A licitação pública é o processo seletivo, mediante o qual a Administração Pública oferece igualdade de oportunidade a todos os que com ela queiram contratar, preservando a eqüidade no trato do interesse público, tudo a fim de cotejar propostas para escolher uma ou algumas delas que lhe sejam a mais vantajosa. Na qualidade de processo seletivo em que se procede ao cotejo de propostas, a licitação pública pressupõe a viabilidade da competição. Se não houver viabilidade de competição, por corolário, não haverá licitação pública, revelando os casos denominados de inexigibilidade. Essa, inclusive, é a exata dicção do inciso XXI do art. 37 da Carta Magna e do caput do artigo 25 da Lei n. 8.666/93, a seguir transcritos:
“XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:”(grifo nosso)
Deste modo, sempre que inviável a competição, sucede inexigibilidade de licitação pública, cabendo à comunidade jurídica sistematizar os casos mais freqüentes, sem pretender exauri-los, pois o próprio enunciado está em aberto. Ou seja, por mais que seja conveniente inventariar os casos de inexigibilidade, tal possibilidade jamais se completará, na medida em que o caput do artigo 25 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos se refere amplamente à inviabilidade de competição. Por isto, por maiores que sejam os esforços para inventariar todos os casos de inexigibilidade, podem surgir outros, que talvez até se tornem bastante freqüentes.
Conforme ensina o Professor Jorge Ulisses Jacoby na excelente monografia “Contratação Direta Sem Licitação”, 3ª ed. Brasília Jurídica, 1997, pág. 326:
“O estudo da inexigibilidade de licitação repousa numa premissa fundamental: a de que é inviável a competição, seja porque só um agente é capaz de realizá-la nos termos pretendidos, seja porque só existe um objeto que satisfaça o interesse da Administração. Daí porque não se compreende que alguns autores e julgados coloquem lado a lado dois conjunto de idéias antagônicos, quando firmam o entendimento de que há singularidade, que o agente é notório especialista, mas que mesmo existindo mais de um agente capaz de realizá-lo a licitação é inexigível, abandonando exatamente o requisito fundamental do instituto, constante do caput do art. 25, da Lei 8.666/93”.
Ademais, da leitura do caput do artigo 25 da Lei n. 8.666/93 tem-se entendido que o legislador, após ter traçado a inexigibilidade sob o espectro da inviabilidade de competição, se preocupou em elucidar algumas hipóteses especiais dela, sem pretender exauri-las. Tratou de dispor das hipóteses de inexigibilidade mais usuais, disciplinando critérios e o modo como o agente administrativo deve proceder em relação a elas. O mencionado dispositivo estabelece o seguinte:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
(...)
VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
(...)” (grifo nosso)
Sistematizando o art. 25, II, da Lei n. 8.666/93, vemos que a inexigibilidade é possível na contratação de (I) serviços técnicos enumerados no art. 13 da Lei 8.666/93, (II) de natureza singular, (III) com profissionais ou empresas de notória especialização. Nesse sentido estabelece a Súmula 252 do TCU:
“A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei n. 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.” (destacamos)
Jorge Ulisses Jacoby Femandes[1] detalha com clareza o inciso II do art. 25 da Lei de Licitações:
"A inviabilidade da competição ocorrerá na forma desse inciso se ficar demonstrado o atendimento dos requisitos, que devem ser examinados, na seguinte ordem:
a) referentes ao objeto do contrato:
que se trate de serviço técnico;
que o serviço esteja elencado no art. 13 da Lei nº 8.666/93;
que o serviço apresente determinada singularidade;
que o serviço não seja de publicidade ou divulgação;
b) referentes ao contratado:
que o profissional detenha a habilitação pertinente;
que o profissional ou empresa possua especialização na realização do objeto pretendido;
que a especialização seja notória;
que a notória especialização esteja relacionada com a singularidade pretendida pela Administração.” (grifamos)
Dessa forma, considerando os requisitos legais e o entendimento da doutrina e do TCU sobre o assunto, a inexibilidade de licitação com fundamento no inciso II art. 25 da Lei de Licitações está vinculada à conjunção dos três dos requisitos legais: (I) serviços técnicos enumerados no art. 13 da Lei 8.666/93, (II) de natureza singular, (III) com profissionais ou empresas de notória especialização. Não sendo atendido algum desses pressupostos, incabível a contratacão com fulcro no referido dispositivo legal.
Quanto à notória especialização prevista no citado dispositivo legal, a própria Lei de Licitações incumbiu de conceitua-la no § 1º do art. 25. Senão vejamos:
“Art. 25 (...);
§ 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”
Temos que o requisito da notória especialização tem a finalidade de evitar que a Administração, frente à contratação sem licitação pela impossibilidade de critérios objetivos de julgamento, contrate quem ela bem entender, evitando assim o despropósito da contratação de entes não qualificados para a execução de serviços de natureza singular.
Sobre a prerrogativa da Administração de avaliar a notória especialização do candidato, invocamos ensinamentos de Eros Roberto Grau[2]:,
“... Impõem-se à Administração - isto é, ao agente público destinatário dessa atribuição - o dever de inferir qual o profissional ou empresa cujo trabalho é, essencial e indiscutivelmente, o mais adequado àquele objeto. Note-se que embora o texto normativo use o tempo verbal presente (‘é, essencial e indiscutivelmente, o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato’), aqui há prognóstico, que não se funda senão no requisito da confiança. Há intensa margem de discricionariedade aqui, ainda que o agente público, no cumprimento daquele dever de inferir, deva considerar atributos de notória especialização do contratado ou contratada.”
É o entendimento dominante na doutrina e do próprio Tribunal de Contas da União que a lei não exige que o notório especialista seja famoso ou reconhecido pela opinião pública. De acordo com o texto legal, o conceito do profissional, no campo de sua especialidade, decorre de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades. Citamos novamente Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[3]:
"A reputação da notoriedade só precisa alcançar os profissionais que se dedicam a uma atividade, sendo absolutamente dispensável, ou impertinente, a fama comum, que a imprensa não especializada incentiva”.
Portanto, cabe à Administração avaliar se o futuro contratado é ou não notório especialista no objeto singular demandado pela entidade, baseando-se, para tal julgamento nos estudos, experiências, publicações, organizações, aparelhamento e nos demais requisitos previstos no § 1º do art. 25 da Lei de Licitações.
Vale registrar ainda que a contratação de notório especialista, somente é cabivel quando se tratar de servico de natureza singular que exija grau de subjetividade insuscetível de ser aferido por critérios objetivos de qualificacão, nos termos da Súmula do TCU 264, in verbis:
"A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei n. 8.666/93.”
Assim, a notória especialização, que deve ser pública e manifesta na contratação de serviço singular, deverá ser demonstrada através de atividades desenvolvidas pelo contratado, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com a sua especialidade que comprovam ser o contratado um especializado no assunto.
Procurador Federal. Especialista em Direito Sanitário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Maxiliano D'avila Cândido de. A notória especialização na inexigibilidade de licitação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36936/a-notoria-especializacao-na-inexigibilidade-de-licitacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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