INTRODUÇÃO
No presente artigo, discorreremos sobre a aplicabilidade de normas de um tratado internacional de cunho ambiental já ratificado pelo Brasil, porém ainda não internalizado no direito brasileiro.
Os navios de carga, por consumirem combustível em larga escala e realizarem suas emissões predominantemente em alto mar, historicamente têm escapado do controle de emissões tão comum, por exemplo, no combustível rodoviário. Este cenário tem mudado com o aumento do comércio internacional, crescentes preocupações com emissões em caráter global e o aumento da poluição do ar em cidades portuárias. Até mesmo o óleo combustível pesado para navios (“bunker”), composto predominantemente das “sobras” do petróleo que não puderam ser aproveitados em fases mais nobres da indústria de refino, passou a ter sua qualidade melhor controlada. Obviamente, o controle sobre uma atividade essencialmente internacional não pode ser realizado por autoridades locais, incapazes de estabelecer um padrão internacional de qualidade e segurança.
A principal norma internacional sobre o tema é o anexo VI da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios – MARPOL. O tratado em questão tem como objetivo prevenir a poluição marítima, e dentre os seus dispositivos determina que toda venda de óleo combustível para navios seja acompanhada de um formulário padrão (“bunker delivery note”) e de uma amostra física do óleo entregue, tudo com o fim de aumentar o controle sobre a qualidade do combustível para navios.
DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Para tratar da poluição marítima como um todo, foi adotada em 1973 a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, conhecida pela sigla MARPOL. Essa convenção só foi ratificada pelo Brasil em 1988 e promulgado por meio de decreto do Poder Executivo em 1998, junto com seus anexos I a V.
Já o anexo VI da referida convenção foi adotado por meio de protocolo adicional em 1997 e passou a vigorar internacionalmente no ano de 2005. Este protocolo só foi aprovado pelo congresso nacional em 10/08/2009, o que permitiu ao Brasil ratifica-lo em 23/02/2010, contudo ainda não foi promulgado pelo Poder Executivo, de acordo com informações do site citado anteriormente.
É justamente o anexo VI, relativo a normas para prevenção da poluição do ar por navios, que traz as normas mencionadas na introdução acima. Transcrevemos a seguir as regras 18.5 e 18.8.1 do anexo VI da MARPOL:
5 Para todo navio sujeito às Regras 5 e 6 deste Anexo, os detalhes relativos ao óleo combustível para fins de combustão que for entregue e utilizado a bordo deverão ser registrados por meio de uma nota de entrega do combustível para consumo do navio, que deverá conter pelo menos as informações especificadas no apêndice V deste Anexo.
8.1 A nota de entrega do combustível para consumo do navio deverá estar acompanhada de uma amostra representativa do óleo combustível que foi entregue, levando em consideração as diretrizes elaboradas pela Organização. Ao término das operações de recebimento do óleo combustível para consumo do navio, a amostra deve ser vedada e assinada pelo representante do fornecedor e pelo comandante, ou pela pessoa encarregada das operações com o combustível para consumo do navio, e mantida a bordo sob o controle do navio até que o óleo combustível tenha sido significativamente consumido, mas em qualquer caso, por um período não inferior a 12 meses a partir do momento da entrega.
No âmbito interno, foi editada a Resolução ANP nº 52, de 29 de Dezembro de 2010, na qual são expedidas normas sobre combustíveis aquaviários. O artigo 11 desta resolução traz norma obrigando os agentes econômicos a cumprirem as disposições do anexo VI da MARPOL, citando algumas obrigações específicas:
Art. 11. O atendimento às disposições contidas nesta Resolução não dispensa o cumprimento ao disposto no Anexo VI da Convenção MARPOL pelos produtores, importadores e distribuidores de combustíveis líquidos automotivos, com destaque para:
I - Disponibilização de combustíveis para as embarcações, de acordo com os requisitos do referido Anexo;
II - Fornecimento ao comandante ou ao encarregado da embarcação da nota de entrega do combustível (bunker delivery note), redigida em português e em inglês e uma amostra representativa do combustível fornecido, em atenção ao Apêndice V da Regra 18 do Anexo VI da Convenção MARPOL;
III - Guarda da nota de entrega do combustível, que deverá ficar à disposição da IMO e/ou da Autoridade Marítima pelo prazo de 3 anos.
