Nos processos administrativos visando à contratação de empresa especializada para prestação de serviços de execução de obras ou serviços de engenharia, é frequente a dúvida acerca de qual a modalidade licitatória cabível, considerando, de um lado, as tradicionais figuras previstas no artigo 22 da Lei nº 8.666/1993 e, de outro, o pregão eletrônico, regido pela Lei nº 10.520/2002 e regulamentado pelo Decreto nº 5.450/2005.
Nessa esteira, para definição da modalidade de licitação a ser escolhida, cumpre ressaltar que o artigo 1º da Lei nº 10.520/2002 enuncia a possibilidade de adoção do pregão eletrônico, assim como o artigo 4º do Decreto nº 5.450/2005 estabelece a sua obrigatória utilização, sempre que as contratações forem de bens e serviços comuns.
Segundo o magistério de Marçal Justen Filho[1], “bem ou serviço comum é aquele que se apresenta sob identidade e características padronizadas e que se encontra disponível, a qualquer tempo, num mercado próprio”. Nesse diapasão, torna-se necessário analisar, por primeiro, a natureza do objeto da contratação, a fim de verificar seu enquadramento como bem ou serviço comum.
De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, o que vai definir a modalidade licitatória, em casos tais, é a caracterização do objeto a ser contratado como “obra” ou “serviço comum de engenharia”: no primeiro caso, utilizam-se as modalidades previstas nos incisos I a III do artigo 22 da Lei nº 8.666/1993 (convite, tomada de preços ou concorrência, conforme os limites de valor definidos nos incisos I e II do artigo 23 do mesmo diploma legal); no segundo, aplica-se o pregão, preferencialmente na sua forma eletrônica.
A propósito, vejam-se algumas recentes decisões da Corte de Contas nesse sentido:
“5. A utilização de pregão para a contratação de obras de engenharia afronta o disposto no art. 1º e em seu parágrafo único da Lei 10.520/2002
Auditoria no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE e no Município de Santo Antônio do Descoberto/GO apontou indícios de irregularidades no procedimento licitatório que tem por objeto a contratação das obras de construção de quadra esportiva coberta com palco na Escola Caminho da Luz, nessa localidade. Entre os supostos vícios, destaque-se a utilização da modalidade pregão, na sua forma eletrônica, para a realização da obra. Anotou a equipe de auditoria que, por se tratar de obra de engenharia, a modalidade pregão não poderia ter sido utilizada, tendo em vista o disposto no art. 1º e em seu parágrafo único da Lei 10.520/2002. Lembrou que o Tribunal já se manifestou sobre “a vedação de contratar obras e a permissão de contratar serviços comuns de engenharia mediante pregão”. Mencionou, ainda, voto condutor de deliberação do Tribunal que conceituou tais serviços: atividades em que o “emprego de mão-de-obra e equipamentos prepondera sobre a aplicação técnica” (Acórdão 2079/2007 – Plenário). Reproduziu, em seguida, o disposto na Súmula 257/2010 do TCU: "O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002". Acrescentou que objeto sob exame merece ser classificado como obra de engenharia, e não como serviço de engenharia, “visto que se trata de ação de construir uma quadra esportiva com estrutura de concreto armado e cobertura em estrutura metálica...”. Ressaltou, porém, o fato de já haver sido celebrado o respectivo contrato. O relator, por sua vez, ante “a baixa materialidade do contrato (R$ 453,4 mil)”, a falta de complexidade desse objeto e “a ausência de indícios de prejuízo aos licitantes”, considerou, em linha de consonância com a unidade técnica, suficiente adotar medida visando evitar a reincidência de vício dessa natureza. O Tribunal, então, decidiu dar ciência à Prefeitura Municipal de Santo Antônio do Descoberto/GO e ao FNDE sobre a: “9.1.2. utilização da modalidade licitatória denominada pregão, seja presencial ou eletrônico, para a contratação de obras de engenharia, em dissonância com os ditames estabelecidos pela Lei 10.520/2002 (art. 1º e seu parágrafo único)”. Precedente mencionado: Acórdão 2079/2007 – Plenário.” (Acórdão n.º 2312/2012-Plenário, TC-007.643/2012-8, rel. Min. José Jorge, 29.8.2012 – grifou-se)
“5. É descabido o uso do pregão para trabalho eminentemente intelectivo e complexo
