No âmbito federal, a Lei 9.790/99, regulamentada pelo Decreto n. 3.100/99, disciplinou a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Nesse exercício a definiu como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada por iniciativa de particulares, cujos objetivos sociais se enquadram em pelo menos uma das finalidades previstas em seu art. 3º. Vejamos:
“Art. 3º. A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:
I – promoção da assistência social;
II – promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III – promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;
IV – promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata essa Lei;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável:
VII – promoção do voluntariado;
VIII – promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza:
IX – experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X – promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;
XI – promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;
XII – estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informação e conhecimento técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo.
Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recurso físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e os órgãos do setor público que atuem em áreas afins”.
Consoante o disposto no retro-mencionado artigo, a instituição de direito privado, sem finalidade lucrativa, somente poderá ser considerada uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) se tiver como objeto social uma das finalidades ali previstas. A norma traz as possibilidades de sua atuação, não podendo estar voltada para toda e qualquer finalidade. Trata-se do desempenho de serviços sociais não exclusivos do Estado e de interesse da coletividade. Devendo ainda, observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência.
Assim, o interesse público motivador da criação de uma OSCIP está previamente definido no citado art. 3º da Lei 9.790/99, não podendo ser ampliado ou restringido através de Termo de Parceria. A atividade desempenhada pela instituição deverá se enquadrar dentre uns dos objetivos previstos na lei, caso contrário não será considerada uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.
O núcleo central da criação de uma OSCIP é a possibilidade de realizar parcerias com o Poder Público, através de Termo de Parceria, na busca de interesses comuns e benéficos à coletividade. O termo de parceria destina a formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução de atividades consideradas de interesse público. Assim, é evidente a intenção da lei de viabilizar a cooperação pública às iniciativas privadas de interesse público, sem ensejar, é claro, renúncia de competências por parte do Estado. Nessa linha segue entendimento de Raquel Melo Urbano de Carvalho[1] e orientação normativa da AGU[2]:
“Tendo em vista as significativas controvérsias a propósito da constitucionalidade da Lei Federal nº 9.637, bem como a necessidade de incrementar o Terceiro Setor no Brasil, adotou-se um novo modelo que mantém o objetivo de viabilizar que a Administração Pública fomente a atividade particular de interesse público. Embora seja clara a intenção de incentivar a iniciativa privada em favor do bem comum, buscou-se deixar mais evidente a impossibilidade de o novo instrumento ensejar renúncia do Estado ao exercício das suas competências, mediante transferência das mesmas ao setor privado. A intenção é de apenas viabilizar a cooperação pública às iniciativas particulares que satisfazem demandas sociais, sem qualquer renúncia ao dever estatal de prestar serviço público.
Orientação Normativa n. 29/AGU
A Administração Pública pode firmar termo de parceria ou convênio com as Organizações Sociais de Interesse Público - OSCIPs. Há necessidade da devida motivação e justificação da escolha efetuada. Após a celebração do instrumento, não é possível alterar o respectivo regime jurídico, vinculando os partícipes.” (grifamos)
Por sua vez, o art. 6º do Decreto n. 3.100/99 traz algumas definições para fins de interpretação do art. 3º da Lei 9.790/99, devendo ser observado quando da formalização de Termo de Parceria. Senão vejamos:
“Art. 6º. Para fins do art. 3º da Lei nº 9.790, de 1999, entende-se:
I – como Assistência Social, o desenvolvimento das atividades previstas no art. 3º da Lei Orgânica da Assistência Social;
II – por promoção gratuita da saúde e educação, a prestação destes serviços realizada pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público mediante financiamento com seus próprios recursos.
§ 1º Não são considerados recursos próprios aqueles gerados pela cobrança de serviços de qualquer pessoa física ou jurídica, ou obtidos em virtude de repasse ou arrecadação compulsória.
§ 2º O condicionamento da prestação de serviço ao recebimento de doação, contrapartida ou equivalente não pode ser considerado como promoção gratuita do serviço”.
Sobre o Termo de Parceria, dispõe o art. 9º da Lei 9.790/99 e o art. 8º do Decreto n. 3.100/99 que a sua instituição está vinculada à cooperação para o fomento e a execução das atividades de interesse público estabelecidas no art. 3°. Em síntese, a cooperação Estado/OSCIP ocorrerá nas situações de interesse público previamente definidas na legislação. Vejamos os dispositivos:
“Lei 9.790/99
Art. 9º. Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vinculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei.
Decreto n. 3.100/99
Art. 8º. Será firmado entre o Poder Público e as atividades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Termo de Parceria destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º da Lei nº 9.790, de 1999.
Parágrafo único. O Órgão estatal firmará o Termo de Parceria mediante modelo padrão próprio, do qual constarão os direitos, as responsabilidades e as obrigações das partes e as cláusulas essenciais descritas no art. 10, § 2º, da Lei nº 9.790, de 1999”.
Na constituição do Termo de Parceria, de acordo com o artigo 10, §2º, da Lei n. 9.790, deverá ser observada a previsão das cláusulas essenciais. São cláusulas essenciais aquelas relativas ao objeto, metas, critérios objetivos de avaliação de desempenho, previsões de receitas e despesas, obrigações das OSCIPs e dever de publicidade dos instrumentos relativos à parceria. Acresce ainda sobre o tema, Roberto Ribeiro Bazilli[3]:
“Predomina entre as partes o consenso, firmado em torno de um programa de trabalho proposto pela Organização (art. 10, §2º, I). É o chamado acordo de programa, que permite à Administração Pública gerenciar certos interesses públicos por metas e resultados a serem atingidos (art. 10, §2º, II) sempre na busca da eficiência com economicidade.
