INTRODUÇÃO
A sociedade se depara cotidianamente com uma realidade que anseia por interpretação, o que não se apresenta como tarefa fácil, logo não pode ser feita de forma isolada, fazendo com que a hermenêutica busque pela compreensão da realidade colocada como objeto de interpretação, investigando seu real sentido.
Consequentemente, a hermenêutica jurídica intui auxiliar a interpretação do Direito, proporcionando um sentido para o fenômeno jurídico no contexto social e no momento histórico em que o intérprete se encontra inserido, bem como naquele em que a norma foi criada, adaptando-os ao caso concreto.
Por evidente que esta proposta hermenêutica também se estende às normas constitucionais na busca pela justiça, contudo, com a formação do Estado Democrático de Direito, emerge a necessidade de uma Nova Hermenêutica Constitucional, que além da interpretação de normas de forma justa busca ainda a concretização do preceito fundamental da dignidade da pessoa humana.
DESENVOLVIMENTO
O termo “hermenêutica” advém do latim hermeneuticus que, por sua vez deriva do verbo grego hermeneuein, que quer significar “interpretar”, “expressar”, “traduzir” ou “interpretar”.
Richard Palmer (1989, p. 70) bem asserta a respeito da hermenêutica:
A palavra grega hermeneios referia-se ao sacerdote do oráculo de Delfos. Esta palavra, o verbo hermeneuein e o substantivo hermeneia, mais comuns, remetem para o deus-mensageiro-alado Hermes, de cujo nome as palavras aparentemente derivam (ou vice-versa?). E é significativo que Hermes se associe a uma função de transmutação – transformar tudo aquilo que ultrapassa a compreensão humana em algo que essa inteligência consiga compreender [...] Os gregos atribuíam a Hermes a descoberta da linguagem e da escrita – as ferramentas que a compreensão humana utiliza para chegar ao significado das coisas e para transmitir aos outros. [...] Assim, levada até à sua raiz grega mais antiga, a origem das actuais palavras “hermenêutica” e “hermenêutico” sugere o processo de “tornar compreensível”, especialmente enquanto tal processo envolve a linguagem, visto ser a linguagem o meio por excelência neste processo.
Hans Georg Gadamer (2002, p. 32) manteve papel relevante junto à hermenêutica, uma vez que introduziu a idéia de que interpretar é compreender e para tanto, o homem necessita compreender a si e seu entorno.
A hermenêutica possui íntima ligação com o homem, o constituindo em sua essência. Na medida em que o ser humano ocupa-se em interpretar e compreender o mundo em que habita, constitui-se em um ser hermenêutico, isto é, o indivíduo é um ser que sobrevive em função daquilo que possa lhe trazer um sentido.
Desta feita, o ato de interpretar a realidade equivale a compreender, construir, atribuir sentido, sendo esta atividade humana nata, inerente e intuitiva ao homem, advinda de sua própria natureza. Toda pessoa se transforma em um intérprete daquilo que se apresenta como relevante para o convívio do ser humano com a sociedade. Assim, de acordo com Sérgio Alves Gomes (2008, p. 102) “quem interpreta constrói e comunica sentido. Sentido aponta direções, objetivos e finalidades”.
Com isso, a hermenêutica deve ser apreendida como um instrumento de interpretação que facilitará a compreensão da vida em sociedade, a compreensão da vida do outro e a encontrarmos soluções benéficas aos integrantes desta realidade.
A hermenêutica vislumbra decifrar a arte da compreensão, própria das ciências humanas, deseja a apreensão das significações intencionais das atividades históricas concretas do homem, são concepções compreensivas, que almejam ir além da questão explicativa, inerente às ciências naturais.
O papel a ser desempenhado pela hermenêutica consiste na busca pela compreensão da realidade colocada como objeto de interpretação, ou seja, objeto a respeito do qual se pergunta pelo significado, pelo sentido.
A busca pela compreensão enseja o pensar interpretativo, que de acordo com Sérgio Alves Gomes (2008, pp. 49 e 50), “vislumbra possibilidades para o entendimento não apenas das coisas, mas, igualmente, dos próprios seres humanos”, afinal é indispensável a busca pelo sentido de “estar no mundo”.
Salienta-se ainda que a interpretação não se confunde com a hermenêutica, haja vista que, enquanto interpretação significa atribuir preço, valor ou avaliação; a hermenêutica por sua vez, denota a arte de interpretar, expressar sua palavra no sentido de se fazer entender (PUGLIESE, 2010, p. 523).
