Marcados pela idéia contemporânea do “direito a ter direitos”[1], em que pese a miríade de conflitos internacionais que culminou no pós Segunda Grande Guerra a intensificação das relações internacionais a caminho um novo formato geopolítico para a sociedade internacional, fato é que os fenômenos da “globalização” ou da “mundialização” estreitaram as relações internacionais impulsionando-as para um novo eixo axiológico, que galvaniza, a seu turno, toda a estrutura normativa da sociedade internacional: os direitos humanos[2].
A atual cadeia normativa internacional de proteção de direitos humanos, alinhada a ânsia global pela hegemonia democrática das nações, consubstanciou-se em inúmeros tratados concluídos e aprovados pelo Brasil, inclusive, representando fruto de um paulatino e gradual processo de internacionalização, a fortiori, da universalização desses mesmos direitos.
Nesse contexto, registre-se, a título cronológico, o mais remoto antecedente histórico ao que hodiernamente pode-se denominar de “Direito Internacional dos Direitos Humanos”, remonta aos tratados de paz de Westfália de 1698, que puseram termo a Guerra dos Trinta Anos. Por outro vértice, do ponto de vista institucional, o marco histórico significativo na instauração desse sistema normativo específico na seara do Direito das Gentes é a constituição da Liga das Nações, transformada na atual Organização das Nações Unidas (1945), bem como a Organização Internacional do Trabalho, organismo especializado da própria ONU[3].
Com efeito, o Direito Internacional dos Direitos Humanos tem como epicentro o indivíduo ou a pessoa humana, qualquer que seja sua nacionalidade (caráter internacional) e independentemente do lugar onde se encontre (universalidade dos seus postulados). A partir do surgimento da Organização das Nações Unidas com a subsequente Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Sociedade Internacional protagoniza, por assim dizer, uma pletora de diplomas normativos destinados a proteção dos direitos básicos dos indivíduos.
À vista disso, no âmbito da Organização das Nações Unidas, instaura-se um regime ou sistema[4] coordenado de proteção dos direitos humanos, a saber: 1) Sistema Global, nomeado de International Bill of Human Rights, tanto de caráter (i) geral, a exemplo do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, quanto de caráter (ii) específico, a exemplo das Convenções Internacionais de combate à tortura, à discriminação contra as mulheres, à violação dos direitos das crianças etc) e; 2) Sistema Regional, no contexto dos sistemas americanos, europeus, e africanos, a exemplo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – popularmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, no contexto do sistema americano. Assim sendo, tanto o Sistema Global quanto o Sistema Regional entretém uma relação de intercomunicação primordial, com característica típica do contemporâneo fenômeno da mundialização, cujo sentido reside em convergir valores e identificar idéias compatibilizando fontes diversas de produção normativa, com o estrito fim (teleologia) de reuni-los em prol de salvaguardar a pessoa humana.
A mútua relação de ambos os sistemas de proteção propicia certa maleabilidade na aplicação das normas jurídicas (domésticas, principalmente) de modo a conduzir a solução de antinomias supervenientes ao caso concreto. Conforme leciona Valério Mazzuoli, “essa maleabilidade e fluidez de que se fala é típica dos sistemas internacionais de direitos humanos, os quais ‘dialogam’ entre si para melhor salvaguardar (também com aplicação do princípio internacional pro homine) os interesses dos seres humanos protegidos” (MAZZUOLI, 2013, 865)[5]. Agregado a isso, ambos os sistemas – global e regional – devem ser entendidos segundo distinto eixo doutrinário, como coexistentes e dialeticamente complementares, haja vista direitos idênticos serem tutelados, não raro, por ambos os sistemas simultaneamente, oportunizando, à visto disso, qual diploma normativo, na seara internacional, melhor adequa-se à tutela de direitos violados[6].
O precípuo significado da relação dialética de complementaridade entre os sistemas reside no fato de que a solução para um caso concreto no sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, por exemplo, não obstrui o acesso do indivíduo ou vítima em se dirigir às Nações Unidas para demandar tutela de direito, previsto em Tratado Internacional pertencente ao sistema global, como verbi gratia, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966. O inverso também é pertinente, isto é, não satisfeita a solução no sistema global, o direito tutelado poderá ser demandado junto aos meios satisfativos do sistema regional em que a violação de direitos humanos ocorreu, peticionando-se à Comissão de Direitos Humanos junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos (nos casos de violação sob jurisdição de Estado pertencente ao Continente Americano, e este tenha ratificado a Convenção Americana e aceito a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana, como é o caso do Brasil).
Seja como for, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, insinua-se como novo ramo do Direito Internacional Público, subsumindo-se a princípios típicos, autônomos e específicos. Segundo pondera V. Mazzuoli “além de apresentar hierarquia constitucional, suas normas passam a ter a característica da expansividade decorrente da abertura tipológica de seus enunciados” (2013, p. 865). Do ponto de vista positivo, o constitucionalismo brasileiro se encontra eivado pela influência do protagonismo do Direito Internacional dos Direitos Humanos Internacional, de modo que nos idos de 2004 sobreveio a denominada “Reforma do Judiciário”, instaurada pela Emenda Constitucional n. 45/2004 que, dentre suas inovações em matérias de Direitos Humanos, destacam-se: 1) a federalização dos crimes contra os direitos humanos (art. 109, inciso V-A e parágrafo 5º do mesmo artigo); 2) a possível adesão do Brasil a jurisdição de Tribunal Penal Internacional (art. 5º, parágrafo 4º), que efetivamente ocorreu com a adesão do Brasil ao Tratado de Roma do Tribunal Penal Internacional – Decreto n. 4.388/02 e; 3) a controversa possibilidade de o Congresso Nacional, na oportunidade da aprovação do tratado, qualificar a votação para quorum específico, de modo que o Tratado Internacional aprovado, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, será equivalente às emendas constitucionais (art. 5º, parágrafo 3º).
