria com o Estado Social, destacando que “em termos gerais, o modelo burocrático é constituído por procedimentos formais feitos por funcionários especializados com competências fixas, sujeitos ao controle hierárquico”.
O modelo weberiano ou burocrático, portanto, preocupava-se com a impessoalidade na atividade da Administração Pública. Buscava-se impedir a confusão patrimonial do soberano e do Estado e, para tanto, não havia que se falar em apropriação do cargo por seu ocupante, a escolha deste passa a se profissionalizar e o exercício da função pública deve considerar a existência de procedimentos e mecanismos formais prévios. Ainda conforme nos lembra Argemiro Martins (2012, p. 21), “o modelo burocrático, acima descrito, correspondeu ao Estado social que predominou no segundo pós-guerra. Porém, como já foi acima apontado, a magnitude das tarefas que lhe foram atribuídas, a prática do clientelismo, assim como o grande custo da manutenção de um imenso aparato técnico-burocrático levaram à crise do Estado social nos anos setenta do último século. Em razão disso, surgiram novas propostas de modelos administrativos”.
A principal influência do modelo weberiano na Constituição Federal de 1988 é a instituição do concurso público como a regra para ingresso em cargos e empregos públicos, assegurando-se o princípio da impessoalidade e apartando-se da ideia de que tais cargos e empregos públicos, por serem propriedade do detentor do poder, podiam ser livremente ocupados mediante a indicação deste. Exalta-se, como dito, a impessoalidade como princípio a ser observado pela Administração Pública, em referência expressa contida no art. 37 da Carta Magna.
3. O Modelo Gerencial de Administração Pública
O modelo gerencial de Administração Pública sucedeu o modelo burocrático ou weberiano. A principal causa da derrocada da proposta anterior coincide com derrocada do Estado Social. O aumento das funções a cargo do Estado levaram à sua crise fiscal e o referido ente, por isso, não conseguiu exercê-las de forma eficiente.
A queda do modelo weberiano, ainda que, nitidamente, tenha deixado importantes legados para o modelo que o sucedeu, possibilitou uma mudança de visão no que concerne às funções estatais. Passou-se a repensar o que seria essencial que o Estado prestasse diretamente, debruçando-se, ainda, acerca da função da sociedade no novo cenário. Como destaca Argemiro Martins (2012, p. 22), “a proposta do Estado gerencial não vira suas costas às questões sociais como a saúde, a educação e assistência pública, mas apenas deixa de tratá-las como questões de administração exclusivamente estatal. O Estado transfere tais responsabilidades às organizações da sociedade civil organizada, mantendo uma espécie de controle por intermédio de contratos de gestão. Trata-se de substituir a forma de administração burocrática weberiana calcada na prestação de serviços públicos por servidores estatais, atuando segundo formas rígidas e sujeitos a um controle burocrático hierarquizado e guiados pelo princípio da estrita legalidade. E, no âmbito da forma de administração gerencial de se prestar serviços públicos, por intermédio de agentes não-estatais, atuando segundo formas menos rígidas e sujeitas a um controle estatal quanto aos resultados, pautado pelo princípio da eficiência”.
Assim, enquanto no modelo burocrático o controle de meios era ressaltado, no modelo gerencial, o Estado passa a verificar a atuação de seus agentes mediante controle de resultados. Interessante consignar que esta mentalidade impregnou o conteúdo da Emenda Constitucional nº 19/1998. Por meio dela, o controle da eficiência foi inserido na vivência dos agentes públicos, passando a destacar a necessidade de que a prestação dos serviços públicos satisfaça os seus destinatários. Assim, da mesma forma que o princípio da impessoalidade, exaltado no modelo weberiano e então assegurado pelo controle de meio, foi levado à condição de princípio informador da atividade administrativa, o mesmo se pode dizer do princípio da eficiência, principal bandeira do modelo gerencial de Administração Pública, assegurado pelo controle finalístico.
3.1. O Modelo Gerencial e o Terceiro Setor.
Como leciona Argemiro Martins (2012, p. 22), a reforma administrativa levada a efeito pela Emenda Constitucional nº 19/1998 incluiu uma série de agentes não estatais na prestação dos serviços de caráter social[1]. O conceito de serviço público, não é demasiado recordar, era restrito, destacando-se que nele se encaixava aquela prestação a cargo do Estado. Em outras palavras, seria serviço público todo aquele serviço prestado pelo ente estatal. A derrocada do Estado Social, por óbvio, alterou tal espectro.
De fato, como preconiza Fernando Acunha (2012, p. 29), “o modelo gerencial foi o responsável por adotar uma série de medidas que atenuam os rígidos controles procedimentais do período precedente, com ênfase muito maior no princípio da eficiência (incorporado ao art. 37 da Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional n. 19, de 1998), prevendo, entre outros, a atuação em parceria com a sociedade civil (com destaque para o imenso papel que se dá ao Terceiro Setor, por meio de instituições como as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, instituídas, respectivamente, pelas Leis n. 9.637/98 e 9.790/99), uma maior autonomia para as entidades administrativas (controladas de forma mais suave por instrumentos como os contratos de gestão, institutos de imensa controvérsia na doutrina constitucional e administrativa brasileira), que dá ensejo, até mesmo, ao que se chama de competição administrada, com o estabelecimento de concorrência interna entre as pessoas jurídicas ligadas ao Estado (ou entre entidades do Terceiro Setor) na busca por recursos públicos, que serão destinados àqueles que se mostrarem mais eficientes no emprego das verbas”.
