SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ECOSSISTEMA DE MANGUEZAIS. 2.1. Aspectos naturais. 2.2. Importância dos Manguezais. 2.3. Arcabouço jurídico de proteção aos manguezais. 2.4. Desrespeito aos manguezais. 3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 3.1. Evolução Legislativa Brasileira até a Lei de Ação Civil Pública. 3.2. Hipóteses de Cabimento da ACP. 3.3. Rol de Legitimados à propositura da Ação Civil Pública. 3.4. Ação Civil pública como instrumento de tutela dos manguezais no Judiciário. 3.5. Paliativo à morosidade: a concessão de Liminar. 4. CONCLUSÃO. 5. BIBLIOGRAFIA.
1. INTRODUÇÃO
Há muito tempo, o Brasil permaneceu sem uma Lei que tutelasse os direitos difusos, em prol de toda a coletividade. Tal panorama foi modificado com a sanção da Lei nº7.437 de 24 de julho de 1985, denominada lei de Ação Civil Pública, à medida que esta estabeleceu vários legitimados para demandar em juízo mediante a Ação civil Publica.
Neste sentido, o meio ambiente, que só poderia ser protegido de forma individual, sob a ótica do proprietário do local onde era visualizada a agressão passou a poder ser tutelado indistintamente.
Notoriamente, o Ministério Público “chamou” para si a responsabilidade de proteger os direitos difusos e coletivos, fiscalizando a aplicação das normas pertinentes e ingressando no Judiciário, nos casos de descumprimento dessas mesmas normas, pleiteando indenizações e requerendo condenação em obrigação de fazer ou não fazer.
Atualmente, a Ação Civil Pública constitui um dos instrumentos mais eficazes, senão o mais eficaz na defesa do meio ambiente e, como tal, vem sendo utilizada em muitos Estados no intuito de se preservar um ecossistema que não aparenta ter a importância que efetivamente tem: os Manguezais.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ECOSSISTEMA DE MANGUEZAIS
2.1. Aspectos naturais
Os manguezais brasileiros cobrem uma área de aproximadamente 13.000 Km², desde o Cabo Orange, no Amapá até a cidade de Laguna, em Santa Catarina. Os Estados do Amapá, Pará e Maranhão, inseridos na chamada Amazônia Legal, possuem mais de 50% da área de manguezais do país, que são considerados os estruturalmente mais complexos (Lacerda). O Estado do Maranhão sozinho possui quase metade dos manguezais do Brasil.
O termo “manguezais” introduz a idéia de ecossistema, de um todo interativo, e não somente de árvores isoladas. Quando se pretende enfocar as árvores dos manguezais, em isolado, o termo mais apropriado é simplesmente “mangues”, palavra de origem africana, difundida para todo o mundo pelos portugueses e espanhóis no período das grandes navegações.
Nesse sentido, é importante notar que o manguezal é um verdadeiro ecossistema, constituído de vegetação, solo, águas, ar e fauna, que relacionados, originam um agrupamento natural complexo e peculiar, que como tal deve ser considerado.
Nesse estudo é necessário que se conheça algumas das características desse ecossistema tão rico em quantidade de seres vivos. Não que exista uma grande diversidade ecológica, em termos de número de espécies, mas é visível a imensa quantidade de seres pertencentes às espécies encontradas.
Quanto à vegetação dos manguezais, podem-se encontrar espécies típicas dos manguezais e espécies associadas ao manguezal. As primeiras ocorrem exclusivamente nos manguezais, enquanto a ocorrência das segundas varia de local para local. As plantas são todas tolerantes à salinidade e desempenham importante papel no ecossistema, seja pela produção de serrapilheira e de nutrientes, através de exsudatos radiculares e dejetos de aves e outros animais, seja pelo fornecimento de madeira de lei e de outros produtos para a população que vive de coleta na floresta.
