SUMÁRIO: I. DA ANALISE TEÓRICA. II. DA ANÁLISE DE CASO CONCRETO III. CONCLUSÃO. IV. BIBLIOGRAFIA.
Capitulo I – Da Análise teórica
Trata-se o presente de análise de caso concreto de interferência do poder judiciário sobre decisão soberana de Ministro de Estado em legítimo cumprimento de ato vinculado.
É competência privativa do poder executivo, como bem explicitado nem decreto presidencial, aplicar penalidade aos seus servidores. Podemos, para embasar tal legislação, citar vários princípios administrativos, tais como da independência entre os poderes, da competência privativa de atos, da não subordinação,etc...
Aristóteles, Platão, Montesquieu e Locke já escreviam e dissertavam sobre o tema com muita propriedade, cuidado e respeito. Segundo eles, essa separação e independência dos poderes é, e sempre será, a base de Estado forte e fiscalizador e de si mesmo.
A função primordial do poder executivo é administrar o Estado e servir à população. A do poder legislativo diz respeito à legislar (criação de leis). Enquanto a função do poder judiciário é aplicar as leis em casos concretos e dirimir conflitos.
A independência, a autonomia e a harmonia são os pilares fundamentais de uma democracia que se preze. Cada um dos poderes tem suas atribuições precípuas de suas finalidades originárias, como também, tem atribuições derivadas de outros poderes.
Em adendo ao assunto, citamos outro instituto que não pode ser dissociado que é o dos “freios e contrapesos” ou “check and balance” onde um poder apesar de autônomo depende de outro poder para realizar, por exemplo, atos compostos.
Assim, pela teoria tripartite do poder, segundo Montesquieu são necessários estes três poderes para se administrar uma democracia.
Feita esta pequena introdução teórica, vamos ao caso concreto de interferência entre os poderes. Explico.
Ministro de Estado pratica ato demissório em sua estrita competência vinculada e delegada, e, provocado, o judiciário anula tal ato em flagrante desrespeito ao principio da separação dos poderes e interferência de um poder em ato ordinário e legal de representante do poder Executivo.
No que se refere à competência para a prática do ato de demissão de servidor público federal, faz-se necessário, nesse momento, trazer à baila o artigo 1º, inciso I, do Decreto nº 3.035, de 1999, que diz:
Artigo 1º Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos:
I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores;
Com base na leitura do decreto acima chegamos à fácil conclusão que é competência do Ministro de Estado julgar os processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades aos servidores subordinados a sua respectiva pasta. Estabelecido o primeiro requisito do ato, qual seja, a competência da autoridade que o praticou.
Falemos, assim, do mérito do ato.
Pois bem, a lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, também chamada de estatuto do servidor público federal, fundamenta as hipóteses em que o servidor público deve ser expulso do serviço público. São elas:
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117. (grifos nossos)
Percebemos que o comando legislativo é claro quando preceitua que a “demissão será aplicada” não deixando margem à discricionariedade ou proporcionalidade do Ministro de Estado. Não há interpretação a ser feita, mas sim uma mera aplicação legislativa.
Estabelecemos, então, a competência da autoridade e a vinculação da mesma da feitura do ato.
Capitulo II – Da Análise de caso concreto
Passemos agora à análise de um caso concreto. Podemos exemplificar citando um processo em que servidor público demitido impetra mandamus, requerendo Superior Tribunal de Justiça ordene, em sede de liminar, a suspensão do ato de demissão praticado por Ministro de Estado por meio de Portaria publicada no Diário Oficial da União, até a decisão de mérito, como também reintegre-o ao cargo de que exercia no poder executivo.
Vejamos ementa da decisão judicial:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. AUXÍLIO PRÉ-ESCOLAR. RECEBIMENTO INDEVIDO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, CAPUT, DA LEI 8.429/92. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. O impetrante foi indiciado pela Comissão Processante por supostamente: a) ter recebido o benefício denominado "auxílio pré-escolar" por período superior àquele efetivamente devido, qual seja, de fevereiro de 1997 a abril de 2007; b) não teria comunicado tal irregularidade à autoridade competente, não obstante fosse detentor de conhecimento técnico suficiente para percebê-la, o que caracterizaria o desrespeito ao princípio da lealdade com a Administração.
2. "Ao Poder Judiciário não cabe discutir o mérito do julgamento administrativo em processo disciplinar, mas, por outro lado, compete-lhe a análise acerca da proporcionalidade da penalidade imposta, nos termos de farto entendimento jurisprudencial" (RMS 19.774/SC, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, DJ 12/12/05).
3. Consoante doutrina de Mauro Roberto Gomes de MATTOS (In "O Limite da Improbidade Administrativa - Comentários à Lei nº 8.429/92", 5 ed., rev.e atul., Rio de Janeiro: Forense, 2010, pp. 365-6), o
disposto no art. 11, caput, da Lei 8.429/92 deve ser interpretado com temperamentos, "pois o seu caráter é muito aberto, devendo, por esta razão, sofrer a devida dosagem de bom senso para que mera irregularidade formal, que não se subsume como devassidão ou ato ímprobo, não seja enquadrado na presente lei, com severas punições".
4. "As condutas típicas que configuram improbidade administrativa
estão descritas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, sendo que apenas para as do art. 10 a lei prevê a forma culposa. Considerando que, em atenção ao princípio da culpabilidade e ao da responsabilidade subjetiva, não se tolera responsabilização objetiva e nem, salvo quando houver lei expressa, a penalização por condutas meramente culposas, conclui-se que o silêncio da Lei tem o sentido eloqüente de desqualificar as condutas culposas nos tipos previstos nos arts. 9.º e 11" (REsp 940.629/DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJe 4/9/08).