A AUTORIDADE COMPETENTE BRASILEIRA PARA ASSUNTOS RELATIVOS À IMO
Em que pese a ANP ser a agência reguladora de toda a cadeia do petróleo, gás natural e biocombustíveis, e por isso responsável pela fiscalização da venda de combustíveis para veículos terrestres, aéreos e aquático, em território nacional, no âmbito do tratado MARPOL representação do país perante a International Maritime
Organization (IMO) é feita por uma autoridade especialmente designada.
Com efeito, a ANP não dispõe de poderes de representação diplomática da República Federativa do Brasil, pessoa jurídica de direito internacional signatária da convenção MARPOL e seus protocolos adicionais. (cf. PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 1ª. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2009, cap. 3). Tais poderes são atribuídos ordinariamente aos órgãos vinculados ao Ministério das Relações Exteriores (MRE). No entanto, é de se notar que no caso do Marpol e demais assuntos relativos à IMO, essa representação foi expressamente delegada à Marinha Brasileira, por meio do Decreto 3.402/2000, verbis:
Art. 1º A Representação Permanente do Brasil junto à Organização Marítima Internacional – OMI, com sede em Londres, Reino Unido, passa a ser exercida pela Marinha do Brasil.
§ 1º O cargo de Representante Permanente do Brasil junto à OMI será exercido por um Almirante, do corpo da Armada, da Marinha do Brasil, da ativa ou da reserva, auxiliado por um assessor, designado Representante Alterno, do posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra da ativa e por um Representante Alterno do Ministério das Relações Exteriores. (...)
§ 3º O Representante Permanente e seus substitutos legais serão acreditados no setor competente da OMI para exercerem integralmente a representação dos interesses nacionais ante aquele Organismo, podendo, para tanto, praticar todos os atos previstos em seu Estatuto.
Reza ainda o regulamento da Representação Permanente do Brasil perante a IMO:
Art. 2º - A RPB-IMO tem o propósito de permitir o exercício integral da representação dos interesses nacionais perante a Organização Marítima Internacional (IMO).
Art. 3º - Para a consecução de seu propósito, cabem à RPB-IMO as seguintes tarefas:
I - apoiar o Representante Permanente do Brasil junto à IMO, os Representantes Alternos e os delegados brasileiros designados para as sessões e reuniões daquela Organização, no que diz respeito à organização, disseminação e análise dos documentos de trabalho, aos contatos com o Secretariado e com as representações dos Estados Partes da IMO e aos trabalhos em plenário;
II - intermediar o relacionamento formal entre a Comissão Coordenadora dos Assuntos da IMO (CCA-IMO), a Secretaria-Executiva da CCA-IMO (SEC-IMO) e outras organizações governamentais brasileiras, como e quando necessário, com o Secretariado da IMO. Quando considerado adequado, e em concordância com as normas da Organização, efetuar o mesmo com relação a organizações não-governamentais brasileiras, mantendo o Coordenador da CCA-IMO informado; e
III - apresentar ao Estado-Maior da Armada e à Diretoria de Portos e Costas, conforme apropriado, sugestões e informações, decorrentes de conhecimentos coletados no ambiente IMO, que contribuam para o aperfeiçoamento dos trabalhos da CCA-IMO, sugerindo, quando for o caso, sua disseminação para outras OM da Marinha ou órgãos extra-Marinha.
Adicionalmente, foi criada pela Lei Portaria Interministerial 367/1998 dos Ministérios da Justiça, Marinha, Relações Exteriores, Transportes, Meio Ambiente e Amazônia Legal uma Comissão Coordenadora dos Assuntos da IMO, dotada de uma secretaria executiva, como se segue:
Art. 1º Instituir a Comissão Coordenadora dos Assuntos da IMO (CCA-IMO), que se constituirá de:
I - um Grupo Interministerial (GI);
II - uma Secretaria Executiva (SE); e
III - um Fórum Consultivo (FC).
