Pela sistemática da Lei nº 8.112/90 a prática de valimento tem como consequência a penalidade de demissão. Diz a Lei:
Art. 117. Ao servidor é proibido:
IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;
(...)
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.
A demissão por prática de valimento exige estudo aprofundado do operador do direito administrativo, haja vista os requisitos específicos exigidos para o seu enquadramento.
Não há dúvida que se trate de ilícito de índole altamente dolosa.
A descrição legal de valer-se do cargo implica em atos ou omissão de cunho deliberadamente dolosos, no sentido de praticar algo vedado pela legislação ou pela moralidade administrativa, podendo gerar proveito pessoal ou de terceiros, e sempre causando o detrimento da dignidade do múnus público.
O Doutrinador Antonio Carlos Alencar Carvalho assim se posiciona em relação ao valimento do cargo por servidor público , in verbis:
Ora, os doutrinadores são unânimes em traçar a densidade normativa do valimento do cargo em detrimento da dignidade da função pública (art. 117, IX, Lei n.º 8.112/90) como o comércio da função pública, o uso da qualidade de servidor publico como meio de troca ou de obtenção de vantagens para favorecer particulares ou a si próprio.
Note-se que se trata de um ilícito formal. Ou seja, a lei não exige que o proveito pessoal ou de terceiro se materialize, basta que a ação vise a este proveito indevido, não havendo importância para sua configuração que o mesmo se concretize. O fato de se tratar de ilícito formal e não material, não quer dizer que não seja necessário que a prova do dolo seja extensamente exigida para sua configuração.
Pelo princípio da verdade real, é a Administração que deve comprovar o dolo do servidor, para que se possa enquadrar sua conduta no caso de valimento.
Para tornar palpável o elemento subjetivo, durante a formação da prova no curso do Processo Administrativo Disciplinar, é impendioso objetivar a conduta, por meio de recursos processuais previstos em lei, a fim de que a autoridade julgadora possa no seu julgamento estar certa e segura de que aquela conduta merece a punição máxima da demissão, haja vista sua índole dolosa, eivada de má-fé ou até mesmo fraude.
Repita-se. Não é necessário que se comprove que o servidor obteve vantagem própria, a vantagem pode ter sido proporcionada a um parente, amigo, vizinho, cliente, fornecedor, contratada.
Se a vantagem for própria, embora o conteúdo do ilícito seja mais grave, a consequência é a mesma: a demissão. Porque o cerne do ilícito do valimento, além da vantagem indevida, é o uso do cargo pelo servidor para fins escusos, causando o detrimento da dignidade da função pública.
Assim, temos que elemento subjetivo do tipo de valimento é:
- ação ou omissão dolosa.
São elementos objetivos da infração:
- utilização do cargo público;
- prática de ato ou omissão visando lograr proveito próprio ou de outrem;
- o detrimento da dignidade da função pública.
Disso decorre que jamais uma ação ou omissão culposa possa ser enquadrada como valer-se do cargo, pois haverá uma contradição nos próprios termos. Viola-se a legalidade.