Os manguezais são compostos por plantas vasculares, que ou são definitivamente halófitas ou pelo menos possuem tolerância à salinidade. Para sobreviver a um ambiente tão adverso, essas plantas desenvolveram vários tipos de adaptações morfo e fisiológicas contra a excessiva salinidade e o déficit de oxigênio no substrato. Desenvolveram também diferentes mecanismos de perpetuação das espécies, através de processos evolutivos convergentes.
Assim, é possível perceber nessas plantas estruturas como: raízes aéreas, que brotam dos galhos em direção ao solo; raízes- escora, que servem para ancorar o tronco ao lodaçal; pneumatóforos que emergem verticalmente das longas raízes subterrâneas para respirar; lenticelas que aparecerem nos troncos com esta mesma função e em algumas espécies, reprodução por viviparidade, que garantem uma maior certeza na reprodução, pois as sementes ou embriões só se soltam do corpo das plantas-mãe após adquirirem condições de auto-sobrevivência. Também se observam glândulas que secretam sal, impedindo a morte por asfixia e outros tecidos que protegem a penetração deste mineral nas raízes.
Existem quatro gêneros de mangues no Brasil, cada um com características próprias, quais sejam, Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa, Avicennia, Conocarpus erectus. Caracterizaremos cada um brevemente.
Rhizophora mangle (Mangue Vermelho ou bravo) é um tipo de árvore vivípara que possui rizoforos, podendo atingir até 12 (doze) metros. Vive no substrato lodoso puro, nas faixas frente ao mar.
Laguncularia racemosa (Mangue Branco, manso ou tinteiro) é árvore semivivípara que possui pneumatóforos. Chega a 6 (seis) metros e prefere substratos mais elevados, misturados com areia.
Avicennia nítida e Avicennia schaueriana (Mangue Negro, Seriba ou siriúba) são árvores semivivíparas que possuem pneumatóforos, podendo chegar a 12 (doze) metros de altura. Ocupam terreno mais externo de terra firme.
Por fim, Conocarpus erectus (Mangue tinteiro) vive na periferia do manguezal, cujo substrato é mais arenoso. Não é vivípara.
Associados aos mangues encontram-se algumas outras espécies de plantas tais como a Hibicus pernambucensis (guaxima ou quatro-pés), a Acrostichum aureum (samambaia do mangue) e Spartina brasiliensis. Identificam-se também algas macroscópicas vermelhas, azuis e verdes.
A fauna constituinte dos manguezais é formada por zooplâncton (comunidade de animais, que vive em suspensão na massa de água e que possui uma reduzida capacidade natatória no sentido horizontal), por meiobentos (animais de pequeno porte -até 2-3 mm de comprimento- que vivem no fundo ou entre as algas e plantas aquáticas, por exemplo, copépodos, vermes nematóides, oligoquetas e poliquetas, ácaros, micro-crustáceos, percevejos, pequenos mosquitos, etc), crustáceos peracarida (animais de porte médio, que vivem no substrato ou próximos a ele, por exemplo, anfípodos, turus), crustáceos decapodas (camarões, pitus, potimirins, lagostas, caranguejos, siris, etc), moluscos lamellibranchia (ostras, mexilhões ou sururus e berbigões), moluscos gastropodas (caramujos), hidrozoários, briozoários, peixes diversos (tralhoto, baiacu, tainha, agulha preta, bagre amarelo, carapeba, robalo, etc).
Também são encontradas aves, como a saracura-preta, a saracura do mangue, o maçariquinho, o bem-te-vi, o sabiá-da-mata, a lavandeira, o papa-arroz, a garça, o guará, os maguaris, os socós, os pica-paus, as saracuras, e outros, além de mamíferos, anfíbios e répteis.
É importante destacar que alguns animais, da mesma forma que as plantas, precisam de mecanismos de adaptação ao habitat. Dessa forma, nota-se que alguns ficam em estado de dormência para tolerar a imersão prolongada nas águas, outros sobem e descem ao longo dos troncos para evitar ficarem submersos. A maioria dos vermes e crustáceos mantém pequenas poças particulares no fundo das galerias, o que dificulta a morte por asfixia. Há, também grande número de bactérias e fungos ferro- ou sulfoxidantes ou redutores.
