Introdução:
O presente caso diz respeito a vários pensionistas que pleitearam na justiça o direito de ver sua pensão revisada com base em lei posterior ao ato de pensão que disciplina a concessão e cálculo das futuras pensões.
O regime de pensões no direito previdenciário brasileiro é regido pela Lei Federal 8.213, de 24 de julho de 1991. Esta Lei disciplinava um cálculo de concessão de benefício por pensão por morte que não chegava à integralidade do salário de benefício do requerente. Este cálculo era feito por cotas (ex. 80% do salário de benefício).
Ocorre que a Lei Federal 9.032, de 28 de abril de 1995 alterou a Lei 8.213/91 no sentido de trazer a obrigatoriedade de integralidade do benefício de pensão por morte à dependente do segurado instituidor do benefício.
O cálculo consistia em que com o advento da Lei 8.213/91 o pensionista recebia 80% do benefício de aposentadoria do instituidor mais 10% por cada dependente a mais que o mesmo possuía. A Lei 9.032/95 determinou que o valor dessa pensão seria de 100% para todos, independente da existência de dependentes, bem como, o cálculo do valor do benefício levaria em consideração os últimos 36 salários de contribuição. Dessa nova forma, gerou uma defasagem no valor das pensões deferidas anteriormente à lei 9.032/95 em relação às novas deferidas após o égide da mesma.
A alteração legislativa, na prática, dava uma diferença grande em termos de valor percebido na base de 20% a 40% a mais. Assim, com o advento de uma lei posterior que, em tese, trouxe uma fórmula de cálculo mais benéfica, diversos pensionistas procuraram o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (órgão do Estado Brasileiro responsável pelos benefícios assistenciais e previdenciários) para rever seu modo de cálculo com o intuito de receber a integralidade do salário de benefício em sua pensão.
O INSS passou a indeferir administrativamente todos os pedidos sob o argumento do ato jurídico perfeito e do “tempus regit actum” (ou seja os benefícios anteriores a lei nova eram regidos pela Lei antiga e foram assim concedidos bem como o ato jurídico já havia sido feito e terminado).
Da Controvérsia Jurídica:
Com a negativa, por meio de processos administrativos do INSS, os segurados passaram a procurar o Poder judiciário para ver sua pretensão de revisão de cálculo de benefício concedida.
Para isso alegaram em juízo que a percepção do benefício de pensão por morte tem natureza alimentar e atende a necessidades básicas da família do segurado e que não interessa a data do ato da concessão do benefício mas sim a data da percepção do benefício já que o mesmo é de prestação continuada e assim não se exaure no tempo.
Assim sendo, os beneficiários começaram a receber o benefício previdenciário na legislação anterior à Lei n. 8.213/91, mas, continuam a receber mensalmente perpassando o égide da Lei 9.032/95, não configurando, retroação de lei mais benéfica, mas, somente, extensão do alcance da lei nova a todos os benefícios de percepção ativa haja vista seu caráter de prestação continuada.
O INSS contra-argumentava afirmando que o acolhimento da pretensão dos segurados seria uma violação ao artigo 5º, XXXVI da Constituição da República Federativa do Brasil. Vejamos:
“Art. 5º ... XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
Assim, a Constituição não veda a retroatividade da lei desde que não entre em conflito com o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Portanto, nova lei não poderá ter seus efeitos sob ato jurídico consumado sob égide de lei anterior. O enquadramento de todos os requisitos para usufruir do direito ao benefício de pensão aperfeiçoou-se sob o manto da lei 8213/91 (alterada pela Lei 9032/95).
Pois bem, temos um caso muito interessante para o direito brasileiro. Explico. Temos um conflito de lei no tempo; de princípios como a irretroatividade de lei; ato jurídico perfeito; segurança jurídica.
O Poder judiciário brasileiro é, constitucionalmente, organizado e dividido da seguinte forma:a) Juiz singular; b) Tribunal intermediário (TJ ou TRF) c) Tribunal superior (TSE,TRT,STJ). Cada tribunal é a última instância em sua seara de atribuição (TSE-Eleitoral, TRT- Trabalho, STJ- Civil/processual).
E, acima de todos encontra-se a Suprema Corte do Brasil chamada de Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição e “última palavra” em termos de conflitos com a Constituição do Brasil.
Logo, se a matéria estiver diretamente ou indiretamente em desacordo com a Constituição, a última instância brasileira passa a ser o STF.
No caso em análise, a tese dos segurados/beneficiários/pensionistas prevaleceu em todas as instâncias judiciais brasileiras. Quase que unanimemente o judiciário concedeu o direito aos pleiteantes.
No superior Tribunal de Justiça (STJ) a matéria foi entendida de forma unânime no sentido de concessão do direito. Então, o INSS argumentou ofensa a princípios constitucionais e afronta direta a artigos da Constituição, levando o caso para a mais alta corte do país (STF).
