A tentativa de identificar Estado e Direito, bem como relegar todo elemento “político” como algo avesso à “técnica” do Direito é tema recorrente entre os séculos XIX e XX. E isso tem um sentido histórico ante a emergência, no âmbito da história mundial, das grandes revoluções (americana e francesa, por exemplo) que puseram em questão os poderes constituídos, quer dizer, o Poder Político em detrimento do Direito e do Estado.
A cisão entre Política ou Político e Estado-Direito foi objeto de entusiasmada teorização por dois grandes estudiosos expoentes na Alemanha, da República de Weimar, e que representam, hodiernamente, grandes teóricos do Direito e do Estado. Trata-se do filósofo-político Carl Schmitt e do filósofo do direito austríaco Hans Kelsen. Ambos, inclusive, expuseram concepções antagônicas a propósito da institucionalização do denominado “Tribunal Constitucional”, cujo idealizador fora o próprio Kelsen. Carl Schmitt, sempre crítico à teoria de Kelsen, colocou-se contrário a teoria normativa do austríaco.
A recorrência crítica e assídua empreendida por Carl Schmitt em relação à teoria normativa de Hans Kelsen configura a preocupação sempre atual, por parte de Schmitt, para com o estado histórico de coisas que os Estados contemporâneos, principalmente europeus, se caracterizavam. Desde o ínterim do pré-Primeira Guerra Mundial, o povo alemão, segundo Schmitt, referenciando-se a Rudolf Smend, “sofre de uma ‘ânsia de legalidade cativante’” (SCHMITT, 1997, p. 123). Esse diagnóstico não é menos dramático quando agregado ao fato de que os pilares intelectuais que sustentam essa “marcha” ou ansiar a marcha à legalidade está assentada exatamente nas formulações teóricas de Hans Kelsen, notadamente, em sua Teoria Pura do Direito.
Essa ânsia pela legalidade, iniciada pela Doutrina do Direito Natural Moderno (com suas conclusões totalizantes e universais) e que atravessa o século, possui sua eficácia teórica na pretensão universalista dos seus postulados políticos de emancipação humana em relação aos arbítrios e subserviências impostas por modelos absolutistas. Nesse contexto, o caráter “objetivo” dos postulados, comungado a ampla generalidade de princípios como “igualdade” e “liberdade”, que com o discurso liberal da Doutrina do Direito Natural se tornam um axioma histórico, são tomados à maneira de uma conquista exitosa da “humanidade”. Concentra-se implícito nessas doutrinas uma linearidade histórica cujo princípio ativo incute uma noção progressista para um único modelo estatal em que a universalidade do conceito “humanidade” e em nome da qual os Estados estariam fadados. Carl Schmitt observa que:
No que se refere ao século XIX, podemos resumir a história das idéias políticas e das teorias do Estado em um único slogan: a marcha vitoriosa da democracia. Nenhum Estado do círculo cultural do Ocidente Europeu resistiu à disseminação das idéias e instituições democráticas. Mesmo ali, onde existia uma oposição de forças sociais poderosas, como na monarquia prussiana, faltava uma energia intelectual cujo efeito transcendesse os seus próprios limites restritos e fosse capaz de derrotar a crença democrática. “Progresso” significava o mesmo que “expansão da democracia”; “resistência antidemocrática” o mesmo que uma simples postura defensiva – a defesa de coisas historicamente sobreviventes e a luta do antigo contra o novo. [...]. A democracia parecia ter sido escolhida por um desígnio da Providência Divina. (SCHMITT, 1996, p.23)[1]
Admitido como ideal universal político a ser encampado e buscado, a democracia resultaria, desse modo, no fim escatológico de um progresso gradual cuja manutenção demandaria a técnica necessária para que a vontade do povo possa ser respeitada e, no interior do mais alto rigor técnico, essa mesma vontade democrática impedida, de contra si, manifestar “interesse” em atentar para com a sua própria forma de constituição da volição estatal , isto é, a democrática.
O primor pela técnica, ou a confiança nela depositado, se desencadeia por um motivo não atrelado tanto ao caráter psicológico que nela houvesse incutido como necessidade, – a aquiescência popular pela isenção e neutralidade ante aos acessos arbitrários ou conduções subjetivas das decisões políticas – quanto a uma possível correlação à tendência praticamente escatológica do “progresso espiritual” humano. Conforme explica Carl Schmitt,
Já no século XIX, o progresso técnico se torna tão admirável e, por conseguinte, as situações sociais e econômicas se modificam de forma tão rápida que todos os problemas morais, políticos, sociais e econômicos são tomados pela realidade desse desenvolvimento técnico. Sob o imenso sugestionamento de invenções e realizações, sempre novos e surpreendentes, surge uma religião do progresso técnico, para o qual todos os outros problemas se solucionarão por si mesmos por meio do próprio progresso técnico. Tal crença era evidente e natural para as grandes massas dos países industrializados. (SCHMITT, 2008, pp. 91-2)
Nesse sentido, a vinculação da era técnica, em sua empreitada de tornar científico todo o conjunto de fenômenos no qual o homem participa, com a filosofia positiva de Auguste Comte é algo que chama a atenção de Carl Schmitt, dado que engaja Kelsen no espírito da proposta científica do Estado e do Direito em uma pureza livre de ideologia ou qualquer outro fator (metajurídico) que influencie na universalidade científica do conceito de Estado e de Direito.