Os manguezais atingem seu melhor desenvolvimento em locais de maré moderada, ou seja, nem muito baixas nem muito altas, com águas calmas e ao longo das costas com baixa energia, bem protegidas, por restingas, recifes de coral, etc, das fortes correntes costeiras, ventos e movimentos das marés.
A circulação das águas nessas áreas é muito importante para a conservação dos manguezais, que não podem sobreviver sem a inundação regular da maré. Por isso, as águas não devem ser restritas ou confinadas.
A produtividade primária nas águas dos pântanos de mangues é baixa devido à intensa cobertura da copa e à pouca penetração de luz na água em função da grande quantidade de substâncias coloridas (ácidos húmicos, polifenóis insaturados etc.) e material em suspensão.
Por isso, a produção primária fotossintética nas águas vai aumentando em direção aos estuários, próximos ao mar, por causa tanto da inexistência de cobertura fechada quanto da mistura com a água transparente do mar. Nas porções superiores de riachos e arroios, o fitoplâncton é quase inexistente, o que diminui consideravelmente tal produção.
Percebe-se que os principais produtores primários do manguezal são as árvores da floresta, responsáveis pela produtividade da rede trófica do ecossistema, fundamentalmente baseada na reciclagem de detritos.
Em geral, as águas são de alta temperatura, com longo tempo de permanência e com diferente conteúdo de nutrientes de diferentes origens, o que explica a alta taxa de produção dos pântanos de mangue. São águas com características peculiares adquiridas durante a residência nos pântanos. Possuem grande quantidade de matéria orgânica dissolvida na forma de sais, substâncias químicas nocivas, tais como ácidos tânicos, etc, além de pesticidas fertilizantes e outros aditivos resultantes da aplicação em terras agrícolas.
Os solos de manguezais são tipicamente argilosos, devido aos sedimentos de argila e lama argilo-arenosa que são trazidos pelos rios à montante e depositados nos substratos dos manguezais, retrabalhados, redistribuídos, e alterados física e quimicamente. Além disso, são em geral quentes, ricos em matéria orgânica, e úmidos nas florestas regularmente inundadas pelas marés.
Os locais mais propícios ao desenvolvimento são as planícies costeiras de baixa declividade, os vales alagados limitados por baixios, estuários e deltas, ou seja, locais favorecidos pela deposição de sedimentos, e onde as águas costeiras não são perturbadas por forte dinamismo.
É necessário ressaltar que alguns tipos de mangues toleram diferentes graus de acidez e condições anaeróbicas do solo, fatores que influenciam na distribuição das distintas espécies de plantas.
Alguns elementos são muito importantes para os manguezais tais como, o carbono, o fósforo, o nitrogênio, o silício, o magnésio, o sódio, o cobalto, e outros. Existem, ainda, animais cavadores que desempenham importante papel, pois ventilam e inundam as camadas sub-superficiais do substrato, através de suas galerias. Por exemplo, as galerias da lagosta do manguezal chegam a até um metro ou mais de profundidade.
Quanto às raízes dos mangues, observa-se que a parte absorvente delas permanece nas camadas superficiais, pois as camadas mais profundas do solo são geralmente anóxicas. A sustentação das plantas, por outro lado, não ficam comprometidas, pois fica por conta da biomassa radicular subterrânea, muito superior à que está acima do solo.
Comentados, em isolado, os diversos componentes do manguezal, ressalta-se, como já foi dito acima, que á a partir da interação dinâmica entre eles, através por exemplo da transferência ou fluxo de energia e matéria de um componente ao outro e do manguezal a outros ecossistemas adjacentes é que realmente se constitui o ecossistema de manguezal. Nestes termos, conclui-se que as alterações sofridas por uma dessas partes em isolado, refletirão em todo o conjunto natural, podendo, por exemplo ocasionar alterações na composição e zonação das espécies, na ciclagem de nutrientes e na produção e produtividade do sistema.