Dado esse contexto, e em vista da inovação do constituinte derivado ou reformador, com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, algumas ponderações indagativas se colocam, a saber: 1) Todo Tratado Internacional que verse sobre Direitos Humanos terá automaticamente status de Norma Constitucional, ou é preciso nova apreciação congressual no caso de Tratados anteriormente ratificados? 2) Como ficam os Tratados, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificados antes do advento da Emenda 45/2004, em se tratando de status jurídico ou normativo? Existe entendimento pacífico na jurisprudência e no acervo doutrinário acerca da matéria?
Tomando, portanto, como status quaestionis a natureza jurídica dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, pretende-se colocar em evidência a incongruência do parágrafo 3º, do artigo 5º, da Constituição Federal. Para esse propósito sugerem-se três momentos de exposição: 1) Esquadrinhar a forma como os Tratados Internacionais são integrados no ordenamento jurídico brasileiro; 2) Esboçar como podem ser recepcionados e integralizados no ordenamento jurídico brasileiro os Tratados Internacionais de Direitos humanos, bem como sua eficácia normativa no tocante a eventuais antinomias jurídicas; 3) Analisar a tendência jurisprudencial que é despendida para a matéria e o modo como o Supremo Tribunal Federal, gradativamente, retira a eficácia do parágrafo 3º, artigo 5º, da Constituição, de modo a torná-lo letra morta.
OS TRATADOS INTERNACIONAIS EM GERAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Todos os Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, isto é, pela República Federativa do Brasil[7], são no plano do Direito Interno brasileiro objeto de um tratamento complexo, dado que no âmbito dos Poderes da União aperfeiçoa-se por atos do Executivo e do Legislativo, em colaboração de um com o outro. Questão primeira colocada, desse modo, é por qual meio os Tratados e Convenções internacionais são internalizados ao ordenamento jurídico brasileiro. A competência para celebrar tratados, sob a égide da Constituição Federal de 1988, ficou distribuída em dois artigos específicos da Carta Magna, a saber: os art. 49, inciso I, e art. 84, inciso VIII. Esses dispositivos assim expressam:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
Depreende-se da leitura dos artigos acima, que a vontade do Executivo, na figura do seu Chefe (Presidente da República), na condição de Chefe de Estado, não se aperfeiçoará enquanto a decisão do Congresso Nacional sobre a viabilidade de se aderir àquelas normas não for manifestada, ao que se consagra, assim, a colaboração entre o Executivo e o Legislativo na conclusão de Tratados Internacionais. Com efeito, uma vez assinado pelo Presidente da República ou pelo Ministro das Relações Internacionais (art. 84, inc. VIII), ou ainda com a carta de Plenos Poderes, os Agentes Diplomáticos ou Chefes de Missão Diplomática, o Tratado Internacional deverá ser submetido à apreciação, deliberação e aprovação, ou não, do Tratado pelo Congresso Nacional (art. 49, inc. I), para após poder ser ratificado[8] pelo Presidente da República (art. 84, inc. VIII), com a subsequente edição do decreto de execução (promulgação e publicação no Diário Oficial da União)[9].
Por outro ângulo, a segunda questão que se impõe consiste no status jurídico de Tratado integrado, e a eficácia jurídica dos mesmos nos ordenamento jurídico brasileiro. Inarredável, nessa análise, o esforço em identificar a forma como Supremo Tribunal Federal tem interpretado a matéria, dado que a Constituição em seu texto não confere qualquer indicativo do tratamento jurídico aos Tratados, com exceção daqueles cuja matéria seja de Direitos Humanos, para os quais a análise recairá no tópico n. 3 desse estudo.
A HIERARQUIA NORMATIVA DOS TRATADOS COMUNS E DE MATÉRIA TRIBUTÁRIANO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Não há, em nossa Constituição Federal, quaisquer dispositivos que estatuam, com clareza, a posição hierárquica dos Tratados comuns em nosso Direito Interno, a saber, aqueles cujo conteúdo não veicule matéria de Direitos Humanos. Nesse contexto, o constituinte originário incumbiu a definição hierárquica dos Tratados comuns, mesmo àqueles de matéria tributária como veremos adiante, aos sabores falíveis e transitórios da opinião doutrinária e à jurisprudência.
Nesse diapasão, o primeiro pronunciamento jurisprudencial a definir o status jurídico dos Tratados comuns no ordenamento brasileiro data de 1977, prolatado em Acórdão do Supremo Tribunal Federal, no RE n. 80.004-SE[10]. Nesse julgado, o STF definiu os Tratados Internacionais comuns como de natureza jurídica de Lei Ordinária Federal, galvanizando-lhes, desse modo, um tratamento paritário ao ordenamento infraconstitucional[11]. Por via das consequências, em havendo conflito entre Tratado e lei interna, a solução é encontrada aplicando-se o critério cronológico da parêmia jurídica lex posterior derogat priori[12]. No escólio abalizado de Valério Mazzuoli,
Desde 1977 vigora na jurisprudência do STF este último sistema, em que o tratado, uma vez formalizado passa a ter força de lei ordinária, podendo, por isso, revogar as disposições em contrário, ou ser revogado (perder eficácia) diante de lei posterior. Em outras palavras, tratando-se de instrumentos internacionais comuns (à exceção dos tratados de direitos humanos), a jurisprudência do STF tem adotado a possibilidade de treaty override no Direito brasileiro, entendendo ser possível a superação de um tratado em virtude da edição de lei posterior. O chamado treaty override – revogação do tratado (expressa ou tacitamente) pela lei posterior incompatível – ainda hoje encontra amparo na jurisprudência da nossa Suprema Corte (MAZZUOLI, 2013, p. 391)
O precedente inaugurado pelo STF em 1977 ensejou interpretação restritiva, inclusive, aos Tratados Internacionais que versam sobre direito tributário. Isso porque o Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66) apregoa em seu art. 98, in verbis, que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 1999, decidiu que “o artigo 98 do CTN, ao preceituar que tratado ou convenção não são revogados por lei tributária interna, refere-se aos acordos firmados pelo Brasil a propósito de assuntos específicos e só é aplicável aos tratados de natureza contratual”[13].
