Trata o presente o artigo de uma análise acerca do entendimento que vem sendo firmado sobre a possibilidade de aplicação da prescrição criminal no âmbito das infrações apuradas no Processo Administrativo Disciplinar.
Primeiramente, somos obrigados a tecer alguns comentários acerca do instituto da prescrição propriamente dita.
O instituto da prescrição está insculpido no parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:
“§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
O conceito de prescrição na ótica civilista pode ser resumido pelo renomado doutrinador Caio Mário da Silva Pereira que assim dispõe:
“ a prescrição é o modo pelo qual se extingue um direito (não apenas a ação) pela inércia do titular durante certo lapso de tempo.” (PEREIRA, Caio Mário da Silva; Instituições de direito civil, v.1, 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997).
No Direito penal temos a seguinte visão, do instituto da prescrição, trazida pelo ilustre Penalista Damásio E. de Jesus:
"prescrição é a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo" (Prescrição Penal. 12a. ed. São Paulo: Saraiva, 1998).
Já na visão Tributária, assim é estudada a prescrição, conforme os ensinamentos do doutrinador tributarista Paulo de Barros Carvalho:
“Com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado ao sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com a ação de cobrança (ação de execução). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição”. CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, 5ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1991.
A Lei Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em consonância com a Constituição Federal, traz o normativo legal da prescrição da penalidade administrativa para os servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais. In verbis:
“Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência.
§ 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.”
Após essas noções básicas, adentraremos no cerne do nosso ensaio, qual seja, da Aplicação da Prescrição Criminal no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar.
Como visto acima, O §2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 disciplina que os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares tipificadas como crime.
Assim, se uma conduta administrativa, capitulada como irregular e ensejadora de reprimenda administrativa, for, também, tipificada como crime, pode-se utilizar os prazos prescricionais penais em relação a elas.
A prescrição foi assim estabelecida no Código Penal Pátrio:
“Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1° do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano”.
Vale ressaltar que independentemente da penalidade sugerida, a prescrição penal deve ser observada. Hipoteticamente: a penalidade de suspensão prescreve em apenas 2 (dois) anos; todavia, em tese, se a conduta for capitulada como crime, a prescrição pode ser desconsiderada e alavancada para até 20 anos, dependendo da reprimenda penal da conduta.
Corroborando este entendimento e para melhor compreensão do tema, citamos o manual de Processo Administrativo Disciplinar, 2012, da Controladoria-Geral da União, que assim se manifesta em relação à possibilidade de utilização da prescrição criminal no âmbito administrativo-disciplinar:
“O §2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 determina a utilização dos prazos prescricionais previstos na lei penal para aqueles ilícitos disciplinares que também forem considerados crimes, de acordo com a legislação vigente.
Assim, é certo que se determinada conduta sancionada pelo Direito Administrativo Disciplinar também é reprimida pelo ordenamento jurídico penal, os prazos prescricionais que deverão ser observados pelo aplicador da norma não são aqueles elencados no aludido art. 142, e sim os que se encontram previstos no art. 109 do Código Penal, calculados de acordo com a pena máxima prevista para o crime.
(...)
Percebe-se que, diante da necessidade de se perquirir qual o prazo prescricional aplicável em um delito disciplinar que também seja considerado crime, deve-se verificar qual a pena cominada àquele delito, para que então se aplique um dos prazos previstos nos incisos I a VI do art. 109 do Código Penal.
É conveniente esclarecer que a regra aqui aventada permite a observância do prazo prescricional penal independentemente do ilícito disciplinar ser sancionado com demissão, suspensão ou advertência. Ou seja, a utilização de qualquer dos três prazos previstos nos incisos do art. 142 da Lei n° 8.112/90 pode ser afastada em virtude da presença de um fato criminoso, com a consequente aplicação do lapso temporal estatuído na legislação penal.
Frise-se que, ainda que a conduta do servidor seja um ilícito criminal, o que importaria a aplicação do inciso I, do art. 132 da Lei n° 8.112/90 nos casos em que se trata de crime contra a administração, é necessário o trânsito em julgado da decisão para que a autoridade administrativa determine a aplicação da penalidade máxima de demissão.
Com efeito, denota-se que as penalidades de suspensão e advertência podem ser aplicadas ainda que a conduta infracional se amolde à legislação penal, desde que o fato não tenha sido apreciado de modo definitivo pelo Poder Judiciário, o que, em caso de condenação na esfera penal – repise-se, tratando-se especificamente de crime contra a administração -, levaria necessariamente à demissão do servidor.
Para melhor ilustrar a aplicação da norma prevista no §2º do art. 142 da Lei 8.112/90, imagine-se um caso em que servidor recebeu valores indevidos de particulares em razão de seu cargo, o que caracterizaria a prática de corrupção, conduta sancionada pelo ordenamento jurídico disciplinar, com aptidão para gerar a penalidade de demissão, nos termos do inciso XI, do art. 132 da Lei nº 8.112/90. Tal comportamento também está previsto no art. 317 do Código Penal, que dispõe sobre o crime de corrupção passiva.