Art. 2º A Comissão Coordenadora terá por finalidade:
I - estudar os assuntos objeto das reuniões da IMO;
II - formular as posições a serem adotadas pelas delegações brasileiras que comparecerem aquelas reuniões; e
III - propor medidas a serem implementadas internamente, decorrentes dos compromissos assumidos pelo Brasil na IMO, bem como de recomendações aprovadas por aquele fórum, quando consideradas pertinentes pela Comissão.
Parágrafo único. O Coordenador da CCA-IMO será designado pelo Ministério da Marinha.
Art. 3º O Grupo Interministerial deverá:
I - analisar os assuntos objeto das reuniões da IMO;
I - elaborar as diretrizes que orientarão os trabalhos da CCA-IMO;
III - formular as posições a serem adotadas pelo Brasil perante a IMO; e
IV - propor medidas a serem implementadas no âmbito nacional, decorrentes aos compromissos assumidos pelo Brasil na IMO, bem como de recomendações aprovadas por aquele fórum, quando consideradas pertinentes pela Comissão.
Segundo o site da CCA-IMO, “Para consecução de suas tarefas a Sec-IMO conta com um Secretário Executivo, com um Secretário Executivo Adjunto e com Coordenadores responsáveis pelo acompanhamento dos assuntos afetos aos diversos órgãos componentes da estrutura organizacional da IMO”. Todos estes órgãos funcionam no âmbito da Marinha do Brasil.
Deste modo, fica claro que não é a ANP a entidade a tratar diretamente com autoridades estrangeiras sobre assuntos relativos a descumprimento de obrigações impostas em tratados internacionais relacionados à IMO como é o caso da MARPOL. A atuação e fiscalização no setor do comércio de óleo combustível para navios deve ser organizada de forma conjunta entre essas entidades, levando-se em conta a competência regulatória da ANP no plano interno, bem como a competência da Marinha do Brasil para representação da República Federativa do Brasil perante a IMO.
A EXECUTORIEDADE DE NORMAS CONTIDAS EM CONVENÇÃO INTERNACIONAL RATIFICADA PELO BRASIL
Como exposto acima, o Protocolo de 1997, que introduziu o anexo VI à Marpol, foi ratificado pelo Brasil, mas ainda não foi promulgado por decreto do Poder Executivo. O ordenamento jurídico brasileiro adota a doutrina dualista, segundo a qual se faz necessário o procedimento específico da promulgação para que as disposições de um tratado internacional possam valer e gerar obrigações no âmbito interno, como o Supremo Tribunal Federal deixou claro nos acórdãos CR-8279 e ADI-1480, transcritos a seguir:
“E M E N T A: MERCOSUL - CARTA ROGATÓRIA PASSIVA - DENEGAÇÃO DE EXEQUATUR - PROTOCOLO DE MEDIDAS CAUTELARES (OURO PRET0/MG) - INAPLICABILIDADE, POR RAZÕES DE ORDEM CIRCUNSTANCIAL - ATO INTERNACIONAL CUJO CICLO DE INCORPORAÇÃO, AO DIREITO INTERNO DO BRASIL, AINDA NÃO SE ACHAVA CONCLUÍDO À DATA DA DECISÃO DENEGATÓRIA DO EXEQUATUR, PROFERIDA PELO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL, O DIREITO COMUNITÁRIO E O DIREITO NACIONAL DO BRASIL - PRINCÍPIOS DO EFEITO DIRETO E DA APLICABILIDADE IMEDIATA - AUSÊNCIA DE SUA PREVISÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA GERAL DE RECEPÇÃO PLENA E AUTOMÁTICA DE ATOS INTERNACIONAIS, MESMO DAQUELES FUNDADOS EM TRATADOS DE INTEGRAÇÃO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. A RECEPÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DOS ACORDOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL ESTÁ SUJEITA À DISCIPLINA FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do iter procedimental pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. - Embora desejável a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados, cuja instituição privilegie o processo de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende, essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da Constituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma constitucional, a questão da vigência doméstica dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE INTEGRAÇÃO (MERCOSUL). - A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO DIRETO E NEM O POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata). - O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da doutrina. - Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL. (CR 8279 AgR / AT - ARGENTINA AG.REG.NA CARTA ROGATÓRIA Relator: Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 17/06/1998 Órgão Julgador: Tribunal Pleno DJ 10-08-2000 p. 6)