Do Entendimento do superior tribunal de Justiça (STJ):
O STJ, praticamente unanimemente, pacificou o entendimento a favor dos segurados. Com esses fundamentos:"PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO POR ESTA CORTE. PENSÃO POR MORTE. COTA FAMILIAR. MAJORAÇÃO. BENEFÍCIO CONCEDIDO ANTES DA CF/88. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DA QUINTA E SEXTA TURMAS. 1. O exame de suposta violação a dispositivos constitucionais é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, sendo vedado a esta Colenda Corte de Justiça realizá-lo, ainda que para fins de prequestionamento. 2. Consoante recente entendimento esposado pelas Turmas que compõem a Egrégia Terceira Seção, as majorações das cotas familiares introduzidas pelas Leis n.os 8.213/91 e 9.032/95 aplicam-se aos benefícios concedidos sob a égide da legislação pretérita. 3. Não há falar em retroação da lei, mas em aplicação imediata, uma vez que os efeitos financeiros projetam tão-somente para o futuro. 4. Agravo regimental desprovido." (AgRg no AG 539616 / SP, Quinta Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 07/06/2004) "PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA.PENSÃO POR MORTE. ART. 75 DA LEI Nº 8.213/91. LEI 9.032/95. APLICAÇÃO IMEDIATA. 1. O dispositivo legal que majora o percentual concernente às cotas de pensão por morte deve ser aplicado a todos os benefícios previdenciários, independentemente da norma vigente quando do seu fato gerador, não havendo falar em retroatividade da lei, mas em incidência imediata. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido." (AgRg no EDcl no AG 517.298/SP, Sexta Turma, Rel Min. PAULO MEDINA, DJ de 16/02/2004.)
Do Entendimento do INSS:
Então o INSS com suscitando o conflito constitucional asseverou que aplicar a Lei 9032/95 para aumentar o quantum do benefício, estaria se alterando próprio ato de concessão do benefício, retroagindo a Lei, em confronto com Constituição. Apresentou os precedentes: “Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. - O disposto no artigo 5, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem publica e lei dispositiva. (STF, Pleno, ADI 493/DF, Ministro Moreira Alves, DJU 4-9-1992, p. 14089)
Ventilou, ainda, que apenas a lei penal retroage para beneficiar réu. Que a Constituição, com base em seu art. 5.º, XL, não permite tal interpretação para a lei previdenciária. Ou seja, é inconstitucional a retroatividade da lei que beneficie segurado em detrimento do INSS e do Erário. Novamente, juntou precedente do STF: O tempo de serviço é regido pela lei vigente à data de sua prestação. Com esse entendimento, a Turma, por ofensa ao princípio da irretroatividade das leis (CF, art. 5o, XXXV), deu provimento ao recurso extraordinário do Estado do Rio de Janeiro para reformar acórdão que, aplicando retroativamente a lei nova mais benéfica (Lei estadual 7.674/75), assegura o cômputo de afastamento do servidor para tratamento de saúde, em período que não havia previsão legal para tanto. Precedentes. (STF, RE 174150/RJ, Min. Octavio Gallotti, DJU 4-4-2000);Aplicar benefício da Lei nova aos que se inativaram antes de sua vigência, sem disposição legal expressa sobre efeito retroativo, importa em contrariar a garantia do ato jurídico perfeito .... e substituir-se ao Legislador, a pretexto de isonomia, Súmula 339. (STF, RE 108410/RS, Min. Rafael Mayer, DJU 16-5-1986, p. 8190)
Acrescentou, também, a violação ao artigo 195, parágrafo 5º da Constituição Federal que trata da majoração de benefício sem a correspondente fonte de custeio. Aduziu que a majoração da pensão já concedida resultaria, na violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, como também, à ofensa à Segurança Jurídica e ao Equilíbrio Financeiro do Sistema de Previdência brasileiro. Vejamos o dito artigo da Constituição: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Há de fato um conflito importantíssimo, inclusive com viés social. Porque uma pessoa que obteve o direito ao benefício anteriormente concedido ira receber por mês, de forma vitalícia, um valor menor que uma pessoa que estava em idêntica situação mas requereu o mesmo benefício meses depois?
A irretroatividade de lei tem como suporte o próprio princípio do Estado Democrático de Direito. Sem falar no princípio da Segurança Jurídica. Sem esquecer, contudo, do desequilíbrio das contas da Previdência Social e do Tesouro Nacional que ocorreria se as situações jurídicas já consolidadas fossem alteradas sempre que uma lei nova trouxesse mais vantagem para segurados.