Desta forma, considerando que a pena in abstracto prevista na legislação criminal para o aludido delito vai de dois a doze anos, o prazo prescricional a ser utilizado será aquele previsto no inciso II do art. 109 do Código Penal. Ou seja, a prescrição da pretensão punitiva da Administração para a aplicação da penalidade de demissão não ocorrerá no prazo de cinco anos e sim no período de dezesseis anos.
Todavia, é possível que a instância criminal já tenha se pronunciado de modo definitivo sobre o ilícito, o que pode ter resultado na aplicação de uma pena para o infrator. Neste caso, utilizar-se-á a pena in concreto determinada pela autoridade judicial para o cálculo da prescrição disciplinar, de acordo com a regra estatuída no art. 110 do Código Penal:
“Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.”
Vamos imaginar, no mesmo exemplo citado acima, que o servidor que praticara o crime de corrupção já tenha sido definitivamente julgado por esse delito, e que a pena aplicada pela autoridade judiciária, de acordo com os critérios do art. 68 do código Pena, seja a de três anos de reclusão. Nesta hipótese, a Administração Pública terá o prazo de oito anos para aplicar a penalidade de demissão ao servidor, tendo em vista o disposto no inciso IV do art. 109 do Código Penal.
A interpretação que permite a aplicação desses dois prazos prescricionais penais – em abstrato ou em concreto -, caso já tenha sido ou não prolatada decisão definitiva em eventual processo criminal, encontra respaldo em nossos tribunais:
“(...) deve-se aplicar os prazos prescricionais ao processo administrativo disciplinar nos mesmos moldes que aplicados no processo criminal, vale dizer, prescreve o poder disciplinar contra o servidor com base na pena cominada em abstrato, nos prazos do artigo 109 do Código Penal enquanto não houver sentença penal condenatória com trânsito em julgado para acusação.” (Processo RMS 15648/SP Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2002/015, Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, Órgão Julgador: Sexta Turma, Data do Julgamento: 24/11/2006, Data da Publicação/Fonte: DJ 03/09/2007 p. 221)
É relevante notar que o §2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 determina somente a aplicação do prazo prescricional penal para os ilícitos administrativos que também se amoldarem aos tipos criminais previstos na respectiva legislação.
Deste modo, todas as regras debatidas anteriormente acerca do início do prazo prescricional, bem como da interrupção e suspensão daquele lapso continuam a valer. Ou seja, utilizam-se os prazos prescricionais previstos no art. 109 do Código Penal, mas ainda serão observadas as disposições legais lapidadas nos §1º, §3º e §4º do art. 142 da Lei n° 8.112/90.
Cumpre esclarecer, ainda, que esta regra nem sempre é benéfica para a Administração. Podem ocorrer casos como o citado pelo ilustre doutrinador Vinicius de Carvalho Madeira, na obra Lições de Processo Disciplinar, Brasília, Editora Fortium, 2008, senão vejamos:
“Importa esclarecer que nem sempre esta regra é favorável à administração. Se o fato em apuração é também um crime de corrupção, o prazo para a demissão provavelmente passará a ser maior do que 5 anos enquanto o processo criminal não estiver julgado. Mas, se o processo criminal for julgado, e for aplicada uma pena em concreto cujo correspondente prazo prescricional no
Direito Penal seja de menos de cinco anos (…), a prescrição para a demissão acabará sendo menor do que cinco anos.”
Como bem esclareceu o doutrinador Vinicius de Carvalho Madeira, nem sempre a prescrição terá seu prazo dilatado. Há casos, como o exemplo recorrente do abandono de cargo, que, apesar de ser um ilícito que acarreta a demissão, cujo prazo de prescrição administrativamente se daria em 5 anos, pelo § 2º do art. 142, da Lei nº 8.112/90, passa a ser regulado pela norma penal, sendo seu prazo prescricional de apenas 3 anos, no caso, sendo amplamente favorável ao servidor faltoso, reduzindo-lhe o prazo dentro do qual pode valer o direito de punir da Administração.
Diante do exposto, podemos concluir que a legislação estatutária segue, em termos de prazos prescricionais, o mesmo prazo previsto para a prescrição da aplicação da sanção penal independentemente se a mesma irá beneficiar a Administração (aumentando) ou o servidor infrator (diminuindo).
Bibliografia:
CARNELUTTI, Francesco. "Direito Processual Civil e Penal", vol. II, ed. Péritas, 2001.
COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 3ª edição, Brasília Jurídica, 1999.
Madeira, Vinicius de Carvalho. Lições de Processo Disciplinar, Brasília, Editora Fortium, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 22ª edição, São Paulo, Malheiros, 1997.
MENEGALE, J. Menegale. O Estatuto dos Funcionários, Rio de Janeiro-São Paulo, Forense, 1962.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, 2ª tiragem, São Paulo, Malheiros, 1999.
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000.
PEREIRA, Caio Mário da Silva; Instituições de direito civil, v.1, 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997.
REALE JÚNIOR, Miguel Instituições de Direito Penal, vol.1, ed. Forense, 2004.
REIS, Palhares Moreira. Processo Disciplinar, Recife, Editora Consulex, 1997.
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. Da Aplicação dos Prazos de Prescrição Criminal no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 out 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37020/da-aplicacao-dos-prazos-de-prescricao-criminal-no-ambito-do-processo-administrativo-disciplinar. Acesso em: 23 dez 2024.
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