E M E N T A: - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONVENÇÃO Nº 158/OIT - PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA - ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO Nº 68/92 E DECRETO Nº 1.855/96) - POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 - REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) - CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, CUJA APLICABILIDADE DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS - POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO. - O Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência. PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. - Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes. TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR. - O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público. Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir - não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, DESDE QUE OBSERVADA A INTERPRETAÇÃO CONFORME FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - A Convenção nº 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico, configurando, sob tal aspecto, mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única conseqüência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato de trabalho, o dever de os Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em sua legislação nacional, apenas a garantia da reintegração no emprego. Pelo contrário, a Convenção nº 158/OIT expressamente permite a cada Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu próprio ordenamento positivo interno, opte pela solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a prática nacionais, adotando, em conseqüência, sempre com estrita observância do estatuto fundamental de cada País (a Constituição brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos impugnados da Convenção nº 158/OIT (Artigos 4º a 10). (ADI 1480 MC, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997, DJ 18-05-2001 p. 429)
Por outro lado, pelo fato de ter ratificado o protocolo à Convenção, o Brasil fica obrigado internacionalmente à sua observância, pois do ponto de vista internacional não há nada que condicione sua exigibilidade a qualquer procedimento interno posterior à ratificação. A esse respeito, convém ressaltar que o Brasil ratificou e promulgou através do Decreto 7.030/2009 a Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados, cujo artigo 27 diz expressamente que:
Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado.
Percebe-se, portanto, que nesse interregno entre a ratificação de um tratado e sua promulgação, o Estado Brasileiro fica na delicada situação de poder ser demandado e responsabilizado internacionalmente pelo descumprimento de um tratado, mas não poder exigir internamente de seus súditos que o cumpram. Isso só reforça as considerações do tópico anterior no sentido de que o órgão responsável pela representação do Brasil perante a IMO é que deveria se encarregar de receber reclamações sobre o descumprimento e respondê-las, bem como de diligenciar para que tal situação seja resolvida o mais breve possível.
Note-se, contudo, que o fato dos dispositivos da convenção não estarem em vigor no Brasil não impedem que normas semelhantes sejam exigidas através de outros atos normativos, nem que o governo brasileiro diligencie pelo cumprimento voluntário das obrigações daí derivadas, através de normas regulatórias, ou mesmo através de sociedade de economia mista da qual detenha controle acionário.
A EXECUTORIEDADE DA RESOLUÇÃO ANP 52/2010
A exigência do preenchimento da “bunker delivery note” e da entrega de amostra física do óleo combustível fornecido, além de previstas pela MARPOL, foram expressamente destacadas pelo artigo 11 da Resolução ANP 52/2010 (transcrito no início deste estudo) tornando-se exigências regulatórias em vigor e plenamente exigíveis, por estarem incluídas na esfera de atribuições da ANP de fiscalização das atividades de abastecimento de combustíveis.
Deste modo, em caso de descumprimento de tais obrigações, ainda que o tratado que as institui não esteja fomalmente em vigor no direito interno brasileiro, vislumbra-se a infração ao artigo 3º da Lei 9.847/99, pelo que a ANP está investida no poder-dever de realizar a autuação de agente econômico que venha a descumprir normas regulamentares que demandaram a observância do tratado internacional em questão.
DA EXIGIBILIDADE DAS NORMAS BRASILEIRAS NA ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA
Depois de estabelecidas as premissas dos tópicos anteriores, indaga-se se caberia à ANP regular o fornecimento de combustíveis na chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), ou seja, em alto mar, além das 12 milhas náuticas do mar territorial brasileiro, porém dentro das 200 milhas náuticas previstas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Montego Bay, 1982).
A Lei 9.478/1997, ao tratar da propriedade da União sobre petróleo e o gás natural da zona econômica exclusiva e na plataforma continental, afirma que tais locais integram o território nacional:
“Art. 3º Pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva.”