A inserção do chamado Terceiro Setor na vivência da prestação do serviço de caráter público, como se disse, alterou inclusive o conceito de serviço público até então vigente, já que entes privados passam a contribuir para assegurar participação no bem-estar social. A iniciativa, por certo, facilita ainda a redução do déficit democrático vivido pelo modelo anterior.
De fato, conforme aduz José Claudio Rocha[2], “em síntese, extrai-se do sistema constitucional e infraconstitucional brasileiro os delineamentos de um Estado constitucional democrático mais conhecido como democracia participativa. Sem dúvida, a concepção que busca articular a democracia representativa com mecanismos de democracia direta é chamada de democracia participativa. Ela se opõe tanto à concepção pluralista de democracia (democracia direta), quanto, sobretudo, a uma concepção minimalista de democracia, que é denominada de ‘democracia legal’ proposta pelos liberais”.
Aqui, claramente se observa que o Estado Social não se abateu apenas em razão de sua crise fiscal, considerando-se o inchaço da máquina administrativa, mas também em função de seu déficit democrático, uma vez que, ao intervir demasiadamente na sociedade, acabava tratando os cidadãos não como tais, mas como clientes daquele grande sistema, impedindo-os de participar no processo político e decisório. A participação da sociedade por meio do Terceiro Setor consiste, portanto, na percepção de que o déficit democrático do Estado Social não terá mais lugar no Estado Democrático de Direito.
Elucidativas, assim, as lições de Fernando Vernalha Guimarães, para quem o modelo de atuação administrativa marcado pelo viés autoritário e pela unilateralidade abre vez às formas concertadas de ação, então consideradas mais adequadas ao ambiente de parcerias que se apresenta tanto na prestação de serviços públicos por particulares quanto no próprio campo regulatório[3].
Assim, hoje, com destaque para as considerações de Gustavo Henrique Justino de Oliveira[4], “detecta-se (...) uma renovação dos estudos científicos em torno da sociedade civil, assim como dos possíveis papeis que os centros de poder social desempenham no mundo contemporâneo, sendo possível identificar duplicidade de espaços na esfera pública: de um lado, a esfera pública política ou esfera pública estatal, representada pelo Estado enquanto organização político-administrativa; de outro, a esfera pública não estatal, espaço no qual desponta, no Brasil, o denominado Terceiro Setor”.
4. Conclusão
Observa-se que o arcabouço constitucional brasileiro possui claras influências dos modelos burocrático e gerencial de Administração Pública. A preocupação em assegurar a impessoalidade nas contratações levadas a efeito pela Administração, por exemplo, pode ser apontada como o principal ponto extraído do modelo burocrático.
Já o modelo gerencial patrocinou entre nós a inserção do controle de eficiência (finalístico) na Administração Pública, assim como trouxe à tona o imperativo de se repensar a participação dos cidadãos nos assuntos sociais, em clara alusão à necessidade de se vencer o déficit democrático que levou à derrocada do Estado do Bem-Estar Social.
5. Referências Bibliográficas
ACUNHA, Fernando José Gonçalves. A Administração Pública brasileira no contexto do Estado Democrático de Direito. Brasília: CEAD/UnB, 2012.
GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Procedimento e função regulatória de serviços públicos no Estado Pós-Social. In: Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Belo Horizonte, ano nº 3, nº 14, out/dez 2003.
MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira. A Noção de Administração Pública e os Critérios de sua Atuação. Brasília: CEAD/UnB, 2012.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Estatuto Jurídico do Terceiro Setor e Desenvolvimento: Conectividade Essencial ao Fortalecimento da Cidadania, à Luz dos 20 Anos da Constituição de 1988. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília-DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008, p. 1084-1109.
ROCHA, José Cláudio. A participação popular na gestão pública no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2886, 27 maio 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/19205>. Acesso em: 27 de agosto de 2013.
[1] Celso Antonio Bandeira de Mello (2002, p. 199-200) nos lembra que, por meio da Reforma Administrativa perpetrada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, foram introduzidas as figuras das organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público. Segundo o auto, “as ‘organizações sociais’ e as ‘organizações da sociedade civil de interesse público’, ressalte-se, não são pessoas da Administração indireta, pois, como além se esclarece, são organizações particulares alheias à estrutura governamental, mas com as quais o Poder Público (que as concebeu normativamente) se dispõe a manter ‘parcerias’ – para usar uma expressão em voga – com a finalidade de desenvolver atividades valiosas para a coletividade e que são livres à atuação da iniciativa privada (...)”.
[2] ROCHA, José Cláudio. A participação popular na gestão pública no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2886, 27 maio 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/19205>. Acesso em: 27 ago. 2013.
[3] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Procedimento e função regulatória de serviços públicos no Estado Pós-Social. In: Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Belo Horizonte, ano nº 3, nº 14, out/dez 2003.
[4] OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Estatuto Jurídico do Terceiro Setor e Desenvolvimento: Conectividade Essencial ao Fortalecimento da Cidadania, à Luz dos 20 Anos da Constituição de 1988. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília-DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008, p. 1102.
Procuradora Federal em Brasília (DF).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Marina Georgia de Oliveira e. O Modelo Burocrático e o Modelo Gerencial de Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36550/o-modelo-burocratico-e-o-modelo-gerencial-de-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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