Em que pese os ensinamentos do Ilustre francês Paul Roubier em sua obra:"L'effet immédiat de la loi doit être considéré comme la règle ordinaire: la loi nouvelle s'applique, dès sa promulgation, à tous les effets qui résulteront dans l'avenir de rapports juridiques nés ou à naître" . (Les Conflits de Lois Dans Le Temps, Paul Roubier, Paris, 1929). Ouso discordar de sua aplicabilidade no presente caso. O ato jurídico da concessão de benefício é ato jurídico perfeito e acabado. O pagamento mensal do mesmo é consequência do ato e não o ato em si.
O orçamento da Previdência Social é uno. Se começa a reconhecer direito ou aumentar benefícios sem a fonte de custeio, o sistema inteiro entra em colapso. E, como consequência podem outros benefícios cessarem seu pagamento por falta de dinheiro.
Lembremos que o Estado tem sempre o interesse público primário. Assim, o viés social é mais amplo. Explico. Em uma visão macro, de um sistema contributivo de repartição, tem-se que ter noção que ao conceder a direito às cotas pensando na visão social ou interpretação social das normas constitucionais, não se contempla a sociedade como um todo. Muito pelo contrário. A visão social macro do sistema nos impõe que haja esta interpretação de concessão de benefício sem a indicação da fonte de custeio.
Nesse sentido citamos o incomparável Dworkin na obra Levando os Direitos a Sério ”Os argumentos de princípio são argumentos destinados a estabelecer um direito individual; os argumentos de política são argumentos destinados a estabelecer um objetivo coletivo. Os princípios são proposições que descrevem direitos; as políticas são proposições que descrevem objetos" .
É cristalino no âmbito jurídico que os institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito são umas das vertentes mais robustas do princípio da segurança jurídica. E, isto está sedimentado na constituição por meio do art. 5º, XXXVI, que preceitua que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".
A situação ora em foco, coloca frente a frente princípios constitucionais que, para o deslinde do feito concreto, devem ser sopesados. Encontramos em colisão, entre os princípios da segurança jurídica, da Supremacia da Constituição e da Isonomia.
Em se tratando de hermenêutica constitucional, o presente conflito pode ser desvendado com fundamento em duas vertentes. Uma de Konrad Hesse, pela concordância prática e outra de Dworkin, a ponderação de importância.
Vale ressaltar que não importando como será dirimida a contenda, teremos presente outro princípio, muito em moda hoje, também chamado de meta-princípio, qual seja, o princípio da proporcionalidade.
Concordância prática, segundo SARLET, é “processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre outro, mas, sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas”.
Já a vertente desenvolvida por DWORKIN, ensina, no caso concreto a pesar este ou aquele princípio para se aferir qual seria o mais valioso. Querendo dizer que cada um pesa mais que outro dependendo do caso concreto e seu enfoque. Em resumo, qualquer que seja a interpretação, esta deve sempre trilhar o caminho da manutenção da soberania constitucional.
Do Entendimento dado pelo Supremo Tribunal Federal:
Assim entendeu o STF: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSTO PELO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), COM FUNDAMENTO NO ART. 102, III, "A", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM FACE DE ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO: PENSÃO POR MORTE (LEI Nº 9.032, DE 28 DE ABRIL DE 1995). 1. No caso concreto, a recorrida é pensionista do INSS desde 04/10/1994, recebendo através do benefício nº 055.419.615-8, aproximadamente o valor de R$ 948,68. Acórdão recorrido que determinou a revisão do benefício de pensão por morte, com efeitos financeiros correspondentes à integralidade do salário de benefícios da previdência geral, a partir da vigência da Lei no 9.032/1995. 2. Concessão do referido benefício ocorrida em momento anterior à edição da Lei no 9.032/1995. No caso concreto, ao momento da concessão, incidia a Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991. 3. Pedido de intervenção anômala formulado pela União Federal nos termos do art. 5º, caput e parágrafo único da Lei nº 9.469/1997. Pleito deferido monocraticamente por ocorrência, na espécie, de potencial efeito econômico para a peticionária (DJ 2.9.2005). 4. O recorrente (INSS) alegou: i) suposta violação ao art. 5o, XXXVI, da CF (ofensa ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido); e ii) desrespeito ao disposto no art. 195, § 5o, da CF (impossibilidade de majoração de benefício da seguridade social sem a correspondente indicação legislativa da fonte de custeio total). 5. Análise do prequestionamento do recurso: os dispositivos tidos por violados foram objeto de adequado prequestionamento. Recurso Extraordinário conhecido. 6. Referência a acórdãos e decisões monocráticas proferidos quanto ao tema perante o STF: RE (AgR) no 414.735/SC, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Eros Grau, DJ 29.4.2005; RE no 418.634/SC, Rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, DJ 15.4.2005; e RE no 451.244/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão monocrática, DJ 8.4.2005. 