Diante desse cenário, pretende-se, com esse estudo, tematizar a questão proposta pela teoria normativa de Hans Kelsen acerca da separação entre o Político e o Direito. Essa pretensão constitui estratégia argumentativa para a resposta do seguinte problema a ser tratado: se a Soberania e a autodeterminação de um povo dependem da força e da decisão Política desse mesmo povo, como conciliar a proposta universalista da teoria normativa de Kelsen, sendo que esta proscreve o Político de quaisquer considerações? Para esse escopo, objetiva-se articular a forma como a proposta normativa de Hans Kelsen está intrinsecamente articulada com a Doutrina do Direito Natural Moderno. Sugere-se, à partida, que Kelsen propõe a tese sob a qual o Estado reduz-se ao Direito, ou o Estado/Força à Norma/Direito. Com efeito, argumenta-se que a Ordem arquitetada pelo normativismo operante na República de Weimar, ao pretender-se “neutra”, pressupõe a inexistência de uma instância decisória, dado que, onde a racionalidade da Lei opera, não há voluntas, não havendo lugar, portanto, para se mencionar tanto o “estado de exceção” quanto o significado de “Soberania”, exceto a “Soberania da Lei”.
A TEORIA NORMATIVA COMO “JUSNATURALISMO” DISFARÇADO
A pretensão de “purificar” cientificamente, mediante o rigor da técnica, o Estado e o Direito, conflui para a teoria (ou lei) dos “três estágios” da humanidade, desenvolvida por Auguste Comte, da qual Schmitt menciona em um capítulo d’O Conceito do Político. Trata-se de passagem constante no Capítulo n. 2 da obra, cujos termos são:
Recordemos os níveis, nos quais se movimenta o espírito europeu dos últimos quatro séculos, e das diversas esferas intelectuais, nas quais encontrou o centro de sua existência humana. São quatro passos grandes, simples e seculares. Correspondem aos quatro séculos e vão do teológico ao metafísico, daí ao moral-humanitário e finalmente ao econômico. Vico e Comte, grandes interpretantes da história da humanidade, generalizaram esse processo europeu único rumo a uma lei geral do desenvolvimento humano, propagando-se, então, em mil banalizações e vulgarizações, a célebre ‘lei dos três estágios’ – do teológico ao metafísico, daí ao ‘científico’ ou ao ‘positivismo’. Na verdade, positivamente não se pode dizer mais que o seguinte: a humanidade européia, desde o século XVI, deu vários passos de uma área central para a outra e tudo que compõe o conteúdo de nosso desenvolvimento cultural se encontra sob a conseqüência de tais passos. (SCHMITT, 2008, p. 89)
A proposta comtiana pressupõe o postulado fundamental de que a humanidade detém uma “marcha progressiva do espírito humano” (COMTE, 1978, p. 9), e tem como pretensão consciente:
Tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como absolutamente inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam primárias, sejam finais. (COMTE, 1978, p. 13)
Essa condução linear ao “positivismo”, ou estádio científico, da humanidade não possui um impulso interior inexorável e necessário, senão configurada em uma lei do destino, exterior, portanto, ao movimento da “marcha”. Com efeito, o determinante é a escatologia histórica, da qual o próprio Comte afirma ser possível não se consolidar, sendo, não obstante, a essa “utopia” a qual a “humanidade” está fadada a direcionar-se.
Malgrado Auguste Comte pareça concluir pela necessidade escatológica interna do movimento da “marcha progressiva”, Carl Schmitt, por seu turno, embora não proposto a estabelecer noções genéricas e universais, circunscreve sua abordagem ao problema premente do Direito Público Europeu e assim observa:
E é só a partir desses centros em constante deslocamento que se podem compreender os conceitos das diversas gerações. Tal transposição – do teológico ao metafísico, deste ao humanitário-moral e, por fim, ao econômico -, não significa aqui, repetindo para dar ênfase, uma ‘teoria de dominantes’ histórico-cultural e histórico-intelectual, tampouco uma lei histórico-filosófica no sentido da lei dos três estágios ou de construções análogas. Não estou falando aqui da cultura da humanidade como um todo, nem do ritmo da história universal e não posso dizer nada nem a respeito dos chineses, nem de indianos ou egípcios. Destarte, a seqüência das áreas centrais variantes não é imaginada como uma linha ininterrupta de um “progresso” em ascensão ou como seu contrário, constituindo uma questão por si o fato se, nesse caso, se deve supor uma graduação de cima para baixo ou de baixo para cima, uma subida ou um declínio (SCHMITT, 2008, p. 89).