De outro lado, este processo de colaboração, que descentraliza e flexibiliza a Administração Pública, implica na sua supervisão e fiscalização para o correto cumprimento do programa de trabalho; daí a necessidade de também constar do termo de parceria critérios objetivos de avaliação de desempenho (art. 10, §2º, III), a previsão de receitas e despesas a serem realizadas, inclusive com detalhamento em categorias contábeis (art. 10, §2º, IV), a obrigação de apresentar a Organização relatório sobre o objeto da parceria ao Poder Público (art. 10, §2º, V) e o seu dever de publicar, na imprensa oficial devida, o extrato do termo de parceria e o demonstrativo da sua execução física e financeira (art. 10, §2º, VI).
O cumprimento destas cláusulas essenciais permite assegurar a transparência do acordo e, ainda, viabiliza, sem maiores esforços, a supervisão e a fiscalização da parceria”. (grifo nosso)
Com relação à forma de escolha da OSCIP que irá celebrar Termo de Parceria com o Poder Público, esta deverá ser motivada e poderá ocorrer através de procedimento licitatório na modalidade concurso, conforme a conveniência e oportunidade da Administração. Para tal deverá observar os ditames dos artigos 23 a 31 do Decreto Nº 3.100, de 30 de Julho de 1999. Cabe aqui a ressalva de que existindo mais de uma OSCIP em condições e interesse de realizar a parceria, a Administração Pública deverá realizar processo licitatório em respeito aos princípios da isonomia, impessoalidade e moralidade. Sem, obviamente, desconsiderar as hipóteses legais de inexigibilidade e dispensa de licitação.
Resta, ainda, observamos que o artigo 14 da multicidada norma estabelece que OSCIP na contratação de obras, compras e serviços, com uso de recursos públicos, deverá atender aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência. Entretanto, não se exige a observância estrita de todos os dispositivos da Lei de Licitações e contratos, conforme decisão do Tribunal de Contas da União[4]: “é compatível com o objetivo de conferir maior grau de liberdade às entidades privadas que celebrarem termo de parceria com o Poder Público. Não haveria sentido, portanto, exigir das entidades a estrita observância de todos os dispositivos da Lei de Licitações e Contratos. A observância aos princípios gerais da Administração é o que basta”.
Especificamente sobre o controle da OSCIP, temos que o controle externo não será realizado sistematicamente pelo Tribunal de Contas, devendo a prestação de contas ser apresentada ao órgão repassador, a tomada de contas especial poderá alcançar os agentes responsáveis pelo Termo de Parceria no âmbito da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público e a Corte de Contas tem competência para fazer a fiscalização direta da cooperação. Com relação ao controle interno, este deverá ocorrer pela Administração Pública que tem o dever de fiscalizar a execução da parceria, inclusive, com a possibilidade da utilização de auditores externos independentes na realização de auditoria da aplicação dos recursos.
Pertinente registrar o disposto por Sílvio Luís Ferreira Rocha[5] sobre a fiscalização da execução do objeto do Termo de Parceria. Assim, estabelece:
“A fiscalização da execução do objeto do termo de parceria será feita pelo Poder Público, pelos Conselhos de Políticas Públicas em cada nível de governo e pela própria entidade que integrará a Comissão de Avaliação dos resultados atingidos com a execução do termo de parceria (art. 11, §§ 1º e 2º). Deverá haver prestação de contas ao término de cada exercício financeiro, com observância do que dispõe o art. 12 do Decreto 3.100, isto é, com a apresentação de relatório sobre a execução; parecer e relatório de auditoria nos casos em que o total for igual ou superior a 600.000 Reais; e entrega do extrato da execução física e financeira.”
Por fim, quando da realização do Termo de Parceria a Administração deverá: I) observar modelo padrão próprio; II) verificar se a organização está em regular funcionamento; III) aferir se o objeto da parceria se enquadra na finalidade institucional do órgão, prevista em lei; IV) realizar consulta junto ao Conselho de Política Pública da área de atuação correspondente; V) publicar o extrato do termo; VI) fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos recebidos e o adimplemento do objeto da cooperação.
Notas:
[1] CARVALHO, Raquel Melo Urbano. Curso de Direito Administrativo. Ed. JusPODIVM, pg. 915, 2008.
[2] Orientação Normativa AGU n. 29, de 15 de Abril de 2010.
[3] BAZILLI, Roberto Ribeiro. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público: uma nova modalidade de parceria. Revistas dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 89, v.779, p. 99-91, set. 2000.
[4] Acordão nº 1.777/05, Ministro Relator Marcos Vilaça. Julgamento na sessão de 09.11.05
[5] ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 67 e 78.
Procurador Federal. Especialista em Direito Sanitário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Maxiliano D'avila Cândido de. Organização da Sociedade Civil de Interesse Público e o Termo de Parceria Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36958/organizacao-da-sociedade-civil-de-interesse-publico-e-o-termo-de-parceria. Acesso em: 23 dez 2024.
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