7. Evolução do tratamento legislativo do benefício da pensão por morte desde a promulgação da CF/1988: arts. 201 e 202 na redação original da Constituição, edição da Lei no 8.213/1991 (art. 75), alteração da redação do art. 75 pela Lei no 9.032/1995, alteração redacional realizada pela Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998. 8. Levantamento da jurisprudência do STF quanto à aplicação da lei previdenciária no tempo. Consagração da aplicação do princípio tempus regit actum quanto ao momento de referência para a concessão de benefícios nas relações previdenciárias. Precedentes citados: RE no 258.570/RS, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 19.4.2002; RE (AgR) no 269.407/RS, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 2.8.2002; RE (AgR) no 310.159/RS, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 6.8.2004; e MS no 24.958/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1o.4.2005. 9. Na espécie, ao reconhecer a configuração de direito adquirido, o acórdão recorrido violou frontalmente a Constituição, fazendo má aplicação dessa garantia (CF, art. 5o, XXXVI), conforme consolidado por esta Corte em diversos julgados: RE no 226.855/RS, Plenário, maioria, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.10.2000; RE no 206.048/RS, Plenário, maioria, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. p/ acórdão Min. Nelson Jobim, DJ 19.10.2001; RE no 298.695/SP, Plenário, maioria, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24.10.2003; AI (AgR) no 450.268/MG, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 27.5.2005; RE (AgR) no 287.261/MG, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 26.8.2005; e RE no 141.190/SP, Plenário, unânime, Rel. Ilmar Galvão, DJ 26.5.2006. 10. De igual modo, ao estender a aplicação dos novos critérios de cálculo a todos os beneficiários sob o regime das leis anteriores, o acórdão recorrido negligenciou a imposição constitucional de que lei que majora benefício previdenciário deve, necessariamente e de modo expresso, indicar a fonte de custeio total (CF, art. 195, § 5o). Precedente citado: RE no 92.312/SP, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 11.4.1980. 11. Na espécie, o benefício da pensão por morte configura-se como direito previdenciário de perfil institucional cuja garantia corresponde à manutenção do valor real do benefício, conforme os critérios definidos em lei (CF, art. 201, § 4o). 12. Ausência de violação ao princípio da isonomia (CF, art. 5o, caput) porque, na espécie, a exigência constitucional de prévia estipulação da fonte de custeio total consiste em exigência operacional do sistema previdenciário que, dada a realidade atuarial disponível, não pode ser simplesmente ignorada. 13. O cumprimento das políticas públicas previdenciárias, exatamente por estar calcado no princípio da solidariedade (CF, art. 3o, I), deve ter como fundamento o fato de que não é possível dissociar as bases contributivas de arrecadação da prévia indicação legislativa da dotação orçamentária exigida (CF, art. 195, § 5o). Precedente citado: julgamento conjunto das ADI´s no 3.105/DF e 3.128/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Red. p/ o acórdão, Min. Cezar Peluso, Plenário, maioria, DJ 18.2.2005. 14. Considerada a atuação da autarquia recorrente, aplica-se também o princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial (CF, art. 201, caput), o qual se demonstra em consonância com os princípios norteadores da Administração Pública (CF, art. 37). 15. Salvo disposição legislativa expressa e que atenda à prévia indicação da fonte de custeio total, o benefício previdenciário deve ser calculado na forma prevista na legislação vigente à data da sua concessão. A Lei no 9.032/1995 somente pode ser aplicada às concessões ocorridas a partir de sua entrada em vigor. 16. No caso em apreço, aplica-se o teor do art 75 da Lei 8.213/1991 em sua redação ao momento da concessão do benefício à recorrida. 17. Recurso conhecido e provido para reformar o acórdão recorrido.
Considerações finais:
O STF aceitou, no meu ponto de vista acertadamente, a tese do Estado brasileiro de que o reconhecimento do direito aos beneficiários ofenderia o artigo 5º artigo, XXXVI e ao artigo 195, parágrafo 5º da Constituição da república Federativa do Brasil.
Fundamentou seu entendimento no reconhecimento da prevalência do princípio do “tempus regit actum” impedindo a retroação da Lei 9032/95 a atos jurídicos perfeitos. Reconheceu, também, a visão social do parágrafo 5º do artigo 195 da CF, que traz a necessidade da fonte de custeio para majoração do benefício, é essencial para a manutenção e equilíbrio do sistema previdenciário.
É forçoso concluir que o STF baseou sua decisão em uma visão macro do sistema previdenciário no intuito de proteger toda a coletividade assistida pelo sistema e não apenas uma parte que poderia comprometer o todo.
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Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. Reconhecimento da Prevalência do Princípio do "tempus regit actum" pelo Supremo Tribunal Federal no Julgamento das Cotas de Pensão Previdenciária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36963/reconhecimento-da-prevalencia-do-principio-do-quot-tempus-regit-actum-quot-pelo-supremo-tribunal-federal-no-julgamento-das-cotas-de-pensao-previdenciaria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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