A Constituição da República Federativa do Brasil, ao tratar das disposições gerais da Administração Pública, dispõe expressamente a proibição de acumulação de cargos no âmbito dos três poderes da República e em qualquer esfera da federação.
Da leitura do texto do texto Constitucional, temos que a acumulação é expressamente vedada a não ser nas hipóteses taxativamente trazidas pela própria Constituição. Vejamos o seu artigo 37:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
A Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em seu capítulo III, reproduz a vedação constitucional e veda a acumulação remunerada de cargos públicos, senão vejamos:
Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.
§ 1o A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.
§ 2o A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.
§ 3o Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
Teleologicamente o legislador teve a clara intensão de extirpar da Administração Pública a possibilidade de acumulação indiscriminada e que prejudique o bom andamento do serviço público. Tanto é assim que o texto da lei 8.112/90 dispõe que esta prática consubstancia um verdadeiro ilícito administrativo grave, punível com a penalidade de demissão ao servidor que estiver acumulando dois ou mais cargos públicos remunerados, de forma ilícita. In verbis:
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.
(grifos nossos)
Além de trazer a penalidade de demissão ao servidor no caso de acumulação, a lei também fez distinção quanto ao rito do processo administrativo disciplinar para apuração desta específica infração administrativa.
Trata-se de um processo mais simples, de rito sumário, que permite mais celeridade ao processo. Vejamos:
Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a ser composta por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da transgressão objeto da apuração; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
II - instrução sumária, que compreende indiciação, defesa e relatório; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
III - julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 1o A indicação da autoria de que trata o inciso I dar-se-á pelo nome e matrícula do servidor, e a materialidade pela descrição dos cargos, empregos ou funções públicas em situação de acumulação ilegal, dos órgãos ou entidades de vinculação, das datas de ingresso, do horário de trabalho e do correspondente regime jurídico. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 2o A comissão lavrará, até três dias após a publicação do ato que a constituiu, termo de indiciação em que serão transcritas as informações de que trata o parágrafo anterior, bem como promoverá a citação pessoal do servidor indiciado, ou por intermédio de sua chefia imediata, para, no prazo de cinco dias, apresentar defesa escrita, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição, observado o disposto nos arts. 163 e 164. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 3o Apresentada a defesa, a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, opinará sobre a licitude da acumulação em exame, indicará o respectivo dispositivo legal e remeterá o processo à autoridade instauradora, para julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 4o No prazo de cinco dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no § 3o do art. 167. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 5o A opção pelo servidor até o último dia de prazo para defesa configurará sua boa-fé, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 6o Caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé, aplicar-se-á a pena de demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal, hipótese em que os órgãos ou entidades de vinculação serão comunicados. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 7o O prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar submetido ao rito sumário não excederá trinta dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por até quinze dias, quando as circunstâncias o exigirem. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 8o O procedimento sumário rege-se pelas disposições deste artigo, observando-se, no que lhe for aplicável, subsidiariamente, as disposições dos Títulos IV e V desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
Ocorre que este procedimento sumário pode gerar situações em que o servidor pode ser apenado sem efetivamente ter má-fé na questão da acumulação de cargos. Para melhor entendimento da questão, vejamos, por exemplo, um caso em que se verificou a acumulação indevida de cargos públicos (um Federal e outro Estadual).
Imaginemos que o servidor em questão foi notificado da irregularidade da acumulação dos cargos mencionados, mas não fez a opção no prazo legal. Assim, a Seção de Recursos Humanos do Órgão Federal remeteu o processo à corregedoria para instauração do competente Processo Administrativo Disciplinar.
Assim que se inicia o processo, a Comissão notifica o servidor para apresentar opção por um dos cargos acumulados ilicitamente, com prova de exoneração efetiva de um deles, no prazo legal. Em seguida, o servidor dentro de seu prazo, faz sua opção de cargo e protocola na Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos seu pedido de exoneração.
Apenas isso pode ser encarado pela Lei como prova de opção de efetiva exoneração do cargo de professor?
A pergunta se faz necessária no caso de a Secretaria Estadual não publicar a portaria de exoneração dentro do lapso temporal conferido ao servidor para a prova da exoneração. Não depende mais do servidor. Este já fez sua movimentação e não pode ser apenado pela inércia do governo estadual em publicar sua portaria de exoneração.