A proposta de Comte, por transpor um critério, prima facie, objetivo e realista, porque histórico, ao lugar da metafísica tradicional, fixou, todavia, uma metafísica às avessas em relação a qual poder-se-ia intitulá-la, como assim o fez Alf Ross, de “direito natural disfarçado” (2007, p. 294).
Com uma metodologia precisa e rigorosa, Comte pretendeu circunscrever os “fenômenos sociais” à medida de objetos da análise da proposta positivista, uma vez que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicas já houveram sido esgotados em uma tomada científica. Nesse sentido, como proposta de um racionalismo científico apto a elevarem-se à “verdadeira inteligência humana”, os fenômenos sociais passariam a ser categorizados como uma verdadeira física social[2], cuja previsibilidade, certeza e calculabilidade expressados por leis gerais esgotaria a totalidade de uma “filosofia positiva”.
Atrelado a essa crença na “pureza” (KELSEN, 2009, p. 1)[3] e condução científica de fenômenos sociais, Hans Kelsen empreende seus esforços para fundar uma Teoria Pura do Direito, na qual todo elemento extrajurídico configurar-se-ia irrelevante e, por essa razão, restaria proscrito da relação científica enleada pelo objeto a ser investigado, a saber, o fenômeno do Direito.
Se o Estado, considerado como uma “machina machinarum”, fora concebido com todo rigor por Thomas Hobbes ao expressar o caráter forte e absoluto da soberania em seu monopólio de produção jurídica e, em decorrência, constituído, desse modo, por um poder de fato exercido por “aquele ou aqueles homens” (HOBBES, 1992, p. 7) que comandam e se fazem comandar, sendo por isso mesmo considerado o precursor do positivismo jurídico[4], Hans Kelsen, além de afirmar a voluntas humana como única instituidora de poder e normas jurídicas, contraposta, sob esse ângulo, à concepção que extrai/deduz de “Deus”, “Natureza” ou “Razão” esse mesmo poder e normas jurídicas, reduzirá, no entanto, a produção dessa mesma vontade à, ou a partir da, própria norma. Nesse sentido, se a voluntas em uma anterioridade lógica é instituidora do poder jurídico, o conteúdo instituído dissolve essa mesma voluntas, posteriormente, ao concebê-la doravante como poder normativo[5]. Duas passagens da obra de Kelsen são insignes nesse ponto:
Mas o Estado cumpre a sua missão histórica – ensina-se – criando o Direito, o ‘seu’ Direito, a ordem jurídica objetiva, para depois se submeter ele própria a ela, quer dizer: para se obrigar e se atribuir direitos através do seu próprio Direito. Assim o Estado é, como entidade metajurídica, como uma espécie de poderoso macro-ánthropos ou organismo social, pressuposto do Direito e, ao mesmo tempo, sujeito jurídico que pressupõe o Direito porque lhe está submetido, é por ele obrigado e dele recebe direitos. (KELSEN, 2009, p. 315).
[...] o direito regula sua própria criação e o Estado se cria e recria sem cessar com o direito. Constituição, lei, regulamento, ato administrativo, e sentença, ato de execução, são simplesmente as etapas típicas da formação da vontade coletiva no Estado Moderno. (KELSEN, 2007, p. 125)
O poder[6], e a Soberania incluída nessa noção, passariam a ser considerados como mera técnica de produção jurídica. Com efeito, o soberano, a saber, (“quem decide sobre o estado de exceção” (SCHMITT, 2006, p. 7)) seria designado por um ponto de imputação normativo, localizado em competências jurídicas de ação, dado que o comando para ação estaria coagulado no poder jurídico (Rechtsmacht) da norma, não nos matizes factuais do caso-crítico (Ernstfall). Segundo Hans Kelsen:
É quase de per si evidente que o chamado poder do Estado (Staatsgewalt), que é exercido por um governo sobre uma população residente dentro do território do Estado, não é simplesmente qualquer poder que qualquer indivíduo efetivamente tem sobre outro indivíduo e que consiste em o primeiro ser capaz de conduzir o segundo a observar uma conduta por aquele desejada. O que faz com que a relação designada como poder estadual se distinga de outras relações de poder é a circunstância de ela ser juridicamente regulada, o que significa que os indivíduos que, como governo do Estado, exercem o poder, recebem competência de uma ordem jurídica para exercerem aquele poder através da criação e aplicação de normas jurídicas – que o poder do Estado tem caráter normativo. [...] O poder do Estado não é uma força ou instância mística que esteja escondida detrás do Estado ou do seu Direito. Ele não é senão a eficácia da ordem jurídica. (KELSEN, 2009, pp. 320-1)