Corroborando esse entendimento a Controladoria-Geral da União, por meio do seu Manual de Processo Disciplinar, preleciona que a presença do dolo na conduta do servidor é essencial para que se caracterize o valimento do cargo, senão vejamos:
4.7.3.9 - Inciso IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública
Se, por um lado, para o pleno desempenho das atribuições do seu cargo, o agente público é investido de competências, poderes e prerrogativas, por outro lado, em razão da função de interesse público que executa, sobre ele imperam comprometimentos especialíssimos de conduta, não só de ordem legal mas também moral (atente-se que essa função sempre é voltada ao interesse público, tais como controle, arrecadação, gestão, planejamento, polícia, judicatura, assistência social, dentre tantas). Tem-se, então a configuração do ilícito em tela (aqui sinteticamente substantivado como “valimento de cargo”) quando justamente esse agente público, em lugar de exercer a tutela para a qual foi investido no cargo público e que exatamente é o que dele a sociedade espera e requer, ele, de forma intencional, consciente, dolosa, privilegia o interesse particular e se utiliza das prerrogativas de seu cargo ou até mesmo de sua condição de servidor em benefício próprio ou de outra pessoa, em detrimento do interesse público tutelado. Daí, o servidor “vale-se” do seu cargo, ao servir-se de suas próprias prerrogativas, deturpando-as e agindo em detrimento da dignidade da função pública, seja para auferir proveito para si mesmo, seja para propiciar proveito a outrem (ainda que seja sem uma contrapartida a seu favor). Repise-se: o ato irregular somente acontece porque ali está o agente público com poder para legalmente realizá-lo ou inibi-lo e, no entanto, esse servidor,de forma ilegal, o realiza ou não inibe sua realização, seja por ação ou omissão. E tem-se que o proveito irregular depende inafastavelmente do cargo (ou ainda de sua condição de servidor), pois única e tão-somente o servidor, detentor de prerrogativas a serem exercidas em sintonia com o interesse público, é que pode propiciar o ato (comissivo ou omissivo); o outro não tem esse poder. Daí, no presente enquadramento, não se cogita de o servidor ser ludibriado; não há valimento de cargo culposo, mas apenas doloso. De se esclarecer que, a princípio, a própria literalidade do enquadramento reporta-se, de forma imediata, à hipótese de o servidor manipular ilegal e dolosamente as atribuições do seu cargo para lograr benefícios indevidos para si ou para outrem. Mas não se deve perder de vista a possibilidade mais abrangente deste enquadramento ao abarcar hipótese talvez até de maior grau de repulsa quando o servidor atua de forma dolosa para lograr proveitos pessoais próprios a favor de outrem valendo-se mais do que de seu cargo em si, mas sim de sua própria condição de servidor. Aqui cogita-se de servidor cometer o fato ilícito produzindo ou deixando de produzir atos que a rigor não estão nas atribuições específicas de seu cargo, mas assim agindo tão-somente em razão de acessos, conhecimentos ou possibilidades de quaisquer naturezas que lhe são propiciadas pelo fato de ser agente público. A despeito das atribuições do cargo que o infrator ocupa, não se tolera a conduta em que o servidor vale-se não especificamente “de seu cargo”, mas sim do fato de ocupar “um cargo” e da sua condição de servidor, hipótese em que a mácula moral à instituição pode ser até mais danosa, pois, neste caso, possivelmente o infrator busca associar seu nome e sua atuação ao órgão, simulando competências que de fato sequer possui, a fim de obter a vantagem pretendida diante de terceiros. Além do emprego indevido das atribuições específicas do cargo que ocupa, o presente enquadramento pode abarcar tanto aqueles atos simples, corriqueiros e cotidianos (o que não impede que sejam dolosos e graves) ao alcance de qualquer servidor e que, por serem inerentes de forma indistinta a todo o quadro funcional do órgão, sequer se enumeram nas atribuições dos cargos, quanto também alcança atos especificamente produzidos por um servidor em desvio de função (quando um servidor comete ato da competência de outro cargo diferente do seu, seja de maior ou de menor grau de complexidade ou de responsabilidade, e também independentemente de este desvio decorrer de mero arbítrio seu para perpetrar o ilícito ou de ser do conhecimento de sua chefia), conforme já se abordou em 3.1, ao se defender a aplicação do art. 148, da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e, em conseqüência do processo administrativo disciplinar para atos cometidos sob esta espécie de desvio. Dentre os ilícitos causadores de pena expulsiva, este é um dos mais comumente configurados. A sua aplicabilidade deve ser creditada ao fato de que, na redação