No contexto dos Tratados de matéria tributária, que já têm, per se, status jurídico diferenciado – “supralegalidade”, como veremos – pela dicção do art. 98 do CTN, tanto o STF quando o STJ em seus vaticínios jurisprudenciais têm adotado uma interpretação restritiva do citado dispositivo, entendendo ser o mesmo somente aplicável aos chamados tratados-contratos[14] e não os tratados-normativos[15].
Não obstante a contundente crítica doutrinária contra as decisões do STF e do STJ na aplicação dos recursos hermenêuticos tradicionais de solução de antinomias do Direito interno (os critérios cronológico, o da especialidade, e o hierárquico), em matéria tributária, fato é que todos os Tratados, a priori, de qualquer natureza, possuem uma natureza normativa sui generis quando integram o ordenamento jurídico, haja vista que, além de vincular o ordenamento interno, com a ratificação, o Estado Brasileiro assume compromisso Internacional, podendo ser responsabilizado perante a Sociedade Internacional. À vista disso, quando um Estado assume um compromisso internacional, é toda a Nação que se compromete juridicamente, a saber, toda a comunidade que integra o Estado, compreendidas, portanto, a população, as autoridades e os poderes estatais assentados em seu território (espaços terrestre, marítimo, e aéreo).
Nesse diapasão, mais uma vez a exortação de Valério Mazzuoli se faz pertinente nesse tocante, ad litteram:
A infração ao dever de respeito aos princípios e normas do Direito Internacional, por meio dos poderes do Estado, acarreta sua responsabilidade no plano internacional, que certamente não pode ficar esquecida ou relegada a segundo plano quando de qualquer julgamento pelo Poder Judiciário a envolver tais normas. Vige aqui a regra pacta sunt servanda, universalmente reconhecida como norteadora dos compromissos exteriores do Estado, e expressamente estabelecida pelo art. 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, segundo a qual todo tratado em vigor ‘obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé’ (MAZZUOLI, 2013, p. 397).
Observa-se, mormente com o argumento da responsabilidade do Estado Nação junto à comunidade internacional, que o complexo ato de integração ou internalização do Tratado ao ordenamento jurídico pátrio – ratificação – não pode padecer pela edição de uma simples Lei Ordinária[16]. Somado a isso, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, a qual o Brasil aderiu em 2009, e obrigou o ordenamento interno ao seu cumprimento pelo Decreto n. 7.030/09, é considerada pela doutrina como norma declaratória de Direito Internacional geral[17], constituindo-se, portanto, em uma codificação geral do direito consuetudinário internacional sobre os tratados. Uma vez aderido e obrigatoriamente[18] exigido em nosso ordenamento interno, o Brasil anuiu para com a tradição dos Tratados e à primazia do Direito Internacional sobre o Direito Interno[19], a julgar pelo art. 26 e 27 do Tratado de Viena.
Com efeito, diante da responsabilidade do Estado Nação perante a Sociedade Internacional, constituir-se-ia um contrassenso supor e admitir que um compromisso internacional possa ser revogado por legislação ulterior. Assemelhar-se-ia a permitir que um Estado, unilateralmente, pudesse revogar um compromisso internacional, quando é sabido que para isso é necessário um ato internacional formal que se denomina denúncia[20]. A tese, ainda hegemônica na jurisprudência do STF segundo a qual é lícita a revogação do tratado por lei interna posterior não pondera o fato de que o descumprimento de uma obrigação internacional acarreta responsabilidade internacional do Estado. Como explica Valério Mazzuoli, “a crítica que se faz diz respeito à indiferença que muitos têm tido com o problema sério da responsabilidade do Estado no âmbito internacional” (2013, p. 394).
Não restringido a isso, a interpretação jurisprudencial do STF e do STJ à matéria se ancora, de igual modo, na leitura que se depreende do art. 102, inciso III, alínea b, da Constituição Federal[21]. Assim sendo, entende-se, sobretudo, que, à medida que a Magna Carta apregoa competir ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, “quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”, estaria ela mesma igualando em mesmo nível hierárquico, portanto, os dois diplomas legalmente vigentes. Nesse contexto, em caso de conflito entre a norma internacional e a lei interna, aplicar-se-ia o princípio geral relativo às normas de idêntico valor, isto é, o critério cronológico, em que a norma mais recente revoga a anterior que com ela conflita. Dessa forma, à luz da leitura do sobredito artigo Constitucional, qualquer Tratado internacional comum e de natureza tributária, inclusive, uma vez ratificado pelo Brasil e devidamente promulgado, passaria a fazer parte do nosso Direito Interno com status de lei ordinária federal.
