1. Reza o artigo 7º, § 5º da Lei 8666/3 que “é vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração da contratada, previsto e discriminado no ato convocatório”.
2. Por sua vez, o inciso I do §7º do artigo 15 da referida Lei determina que nos procedimentos de compras deverá ser feita a especificação completa do bem a ser adquirido, sem a indicação de marca.
3. Em vista dos dois dispositivos da Lei de Licitações indaga-se: como compatibilizá-los?
4. Consoante ensinamento de Marçal Justen Filho, em sua obra Comentário a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 13ª edição, “O inc. I, do § 7º tem que ser interpretado no sentido de que, ao promover a especificação das qualidades do objeto a ser adquirido, nenhuma relevância pode dar-se à marca. Isso não impede que se utilize a marca para um dos fins a que se destina, que á a identificação mais simples e imediata dos produtos.”
5. Posto isso, entende-se que existem situações em que o comprador pode indicar a marca na especificação do seu objeto, sem que reste caracterizada a restrição de competitividade.
6. A primeira delas decorre do princípio da padronização do objeto, que se encontra previsto no artigo 15, inciso I da Lei 8666/93:
Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas;
7. A possibilidade da adoção do procedimento de padronização para indicação de marca foi reconhecida pelo TCU, por meio do Acórdão 2.376/2006, Plenário:
“A indicação de marca na especificação dos produtos de informática pode ser aceita frente ao princípio da padronização previsto no art. 15, inciso I, da Lei 8666/93, desde que a decisão administrativa que venha identificar o produto pela sua marca seja circunstanciadamente motivada e demonstre ser essa a opção, em termos técnicos e econômicos, mais vantajosa para a administração.”
8. Contudo, para que se possa promover a indicação de marcas utilizando-se do procedimento de padronização do objeto, a Administração deve atentar-se para os seguintes requisitos estabelecidos pela Corte de Contas, no Acórdão 5420/2010, 1ª Câmara:
1.6. Alertar a (...) que:
1.6.3. na hipótese de, em certames licitatórios, se optar pela padronização de produtos, atentar para o disposto no art. 7º, §5º, da Lei nº 8.666/93, fazendo constar do respectivo processo justificativa respaldada em comprovação inequívoca de ordem técnica, com estudos, laudos, perícias e pareceres que demonstrem as vantagens econômicas e o interesse da administração, considerando as condições de manutenção, assistência técnica e garantias oferecidas.
9. A segunda possibilidade de se indicar marca na definição do objeto a ser licitado ocorre nos casos em a mesma é utilizada para fins de determinação do padrão de qualidade mínima admissível.
10. Nesses casos, o edital deve estabelecer que o objeto da licitação será a aquisição de um produto de determinada marca, admitindo-se o similar, compatível ou equivalente. Em outras palavras, a indicação da marca será mera exemplificação da qualidade mínima admitida.
11. A Corte de Contas enfrentou a matéria através do Informativo de Licitação e Contratos nº 03:
Exigência de que os cartuchos e toners sejam da mesma marca da impressora
O relator comunicou ao Plenário ter adotado medida cautelar determinando à Secretaria de Estado de Saúde do Acre que suspendesse a eficácia das Atas de Registro de Preços n.os 162/2009 e 167/2009, relativamente aos lotes V e VII, para demandas futuras por parte daquele órgão estadual e também perante outros entes da administração pública. Constava do termo de referência do Pregão Presencial n.º 83/2009 – do qual se originaram as atas – que o produto ofertado para os lotes V (material de consumo de informática) e VII (kit fusor) deveria ser “original do fabricante do equipamento, não remanufaturado, não reciclado, não similar”. Em resumo, assinalou o relator, “o edital exigia que os cartuchos e toners de impressão fossem da mesma marca da impressora”. Para o provimento cautelar, ele destacou que o TCU tem consolidado entendimento no sentido de que a exigência de os cartuchos de tinta para impressoras serem produzidos pelo mesmo fabricante do equipamento impressor, ou fabricados no exterior por empresas da mesma marca da impressora, privilegia a marca do próprio fabricante e restringe a competitividade do certame, ao afastar possíveis licitantes fabricantes de produtos novos, similares ou compatíveis, que apresentem qualidade condizente com as necessidades do equipamento. O Plenário, por unanimidade, referendou a cautelar. Precedentes citados: Decisões n.os 664/2001, 130/2002, 516/2002, 1476/2002, 1518/2002, todas do Plenário; Acórdão nº 1354/2007-Segunda Câmara e Acórdãos n.os 964/2004, 520/2005, 1165/2006 e 1033/2007, todos do Plenário. Decisão monocrática no TC-027.182/2009-4, rel. Min. Benjamin Zymler, 03.02.2010.
12. Por fim, resta a possibilidade de se indicar marca na especificação do objeto quando houver justificativa técnica, nos termos do artigo 15, § 7º da Lei de Licitação.
13. Seguindo a linha do texto legal, o Ministro Valmir Campelo, Relator do Acórdão nº 1.10/2005 Plenário, entendeu que a restrição a uma marca ou modelo deveria ser decorrente de estudos técnicos que apontam para tal necessidade, senão veja-se:
28. Registre-se que a restrição a uma determinada marca ou modelo deve ser decorrente de estudos técnicos, e se tais estudos apontarem para essa necessidade, devem ser asseguradas as vantagens econômicas, técnicas ou administrativas do produto selecionado (Decisão Plenária TCU n° 584/99). Tal entendimento, em que pese aplicar-se diretamente a um ato regido pela Lei n 8.666/93, cabe perfeitamente ao presente caso, pois acima de qualquer lei ordinária está a Constituição Federal que prega como regra geral a necessidade de ampla competição em igualdade de condições a todos os concorrentes, observando-se princípios como o de impessoalidade (...), da motivação (que exige 'indicação dos pressupostos de fato e de direito' que determinarem a decisão ou o ato, sendo obrigatórios quando os atos 'neguem, limitem ou afetem direitos e interesses') e da razoabilidade (princípio da proibição de excesso, que visa evitar restrições desnecessárias ou absurdas por parte da Administração).
