Inicialmente, cabem aqui algumas considerações a respeito do instrumento convênio que diferentemente de uma relação contratual, estabelece entre as partes convenentes uma relação horizontal. Assim, não se vislumbra a princípio, qualquer relação de caráter vertical. De fato, nos convênios, as partes se encontram em pé de igualdade, de forma que nenhuma delas possui mais direitos ou obrigações do que a outra.
Desta forma, convênio é todo ajuste celebrado entre entidades da Administração Pública, ou entre essas e organizações particulares sem fins lucrativos, tendo por objeto a realização de interesses comuns. É, portanto, uma associação cooperativa, no qual seus partícipes se unem para a consecução de um objetivo comum.
A respeito dos convênios, a Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, assim estabeleceu:
“Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres, celebrados por órgãos e entidades da Administração”. (grifo nosso)
Portanto, para os convênios deverão ser observadas as normas da Lei de Licitações que se coadunarem com o interesse público visado e com as finalidades e características desse instrumento, bem como as normas específicas, editadas no âmbito das esferas de governo dos convenentes.
Com relação à doação de bens móveis adquiridos com recursos de convênio, é necessário estabelecer a natureza jurídica desses bens. Durante a execução de um convênio é possível ocorrer a aquisição de bens que poderão ser incorporados ao patrimônio da Administração ou do convenente. Sendo assim, se integrados ao patrimônio público estarão sujeitos às regras do regime jurídico de direito público, portanto indisponíveis e impenhoráveis, enquanto afetados a uma destinação de interesse público.
Entretanto, existem situações em que o próprio interesse público recomenda a alienação do bem público. Nesses casos, a Administração Pública deverá desfazer daqueles bens que já não desempenham com eficiência as funções para as quais foram afetados. Regra que também deve ser aplicada aos bens adquiridos com recursos provenientes de convênios.
Assim, caracterizado o interesse público no desfazimento do bem a Administração deverá assim proceder, devendo para tal fim observar a legislação que autoriza e regulamenta a alienação de bem público.
Dentre as formas que o Estado dispõe para alienar os seus bens, está a doação, conforme estabelecido pelo art. 17 da Lei n. 8.666/1993:
“Art. 17 A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:
a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;
(...)”. (grifamos)
Segundo Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[1], a alienação de bens móveis e imóveis da Administração Pública, art. 17 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, deverá compor-se do trinômio: (i) interesse público, (ii) avaliação prévia e (iii) licitação.
Por sua vez, em comentário específico sobre a alínea “a” do inc. II do art. 17 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Marçal Justen Filho[2] ressalta a importância da doação de bens móveis por parte da Administração Pública atender ao interesse público (social):
“A Lei contém ressalva acerca dos casos de interesse social. Qualquer doação de bem público pressupõe a compatibilidade com o desempenho das funções estatais. Por óbvio, não se admite liberalidade à custa do patrimônio público. A regra geral impõe à Administração que verifique se a doação consiste na melhor opção, inclusive para evitar a manutenção de concepções paternalistas acerca do Estado”. (destacamos)
Nessa linha seguem as lições de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[3] sobre o referido dispositivo. Vejamos:
“O ato donativo deverá ter por objeto ‘fins e uso’ de interesse social. Ao estabelecer a concomitância desses dois substantivos, evidenciou o legislador ainda maior interesse restritivo. Pode ocorrer, por exemplo, que um determinado órgão decida doar móveis de escritório para uma unidade filantrópica. No caso, a finalidade da doação atenderá ao interesse social, mas a Administração deverá certificar-se de que o uso a ser dado ao bem guardará correlação com igual interesse social. É que muitas vezes a finalidade do ato não apresenta correlação com a utilização a ser dada ao móvel posteriormente, tal como ocorreria se os bens doados não fossem utilizados pela entidade exemplificada para os seus fins, mas transferidos para uso pessoal ou particular de um dos membros de sua diretoria.
Não se pretende que a Administração adote atitude investigatória para acompanhamento dos bens, sendo suficiente que, no termo de doação, fique definida a forma/circunstância em que serão empregados os móveis.
(...)
Antes de proceder à doação, deverá a Administração considerar outros aspectos, para decidir se deve ou não empregar outra forma de alienação.
O primeiro deles diz respeito à oportunidade, isto é ao momento, à época de fazer a doação; o segundo, refere-se à conveniência socioeconômica de realizá-la, ou seja, além de considerar o aspecto social do ato que, como visto, deverá guiar-se pelo fim e uso de interesse social, a Administração considerará também o efeito econômico. Nesse sentido, o primeiro atributo buscado é o exterior ao agente doador, dizendo com o alcance social da medida, e o segundo, interior ao agente, que terá em consideração as despesas do órgão e os gastos decorrentes do ato.
Poderia parecer, à primeira vista, que sempre será mais vantajoso, sob o aspecto econômico, não doar bens, pois, na venda, por exemplo, há o ingresso de recursos. Não é esse o sentido do dispositivo, como também não é verdadeiro que a venda sempre resulta vantajosa para a Administração.
É o que ocorre quando o Município reúne leitos e outros utensílios inservíveis para um hospital, por intermédio de um clube de serviços como o Rotary, e equipa um asilo ou orfanato, desonerando-se da atividade e poupando estrutura de recursos humanos, de material e de manutenção para a realização dessa atividade social.