Mesmo que a Constituição Federal preveja a possibilidade de questionamento, pela via difusa, da “Constitucionalidade” de um Tratado Internacional, fato é que o desvínculo jurídico do Estado Brasileiro para com um ato internacional (Tratado ou Convenção) celebrado e ratificado, também ocorre internacionalmente pelo instituto da denúncia. Conquanto detenha o Estado à jurisdição para dizer o Direito aplicável à determinada situação de fato, deve ele respeitar os princípios e regras acolhidos pela sociedade internacional, que em relação a ele se sobrepõem, limitando-lhe o poder de legislar, sob pena de ver-se sujeito a medidas coercitivas que lhe venham a ser impostas pela sociedade internacional organizada. Nesse sentido, se o Congresso Nacional confere aquiescência ao aprovar um Tratado ou Convenção Internacional, é porque implicitamente reconhece que, se ratificando o acordo pelo poder discricionário[22] do Presidente da República, está impedido de editar normas posteriores que o contradigam. Conforme pontua Valério Mazzuoli, “assume o Congresso, por conseguinte, verdadeira obrigação negativa, qual seja, a de se abster de legislar em sentido contrário às obrigações assumidas internacionalmente” (2013, p. 396).
Em suma, não obstante o entendimento tanto do STJ quanto do STF acerca da posição hierárquica dos Tratados comuns e de matéria tributária no nosso Direito Interno, que os considera em paridade com a lei infraconstitucional (status de lei ordinária federal), a doutrina por outro lado se posiciona em uníssono, no sentido que tais Diplomas Internacionais, uma vez ratificados pelo Brasil, possuem natureza supralegal, a saber, em um grau hierárquico intermediário, localizando-se logo abaixo da Constituição, no entanto acima da legislação infraconstitucional, invulneráveis, portanto, à revogação da lei posterior (dado não se encontrarem em relação de paridade normativa com as demais leis federais) (ACCIOLY, 1956, pp. 121-124). Mister se faz, doravante, analisarmos a natureza jurídica dos Tratados sobre Direitos Humanos.
OS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E A INCONGRUÊNCIA DA EMENDA n. 45/2004
A propósito da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado Brasileiro já se encontrava em sintonia a uma óptica internacional marcadamente humanizante e protetiva, de modo a integralizar o protagonismo dos Direitos Humanos no corpo textual da Carta Política. Nesse contexto, a Constituição de 1988 consolidou a dignidade da pessoa humana (art.1º, inc. III) e a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inc. II) em princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Este último princípio é, inclusive, postulado pelo qual o Brasil se engaja na regência em suas relações internacionais. Com efeito, ao dizer “prevalência dos direitos humanos”, a Constituição está a ordenar à jurisdição brasileira que respeite as decisões ou recomendações (quando mais favoráveis à pessoa humana) provindas da ordem internacional, em especial das instâncias judiciais de proteção, como a Corte Internacional de Justiça junto a ONU e a Corte Interamericana de Justiça junto a OEA.
Essa postura brasileira, inclusive, consigna textualmente sua vocação ao monismo internacionalista dialógico[23], a significar que, quando Tratados de Direitos Humanos contenham disposições mais benéficas e favoráveis a pessoa humana, as mesmas deverão ser aplicadas de modo a suspender a aplicação das disposições em contrário, conforme iremos analisar os leading cases do “Depositário Infiel”, e da recente decisão envolvendo a admissibilidade dos Embargos Infringentes, no famoso caso “Mensalão”, junto ao STF quando este competente para julgar originariamente, e portanto, em única instância, casos envolvendo foro privilegiado.
Com o advento da Carta de 1988, assim, instituíram-se, no Direito pátrio, novos princípios jurídicos que instauram um novo epicentro axiológico a todo o sistema normativo brasileiro, cujo campo magnético deve ser observado na exegese Constitucional e infraconstitucional. Nesse sentido, aliado aos primeiros artigos da Constituição Federal (arts. 1º ao 4º), o art. 5º, § 2º assim vaticina:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte
Nesse contexto, em matéria de princípios e garantias individuais da pessoa humana, a Constituição com a disposição do §2º do seu art. 5º, reconhece uma dupla fonte normativa, a saber: 1) Aquela advinda expressa e implicitamente do próprio art. 5º, e demais princípios esparsos ao longo do corpo textual da Carta Política, a exemplo, neste último caso, do princípio da anterioridade tributária (art. 150, inc. III, alínea b)[24] e; Aquel’outra advinda do Direito Internacional, a saber, dos Tratados e Convenções de direitos humanos ratificados pelo Estado Brasileiro. Portanto, a Constituição, em matéria de diretos humanos, porque coadunados ao sistema de princípios e garantias individuais, declara que Tratados Internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil tem status automático de fonte e Norma Constitucional, e os faz residir, desse modo, no mesmo plano de eficácia e igualdade daqueles direitos, expressa ou implicitamente, consagrados pelo texto Constitucional, possuindo aplicação imediata em consonância a disposição do §1º do art. 5º, da Constituição Federal. Segundo a preclara posição de Valério Mazzuoli, in verbis:
E esta dualidade de fontes que alimenta a completude do sistema significa que, em caso de conflito, deve o intérprete optar preferencialmente pela fonte que proporciona a norma mais favorável à pessoa protegida (princípio internacional pro homine), pois o que se visa é a otimização e a maximização dos sistemas (interno e internacional) de proteção dos direitos e garantias individuais (MAZZUOLI, 2013, p. 869).