deste inciso, andou bem o legislador ao prover um caráter alternativo, ao invés de cumulativo. Destaque-se a conjunção “ou”: basta que se comprove o benefício ilegítimo auferido ou que se tentou auferir, por uma das partes (o próprio servidor ou outrem, que, em regra, é um particular, mas sem impedimento de ser outro servidor). Tanto pode o servidor agir de forma a propiciar, com o exercício indigno de seu cargo, direto benefício próprio, como pode usar de seu cargo para propiciar benefício a outrem, em que se poderia presumir (a contrapartida não é pré-requisito para a configuração) o benefício pessoal indireto. Nesse segundo caso, para a configuração deste ilícito, basta que se comprove a concessão dolosa de proveito ao particular, por parte do servidor, sendo desnecessário comprovar o proveito pessoal ou a mera intenção de se aproveitar. Acrescente-se ainda que o proveito, pessoal ou de outrem, pode ser de qualquer natureza, não necessariamente financeiro ou material.Assim, se por um lado nem sempre se revela tarefa fácil para a comissão conseguir lograr a comprovação do proveito do servidor, por vezes não é muito difícil comprovar que o outro obteve proveito indevido, na forma de um deferimento, concessão, etc. Esta razoável “facilidade” decorre de que, à vista do princípio da legalidade, sempre haverá algum tipo de normatização a regular determinada atividade pública. Assim, ao se deparar com a conduta funcional contrária a essa norma, propiciando vantagem indevida a alguém, pode-se ter, muito sinteticamente, dois caminhos: havendo nos autos elementos formadores da convicção de que aquela atitude incorreta foi tomada intencional e conscientemente pelo servidor, tem-se a princípio configurado o valimento de cargo; se há elementos que indicam que a conduta contrária à lei decorreu de negligência ou imperícia (culpa, em essência), talvez possa se cogitar de inobservância de norma, prevista no art. 116, III do Estatuto (descrito em 4.7.2.3), punível com penas de advertência ou no máximo de suspensão. Daí, tem-se, em sentido bastante genérico, que a inobservância de norma é o enquadramento mais comum das infrações leves e culposas enquanto que o valimento do cargo é a infração mais comum das infrações graves e dolosas. (grifos nossos)
Portanto, é impossível que uma conduta culposa, possa ser entendida como valimento. Pode ser entendida como desídia ou outra falta, jamais como valer-se do cargo, pois que comete o valimento age deliberadamente com a vontade determinada para lograr proveito seu ou de alguém.
Enquadrar conduta em valimento, sem perquirir o elemento subjetivo ou aplicar a pena de demissão por valimento por dedução de que o servidor quis proporcionar a vantagem a terceiros, sem a objetivação através da prova de que houve a ação dolosa, é o cúmulo da responsabilização objetiva, com violação da legalidade, da tipicidade, dentre outros.
Vale ressaltar que, em se caracterizando o dolo na conduta e seu enquadramento no valimento do cargo, o julgador tem o dever de aplicar a penalidade de demissão. Não é ato discricionário, é ato obrigatório.
Apoiando este entendimento, vejamos alguns julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO POR ALEGADA PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL COMPROMETEDOR DA DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA – VALER-SE DO CARGO PARA O RECEBIMENTO DE VANTAGEM INDEVIDA. ART. 117, IX DA LEI 8.112/90. PAD REGULAR. SANÇÃO AJUSTADA À GRAVIDADE DA INFRAÇÃO. PROVA CRIMINAL EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. COMISSÃO PROCESSANTE. ART. 149 DA LEI 8.112/90. ORDEM DENEGADA. 1. O Poder Judiciário pode e deve sindicar amplamente, em mandado de segurança, o ato administrativo que aplica a sanção de demissão a Servidor Público, para verificar (I) a ocorrência dos ilícitos imputados ao Servidor e, (II) mensurar a adequação da reprimenda à gravidade da infração disciplinar, não ficando a análise jurisdicional limitada aos seus aspectos formais. 2. A teor do art. 5o., X e XII da Carta Magna, os sigilos constitucionais somente podem ser excepcionados para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; contudo, o STF admite a migração da prova criminal obtida mediante a quebra de sigilo (INQ/QO 2.424/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJU 24.08.2007). Ressalva do ponto de vista do Relator, que só admite a quebra de sigilos para fins de investigação e instrução processual penal, em fidelidade à letra do referido dispositivo da Constituição Federal. 3. Caracterizada objetivamente a infração de valer-se o Servidor Público das prerrogativas do seu cargo para obter proveito pessoal em detrimento da dignidade funcional, é de rigor a aplicação da sanção demissória, em razão de expressa previsão legal (art. 132, XIII da Lei 8.112/90), havendo, neste caso, aliás, Ação Penal em curso. 