Neste escólio, Paulo Nader (2009, p. 261) alega que a interpretação adotaria um cunho mais prático, uma aplicação dos ensinamentos da hermenêutica ao caso concreto, em contrapartida, a hermenêutica trata-se do enquadramento teórico que oferece os princípios, critérios, métodos e orientação geral à interpretação.
Em suma, o objeto hermenêutico visa a compreensão da realidade colocada como objeto de interpretação, a respeito do qual se pergunta pelo significado, pelo sentido.
Por sua vez, a hermenêutica jurídica almeja o auxílio à interpretação do Direito, buscando propiciar um sentido para o fenômeno jurídico no contexto social e no momento histórico em que o intérprete se encontra inserido.
Assim, a hermenêutica jurídica trata-se da construção que se consolida sempre no plano do contexto histórico. Quando fatos e atos se apresentam desarmônicos e incompreensíveis, incumbe ao intérprete efetivar as vinculações necessárias a fim de que os episódios desencadeados pelo agir humano ganhem sentido e estejam aptos a serem compreendidos sob o pálio de seus motivos e finalidades (GOMES, 2008, p. 225).
Dentre os inúmeros sentidos que um texto jurídico-normativo pode conter, o intérprete do Direito deve optar por aquele que melhor corresponde ao justo, observando sempre o caso concreto, ou seja, a hermenêutica sempre pressupõe a escolha de mais de uma possibilidade, sendo que caso contrário não exigiria qualquer deliberação, como bem argumentava Aristóteles (1979, p. 85) ao sustentar que “deliberamos sobre as coisas que estão ao nosso alcance e podem ser realizadas”.
Isto é, não há norma jurídica que não comporte a escolha de uma possibilidade interpretativa. O problema hermenêutico constitui-se então, na criação de condições de decidibilidade, vez que existe a obrigatoriedade da compreensão e, portanto, deve haver um sentido que prepondere e coloque um fim prático às múltiplas possibilidades de interpretação de uma norma jurídica.
Maria Helena Diniz (2011, p. 62) afirma que a interpretação da norma jurídica sempre será necessária, independentemente da clareza ou obscuridade legal, sustentando que “tanto as leis claras como as ambíguas comportam interpretação”.
Contudo, há que se ressaltar que hermenêutica jurídica não se confunde com interpretação jurídica.
A interpretação jurídica ocorre no momento do contato direto do intérprete com a norma, se consolidando nos casos em que o intérprete do Direito visa encontrar, através de técnicas específicas, o verdadeiro significado da norma jurídica. Em contrapartida, a hermenêutica jurídica trata-se da ciência elaborada pelo sistema de técnicas e métodos interpretativos (GERA, 2006, p. 24).
A investigação de sentido para o Direito na atualidade não pode focar unicamente no direito interno, não podendo se olvidar do direito internacional, vez que na era da constelação pós-nacional, termo utilizado por Habermas (2001) para relatar que a globalização enfraquece o Estado nacional, havendo a tendência de ocorrência da união política dos Estados, o Direito deve ser analisado sob o prisma de fatos locais, regionais e globais, sendo indispensável a utilização da ciência hermenêutica, principalmente na busca da construção do Estado Democrático de Direito.
A hermenêutica jurídica possui enseja um ávido escopo, qual seja o de compreender e resguardar a dignidade da pessoa humana, auxiliando na construção da democracia, do Estado Democrático de Direito e na observância aos Direitos Humanos e Fundamentais.
Desta feita, por evidente que num primeiro momento a hermenêutica constitucional deverá compreender o fenômeno jurídico em conexão com o fenômeno humano, justamente para que possa compreender verdadeiramente o real sentido da dignidade da pessoa humana.
Sendo o Estado Democrático de Direito o cenário da convivência humana, tanto com os demais homens quanto com o universo, assim, a hermenêutica constitucional deve considerar as dimensões locais, regionais e mundiais deste homem, visando interpretar o direito, sob o pálio dos princípios constitucionais, almejando a máxima concretização da norma constitucional.
Evidente que a realidade do mundo fático também influenciará direta ou indiretamente a interpretação constitucional. Konrad Hesse (1991, p. 14) asserta que “a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade”, assim, a hermenêutica constitucional busca a concretização da norma constitucional, isto é, a interpretação e compreensão constitucional consideram os fatos do mundo real, muito além da norma fria.
Conforme afirma o constitucionalista Konrad Hesse (1991, p. 12), é necessária a aplicação de uma “interpretação construtiva” para garantir a força normativa do texto constitucional, garantindo a “consolidação e preservação da força normativa da Constituição”. Entretanto, essa interpretação deve considerar os “fatos concretos da vida”, para o autor “a interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação”.