Mesmo com a clareza que o texto da Constituição Federal parece reluzir, o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, todavia, tem atribuído, em diversos julgados, ora natureza de lei ordinária[25], ora status supralegal. A consolidação do entendimento acerca do caráter supralegal dos Tratados de direitos humanos despontou no julgado RHC 79.785-RJ/00, no voto do Ministro Sepúlveda Pertence, culminando com o leading case do “Depositário Infiel” no RE 466.343-1/SP, de 2008. Por conta dessas controvérsias inseridas no contexto de decisões do STF, o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004 acresceu o §3º ao art. 5º da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte:
Os tratados e convenções internacionais sobre direito humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
A redação do dispositivo é materialmente idêntica à do art. 60, §2º, da Constituição Federal, que trata do quorum específico para a deliberação e a aprovação de Emendas Constitucionais, de modo que o Poder Constituinte Derivado pretendeu, desse modo, conferir status de Norma Constitucional aos Tratados sobre direitos humanos que por ventura viessem a ser aprovados pelo rito desse novel dispositivo Constitucional. De 2004 até hodiernamente, uma única Convenção fora ratificada com a aprovação congressual pelo rito do art. 5º, parágrafo 3º, a saber, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 – (Decreto n. 6.949/2009). A disposição Constitucional decorrente da Emenda 45/2004 permaneceu em vias de obscuridade, tanto quanto a oscilação jurisprudencial, pois, promoveu patente desigualdade de sistemas de proteção de direitos humanos, ao promover uma “duplicidade de regimes jurídicos” para diplomas normativos iguais. Conforme observa Mazzuoli, nestes termos:
Ao criar as “categorias” dos tratados de nível constitucional e supralegal (caso sejam ou não aprovados pela dita maioria qualificada), a tese da supralegalidade acabou por regular instrumentos iguais de maneira totalmente diferente (ou seja, desigualou os “iguais”), em franca oposição ao princípio constitucional da isonomia. Daí ser equivocado alocar certos tratados de direitos humanos abaixo da Constituição e outros (também de direitos humanos) no mesmo nível dela, sob pena de se subverter toda a lógica convencional de proteção de tais direitos [...].
A questão alçaria alto relevo à conta do fato de o Brasil já ser signatário de quase a totalidade dos Tratados sobre Direitos Humanos no sistema global e regional[26], de modo que a indagação residiria no fato de estes possuírem status outro que não de norma Constitucional. Com efeito, mesmo que nos julgados do STF, representativos de leading cases na matéria de direitos humanos, não obstante haja a atribuição hoje, a priori, aos Tratados sobre direitos humanos como se de natureza supralegal fossem – acaso não tramitados pelo quorum qualificado do §3º, do art. 5º -, o fato é que o alcance e efeito jurídico dado pelo STF para a matéria implicam na decretação de “letra morta” ao referido §3º acrescido pela Emenda 45/2004. O problema emergente, assim sendo, é o de saber se os tratados de direitos humanos ratificados anteriormente à entrada em vigor da Emenda n. 45, a exemplo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e tantos outros, perderiam o status de norma Constitucional que paradoxalmente já o tinham com a simples leitura do art. 5º, §2º, da mesma Constituição Federal, caso agora não sejam aprovados pelo quorum do §3º.
Ora, restou evidente a partir do leading case do “Depositário Infiel”, com o ponderado voto-vista do Ministro Gilmar Mendes, que a natureza de Tratados de direitos humanos tem o potencial Constitucional equivalentes, per se, de Emendas, haja vista a interpretação hegemônica aplicada ao caso concreto haver resolvido, na época, pela determinação da suspensão da aplicação da parte final do art. 5º, inc. LXVII[27], da Constituição Federal, culminando na edição da Súmula Vinculante n. 25[28]. Nesse contexto, ao aplicar o art. 7º, n. 7, do Pacto de São José da Costa Rica[29], o Plenário do STF, à luz do art. 5º, §2º da Carta Política, aplicou a norma mais favorável, na hipótese dessa antinomia evidente entre art. 5º, inc. LXVII da Constituição, com a disposição do Pacto de São José que proíbe a prisão civil do depositário infiel. O próprio Ministro Gilmar Mendes, no caso, ciente de amplitude conferida à decisão, já declara a possível ponderação acerca da eventual defasagem da postura que considera os Tratados de direitos humanos sem o quorum do §3º, do art. 5º, apenas com status supralegal[30]. Resta evidente, desse modo, que o potencial de um Tratado, tal como o Pacto de São José, em suspender, para não se incorrer na a-tecnia em afirmar revogar[31], dispositivo Constitucional admitido como cláusula pétrea, só pode se traduzir pelo seu caráter de Norma Constitucional, como já decorria da simples leitura do art. 5º, §2º, da Constituição Federal.
A propósito do recente caso repercutido e veiculado vultuosamente na grande mídia acerca dos “Embargos Infringentes” nos autos da AP 407 (caso Mensalão) retratam-se dois aspectos relevantes, a serem ressaltados, que foram enfatizados pelo Ministro Celso de Mello[32]: 1) A recepção do Regimento Interno do STF que prevê os Embargos Infringentes em seu art. 333, Inciso I, por parte da Constituição de 1988, sem que, contudo a Lei n. 8.038/90 houvesse revogado o tal instituto benéfico ao Réu (conflito intertemporal de normas); 2) Matéria que envolve o pleno exercício de defesa ou “proteção judicial efetiva” que, por sua vez, expressa Direito Humano fundamental garantido pelo Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, n.2, alínea “h”[33]), ao qual o Brasil se faz signatário e, portanto, reconhece-o a título de norma supralegal, muito embora, no voto, o Ministro reconheça, em sua opinião particularmente, o caráter de Norma Constitucional, conforme a simples leitura do art. 5º, §2º da Constituição Federal.
Com efeito, além de o Ministro citar e enfatizar, no caso, o artigo 8º, inciso II, letra “h”, do Tratado Internacional, que assegura a toda pessoa o direito ao duplo grau de jurisdição e, se condenada, “de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”; do mesmo modo, segundo ele, o Brasil, ao ratificar o Pacto de São José, admitiu reconhecer a competência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação daquela Convenção. O direito ao duplo grau de jurisdição, consoante adverte a Corte Interamericana de Direitos Humanos, é também invocável mesmo nas hipóteses de condenações penais em decorrência de prerrogativa de foro, decretadas, em sede originária, por Cortes Supremas de Justiça estruturadas no âmbito dos Estados integrantes do sistema interamericano que hajam formalmente reconhecido, como obrigatória, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação do Pacto de São José da Costa Rica.