4. O art. 149 da Lei no. 8.112/90 preceitua que o Processo Administrativo será conduzido por Comissão composta de três Servidores estáveis designados pela autoridade competente, determinando que o Presidente da Comissão deverá ocupar cargo efetivo superior ou do mesmo nível do ocupado pelo indiciado, ou ter escolaridade igual ou superior à dele, o que foi observado no caso presente. 5. O exercício do poder administrativo disciplinar corporifica sempre atividade materialmente jurisdicional, por isso que no seu desempenho é mister que a Administração proceda como um autêntico Julgador, inclusive assimilando a força normativa dos princípios constitucionais, sem o que a exegese jurídica se torna pobre e desprovida dos seus fins: justiça e equidade. Littera enim occidit, spiritus autem vivificat (Apóstolo Paulo, Cor. II, 3;6). 6. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial. (STJ – MS 14405, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, publ. DJe 02/08/2010)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. CONDUTAS DESCRITAS NO ARTIGO 117, IX E XI, DA LEI 8.112/90. INTERMEDIAÇÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. COMPROVAÇÃO DAS CONDUTAS POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. ATO VINCULADO. 1. O mandado de segurança foi impetrado com o objetivo de anular a Portaria n. 202/2010 editada pelo Ministro de Estado da Previdência Social que cassou a aposentadoria da impetrante com fundamento nos artigos 117, IX e XI, 132, XIII e 134, com os efeitos previstos no artigo 137, todos da Lei 8.112/90 (atuar como procurador ou intermediário junto a repartições públicas e valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública). O ato de cassação se deu ante a apuração das seguintes faltas funcionais: (1ª) no exercício de suas funções no cargo de Técnico do INSS a impetrante formatou pelo menos 3 (três) benefícios de pessoas domiciliadas em São Paulo/SP cuja documentação foi a ela apresentada por estagiário do escritório de sua irmã na Agência da Previdência Social de Bauru/SP, tendo fornecido o próprio endereço para as correspondências a serem emitidas pelo INSS aos segurados, o que caracteriza a intermediação; (2ª) concessão irregular do benefício a segurado domiciliado em São Paulo e assessorado pelo escritório de advocacia da irmã, ante o não cumprimento da carência prevista no artigo 182 do Decreto 3.048/99 à época do exame dos documentos pela impetrante. 2. O manejo do writ requer a demonstração do direito líquido e certo por meio de prova pré-constituída, o que não ocorreu na hipótese dos autos no pertinente à prescrição da pretensão punitiva. 3. A investigação preliminar para averiguar a materialidade dos fatos e sua veracidade, desde que não exponha a imagem do denunciado e não sirva de motivo para perseguições, deve ser feita e é inerente ao poder-dever de autotutela da Administração Pública, admitindo-se o anonimato do denunciante com certa cautela e razoabilidade, pois a sua vedação, de forma absoluta, serviria de escudo para condutas deletérias contra o erário. Precedentes: MS 12.385/DF, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2008, DJe 05/09/2008; MS 13.348/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 16/09/2009; REsp 867.666/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2009, DJe 25/05/2009; RMS 30.510/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 10/02/2010. 4. Não ocorreu cerceamento de defesa ou ofensa ao contraditório pela dilação do prazo referente às investigações preliminares, máxime porque esse procedimento pré-processual não foi destinado à aplicação de penalidade. Ademais, o writ não demonstra o efetivo prejuízo da impetrante capaz de ensejar a anulação do ato de cassação da aposentadoria. 5. Não há nos autos qualquer indício de que a Comissão Processante obstruiu o direito da impetrante à produção das provas. Ao revés, instaurado o PAD, seguiu-se sua notificação e depoimento pessoal à Comissão Processante. Foi assistida pela irmã, advogada, na audiência de oitiva das testemunhas em São Paulo/SP, acompanhou pessoalmente os depoimentos colhidos no município em que reside, e, após ter sido indiciada e citada, apresentou defesa escrita por procuradora habilitada, tudo devidamente analisado, conforme consta do Relatório Final. 6. O fato de a denúncia anônima ter sido acompanhada de cópia de e-mail enviado pela impetrante à sua irmã (advogada dos beneficiários) não vicia a apuração dos fatos, notadamente porque o poder-dever da Administração Pública teria sido exercido independentemente desse documento. Entretanto, o Processo Administrativo Disciplinar contém outras provas dos fatos que não são ilícitas nem derivam da ilícita, ou seja, são autônomas, não guardam relação com o e-mail capturado pelo denunciante anônimo, tampouco sofreram a repercussão deste documento, razão pela qual o ato impugnado não deve ser anulado. 