O objetivo da hermenêutica constitucional inevitavelmente traz conseqüências para toda a sociedade, haja vista ser indissociável o peso que os fatos propiciam na interpretação das normas. A relevância dos fatos na tarefa de interpretação e compreensão constitucional se vê reforçada pela existência do instituto da modelação dos efeitos da decisão, que reconhece a inconstitucionalidade, podendo o Supremo Tribunal Federal definir a data em que a inconstitucionalidade irá iniciar a eclosão de seus efeitos (GERA, 2006, p. 26).
Paulo Bonavides (2003, p. 437) chama atenção ainda para o fato de que “interpretar a constituição normativa é muito mais do que fazer-lhe claro o sentido; é sobretudo, atualizá-la”. A hermenêutica constitucional não deve olvidar-se da realização do escopo de atualização do texto constitucional, incumbindo ao hermeneuta a ponderação dos fatos do mundo real, com reflexos à interpretação justa e correta do texto constitucional, de forma a gerar justiça.
Contudo, ante a configuração do paradigma do Estado Democrático de Direito, emerge a necessidade de uma Nova Hermenêutica Constitucional, apta a trabalhar e a concretizar o preceito fundamental da dignidade da pessoa humana, afinal, traz um novo conceito e recursos inovadores de interpretação constitucional.
Sérgio Alves Gomes (2008, p. 319) bem apresenta os ideários desta Nova Hermenêutica afirmando:
Esta Nova Hermenêutica pressupõe, no hermeneuta, a capacidade de compreensão do ser humano em face de sua complexidade. Um ser que anseia por vida digna e que, ao instituir o Estado Democrático de Direito, pretende seja este uma instituição competente e eficaz para garantir a salvaguarda da dignidade humana e de um modo de vida capaz de satisfazer. Sem a Nova Hermenêutica Constitucional não é possível concretizar o Estado Democrático de Direito. Isso porque ela traz um novo conceito e novos recursos de interpretação constitucional e colabora com seu olhar interpretativo na construção de uma teoria constitucional que reafirma e renova o valor da Constituição enquanto congregadora dos valores fundamentais da convivência humana.
A Nova Hermenêutica Constitucional se contrapõe ao Estado Democrático de Direito, vez que anseia desenvolver em todos os intérpretes a consciência de que a Constituição dita o caminhar de uma determinada sociedade, seus valores éticos, políticos, sociais e jurídicos, sendo que apenas a atitude hermenêutica pode despertar esta compreensão.
Esta inovadora Hermenêutica esclarece que a busca de sentido para o Direito, para a Constituição e para as leis em geral, se vincula em sua formação com a inquietação humana que almeja sentido para a própria existência da sociedade.
CONCLUSÃO
Perceber a conexão que imprescindivelmente deve existir entre o Estado-Nação, sua Constituição, o Direito e seu povo é o avanço fundamental a ser dado pela Hermenêutica Constitucional, para que se amplie os horizontes dos intérpretes, buscando ampliar as suas possibilidades de participação, através da interpretação, na construção do Estado Democrático de Direito, entretanto, incumbe ao intérprete o desafio de compreender e atender as exigências desta nova hermenêutica.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a nicômano. III, 3, 30. Coleção Os Pensadores. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª. Ed. São Paulo: Malheiros Editores., 2003.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. 22ª. Ed. Vol. I. São Paulo: Saraiva.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e índices. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2002.
GERA, Renata Padilha Coelho. Hermenêutica constitucional. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 4, dez. 2006, p. 23-28. Disponível em: <http://www.panoptica.org>. Acesso em: 24 jan 2012.
GOMES, Sérgio Alves. Hermenêutica constitucional. Uma contribuição à construção ao estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2008.
HABERMAS, Jürgen. A Constelação Pós-Nacional: ensaios políticos. São Paulo: Littera Mundi. 2001.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
PALMER, Richar. Hermenêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Lisboa: 70, 1989.
PUGLIESE, Márcio. Hermenêutica constitucional. In: GONÇALVES JUNIOR, Gerson Carneiro et. al. (org.). Hermenêutica constitucional – homenagem aos 22 anos do grupo de estudos Maria Garcia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. p. 523-551.
Advogada pós-graduada em Direito Ambiental pela Universidade Norte do Paraná e em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Vice-presidente da Comissão de Ética e Fiscalização da OAB/PR - Subseção de Arapongas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Karina Alves Teixeira. Breves considerações acerca da hermenêutica e suas necessidades de inovação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36692/breves-consideracoes-acerca-da-hermeneutica-e-suas-necessidades-de-inovacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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