Observa-se uma nítida redução do Estado, e com esse termo se compreende aquele Ser Político (Sein) factual que exerce força (Macht) e poder concertado (Gewalt) na distinção existencial do inimigo, ao âmbito da normatividade do dever-ser (Sollen). Assim sendo, toda força do Estado é reduzida a poder jurídico que se justifica por haver uma norma fundamental (Grundnorm) pressuposta que confere validade a toda ordem de coação cuja expressão total é o próprio Estado. E a isso tudo não se considera uma argumentação isolada e pontual, por parte de Kelsen, quer dizer, circunscrita ao âmbito da cientificidade de sua Teoria Pura do Direito. Pelo contrário, toda a sua doutrina do Estado e do Direito se concentra na tentativa de justificar o Estado a partir, e tão-somente, da maquinaria jurídica (legalidade) que condiciona sua própria produção legislativa[7]. Segundo Kelsen,
Como já notamos, a norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é, em face desta, uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta. [...]. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm). (KELSEN, 2009, p. 217)
O poder jurídico da norma é desenvolvido por Kelsen em capítulo próprio intitulado “Estática Jurídica” da Teoria Pura do Direito e é definido como capacidade de criar e aplicar normas jurídicas. Certamente, a “capacidade” será determinada pela teoria da “norma fundamental”, no entanto, tem a prévia denotação de algo que fora “autorizado” ou atribuído (Ermächtigung) para produzir normas jurídicas. Assim sendo, como argumenta Kelsen, “a ordem jurídica atribui a determinados indivíduos um poder jurídico” (Cf. KELSEN, 2009, p. 166; Cf. Idem, 2005, pp. 193-195). O Soberano teria sua dimensão política circunscrita por um âmbito delimitado e mensurável de atuação, porque a norma autoriza um rol de competências para cuja atribuição não se pode debelar tampouco enjeitar. Com efeito, há uma racionalização da própria conduta do Soberano, cuja ação é delimitada pelo sentido estrito da norma.
Carl Schmitt em sua análise sobre a Teoria do Estado e do Direito de Kelsen aponta, no bojo de uma crítica contundente ao austríaco que,
Para a análise jurídica do Estado precisa-se de algo puramente jurídico, algo válido normativamente. [...]. Logo, o Estado não é autor nem fonte da ordem jurídica; todas essas concepções são, segundo Kelsen, personificações, hipóstases e duplicações da ordem jurídica única e idêntica em diversos objetos. O Estado, ou seja, a ordem jurídica superior e a inferior válida no Estado repousam no fato de que, do ponto médio unitário até o último patamar, emanam legitimações e competências. A máxima competência não é conferida a uma pessoa ou a um complexo de poder sócio-psicológico, porém somente à própria ordem soberana na unidade do sistema normativo. (SCHMITT, 2006, p. 19)
Nesse contexto, em obra posterior, a Teoria Geral do Direito e do Estado, Kelsen enfatiza ainda mais que, dentre os outros argumentos que conduzem à redução do Estado a Direito, ou do Estado como organização política à ordenamento jurídico, esse poder não deriva ou decorre de qualquer outro movimento periférico ou puramente desejado, senão de um poder autorizado (Ermächtigung); e um poder autorizado é possível “apenas na base de um ordenamento em virtude do qual alguém seja autorizado a comandar e outro seja obrigado a obedecer”, dado que “o poder do Estado é o poder organizado pelo direito positivo, é o poder do direito, ou seja, a eficácia do direito positivo” (KELSEN, 2005, pp. 193-4).
Se, por um lado, esses aspectos da doutrina “pura” de Hans Kelsen demonstram uma vinculação com qualquer unidade política que concentre em seu próprio fato consumado, a saber, à sua ordem jurídica, cuja pureza teórico-científica, na verdade – e para formular paradoxalmente – fundamenta a possibilidade da sua própria negação, como realmente ocorreu, a título de exemplo, para com a Ordem Jurídica da República de Weimar, sob a vigência da qual, inclusive, vivia Hans Kelsen[8]; por outro vértice, o sistema fechado de legalidade, que fundamentará o que Carl Schmitt denominou de Estado Legiferante, impede que a própria unidade de um povo identificado consigo mesmo em sua imediaticidade se manifeste pela instrumentalização de outras formas de constituição da vontade estatal, senão pelos procedimentos legais de legislação[9].