7. O Relatório Final da Comissão Processante e o Parecer/CONJUR/MPS n. 143/2010 demonstraram a ocorrência das condutas, notadamente pela análise dos benefícios concedidos, declarações da impetrante, depoimentos dos demais servidores que atuam na mesma Agência da Previdência e dos segurados que haviam procurado inicialmente o escritório da irmã da impetrante. As condutas discriminadas são ilegais e se enquadram nos tipos dos incisos IX e XI do artigo 117 da Lei 8.112/90, o que afasta o erro escusável. O prejuízo à Administração Pública é inerente, sendo prescindível a demonstração do enriquecimento ilícito da ex-servidora. 8. Quanto à pretensão de análise do pedido de reconsideração, não obstante a Administração tenha consignado pelo seu não conhecimento, por intempestividade, acabou, também, por enfrentar o próprio mérito da insurgência. Isso porque foi acolhida concomitantemente a parte da manifestação da Consultoria Jurídica consubstanciada no Parecer/CONJUR/MPS/N 325/2010, que analisou o pedido e entendeu pela ausência de qualquer nulidade no Processo Administrativo Disciplinar. Desse modo, afastado está o alegado prejuízo, o que conduz à aplicação do princípio pas de nullité sans grief. 9. A Administração Pública, quando se depara com situações em que a conduta do investigado se amolda nas hipóteses de demissão ou cassação de aposentadoria, não dispõe de discricionariedade para aplicar pena menos gravosa por tratar-se de ato vinculado. Nesse sentido, confira-se: [...] o administrador não tem qualquer margem de discricionariedade na aplicação da pena, tratando-se de ato plenamente vinculado. Configurada a infração do art. 117, XI, da Lei 8.112/90, deverá ser aplicada a pena de demissão, nos termos do art. 132, XIII, da Lei 8.112/90, sob pena de responsabilização criminal e administrativa do superior hierárquico desidioso (MS 15.437/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 26/11/2010). 10. Ordem denegada. (STJ – MS n.º15517. Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 18/02/2011)
Analisados os elementos subjetivo e objetivo do ilícito do valimento, passemos a exemplificar as condutas enquadráveis neste tipo administrativo:
Se o servidor repassar informações, imprimir documentos privativos da repartição, utilizando-se do cargo, e proporcionando que estelionatários fraudassem empréstimos em prejuízo dos segurados e das instituições financeiras, sua conduta viola, claramente, a norma disciplinar que proíbe valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem em detrimento da dignidade da função pública;
Se conceder benefício previdenciário, a quem não tem direito, comprovado que o beneficiário é cliente de empresa ligada ao servidor, há a possibilidade de demissão por valimento;
Se Auditor Fiscal no uso de suas atribuições, consegue certidão negativa de débitos para empresa de um parente ou amigo, está consumado o ilícito de valer do cargo para lograr proveito de outrem;
Se Engenheiro de autarquia responsável pela construção e reforma de estradas, manda asfaltar as ruas da fazenda de seu sogro, está cristalina a prática de valimento; e,
Se Conselheiro do Conselho Nacional de Assistência Social, que relata processo e induz o conselho a emitir certificado que confere imunidade tributária a entidade que não se enquadra em instituição assistencial, está se valendo do cargo para benefício de outrem;
Diante do exposto, com as considerações acima feitas e os exemplos citados, esperamos ter, de alguma forma, contribuído para a doutrina jurídica pátria na correta interpretação do ilícito administrativo descrito na Lei nº 8.112/90 como valimento de cargo público.
Bibliografia:
CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. 3ª edição revista, atualizada e ampliada. Editora Fórum, 2012.
COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 5ª edição, Brasília Jurídica, 2005.
MADEIRA, Vinicius de Carvalho. Lições de Processo Disciplinar, Brasília, Editora Fortium, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 22ª edição, São Paulo, Malheiros, 1997.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, 2ª tiragem, São Paulo, Malheiros, 1999.
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000.
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. Demissão do servidor público pela prática de valimento e o dolo como elemento indispensável ao seu enquadramento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37128/demissao-do-servidor-publico-pela-pratica-de-valimento-e-o-dolo-como-elemento-indispensavel-ao-seu-enquadramento. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
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