Como se percebe, o manguezal deve ser encarado como um sistema, compreendido como um todo, cujas partes mantêm relações de interdependência, e não somente como uma soma de elementos sem ligação. Logo, é mister sopesar qualquer utilização precipitada e irracional de um de seus elementos constituintes, pois tal atitude certamente ocasionará a destruição do todo.
2.2. Importância dos Manguezais
Além de possuírem importância sob a perspectiva ecológico-ambiental, os manguezais adquirem notoriedade nos âmbitos social e econômico, como a seguir demonstrar-se-á.
No Brasil, já na época colonial, os manguezais serviam basicamente como fornecedores de madeiras e fonte de alimentos para as populações que habitavam as regiões próximas ao litoral. A chegada dos europeus, familiarizados com os manguezais da Ásia e África, intensificou bastante o uso dos manguezais pátrios.
Por volta de 1812, foi descoberto pelo professor de filosofia Francisco Goulart, que as cinzas minerais dos manguezais, composta de carbonato e cloreto de sódio, poderiam ser transformadas em sabão sólido de boa qualidade.
Atualmente, muitas são as utilidades dos manguezais. Economicamente, pode-se constatar que parcela considerável da pesca nacional é baseada em espécies de manguezais ou em espécies que passam grande parte de seus ciclos neles, como vários tipos de peixes, camarões, lagostas, sururus, caranguejos e outros. Ademais, tais ecossistemas exportam nutrientes Zona Costeira, incrementando a pesca.
As áreas de mangues funcionam como verdadeiros berçários, pois alguns animais quando jovens, migram do mar aberto, local de ocorrência da reprodução, para as águas calmas e nutritivas dos manguezais, como é o caso do camarão. Da mesma forma, funcionam como fonte de alimentação para várias espécies de animais, devido à alta produtividade dos estuários.
As florestas de mangues, por sua vez, são importantes fornecedores de vários produtos. As estacas das plantas são utilizadas para a construção de casas e respectivos pilares, de palafitas, cais, trapiches, cercas, postes telegráficos, sondas para mineração, embarcações, como canoas de pau furado (feitas a partir da Avicennia), pranchas, quilhas, jangadas, balsas, remos e mastros.
As estacas podem funcionar, igualmente, como redes de pesca, cercos, armadilhas e para a pesca por brush pile[1].
As lenhas servem para o consumo doméstico. Ademais, um dos melhores carvões do mundo, pelo elevado poder calorífico e pela pouca emissão de fumaça é obtido de achas de Rhizophora.
Alguns produtos também podem ser extraídos da floresta, tais como, tanino, polpa para papel, palitos de fósforo e compensados, fibras para redes, carbonato de potássio (de Salicornia brachiata), sal (de folhas de Aegialitis rotundifolia), veneno para peixes (raízes de Derris eliptica e D. trifoliata), lignina (substância orgânica que impregna as células, as fibras e os vasos do vegetal, tornando-os impermeáveis e inextensíveis), celulose, colas, óleos, ésteres, álcoois, ácido acético, corantes, alginatos, alcatrão e piche.
Vem-se observando que alguns derivados dos mangues possuem propriedades medicinais, é o caso por exemplo das folhas de Acanthus ilicifolius usadas como tratamento para reumatismo, da Excoecaria agallocha, para lepra e a Rhizophora usada como antidiarréicos.
O homem produz ainda a partir dos mangues, inseticidas, largamente usados no Japão, larvicidas e vermicidas. Além disso, outro produto extraído da floresta é o mel.
Além da importância econômica, os manguezais prestam relevante serviço ambiental. Eles atuam como estabilizadores das costas, protegem os solos contra a erosão, evitam as inundações das áreas onde se encontram, impedem o assoreamento e reduzem a contaminação das praias, pois filtram os poluentes. Suas áreas úmidas têm capacidade de remover contaminantes, como metais pesados e diversos hidrocarbonetos, além de material em suspensão das águas estuarinas.
Além disso, o cinturão verde dos manguezais é de relevante importância para a dispersão da energia dos ciclones, maremotos, ventos e tempestades em geral. neste caso, os danos decorrentes das calamidades públicas necessitam ser reparados.