2 A “PUREZA” DA TÉCNICA COMO PROPOSTA POLÍTICO-IDEOLÓGICO
Sempre atento às conseqüências de uma crença incondicional nos postulados da pureza científica do Direito, porque isento de “ideologia política”, propugnado por Hans Kelsen, Carl Schmitt, por sua vez, expõe que, pelo contrário,
A democracia liberal ocidental coincide com o marxismo bolchequive em considerar o Estado como um aparato do qual as mais diversas forças políticas podem servir-se à guisa de instrumento neutro. O resultado é que esta máquina, como a técnica toda, torna-se independente de todos os objetivos e convicções políticas e adquire frente aos valores e frente à verdade a neutralidade própria de um instrumento técnico. Assim se cumpre ao largo do século XVII um processo de neutralização que, com absoluta lógica interna, culmina na tecnificação geral. (SCHMITT, 1990, pp. 40-1) (Nossos os grifos)
Conquanto se perceba uma coerência teórica inconfundível a que emana da Teoria Pura do Direito, Kelsen não problematiza teoricamente a situação histórica e concreta em que se situa, tampouco inclui em sua teorização o caráter historicamente determinado do próprio Direito e da forma social determinante de um Estado. À vista disso, Kelsen promove dificuldades para com uma possível associação entre a pretensa “neutralidade”[10] da investigação do Estado e do Direito ante a preferência doutrinária referente ao momento histórico em que o jurista se encontra. Nesse contexto, a “pureza” decretada pelo próprio Kelsen expressa um elemento ideológico apologético à concepção do Estado de Direito Moderno, com sua estrutura de formas estanques de determinações de competências e métodos formais de auto-regulação, uma vez que a legitimidade ou não das decisões políticas restam gelidamente condicionadas à formalidade legislativa[11]. Conforme argumenta Schmitt:
A legalidade é o modo de funcionar positivista da burocracia. Estado moderno e legalidade são termos essencialmente correspondentes. O chamado “Estado de direito”, como acertadamente observa Otto Von Schweinichen, é sempre um Estado de leis, porque a identidade histórica concreta “Estado” somente se associa ao “direito” de maneira que o transforma em pura “lei estatal”. O Estado, utilizando uma expressão química ou física, somente reage ante ao elemento “direito” quando se apresenta no estado de agregação da legalidade estatal. (SCHMITT, 1990, pp. 66-7)
Resta patente, ante a esses elementos, que o primado da lei e do Estado absorvido e concentrado em sua própria estrutura legal proscreve quaisquer outras formas politizadas e decisivas, quiçá emergentes, porque tornada “ilegítima” ou “ilegal”, em tornar-se hegemônica na sua forma de produzir comandos Constitucionais. Nessa senda, como afirma Schmitt, “unidade e pureza são ganhas, facilmente quando se ignora, com grande ênfase, a real dificuldade e se exclui como impuro, por motivos formais, tudo o que se opõe à sistemática” (SCHMITT, 2006, p. 21). A pureza da doutrina de Kelsen, incorrendo em uma típica petitio principii[12], porque mediante a teoria da norma fundamental faz derivar o Direito ou o poder jurídico do âmbito do ser (Sein)[13], ou seja, justo a ambiência meta-jurídica com relação a qual a Teoria pretende proscrever do seu raio científico, constitui uma típica afirmação do status quo Estatal da qual parte. Nesse ponto, contesta Carl Schmitt ao argumentar que
Se ‘Direito’, aqui, designa as leis positivas e métodos de legislação existentes que devem continuar a ser aplicados, pois, dessa feita, o ‘domínio do Direito’, nada mais significa do que a legitimação de um determinado status quo, em cuja manutenção têm, naturalmente, interesse todos, cujo poder ou vantagem econômica se estabiliza neste Direito. (SCHMITT, 2008, p. 72)
Em vista disso, o procedimento formalista do Estado Legiferante vigente à época constitui barreira a uma decisão soberana, uma vez que o racionalismo estatal das atribuições de competências proscreve qualquer incidência de um poder de fato que decida, ou apto a decidir sobre a dissensão entre amigos-inimigos, isto é, sobre a própria questão posta de eventual re-estruturação do Estado. À vista disso, apesar de Kelsen afirmar que “a tendência de identificar Direito e justiça é a tendência de justificar uma dada ordem social; é uma tendência política, não científica” (KELSEN, 2005, pp. 8-9); torna-se reflexo de sua pretensão científica em relação ao Direito que a tendência de separar o Direito do Ser Político também é a tendência de justificar uma dada ordem social, pois, em verdade, se trata de uma postura tendente a politizar a própria ciência em uma forma ideal de ser.