O Brasil, apoiando-se em soberana deliberação, submeteu-se à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que significa – considerado o formal reconhecimento da obrigatoriedade de observância e respeito da competência da Corte (Decreto nº 4.463/2002) – que o Estado brasileiro comprometeu-se, por efeito de sua própria vontade político-jurídica, “a cumprir a decisão da Corte em todo caso” de que é parte (Pacto de São José da Costa Rica, Artigo 68[34]).
A questão central, neste tema, considerada a limitação da soberania dos Estados (com evidente afastamento das concepções de Estado e Soberania à luz da filosofia política de Jean Bodin[35] e Thomas Hobbes[36]), notadamente em matéria de Direitos Humanos, e a voluntária adesão do Brasil a esses paradigmáticos estatutos internacionais de proteção regional e global aos direitos básicos da pessoa humana, consiste em manter fidelidade aos compromissos que o Estado brasileiro assumiu na ordem internacional. Isso porque, ao ver do STF, em estrita consonância ao Direito Internacional, opera o clássico dogma – reafirmado pelo Artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados –, segundo o qual pacta sunt servanda, sendo-lhe inoponíveis, consoante diretriz fundada no Artigo 27 dessa mesma Convenção de Viena, as disposições do direito interno do Estado nacional, que não poderá justificar, com base em tais regras domésticas, o inadimplemento de suas obrigações convencionais, sob pena de cometer grave ilícito internacional.
Essa compreensão do tema – notadamente em situações como a julgada no caso Mensalão, na qual o Supremo Tribunal Federal se vê dividido na exegese de um dado preceito normativo – permite realizar a cláusula inscrita no art. 29[37] da Convenção Americana de Direitos Humanos, que confere, no domínio de interpretação dos direitos e garantias fundamentais, primazia à norma mais favorável, ou seja, dando efetividade ao princípio geral de direito internacional pro homine.
À vista disso tudo, é possível concluir que Tratados Internacionais sobre direitos humanos, seja qual for a forma de sua recepção ao ordenamento jurídico brasileiro, após sua ratificação, a saber, pelo quorum qualificado do §3º, ou sem o quorum (§2º), ambos do art. 5º, da Constituição, têm, automaticamente, status de Norma Constitucional. Razões doutrinárias e Constitucionais não faltam para esse entendimento, bem como a forte tendência demonstrada pelos recentes julgados no STF têm demonstrado que essa postura ainda tímida de declaração Constitucional aos sobreditos Tratados, tende a se tornar hegemônica, o que tornará ressentida de inaplicabilidade prática, porque “letra morta”, a regra trazida pela emenda n. 45/2004.
CONCLUSÃO
Conforme se procurou esclarecer nesse estudo, os tratados internacionais, sem distinção, e antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45/2004 se submetiam a processualística comum, sem detalhes a mais a ser observado. Com o advento da Emenda n. 45, os Tratados sobre direitos humanos podem ser submetidos à aprovação do Congresso Nacional sob quorum específico (art. 5º, §3º), a saber, o de 3/5 (três quintos), em dois turnos, em cada casa, para aprovação de Emendas Constitucionais.
Nesse contexto, podemos concluir o seguinte: 1) Em se tratando de posicionamento doutrinário mais acertado e, inclusive, majoritário, tem-se que (i) tratados internacionais comuns e os de matéria tributária possuem natureza supralegal quando integralizados no ordenamento jurídico brasileiro, isto é, residem imediatamente abaixo da Constituição, porém imediatamente acima das leis infraconstitucionais, e (ii) em se tratando de tratados internacionais sobre direitos humanos, todos, sem exceção, possuem natureza de Norma Constitucional, dado que, não obstante o rito especial ditado pelo advento da Emenda n. 45, o próprio art. 5º, §2º, afirma que os princípios e garantias fundamentais expressos na Carta Política não excluem os Tratados Internacionais aos quais faça parte o Brasil, de modo que estes, quando veiculem matéria de direitos humanos, passam a integrar o denominado bloco de constitucionalidade; 2) Em se tratando de posicionamento jurisprudencial, principalmente o do Supremo Tribunal Federal, tem-se que (i) tratados internacionais comuns e os de matéria tributária, inclusive, possuem natureza de normas infraconstitucionais (leis ordinárias) quando integralizados no ordenamento jurídico brasileiro, e (ii) em se tratando de tratados internacionais sobre direitos humanos, (a) aqueles ratificados anteriormente ao advento da Emenda n. 45, a exemplo do Pacto de São José da Costa Rica, possuem natureza supralegal, enquanto (b) aqueles ratificados sob os auspícios do rito do art. 5º, §3º, da Constituição Federal, terão status de Norma Constitucional porque expressamente equiparados à Emenda Constitucional.
Em suma, mesmo com o reticente avanço jurisprudencial em considerar os tratados internacionais de direitos humanos ratificados anteriormente ao advento da Emenda n. 45, como de natureza supralegal, e os indicativos lançados em recentes votos dos Magistrados do alto escalão jurisdicional (STF), observa-se, contudo, que seria mais acertado, e em consonância ao espírito contemporâneo de protagonismo dos Direitos Humanos, se determinasse expressamente que todos os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil tenham hierarquia constitucional com, portanto, aplicação imediata e, sobretudo, prevalência sobre as normas Constitucionais no caso de suas normas serem mais benéficas a pessoa humana.