A opção dentro do prazo é ação que caracteriza boa-fé, por presunção “jures et de jure”, ou seja, absoluta. Vejamos o ilustre professor José Armando da Costa :
Conquanto seja improrrogável o prazo de dez dias acima referido, saliente-se que o servidor acusado de estar acumulando ilicitamente, ainda dentro do prazo de defesa do procedimento sumário sobredito, poderá realizar tal opção, providência esta que, caracterizando a sua boa-fé (por presunção ‘juris et de jure’), ‘se converterá automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo’ (art. 133, § 5º, da Lei nº 8.112/90).
Vê-se, nessas duas chances legais de opção, que o legislador erige a tomada de decisão do servidor acusado em presunção absoluta de boa-fé, o que implica afirmar que não admite sequer prova a demonstração de prova em contrário.[1] (Grifos nossos).
Imaginemos que o prazo para opção e consequente exoneração do servidor em um dos cargos fosse até 29 de outubro de 2009, e, apenas em 30 de dezembro 2009, o Diário Oficial do Estado trouxesse portaria, que exonera o servidor do cargo, pela Secretaria de Estado a partir de 28 de outubro de 2009.
O instituto da exoneração retroativa é comum no serviço público e permitido pela legislação pátria. In casu, não importa a data da publicação da portaria de exoneração, mas sim, a data a partir de quando esta surte seus efeitos.
Melhor dizendo, se a portaria indica que o servidor está exonerado a partir de 28/09/2009, significa que ele apenas desempenhou suas funções e cumpriu sua carga horária até aquela data. Como também, apenas recebeu vencimentos até a mesma data indicada na portaria de exoneração.
Conforme reza o § 6o do artigo 133, da Lei 8112/90, é necessária a prova da acumulação de cargos em conjunto com a prova da má-fé do servidor. Com efeito, não basta a acumulação do cargo, é imprescindível a presença dos dois fatores. A presença da má-fé é essencial para a aplicação da penalidade de demissão.
Nesse sentido, também, o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-Geral da União – CGU:
“o fato de não apresentar opção não autoriza presunção absoluta de má-fé; ao contrário, impõe que se instaure o devido processo legal. Ainda que haja elementos probatórios da má-fé, a opção, ainda que tardia, no prazo de defesa, restabelece a presunção absoluta da boa-fé e afasta a aplicação de pena.
(...)
A boa-fé pode se configurar em situações tais que, exemplificadamente, haja manifestações divergentes acerca da legalidade da acumulação ou mera aparência de que se trata de matéria de caráter técnico efetivo. Já a má-fé caracteriza-se, por exemplo, ao ser provido em um cargo e não declarar o fato de já ocupar outro.[2]”
Assim, entendo, no caso hipotético analisado, que não há margem para dúvidas. Se a exoneração do servidor surtiu efeitos dentro do prazo concedido, está comprovada a boa-fé de forma absoluta e incontestável.
Portanto, podemos concluir que a Comissão Processante não necessita aguardar a efetiva publicação da exoneração do servidor no Diário oficial para encerrar o processo administrativo disciplinar e lavrar seu Relatório Final, sob pena de cometer a injustiça de penalizar um servidor por causa de um lapso temporal que o mesmo não deu causa.
Bibliografia:
COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 3ª edição, Brasília Jurídica, 1999.
COSTA, José Armando da. Direito Administrativo Disciplinar. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1ª Ed., 2004.
MADEIRA, Vinicius de Carvalho. Lições de Processo Disciplinar, Brasília, Editora Fortium, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 22ª edição, São Paulo, Malheiros, 1997.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, 2ª tiragem, São Paulo, Malheiros, 1999.
[1] DA COSTA, José Armando. Direito Administrativo Disciplinar. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1ª Ed., 2004, p. 475/476.
[2] p.461/465.
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. Da Acumulação Remunerada de Cargos Públicos Sob o Égide da Lei 8.112/90 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37047/da-acumulacao-remunerada-de-cargos-publicos-sob-o-egide-da-lei-8-112-90. Acesso em: 23 dez 2024.
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