A ânsia de pureza na construção teórica do Estado de Direito em sua neutralidade ideológica[14] firma uma espécie de esquizofrenia positivista, a qual poder-se-ia considerar, outrossim, de naturalização, cuja metafísica inserida nessa empreitada basear-se-ia em uma pressuposição hipostasiada[15] ou idealizada a fim de encerrar o círculo de coerência jurídica. E isso o próprio Kelsen, para a segunda edição de sua Teria Pura do Direito de 1960, consignou que “a função teorético-gnoseológica – e não ético-política – da norma fundamental era a que eu tinha em vista quando incidentalmente utilizei a expressão – não muito feliz – de ‘Direito natural lógico-jurídico’” (KELSEN, 2009, p. 425, nota n. 19). Nesse aspecto, Norberto Bobbio reconhece a arbitrariedade da noção de “norma fundamental” quando afirma que
De fato, não se entende por que razão, exceto por pura correção formal, seja necessário fechar o ordenamento jurídico com uma norma última, em vez de um poder último, quando, afinal, o que permite identificar um ordenamento como ordenamento jurídico não é a validade das normas, mas sua eficácia, o que vale dizer que aquilo que fecha o sistema não é uma norma, mas sim um poder. (BOBBIO, 2008, p. 165)
O sistema fechado de legalidade que a pressuposição da “norma fundamental” opera induz uma confusão feita por Kelsen ao imbricar legalidade e legitimidade como se fossem intercambiáveis, podendo se formular a tautologia positivista: uma norma é legal se for legítima, e esta assim o será (legítima) se for legal. Nesse sentido, Kelsen explica a necessidade de:
[...] haver órgãos supremos sobre cuja competência já não poderão decidir órgãos superiores, cujo caráter de supremos órgãos legislativos, governativos (administrativos) ou jurisdicionais já não pode ser posto em questão. Eles afirmam-se como órgãos supremos pelo fato de as normas por eles postas serem globalmente eficazes. Com efeito, nesta hipótese, a norma que lhes confere competência para estabelecer estas normas é pressuposta como Constituição válida. O princípio segundo o qual uma norma só deve ser posta pelo órgão competente, isto é, pelo órgão que para tal recebe poder de uma norma superior, é o princípio da legitimidade. (KELSEN, 2009, p. 306)
Como o próprio Kelsen assevera, “as constituições escritas contêm em regra determinações especiais relativas ao processo através do qual, e com exclusividade, podem ser modificadas” (KELSEN, 2009, p. 233). Nesse argumento, Kelsen afasta a possibilidade de outra forma que não as regras determinadas e procedimentos formais estatuídos para invalidar ou subtrair a eficácia de outra norma dado. No entender de Kelsen, “o princípio de que a norma de uma ordem jurídica é válida até a sua validade terminar por um modo determinado através desta mesma ordem jurídica, ou até ser substituída pela validade de uma outra norma desta ordem jurídica, é o princípio da legitimidade” (Idem, ibidem). Kelsen conclui, assim sendo, que “uma revolução no sentido amplo da palavra, compreendendo também o golpe de Estado, é toda modificação ilegítima da Constituição, isto é, toda modificação da Constituição, ou a sua substituição por outra, não operadas segundo as determinações da mesma Constituição” (Idem, ibidem) (Grifo Nosso).
Não apenas pelo formalismo operado pela Teoria Pura do Direito senão, também, e, sobretudo, por seu nítido posicionamento político é possível concluir que Kelsen havia as vistas para um certo modelo estatal com valores bem determinados[16]. Sua preferência política à democracia (Cf. KELSEN, 2001-B, p. 24) como única forma de governo propícia ao desenvolvimento pleno da ciência (Cf. Idem, 2000, p. 27), e a tolerância como valor a ser cultivado (Cf. Idem, p. 25), por exemplo, são elementos que se inserem no sentido dado à “pureza” Estatal e do Direito sobre a qual sua teoria se desenvolve[17]. Este excerto é instrutivo ao que pretendemos colocar:
Uma vez que democracia, de acordo com sua natureza mais profunda, significa liberdade, e liberdade significa tolerância, nenhuma outra forma de governo é mais favorável à ciência que a democracia. A ciência só pode prosperar se for livre; ela será livre não somente quando o for externamente, ou seja, quando estiver independente de influências políticas, mas também quando o for interiormente, quando houver total liberdade no jogo do argumento e do contra-argumento. Nenhuma doutrina pode ser reprimida em nome da ciência, pois a alma da ciência é a tolerância. (KELSEN, 2001-B, p. 25)
Observa-se, portanto, que a pretensão teórica de Kelsen ao pretender afastar resquícios de vontade política e o elemento decisório da atitude política se assenta no “mito” da neutralidade. Em verdade, ao sabor do ocorrido no ano de 1933, com a ascensão nazista ao poder diante do sistema de Legalidade da República de Weimar, percebe-se que a crença na “neutralidade” da norma cria um efeito inesperado (ou não): ao pretender negar o poder, a teoria normativa intensifica-o.
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___. Teoria de la Constitución. Trad. Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial, 1982
VIEIRA, Luiz V. Os movimentos sociais e o espaço autônomo do “Político”. O resgate de um conceito a partir de Rousseau e Carl Schmitt. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.
[1] Conquanto a problemática se acentue com a confusão entre democracia e sistema parlamentar, pressupondo este como modelo acabado e primordial para contemplar o fenômeno da emergência das grandes massas populacionais, é importante frisar que “a marcha exitosa” do espírito democrático será componente ideológico nítido nas formulações teóricas “puras” de Kelsen, em cuja teoria, certamente, se deduz uma “crença” positiva ao sistema parlamentar moderno, como veremos adiante.
[2] Segundo Annie Petit, Auguste Comte havia sempre por se exigir rigoroso do ponto de vista científico, “e que sua ambição sistemática estava, desde então, determinada: queria reeditar seu opúsculo com o título ‘Systèm de politique positive’ (Sistema de política positiva). Além disso, além da referência essencial e constante às ‘ciências positivas’, Comte passa a usar, com freqüência crescente e de forma programada, o sintagma ‘filosofia positiva’” (PETIT, 1999, p. 16).