Seja como for, considerando a forma como foram interpretados dispositivos diversos de Tratados Internacionais sobre direitos humanos, no âmbito do STF, de modo a darem efetivo alcance e eficácia Constitucional ao princípio internacional pro homine, suspendendo-se, inclusive, a aplicação de normativa Constitucional inserta no âmbito das garantias e princípios individuais (Vide o caso “Depositário Infiel” com a subseqüente edição de Súmula Vinculante n. 25), é possível se concluir que a distinção concebida pelo advento da Emenda n. 45 é uma pseudo distinção, de modo que seu enunciado se torna “letra morta” diante do alcance jurídico proferido nas diversas decisões do Supremo Tribunal Federal, dado que, na perspectiva da aplicabilidade dos Tratados Internacionais sobre direitos humanos, todos têm natureza Constitucional.
REFERÊNCIAS
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[1] Locução cunhada por Hannah Arendt, teórica judia radicada nos Estados Unidos da América, em sua obra As Origens do Totalitarismo, na qual afirma, sobretudo, a ideia de que o indivíduo é conditio sine qua non para que, em uma sociedade homogênea e igualitária, possa realizar plenamente os direitos humanos fundamentais. (Cf. ARENDT, 1989, pp. 324-331).
[2] Não se pretende nesse estudo, enviesar qualquer análise crítico-filosófica em favor ou desfavor aos desdobramentos históricos que a locução “direitos humanos” carrega, tal como o fizeram, a título de exemplo, magistralmente os filósofos e teóricos Slavoj ?i?ek em seu artigo “Contra os Direitos-Humanos”, Carl Schmitt em suas obras “O Conceito do político” e “A crise da democracia parlamentar”, e a própria Hannah Arendt em sua “As origens do totalitarismo”, aos quais se remete o leitor.
[3] Cf. MAZZUOLI, 2013, pp. 861-862; LEWANDOWSKI, 1984, pp.76-84 e; PIOVESAN, 2006, pp. 107-115.
[4] A noção de sistema tem grande relevo não somente em matéria de Direitos Humanos, mas, sim, em todo âmbito do Direito das Gentes. A própria Carta da ONU – considerada norma fundamental, mesmo que de fato não seja, do Direito Internacional – estatui em seu art. 13. §1º, alínea a, que compete à Assembleia-Geral iniciar estudos e fazer recomendações destinadas a “incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação. Por sua vez, a Comissão de Direito Internacional (CDI) das Nações Unidas, criada para esse propósito de sistematização do Direito Internacional expressa em seu artigo 15 que “a expressão desenvolvimento progressivo do direito internacional é empregada por comodidade, para cobrir os casos em que se trata de redigir convenções sobre assuntos que não são ainda regulados pelo Direito Internacional ou relativamente os quais o Direito ainda não se acha suficientemente desenvolvido na prática dos Estados”, agregando que a expressão codificação – também utilizada para fins de comodidade – serve para “indicar os casos em que se trata de formular com mais precisão e sistematizar as regras do Direito Internacional nos domínios onde já existam considerável prática de Estados, precedentes e opiniões doutrinárias”. Nesse contexto, o Direito Internacional, como um todo, demanda, como leciona Hildebrando Accioly, a necessidade de codificação, não obstante os desafios que tal empreendimento demanda, haja vista ser – a norma escrita – além de mais nítida e de mais fácil aplicação que a regra costumeira, tem também a vantagem de estimular o recurso aos métodos jurídicos na solução de controvérsias (Cf. ACCIOLY, 1956, p. 93).
[5] Cf. MAZZUOLI, 2010, pp.105-116
[6] Cf. Idem, ibidem; TRINDADE, 2000, p. 26; PIOVESAN, 2006, p. 225.
[7] Não obstante o art. 21, Inciso I, da Constituição Federal atribua a União a competência de “manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”, não é a União quem celebra tratados, mas, sim a República Federativa do Brasil, da qual a União é apenas parte. Conforme leciona José Afonso da Silva “a União é a entidade federal formada pela reunião da spartes componentes, constituindo pessoa jurídica de Direito Público Interno, autônoma em relação às unidades federadas (ela é unidade federativa, mas não é unidade federada) e a que cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro. Estado federal, com o nome de República Federativa do Brasil, é o todo, ou seja, o complexo constituído da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, dotado de personalidade jurídica de Direito Público internacional” (SILVA, 2008, p. 493).
[8] Conforme o magistério de H. Accioly e José F. Rezek, a ratificação dever ser entendida como o ato por meio do qual a mais alta autoridade do Estado, com competência constitucional para concluir tratados, confirma a assinatura do acordo elaborado pelos seus plenipotenciários e exprime, definitivamente, no plano internacional, a vontade do Estado, em obrigar-se pelo tratado, com o compromisso de fielmente executá-lo (Cf. ACCIOLY, 1956, p. 574; REZEK, 1984, p. 267).
[9] À esta sucessão de atos culminante à ratificação, a doutrina mais autorizada denominou, pois, a ratificação em si, como um ato subjetivamente complexo (Cf. MELLO, 1966, p. 64; bem como os autores ali mencionados pelo publicista).
[10] Julgado em 01/06/1977 (In: RTJ83/809 e ss.).
[11] Cf. REZEK, 2002, p. 97.
[12] “Lei posterior derroga lei anterior”. É preciso sublinhar a imprecisão do brocardo, haja vista que o instituto da “derrogação” é espécie do gênero revogação, que contém, ainda, a espécie “ab-rogação”. “Derrogação” significa revogação parcial de lei, enquanto “ab-rogação” designa a revogação total de lei. É sabido dentre as operações do nosso Direito interno (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei n. 4.657/42) que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Nesse contexto, lei posterior pode vir regular matéria específica da lei anterior, sem que com relação a esta haja aplicação do instituto da revogação, senão a exegese do critério da especialidade.