5. Caso em que, não bastasse o fato de o impetrante não ter atuado como gestor público, também não foi demonstrado que seu silêncio e, por conseguinte, o recebimento indevido do benefício decorreu da existência de dolo ou má-fé, que não podem ser presumidos.
6. Mandado de segurança concedido para determinar a reintegração do impetrante ao cargo público. Agravo regimental da UNIÃO prejudicado.
O mandado de segurança está previsto na constituição para a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado, por ato de autoridade pública.
Acerca do conceito e da natureza jurídica do Mandado de Segurança, trazemos ao ensaio o prof. Hely Lopes Meirelles:
Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se a existência for duvidosa; se o seu exercício depender de situações e fatos indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais[1].
A jurisprudência já possui entendimento consolidado, como se pode verificar dos seguintes arestos transcritos:
DIREITO LÍQUIDO E CERTO É O QUE RESULTA DE FATO CERTO, E FATO CERTO É AQUELE CAPAZ DE SER COMPROVADO DE PLANO, POR DOCUMENTO INEQUÍVOCO, E INDEPENDENTEMENTE DE EXAME TÉCNICO. É NECESSÁRIO QUE O PEDIDO SEJA APOIADO “EM FATOS INCONTROVERSOS, E NÃO EM FATOS COMPLEXOS, QUE RECLAMAM PRODUÇÃO E COTEJO DE PROVAS”. NÃO SE ADMITE A COMPROVAÇÃO “ A POSTERIORI” DO ALEGADO NA INICIAL; “COM A INICIAL, DEVE O IMPETRANTE FAZER PROVA INDISCUTÍVEL, COMPLETA E TRANSPARENTE DE SEU DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO É POSSÍVEL TRABALHAR À BASE DE PRESUNÇÕES".(STJ, RMS 929-SE, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ DE 24.6.91).
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. MATÉRIA CONTROVERTIDA. DIREITO ILÍQUIDO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSIVIDADE DO ATO IMPUGNADO A CERTEZA E A LIQUIDEZ DO DIREITO SÃO IMPRESCINDÍVEIS A IMPETRAÇÃO DA SEGURANÇA. CONTROVÉRSIA A SER DIRIMIDA NAS VIAS ORDINÁRIAS, MEDIANTE INSTRUÇÃO REGULAR, NÃO ENSEJA APRECIAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. NÃO SE CONSIDERA ABUSIVO E MUITO MENOS ILEGAL O ATO DA AUTORIDADE EM FACE DA INCERTEZA DO DIREITO PLEITEADO PELO SERVIDOR. RECURSO IMPROVIDO. (STJ n.º18419; Relator: Ministro Peçanha Martins; DJ de 11.03.92, pág. 22.592).
Ora, não há qualquer direito líquido e certo a que enseje Mandado de Segurança. Há um ato adminitrativo praticado por Ministro de Estado que não poderia ser anulado por ato judicial porquanto este último não pode adentrar no mérito do ato administrativo.
É bem de ver que o judiciário é, por demais, incongruente. Admite que não pode entrar no mérito do ato administrativo mas entra na proporção do mérito? In verbis:
"Ao Poder Judiciário não cabe discutir o mérito do julgamento administrativo em processo disciplinar, mas, por outro lado, compete-lhe a análise acerca da proporcionalidade da penalidade imposta, nos termos de farto entendimento jurisprudencial"
É flagrante a ingerência do poder executivo no mérito do ato administrativo perfeito.
O judiciário cria uma ficção jurídica no sentido de dizer que quando está avaliando a proporcionalidade do ato não está avaliando o ato em si. Absurdo. Mas é o que acontece no judiciário brasileiro.
Capitulo III – Da Conclusão
Diante do exposto, está clara a ingerência do poder judiciário no poder executivo entrando no mérito de ato administrativo e anulando-o sem ter vicio formal mas com base exclusivamente em pretexto de avaliação de uma desproporcionalidade que deriva da própria lei em si e não do ato administrativo praticado por Ministro de Estado.
IV- Bibliografia
CALAMANDREI, Piero, Proceso y Democracia, tradução para o espanhol de Hector Fix Zamudio, Buenos Aires, Ediciones Juridicas Europa-America, 1960.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, 25ª ed., Editora Malheiros, 2003, p. 36/37.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, 2003.
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. tradução de Gabriela de Andrade Dias Barbosa, Edições de Ouro, vol. I, 1748.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
CARVALHO, Milton Paulo de. Poderes instrutórios do juiz. O momento da prova pericial nos procedimentos ordinário e sumario. In: REIGOTA, João Manuel dos Santos (Org.). Direito, Ciência e Arte. Estudos jurídicos interdisciplinares. Campinas: Edicamp,
ALBUQUERQUE, Mario Pimentel de. O órgão jurisdicional e sua função: estudos sobre a ideologia, aspectos críticos, e o controle do Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1997.
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. Reintegração por Ordem Judicial de Servidor Público Demitido por Ato de Ministro de Estado com Base em Princípio da Proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36983/reintegracao-por-ordem-judicial-de-servidor-publico-demitido-por-ato-de-ministro-de-estado-com-base-em-principio-da-proporcionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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