[3] Ao encetar sua obra, Kelsen define que a Teoria Pura do Direito como teoria do Direito positivo, ou seja, do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. Em vista disso, é teoria geral do Direito, não de interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. O traço da universalizabilidade da proposta dita o tom “científico-positivo” da conduta investigativa de Hans Kelsen.
[4] Cf., nesse sentido, BOBBIO, 2006, p.34.
[5] Bobbio observa que “a história do positivismo jurídico está permeada por esse movimento do poder ao Direito e do direito ao poder”. No entanto, como a passagem do poder ao Direito e vice-versa é absolutamente tautológica, mesmo em se considerando a teoria da “dinâmica jurídica” expressa na teoria da “norma fundamental”, haja vista que, como o Bobbio ressalta ainda, “à pergunta sobre qual seria o fundamento do Direito (ou a fonte do Direito no outro sentido da palavra, segundo a teoria tradicional) Kelsen dá uma resposta aparentemente tautológica: se por fundamento do Direito se entende o fundamento do positivo (e de resto para uma teoria positivista do direito não existe outro direito além do positivo), não existe outro fundamento para o direito senão ele próprio” (BOBBIO, 2008, pp. 135; 204).
[6] Fazemos endosso às palavras de Norberto Bobbio às quais afirmam haver dificuldade terminológica na tradução dos termos alemães – Gewalt e Macht – uma vez que para a terminologia italiana, e portuguesa em geral, podem ser traduzidos ambos por “poder” ou Power para os ingleses (Cf. BOBBIO, 2008, p. 173). Argumenta Bobbio, que a expressão Macht tem o correlato italiano-português “força”, sendo, para Kelsen, o conceito de Direito correlacionado a noção de “ordenamento (ou organização) da força” (Cf. Idem, ibidem). O tradutor Peter Naumann pontua que o termo Gewalt pode ser traduzido por violência e por poder, pois “a ambivalência do termo alemão revela uma ambivalência da própria realidade, à qual o termo se refere: o termo alemão admite, por assim dizer, que o poder tem necessariamente uma conotação de violência, ainda que a idéia e a práxis do Estado de Direito se empenhem em formalizar, vale dizer, racionalizar e assim tornar transparente e discutível essa violência constitutiva das relações sociais” (Cf. MÜLLER, 2004, p. 15 – nota do tradutor).
[7] Em obra posterior, a Teoria Geral do Direito e do Estado de 1945, Hans Kelsen, a propósito de suas considerações acerca d’A limitação do Positivismo, arremata que “dentro do sistema do Direito positivo, nenhuma norma positiva, nem mesmo a material, é válida, a menos que tenha sido criada de uma maneira, em última análise, prescrita pela norma fundamental” (KELSEN, 2005, p. 572).
[8] No caráter puro da investigação do Estado reduzido às entranhas legais, a técnica é tomada como pura ferramenta de condução por qualquer “ideologia política” que conduza inclusive a própria destruição dessas “entranhas legais”. Fato esse experimentado pela República de Weimar que instituiu (Constitucionalmente) o método de votação por maiorias para a constituição das decisões parlamentares, pela adoção do modelo pluripartidário. Com a ascensão do Partido Nacional-Socialista encabeçado por Adolf Hitler, no ano de 1933, o então Chanceler do Reich, mediante ações práticas (v.g., incêndio do Reichstag – o Parlamento do Reich) declarou o estado de exceção com base no art. 48 da Constituição de Weimar e a suspendeu, por tempo indeterminado, suprimindo, assim, os direitos fundamentais do povo, no intuito de instaurar uma nova ordem.
[9] No contexto dos movimentos sociais, o Professor Luiz V. Vieira realça o caráter “abstraidor” do Político pelos aparatos legais de decisões políticas mediadas pela estrita legalidade, no bojo da crise do sistema representativo parlamentar. Nesse contexto, o movimento social, para legitimar-se em seus anseios, necessitaria subsumir-se aos delgados e morosos mecanismos de representação política pelo contemporâneo sistema parlamentar de constituição da Volição Estatal. Argumenta que “tanto a abstração dos interesses materiais concretos do conjunto dos cidadãos, em relação à função do Estado, reduzido ao mero papel de garantidor da igualdade jurídica, quanto à abstração da idéia de soberania de seu conteúdo inato de vontade, devido à subordinação da ação político-estatal à simples formalidade legal, não só impedem a decisão política como eliminam a ‘presença’ do conjunto dos membros da comunidade de interferirem na determinação de seu destino” (VIEIRA, 2004, pp. 386-7).