29. Para que o procedimento licitatório em questão não fosse restritivo aos participantes, bastaria que fosse inserido no contexto do edital, entre as cláusulas relativas às condições de fornecimento do produto, que os cartuchos de toner a serem adquiridos deveriam ser compatíveis com os cartuchos indicados pelos respectivos fabricantes das impressoras e, no caso, especificando-se objetivamente as características necessárias à compatibilidade. (...)".
14. Pelo julgado acima, pode-se concluir que o Tribunal de Contas entende que a justificativa técnica, através de estudos, e a comprovação de vantagem econômica e administrativa bastam para a indicação de marca na especificação de um produto, em decorrência do permissivo legal contido no artigo 7º da Lei 8666/93.
15. Em Súmula editada em 2012, o TCU solidificou o entendimento sobre a indicação de marca, senão veja-se:
Súmula 270: Em licitações referentes a compras, inclusive de softwares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização e que haja prévia justificação.
16. A primeira leitura da Súmula 270 pode levar a conclusão que o Tribunal de Contas passou a exigir a presença concomitante dos requisitos de padronização e justificativa técnica para a indicação da marca, ignorando, portanto, o permissivo legal contido no artigo 7º da Lei de Licitações.
17. Ocorre que, buscando os precedentes para a edição da referida Súmula, chega-se a conclusão que a mesma tem sua aplicação restrita aos casos em que a indicação de marca se baseia na padronização do objeto, exigindo que a mesma seja precedida de devida justificativa, restando intocável a possibilidade prevista no § 5º do artigo 7º da Lei 8666/93.
18. Veja-se os Acórdãos que impulsionaram a publicação da aludida Súmula:
ACÓRDÃO 1547/2004 ATA 22 - PRIMEIRA CÂMARA[texto original]
19. Relator: WALTON ALENCAR RODRIGUES - Auditoria. ANP. Área de licitações e contratos. Aquisição e contratação direta de bens e serviços de informática. O princípio da padronização não conflita com a vedação de preferência de marca, desde que a decisão administrativa, que identifica o produto pela marca, seja circunstanciadamente motivada e demonstre ser essa opção, em termos técnicos e econômicos, a mais vantajosa para a administração. Serviços técnicos especializados de suporte e assessoria impõem a realização de licitação, desde que haja mais de um interessado na prestação do serviço, devendo a licitação ser distinta da destinada à compra de software. Realização de licitação, na modalidade convite, em detrimento da modalidade pregão. Contratação direta de fundação, ao abrigo do art. 24, XIII, da Lei 8.666/93. Ilegalidade. Somente é lícita a contratação, com dispensa de licitação, de fundações, quando, comprovadamente, houver nexo entre a natureza da instituição contratada e o objeto contratual, necessariamente relativo a ensino, pesquisa ou desenvolvimento institucional. Serviços de consultoria organizacional não se enquadram no permissivo legal (Decisões do Plenário 1.101/2002 e 1.067/2003
“Determinações:
6.1.ao (...) que, ante a necessidade de indicação de marca nas especificações de objeto a ser licitado, motivada pelo princípio da padronização previsto no art. 15, I, da Lei nº 8666/93, apenas o faça mediante decisão administrativa prévia, circunstanciadamente motivada e que demonstre ser essa a opção, em termos técnicos e econômicos, mais vantajosa para a Administração, sob pena de aplicação ao responsável da multa prevista no art. 58, § 1º, da Lei 8.443/92;
6.2. à 5ª Secex que encaminhe cópia desta deliberação, acompanhada de cópia da instrução de fls. 166/74, à representante.(Ac.2984/2008 – 2ª Câmara)”
“9.3.2. no caso de eleição de produto de determinada marca ou determinado fabricante, para fins de padronização, faça constar do respectivo procedimento justificativa respaldada em comprovação inequívoca de ordem técnica, apresentando estudos, laudos, perícias e pareceres que demonstrem as vantagens econômicas e o interesse da Administração, considerando as condições de operação, manutenção, assistência técnica e garantias oferecidas, devendo apresentar comprovação inequívoca de ordem técnica de que produto de marca similar não tem qualidade equivalente e que somente a marca escolhida atende às necessidades específicas da administração, considerando, sempre, que esse procedimento constitui exceção ao princípio constitucional da isonomia, bem como à regra que veda a restrição do caráter competitivo da licitação, prevista no art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/1993, e de acordo com a jurisprudência deste Tribunal (Decisão n. 1.518/2002 - Plenário e Acórdão n. 1.482/2003 - 1ª Câmara, entre outras deliberações). Ac.2664/2007 – Plenário)”
20. Nos mesmo sentido e tratando especificamente sobre a padronização do objeto os Acórdãos nº 1.698/2007-Plenário; nº1.521/2003-Plenário e nº 322/2002-Plenário da Corte de Contas, indicados como precedentes à edição da Súmula 270..
21. Por tudo que foi exposto, pode-se concluir que não há vedação para indicação de marca da especificação do bem a ser adquirido pela Administração desde que:
Procuradora Federal da PGF/AGU
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALVADOR, Juliana Lima. Da definição do objeto e indicação de marca. Possibilidades. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36814/da-definicao-do-objeto-e-indicacao-de-marca-possibilidades. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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