Intróito
A título de considerações iniciais, bem assim partindo do pressuposto de que a proposta deste breve ensaio jurídico gira em torno dos efeitos reflexivos do instituto da falência sobre o crédito fiscal (ou fazendário), é curial esclarecer o que vem a ser o crédito fiscal, seu alcance e sua abrangência.
Desde já, observa-se que o crédito fiscal pode ostentar natureza tributária ou não tributária.
Neste propósito, concebe-se o crédito fiscal como o crédito da Fazenda Pública que, sendo regido por normas de direito público, deve ser regularmente inscrito em dívida ativa, possibilitando a sua cobrança judicial via execução fiscal, a qual segue o rito especial previsto na Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal - LEF), tendo vista a previsão legal de que a certidão de dívida ativa (CDA), extraída da respectiva inscrição, constitui título executivo extrajudicial.
Assim, percebe-se que não é qualquer crédito da Fazenda Pública que se qualifica como crédito fazendário ou fiscal, mas apenas aqueles disciplinados por normas de direito público e que, portanto, são inscritos em dívida ativa da correspondente Fazenda Pública Municipal, Estadual, do Distrito Federal ou Federal.
De outra banda, no que tange ao instituto da falência, anota-se que se trata de um processo de execução concursal do patrimônio de um determinado devedor e que requer, para sua regular instauração, a caracterização de três pressupostos, quais sejam, a existência de um devedor empresário, pessoa jurídica ou física; a verificação de seu estado de insolvência, real ou presumido; e, por fim, o proferimento de uma sentença judicial que a decrete.
Afora a configuração desses três pressupostos, se faz mister, para que se instaure o devido processo falencial, a exclusão de alguns empresários, arrolados nos dois incisos do art. 2º, da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências - LF), os quais não são passíveis de submissão ao processo falimentar.
Ademais, não é de somenos importância antecipar, ainda nesta fase introdutória do assunto ora proposto, que a sentença que decreta a falência, conforme sua lei de regência logo acima referida, produz quatro efeitos principais em relação aos credores, os quais podem ser resumidos na formação da massa falida subjetiva; no vencimento antecipado dos créditos (art. 77); na suspensão da fluência dos juros (art. 124); e, de regra, na suspensão de todas as ações e execuções individuais em face do devedor e, consequentemente, do curso dos prazos prescricionais (art. 6º).
Entrementes, com o fito de não se perder o foco do objeto do presente artigo, será analisado, doravante e de forma mais detida, o último efeito mencionado imediatamente acima, com o escopo de que se possa esclarecer quais são os seus reflexos no âmbito dos créditos fiscais.
Efeito da Suspensão Gerado pelo Processo Falencial, em Relação às Ações Cognitivas e Executórias Individuais, e seu Reflexo perante os Créditos Fiscais:
Com efeito, verifica-se que a relação jurídica falimentar origina-se e desenvolve-se a partir da decretação da falência, por meio do proferimento de uma sentença judicial.
A partir da formação desta relação jurídica, constitui-se a massa falida, a qual se apresenta a partir de duas vertentes, quais sejam, a massa falida objetiva e a massa falida subjetiva.
A primeira se traduz no conjunto de bens arrecadados do devedor falido.
Já a segunda se refere ao sujeito de direito, sem personalidade jurídica, voltado à defesa dos interesses gerais dos credores de um empresário falido, por vezes agindo na defesa desses interesses na qualidade de sucessora do falido, como, por exemplo, na cobrança judicial ou extrajudicial dos devedores do falido, outrora agindo na defesa dos interesses gerais dos credores contra o próprio falido, como, por exemplo, na ação revocatória.
Por ocasião do surgimento dessa relação jurídica falimentar entre o falido e os credores, estes devem habilitar seus créditos em decorrência da indivisibilidade e da vis atractiva do processo de falência, características estas que determinam que todos os credores, sejam eles civis ou empresariais, devem habilitar seus créditos no processo de falência do devedor comum, com o intuito de concorrerem para o produto de seu patrimônio, o qual se apresenta como garantia do pagamento de seus créditos.
Por força do caput do art. 187, do Código Tributário Nacional (CTN), percebe-se que a cobrança judicial do crédito fiscal não se sujeita ao concurso de credores ou à habilitação em falência, resultando na não aplicação das normas de caráter processual (direito adjetivo) esculpidas na Lei nº 11.101/2005, porém não exonerando o crédito fazendário de sua submissão às normas de caráter material (direito substantivo) previstas na mesma, como, por exemplo, a subsunção à classificação dos créditos estabelecida no art. 83, da Lei de Falências.
Neste sentido, a Fazenda Pública, seja ela Federal, Estadual, do Distrito Federal ou Municipal, executa autônoma e diretamente seus créditos no juízo especializado, mediante ação de execução fiscal.
Desta feita, a cobrança judicial do crédito fiscal não se sujeita ao concurso de credores e, portanto, o fisco não fica adstrito ao processo de falência, excepcionando, desta forma, os princípios da indivisibilidade e da universalidade inerentes ao juízo falimentar, com fulcro no art. 76, da Lei nº 11.101/2005, em que pese, repita-se, sujeitar-se às normas substantivas falimentares.
Com espeque no art. 6º da Lei de Falências, observa-se que, de regra, com a decretação da falência, ocorre a suspensão de todas as ações cognitivas e executórias individuais dos credores contra o falido, tendo em vista que, a partir deste momento, dá-se início ao processo de execução concursal do devedor empresário, sendo, pois, despropositado que os credores pudessem executar individualmente os seus créditos.