Outra função a que não se pode deixar de fazer referência é a de abrigo para muitas espécies ameaçadas de extinção, como por exemplo, o guará-vermelho, no Estado do Maranhão.
Como se observa os manguezais possuem funções econômico-sociais e biológicas importantíssimas. Além de todas as funções supracitadas, é mister notar que os manguezais desempenham ainda o não menos importante papel de moradia para uma enormidade de pessoas, que residem no local não por escolha espontânea, mas por imposições de ordem econômico-financeira, tais como desemprego e deficiência de moradias em outros locais. Assim, essas populações, denominadas ribeirinhas, adentram os manguezais em busca de meios de subsistência.
2.3. Arcabouço Jurídico de Proteção aos Manguezais
A tutela jurídica dos manguezais é incontestável. Nosso ordenamento jurídico está munido de normas ambientais nas mais variadas escalas hierárquicas, desde a Carta Magna até simples resoluções.
Tem-se notícia que, no Brasil, desde a época colonial já existiam vestígios de proteção aos manguezais. Em julho de1760, o rei de Portugal, D. José, editou uma lei[2] , que proibia o corte de árvores de mangue, cujas cascas não tivessem sido previamente utilizadas para a produção de tanino, uma substância amorfa capaz de curtir a pele e transforma-la em couro (Larousse, p. 1071).
A Constituição Federal de 1988 é a Lei Superior de nosso Ordenamento Jurídico, funcionando pois como tronco primário de onde derivam todas as outras normas hierarquicamente inferiores. Logo, todas elas devem obrigatoriamente estar em conformidade com aquela, sob pena de inconstitucionalidade.
A Constituição Federal Brasileira possui em seu interior uma verdadeira Constituição ambiental, com normas de conteúdo expressivo em favor da proteção à natureza.
O caput do art. 225[3] traduz esplendidamente a importância do ambiente, informando como o mesmo deve ser utilizado pela sociedade e impondo limitações no seu trato que visam ao não esgotamento precoce de seus recursos. Assim, tal artigo preceitua o direito de todos, indistintamente, a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e indispensável à sadia qualidade de vida. Impõe, ainda, ao poder público, em especial, e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Isto quer dizer que o ambiente é um bem de todos, que pode ser por todos utilizado, desde que racionalmente, resguardando-se o direito de uso das gerações futuras.
O parágrafo primeiro ainda deste artigo disciplina as atribuições do Poder Público para assegurar a efetividade deste direito. Assim, o Poder Público deve, por exemplo, preservar e restaurar processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico dos ecossistemas; definir espaços territoriais a serem protegidos, cuja supressão somente é permitida através da lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; exigir estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obras ou atividade causadora de degradação; proteção da fauna e flora, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou provoquem extinção de espécies.
Observa-se que o § 4º do mesmo artigo 225 da CF[4] faz alusão à Zona Costeira, considerando-a patrimônio nacional e dispondo que sua utilização será regulada por lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente. Tal norma é de notória importância no que tange à proteção dos manguezais, vez que este ecossistema está compreendido pela expressão supra. Assim, a utilização dos manguezais deve obedecer às condições estabelecidas por Lei.
Além da Constituição Federal, a Constituição Estadual do Estado do Maranhão, promulgada em 05 de outubro de 1989, também tutela as áreas de manguezais. Nesta última, a proteção é explícita, pois os manguezais são expressamente considerados como áreas de proteção permanente.
É o que se constata da leitura do art. 241, inc. IV, alínea a, da Constituição Estadual, cite-se:
“Na defesa do meio ambiente, o Estado e os municípios levarão em conta as condições dos aspectos locais e regionais e assegurarão:
IV - a proteção das seguintes áreas de preservação permanente:
a) os manguezais”.
Desde logo, torna-se indispensável saber o que significa considerar um espaço geográfico como uma Área de Preservação Permanente, a emblemática APP do Direito ambiental. Preliminarmente, poder-se-ia dizer que as Áreas de Preservação Permanente são um dos instrumentos legais de controle da exploração da flora nacional, ao lado de outros como as Unidades de Conservação, a Reserva Legal, as áreas de Inclinação Média e a proibição de corte de árvore ou de espécie florística.