Ainda mais: o legislador não empregou o termo econômico isoladamente; fê-lo suceder, em composição, ao social, de tal modo que com ele deve ser conjugado para alcançar o adequado equacionamento pretendido. O valor social da medida deve ser sopesado com o econômico, para a Administração e para a sociedade, que, em última instância, é quem sustenta a Administração Pública. Benesses praticadas à custa do contribuinte não devem ter o condão de onerá-lo indevidamente para que suporte maiores ônus com atos impróprios da eficiência pretendida do aparelho estatal”. (destacamos)
Assim, em síntese, podemos afirmar que a doação de bens móveis da Administração Pública depende dos seguintes requisitos:
- Existência de interesse público devidamente justificado;
- Avaliação prévia do(s) bem(ns) a ser(em) doado(s);
- Que o(s) bem(ns) doado(s) atenda(m) a fins e uso de interesse social;
- Que tal medida só ocorra após avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômicas com relação a outras formas de alienação.
Cabe ainda ressaltar que, conforme entendimento do Tribunal de Contas da União[4], a Administração Pública Federal deverá observar para doação de bens móveis, além da Lei n. 8.666/93, os ditames do Decreto n. 99.658/1990.
Resta ainda, observar as regras estabelecidas pela Portaria Interministerial MPOG/MF/MCT n. 127/08, que por sua vez estabelece normas para execução do disposto no Decreto n. 6.170/2007, regula os convênios, os contratos de repasse e os termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos para execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União (art. 1º, caput).
Conforme os arts. 28 e 30, XIV, da Portaria Interministerial n. 127/2008, é obrigatória a estipulação do destino a ser dado aos bens remanescentes do convênio ou contrato de repasse, tratando-se de cláusula necessária desses instrumentos o direito de propriedade dos referidos bens. Assim estabelecem os mencionados dispositivos:
“Art. 28. Será obrigatória a estipulação do destino a ser dado aos bens remanescentes do convênio ou contrato de repasse.
§ 1º Consideram-se bens remanescentes os equipamentos e materiais permanentes adquiridos com recursos do convênio ou contrato de repasse necessários à consecução do objeto, mas que não se incorporam a este.
§ 2º Os bens remanescentes adquiridos com recursos transferidos poderão, a critério do Ministro de Estado supervisor ou autoridade equivalente ou do dirigente máximo da entidade da administração indireta, ser doados quando, após a consecução do objeto, forem necessários para assegurar a continuidade de programa governamental, observado o disposto no respectivo termo e legislação vigente.
Art. 30. São cláusulas necessárias nos instrumentos regulados por esta Portaria as que estabeleçam:
(...)
XIV - a definição, se for o caso, do direito de propriedade dos bens remanescentes na data da conclusão ou extinção do instrumento, que, em razão deste, tenham sido adquiridos, produzidos, transformados ou construídos, respeitado o disposto na legislação pertinente;
(...)”.
Na mesma esteira segue o disposto no art. 7º, inciso IX, da Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional nº 01/1997, que disciplina a celebração de convênios de natureza financeira que tenham por objeto a execução de projetos ou realização de eventos:
“Art. 7º O convênio conterá, expressa e obrigatoriamente, cláusulas estabelecendo:
(...)
IX - a definição do direito de propriedade dos bens remanescentes na data da conclusão ou extinção do instrumento, e que, em razão deste, tenham sido adquiridos, produzidos, transformados ou construídos, respeitado o disposto na legislação pertinente;
(...)”.
E, ainda, corroborando a obrigatoriedade da estipulação da destinação dos bens no convênio, o seu art. 26 determina:
“Art. 26. Quando o convênio compreender a aquisição de equipamentos e materiais permanentes, será obrigatória a estipulação do destino a ser dado aos bens remanescentes na data da extinção do acordo ou ajuste.
Parágrafo único. Os bens materiais e equipamentos adquiridos com recursos de convênios com estados, Distrito Federal ou municípios poderão, a critério do Ministro de Estado, ou autoridade equivalente, ou do dirigente máximo da entidade da administração indireta, ser doados àqueles entes quando, após a consecução do objeto do convênio, forem necessários para assegurar a continuidade de programa governamental, observado o que, a respeito, tenha sido previsto no convênio”.
Assim, a propriedade dos bens, enquanto perdurar a execução do objeto do convênio, é do concedente, ficando o convenente como uma espécie de depositário. Portanto, o concedente possui a propriedade sob condição resolutiva, o que significa que está sujeita à extinção por causa superveniente, em virtude do implemento de condição ou termo resolutivo, que, no caso, é a definição do direito de propriedade dos bens remanescentes na data da conclusão do convênio, estabelecida no respectivo instrumento.
Logo, não havendo cláusula obrigatória constante do termo de convênio que estipule o destino dos bens remanescentes, ainda, assim, estes poderão ser doados desde que atendidos os requisitos para doação acima mencionados, ou seja, avaliação prévia do bem, atendimento de interesse social, oportunidade e conveniência socioeconômica da doação com relação a outras formas de alienação.
Por fim, ressaltamos a necessidade de se formalizar um termo de doação desses bens, a ser assinado pelo doador e donatário e publicado no Diário Oficial da União, como condição de sua eficácia.
[1]FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Vade-mécum de licitações e contratos: legislação selecionada e organizada com jurisprudência, notas e índices. 3. ed. rev., atual. eampl. 4ª tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 290-291.
[2]JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 214-215.
[3]FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Op. cit., p. 314-315.
[4] Acórdão n. 102/2005 – Plenário.
Procurador Federal. Especialista em Direito Sanitário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Maxiliano D'avila Cândido de. Doação de bem móvel adquirido com recursos de convênio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36994/doacao-de-bem-movel-adquirido-com-recursos-de-convenio. Acesso em: 23 dez 2024.
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