Entretanto, tecnicamente, a ZEE não se inclui no conceito de território, pela própria definição que lhe é dada pela Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar. Na referida convenção, a soberania de um Estado é plena sobre o mar territorial (com ressalva do direito de passagem inocente), como em qualquer outra parte de seu território, enquanto que na ZEE essa soberania é limitada, restrita a determinadas matérias especificamente previstas na referida convenção[1].
De qualquer sorte, parece não restar dúvidas de que atividades econômicas com base no território brasileiro, porém que se estendem para a ZEE, como exploração de petróleo e gás offshore e até mesmo a distribuição de combustíveis para navios, estão sujeitos à regulação e tributação pela República Federativa do Brasil, suas autarquias e, quando for o caso, os Estados e Municípios confrontantes.
A respeito dessa matéria, convém analisar interessante julgado de nossa Suprema Corte sobre a competência tributária de Estados e Municípios sobre fatos geradores ocorridos na ZEE:
EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS SOBRE A ÁREA DOS RESPECTIVOS TERRITÓRIOS, INCLUÍDAS NESTES AS PROJEÇÕES AÉREAS E MARÍTIMA DE SUA ÁREA CONTINENTAL, ESPECIALMENTE AS CORRESPONDENTES PARTES DA PLATAFORMA CONTINENTAL, DO MAR TERRITORIAL E DA ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 5 DO ARTIGO 194 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E DO § 4 DO ARTIGO DA LEI ESTADUAL N 2.657, DE 26.12.1996, QUE REGULA O ICMS NAQUELA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. 1. Alegação de que tais normas violam os artigos 20, V e VI, 22, I, 155, II, 150, VI, 146, I, III, "a" e 155, § 2 , XII, "d", da Constituição Federal. 2. Fundamentação consideravelmente abalada com as objeções da ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA e do GOVERNADOR DO ESTADO, que, a um primeiro exame, demonstraram a inocorrência de qualquer das violações apontadas na inicial. Medida cautelar indeferida. Plenário. Decisão unânime. (ADI 2080 MC, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2002, DJ 22-03-2002 p. 29)
Apesar de se tratar de um acórdão em medida cautelar, da leitura do inteiro teor do acórdão, bem como da própria petição inicial da referida ADI, fica claro que a questão controvertida diz respeito unicamente à eventual competência de estados e municípios em face de bem de domínio da União, não sendo sequer questionado por quaisquer dos ministros votantes a possibilidade de atuação da União e suas autarquias na ZEE quando a matéria for inequivocamente de competência federal.
Assim, concluímos que a atividade de distribuição de combustíveis exercida na ZEE brasileira está sujeita à regulação da ANP, que por meio de suas resoluções pode exigir a observância de normas previstas originalmente em tratados internacionais, ainda que tais tratados não tenham sido formalmente incorporados ao direito brasileiro.
REFERÊNCIAS
CONVENÇÃO Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios – MARPOL. Disponível em https://www.ccaimo.mar.mil.br/convencoes_e_codigos/convencoes/prevencao_da_poluicao_marinha/marpol. Acesso em 25 abr. 2013.
CONVENÇÃO das Nações Unidas sobre Direito do Mar. Disponível em http://www.un.org/Depts/los/convention_agreements/texts/unclos/closindx.htm. Acesso em 8 mai. 2013.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 2080 MC, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2002, DJ 22-03-2002 p. 29.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CR 8279 AgR / AT - ARGENTINA AG.REG.NA CARTA ROGATÓRIA Relator: Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 17/06/1998 Órgão Julgador: Tribunal Pleno DJ 10-08-2000 p. 6.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 1480 MC, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997, DJ 18-05-2001 p. 429.
Nota:
[1] Ver artigos 2 e 55 da Convenção, disponíveis em http://www.un.org/Depts/los/convention_agreements/texts/unclos/closindx.htm,
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Artur Watt. Regulação internacional de combustível marítimos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 out 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37021/regulacao-internacional-de-combustivel-maritimos. Acesso em: 23 dez 2024.
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Por: Roberto Carlyle Gonçalves Lopes
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