[13] REsp. 196560/RJ, rel. Ministro Demócrito Reinaldo, julg. 18/03/1999, DJ 10/05/1999, p. 118.
[14] Tratados ou convenções internacionais normalmente bilaterais que não conduzem à criação de uma regra geral e abstrata de Direito Internacional, mas, sim, à estipulação recíproca e concreta das respectivas prestações individuais com fins comuns (Cf. MAZZUOLI, 2013, pp. 212-13).
[15] Os quais, por sua vez, criam normatividade geral de Direito Internacional, constituindo-se normalmente em grandes convenções multilaterais (Cf. Idem, p. 212).
[16] Cumpre esclarecer, ademais, que do ponto de vista do Direito Internacional, o Brasil aderiu à Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, em 2009, pelo Decreto n. 7.030/09, sem qualquer tipo de reserva (instituto de Direito Internacional) ao art. 27 que vaticina acerca do Direito Interno e Observância de Tratados o seguinte: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46”. Este artigo 46, a seu turno, explica uma hipótese muito excepcional de nulidade de Tratado nos seguintes termos: “1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental. 2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa fé”.
[17] Cf. BUERGENTHAL et all., 1994, p.79.
[18] Uma vez ratificado e, segundo o STF, depois de editado o decreto de execução (que promulga e publica o Tratado), o Tratado tem o efeito de revogar disposições conflitantes e poder ser exigido nas instâncias jurisdicionais internacionais (Vide, a título de exemplo os artigos 102 e 103 da Carta da Organização das Nações Unidas – ONU) (Cf. REZEK, 1984, p. 394-95; MAZZUOLI, 2013, p. 388-9).
[19] Tema esse assaz discutido à luz das teorias dualistas e monistas, que pela extensão não pode ser merecidamente atendido nesse estudo, haja vista a eminente questão dos limites da Soberania Estatal ser a protagonista da relação entre o Direito Internacional Público e o Direito Interno Estatal.
[20] Entende-se por denúncia o ato unilateral pelo qual um partícipe em dado tratado exprime sua vontade de deixar de ser parte do compromisso internacional. Este instituto está previsto no art. 56 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969.
[21] “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: [...] b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;”.
[22] Por ser ato internacional de excelência política, e por isso mesmo fadado a conveniência e oportunidade política, diz-se ser um ato discricionário do Chefe do Poder Executivo da União, em sua atribuição de Chefe de Estado (Nesse sentido conferir MAZZUOLI, 2013, p. 246). Por outro vértice, a Convenção de Havana sobre Tratados, a qual o Brasil é signatário ante o Decreto 18.956/29, vaticina que: “Art. 7º. A falta de ratificação ou a reserva são atos inerentes à soberania nacional e, como tais, constituem o exercício de um direito, que não viola nenhuma disposição ou norma internacional. Em caso de negativa, esta será comunicada aos outros contratantes”.
[23] Expressão doutrinária concebida por Valério Mazzuoli, segundo o qual “no que tange ao tema dos ‘direitos humanos’ é possível falar na existência de um monismo internacionalista dialógico. Ou seja, se é certo que à luz da ordem jurídica internacional os tratados internacionais sempre prevalecem à ordem jurídica interna (concepção monista internacionalista clássica), não é menos certo que em se tratando dos instrumentos que versam direitos humanos pode haver coexistência e diálogo entre eles e as normas de Direito interno. Em outros termos, no que tange às relações entre os tratados internacionais de direitos humanos e as normas domésticas de determinado Estado, é correto falar num ‘diálogo das fontes’” (2013, p. 102).
[24] Conforme apontado por Ricardo Chimenti, “o STF já reconheceu que a garantia estabelecida pelo princípio da anterioridade caracteriza garantia individual, é cláusula pétrea, ou seja, não pode ser abolida ou substancialmente alterada por emenda à Constituição (ADIn 939-7/DF)” (2008, p. 25).
[25] Atribuindo o status de paridade com a legislação infraconstitucional vide, principalmente, o julgamento do HC 72.131-RJ/95, com a relatoria do Ministro Celso de Mello.
[26] São exemplos desses instrumentos já incorporados, no contexto do sistema interamericano a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988), o Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte (1990), da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985), da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), da Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores (1994), e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999), além nos inúmeros já ratificados do sistema global de proteção dos direitos humanos.
[27] “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”.
[28] “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
[29] “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
[30] Conforme seu entendimento, “é preciso ponderar, no entanto, se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos, essa jurisprudência não teria se tornado completamente defasada” (MENDES, RE 466.343-1/SP, p. 14).
[31] Afinal, seja como for, não se está em pauta normas jurídicas de mesma espécie, pois mesmos os Tratados aprovados pelo rito do art. 5º, §3º, são equiparados à Emendas Constitucionais.
[32] Dado o empate para com a admissibilidade dos embargos infringentes, ao referido Ministro competiu prolatar/proferir o “Voto de Minerva”, publicado aos 18/09/2013.
[33] “Direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”.
[34] “Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”.
[35] Cf. BODIN, 1599.
[36] Cf. HOBBES, 2003; Idem, 2003-B.
[37] “Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados; c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza”.
Advogado e Professor Universitário das disciplinas de Filosofia do Direito, Direito Constitucional, e Direito Internacional (Público e Privado). Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATISTELLA, Marco Antonio. A integração e eficácia dos tratados internacionais de direitos humanos no Estado brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36863/a-integracao-e-eficacia-dos-tratados-internacionais-de-direitos-humanos-no-estado-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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