[10] “A pretendida neutralidade diante dos valores e das circunstâncias em que a lei é elaborada resulta num lavar-de-mãos diante de sua eventual iniqüidade e num dizer-amém à legalidade, seja ela qual for. Por essa forma, prepara-se o jurista a assimilar qualquer quadro histórico de onde advenham as leis. É o que dá a construção de uma ciência que, para erigir-se, privilegia a tal ponto as normas, em sua organização escalonada na ordem jurídica, que termina por esquecer o social e as contingências humanas em função de que, afinal, existe a ordem jurídica. Em conseqüência, se essa ciência pura de normas voltar-se contra os homens, pouco importa, pois o de que ela cuida primacial e ciosamente é da sua cientificidade” (AZEVEDO, 1989, p. 54).
[11] Até mesmo o grande entusiasta do positivismo kelseniano, Norberto Bobbio, reconheceu o elemento ideológico da “pureza” científica da Teoria Pura do Direito quando apontou que “por mais que Kelsen tenha reiterado o caráter científico da Teoria Pura do Direito e rechaçado toda interpretação ideológica, não se pode renunciar completamente a tentar captar o sentido de sua construção e de entender o porquê de certas teses por meio de suas opções políticas”. O revelador dessa justificativa por parte de Bobbio é o que segue por força da recorrente crítica acusatória ao idealizador da Corte Constitucional Austríaca, a saber: “Que sob a Teoria Pura do Direito esteja a ideologia do Estado burguês, considero incorreto, apesar de os marxistas inveterados terem continuado a repetir isso. Diria antes que, atrás da tese da primazia do direito sobre o poder, primado que se manifesta na suposição da norma fundamental , existe, mesmo que inconsciente, e também expressamente desmentido, o ideal do Estado de direito, isto é, do Estado em que, para me exprimir com uma fórmula tradicional, usada durante séculos pelos legistas, “lex facit regem” e não “rex facit regem” (BOBBIO, 2008, p. 167).
[12] Em lógica, “petição de princípio”, consiste em uma estrutura argumentativa falaciosa à medida que para demonstrar uma tese pressupõe uma premissa cujo conteúdo considera-se a priori, e sem demonstração, que a mesma seja válida. Quer dizer, parte-se da consideração de uma premissa como válida olvidando-se da necessidade da sua auto-demonstração ou justificação.
[13] Na forma do arremate de Norberto Bobbio, “em suma, a norma fundamental teria a função de transformar o poder em direito” (BOBBIO, 2008, p. 166).
[14] Jomah H. Ali Mohd Rabah aponta uma conseqüência nada trivial derivada da intenção “puritana” da Doutrina do Direito e do Estado de Kelsen ao afirmar que “a pureza kelseniana do direito se encerra, na verdade, na concepção da pureza científica sobre a qual ele é edificada; e o alvo de qualquer crítica séria que a ela se dirija não se deve assentar no pretenso isolamento que ele faz entre Direito e política, ou Direito e justiça. Esse isolamento não é outra coisa senão o fruto do mito da neutralidade científica em geral, do qual Hans Kelsen é adepto convicto. O que queremos dizer com isso é que, por exemplo, as concepções da eugenia nazista não se insinuaram e repercutiram no Direito alemão entre a Primeira e a Segunda grande Guerra por conta de um suposto niilismo jurídico então prevalecente. Isso ocorreu, muito ao contrário, porque cientistas militantes da biologia e da medicina em seus vários ramos, inclusive o genético, a partir dos Estados Unidos e já no limiar do século XX, desenvolveram toda uma teoria de eugenia social de cunho indisfarçavelmente racista que, exportada para a Europa, culminou na eugenia nacional socialista alemã, além de vários outros programas não menos execráveis na França, Suíça, Noruega, etc. foi a crença na cientificidade desse conhecimento eugênico, e, em última instância, no seu conteúdo de verdade que permitiu que esses programas eugênicos adquirissem foros de juridicidade” (RABAH, 2011, pp. 205-6).
[15] Segundo o Dicionário Aurélio: “Hipóstase. sf. Ficção tomada como real”.
[16] Conforme argumenta Celso Lafer, “sua articulação centrípeta de uma teoria pura do direito não significa que, para ele, a realidade do metajurídico não seja extremamente complexa e desordenada, e não tenha sido ele um defensor, no campo dos valores e da política, da democracia e do pluralismo” (LAFER, 1998, p.46).
[17] Luiz Vicente Vieira argumenta, nesse sentido, que “o autor [Kelsen] define, então, o Estado de direito como aquele modelo de Estado que satisfaz às exigências da democracia e à segurança jurídica. Entende que o Estado de direito caracteriza-se por consistir numa ordem jurídica com relativo grau de centralização e em que tanto a jurisdição como a administração estão submetidas às leis, ou normas gerais, deliberadas por um parlamento eleito pelo povo” (VIEIRA, 2004, p. 107).
Advogado e Professor Universitário das disciplinas de Filosofia do Direito, Direito Constitucional, e Direito Internacional (Público e Privado). Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATISTELLA, Marco Antonio. O Juspositivismo de Hans Kelsen como "coroamento" do Estado Liberal de Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36706/o-juspositivismo-de-hans-kelsen-como-quot-coroamento-quot-do-estado-liberal-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
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