Destarte, as execuções propostas antes da sentença de decretação da falência ficam suspensas; já aquelas propostas contra o falido após a decretação da falência devem ser extintas sem resolução do mérito.
Todavia, esta regra admite exceções, dentre as quais se destaca a execução fiscal fundada em certidão de dívida ativa (CDA) para cobrança de crédito fiscal, seja ele natureza tributária ou não tributária.
Neste desiderato, considerando que as execuções fiscais não são atraídas ao juízo universal da falência, estas não se suspendem com a falência e, por conseguinte, terão normalmente prosseguimento contra a massa falida, a qual é representada judicialmente pelo administrador judicial, ao passo que a Fazenda Pública deverá pugnar pela penhora no rosto dos autos judiciais do processo falimentar e, por conseguinte, requerer a citação do administrador judicial para que o mesmo possa oportunamente, querendo, opor embargos à execução.
Efeito da Suspensão Proporcionado pelo Processo Falimentar, Relativamente ao Prazo Prescricional, e seu Reflexo diante dos Créditos Fazendários:
No decorrer do processo de falência, como consectário lógico da suspensão das ações cognitivas e executórias referidas anteriormente, fica também suspenso o prazo prescricional, uma vez que o credor não pode mais demandar individualmente o empresário falido, mas, tão somente, demandar, de forma coletiva, a massa falida, com fulcro também no art. 6º da Lei nº 11.101/2005.
Referida suspensão da prescrição é corolário do princípio da actio nata, o qual informa que o prazo prescricional apenas corre com a possibilidade do exercício do direito subjetivo de ação, pois seria incoerente o transcurso da prescrição se o credor está proibido de, individualmente, acionar o falido.
É que se o credor não poderá mais acionar individualmente o devedor na oportunidade da decretação da falência, considerando que todas as ações contra este ficarão suspensas, logo se justifica o comando legal que determina que, também nesta oportunidade, suspenda-se o prazo prescricional que corre contra os credores, relativamente às dívidas do falido.
A partir do momento do encerramento do processo falimentar, o qual se dá com o trânsito em julgado da respectiva sentença, cessa o impedimento do credor acionar o próprio falido, oportunidade na qual, não se encontrando satisfeito seu crédito no concurso falimentar, poderá individualmente demandar o falido e, ato contínuo, a prescrição retoma seu curso normal, com supedâneo no art. 157 da Lei de Falências.
Desta forma, a suspensão da prescrição está condicionada à possibilidade de se promover a paralisação, ou mesmo o impedimento de seu ajuizamento, da ação judicial de cobrança, ou de execução do crédito, perante o falido.
Entretanto, esta regra é excepcionada no que concerne aos créditos fiscais, haja vista que não há suspensão de seu prazo prescricional, visto que, neste caso, a decretação da falência não acarreta a paralisação (nem impede seu ajuizamento) da execução fiscal, nem desconstitui a penhora, prosseguindo o processo executório normalmente, consoante jurisprudência tranquila do Superior Tribunal de Justiça (REsp 541945/RS, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, p. 191; e CC 45805/RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, p. 138).
Entrementes, a 1ª Seção do STJ, composta pela 1ª e 2ª Turmas, entende que, realizada a hasta pública, os valores apurados na alienação dos bens penhorados devem ser postos à disposição do juízo falimentar para satisfação, se houver, dos créditos trabalhistas e, caso tais bens penhorados sejam insuficientes para o atendimento destes, devem ser postos à disposição os bens arrecadados na falência.
Nesta direção, a 1ª Seção do STJ, considerando o fato de que o crédito trabalhista tem preferência sobre o fiscal, sufraga o entendimento de que não se pode privilegiar o foro do juízo da execução fazendária em detrimento do foro universal da falência a que todos estão obrigados.
Conclusão:
Neste diapasão, infere-se que, diferentemente do que se observa para os credores particulares do empresário falido, quando o credor for a Fazenda Pública, não haverá a suspensão da execução fiscal, bem como não há o impedimento da propositura desta ação executória pelo fisco no juízo especializado da Fazenda Pública.
Desta feita, a Fazenda Pública deverá, normalmente, proceder com sua execução fiscal como se não tivesse ocorrido a decretação da falência do devedor, pugnando pela realização da penhora no rosto dos autos do processo falimentar e, por conseguinte, requerendo a citação do administrador judicial para que o mesmo possa oportunamente, querendo, opor embargos à execução.
Por fim, considerando que o crédito fiscal pode ser livremente executado, mesmo diante da falência do devedor, não havendo ensejo sequer para a suspensão da exigibilidade do crédito fazendário preconizada pelo art. 151 do Código Tributário Nacional, é inadequada e incabível a suspensão do prazo prescricional, o qual continua a correr normalmente com a decretação da falência, inclusive a prescrição intercorrente prevista no art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/1980 e na Súmula nº 314 do Superior Tribunal de Justiça.
Bibliografia:
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 23a ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 11ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
FINKELSTEIN, Maria Eugênia. Direito Empresarial. 6ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
ALMEIDA, Amador Paes. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 26ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
ARAÚJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Processo Civil – Execução. 5ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 14 set. 2013.
Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 14 set. 2013.
Procurador Federal, ora de 1ª Categoria, cuja data de posse ocorrera em 03/03/2008, Matrícula Siape n. 1611995, Chefe da Seção da Matéria de Benefícios e Chefe-Substituto da Procuradoria Federal Especializada do INSS em Campina Grande/PB (PFE/INSS/CGE) no período entre 08/2012 a 12/2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Carlos Eduardo de Carvalho. Reflexos da decretação da falência nos créditos fiscais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 set 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36659/reflexos-da-decretacao-da-falencia-nos-creditos-fiscais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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