Na mesma auditoria em que foi avaliado processo de licitação realizado pelo Estado do Mato Grosso para a construção do novo hospital da Universidade Federal do Mato Grosso – (UFMT), em Cuiabá/MT, o TCU anotou a ocorrência do uso do pregão, para contratação dos projetos executivos, o que seria, para o relator, clara irregularidade, a qual afrontaria disposição legal e jurisprudência pacífica do Tribunal, no sentido de que a Lei 10.520/2002 admitiria a realização de pregão para a contratação de serviços de engenharia desde que comuns, ou seja, somente se possuírem padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos no edital, por meio de especificações usuais no mercado. Na espécie, então, isso não seria possível, já que, a elaboração de projeto executivo para empreendimento da complexidade de um hospital com mais de 200 leitos não poderia ser classificada como serviço comum, ainda consoante o relator, o qual registrou que isto seria “trabalho eminentemente intelectivo e complexo, que não se coaduna com a modalidade licitatória utilizada”. Entretanto, apesar da afronta legal, o relator registrou que os contratos decorrentes do pregão estariam encerrados, não havendo sido indicadas falhas de maior gravidade nos projetos contratados. Diante de tais atenuantes, a relatora houve por bem apenas encaminhar alerta a respeito desta e de outras irregularidades observadas, de modo a evitar que venham a se repetir em futuras licitações a serem realizadas pelo Governo do Estado do Mato Grosso, sem prejuízo de que as obras do novo hospital fossem acompanhadas pelo Tribunal, em face da materialidade e da relevância do empreendimento, o que contou com a anuência do Plenário.” (Acórdão n.º 2760/2012-Plenário, TC-014.017/2012-1, rel. Min. Ana Arraes, 10.10.2012 – grifou-se)
“Assunto: PREGÃO ELETRÔNICO. DOU de 06.07.2011, S. 1, p. 309. Ementa: determinação à SECEX/AM para que desse ciência ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia sobre a impropriedade caracterizada pela não utilização da modalidade de licitação pregão nas aquisições de bens e serviços comuns, inclusive os de engenharia, obrigatoriamente na forma eletrônica, salvo se houver comprovada e justificada inviabilidade, o que não pode ser confundido com opção discricionária do gestor, em conformidade com o § 1º do art. 4º do Decreto nº 5.450/2005.” (item 1.5.3, TC-016.374/2009-5, Acórdão nº 4.439/2011-2ª Câmara – grifou-se)
“Assunto: PREGÃO ELETRÔNICO. DOU de 20.11.2009, S. 1, p. 195. Ementa: determinação ao CRC/RS para que observe o disposto no art. 4º, “caput”, c/c o art. 6º, do Decreto nº 5.450/2005, no sentido de que se utilize a modalidade pregão, na forma eletrônica, na contratação dos serviços de engenharia” (item 9.2.3, TC-004.448/2006-3, Acórdão nº 2.709/2009-Plenário - grifou-se)
Dessa forma, caso se trate de reforma comum de prédio – na qual o emprego de mão de obra e equipamentos prepondere sobre a aplicação técnica, seja possível a adoção de critérios objetivos de contratação e não haja necessidade de exigências de qualificação técnica específicas –, deverá o objeto ser caracterizado como serviço comum de engenharia, ensejando, obrigatoriamente, a adoção da modalidade de pregão eletrônico.
Vale ressaltar, por oportuno, que a análise acerca da natureza dos serviços a serem contratados, em casos como esses, envolve matéria de cunho eminentemente técnico, motivo pelo qual há de ser devidamente justificada pelo administrador nos autos do correspondente processo administrativo licitatório.
Em suma, portanto, para afastar a incidência do pregão eletrônico, que constitui a regra geral, incumbe ao gestor público demonstrar cabalmente a complexidade, isto é, a impossibilidade absoluta de adoção de critérios objetivos de contratação a serem exigidos quando da licitação do serviço de engenharia a ser contratado. Somente na hipótese de motivação técnica adequada a afastar tal sujeição normativa permitir-se-á à Administração Pública valer-se das tradicionais modalidades de licitação.
Referência bibliográfica:
JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão (Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico). Dialética, 3ª ed., São Paulo, 2004.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão (Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico). Dialética, 3ª ed., São Paulo, 2004, p. 29.
Procuradora Federal. Coordenadora de Assuntos Judiciais da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Especialista em Direito Previdenciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARLI, Kalinca De. Definição da modalidade licitatória na contratação de obras e serviços de engenharia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 set 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36711/definicao-da-modalidade-licitatoria-na-contratacao-de-obras-e-servicos-de-engenharia. Acesso em: 23 dez 2024.
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