Nosso ilustre Benjamin Herman conceitua as APPs como partes intocáveis da propriedade, com rígidos limites de exploração. Seriam pois, áreas de preservação e não de conservação, não permitida a exploração direta (madeireira, agricultura ou pecuária) mesmo com manejo.(Benjamin, 1998). É que essas atividades implicam o esgotamento contínuo do recurso, com possibilidades mais remotas de reconstituição.
Por exemplo, as árvores que necessitam de alguns anos para atingir a fase adulta, são as mesmas que são em poucos minutos são cortadas para extração madeireira. Logo, o que se percebe é a devastação gradativa das espécies, o que contraria de frente o objetivo de uma área de proteção.
Apesar de toda essa proteção, acredita-se que os manguezais não são totalmente insuscetíveis de utilização humana, senão de nada adiantaria tutela-los se seus recursos não pudessem ser aproveitados. Acontece que essa utilização deve ser racionalizada e rigidamente gerenciada e fiscalizada. Assim, não se aceita por exemplo, que a população local seja impedida de retirar dos mangues o alimento para sua sobrevivência, pois certamente não será essa a causa da destruição do ecossistema.
Neste sentido, Primarck e Rodrigues defendem que as áreas de proteção ambiental permitem o uso tradicional não destrutivo do meio ambiente pela população local (Rodrigues, 2001: 201).
A Constituição Estadual dispõe ainda que “É obrigatória a recuperação da vegetação nativa nas áreas protegidas por lei” (art. 244). E no art. 249. “Nas áreas de preservação permanente serão vedadas as atividades econômicas e permitida a pesquisa, o lazer controlado e a educação ambiental, e elas não podem ser transferidas a particulares, a qualquer título”.
Estabelece ainda a obrigatoriedade da elaboração de estudo de impacto ambiental, como condição para a implantação de instalações ou atividades efetivas ou potencialmente causadoras de alterações significativas do meio ambiente (art. 241, VIII).
Além da Constituição Federal e da Constituição do Estado do Maranhão, observa-se que algumas Constituições de outros Estados, também tutelam os manguezais. A título de exemplo, pode-se citar as Constituições dos estados da Bahia, art. 215 (inclui os manguezais na área de preservação permanente), do Ceará, art. 267, V (proíbe a indústria, comércio hospitais e residências de despejarem resíduos químicos não tratados nos mangues), da Paraíba, art. 227, IX (considera os mangues como área de preservação permanente), do Piauí, art. 237, §7º, I (inclui os manguezais na área de preservação permanente) e a do Rio de Janeiro, art. 265, I (considera os manguezais como área de preservação permanente).
Esse é um breve relato da proteção constitucional conferida aos ecossistemas estudados. Além delas, existem ainda as normas infraconstitucionais, como Leis ordinárias, Decretos e Resoluções.
Dentre as leis ordinárias, destaca-se a Lei nº. 4771/65, o denominado Código Florestal, notoriamente por ter atuado de forma precursora, já que foi uma das primeiras normas a tratar de forma incisiva sobre proteção aos manguezais. O artigo 2º, alínea f, considera as florestas e a vegetação existente nas restingas, fixadora de dunas e estabilizadora de mangues como áreas de preservação permanente[5].
Como se vê, a norma supra determina expressamente que a vegetação de manguezais é uma área legalmente protegida, uma área de preservação permanente. Contudo, parece que tal norma possui um enfoque meio reducionista de tutela ambiental, já que tutela somente a vegetação existente no ecossistema e não o conjunto, o próprio ecossistema.
É possível inferir-se tal, principalmente se levarmos em conta a época em que entrou em vigor o Código Florestal, o que seria, nas palavras de Benjamin Herman, a segunda fase das normas jurídicas ambientais brasileiras, a fase fragmentária, marcada eminentemente pelo utilitarismo e reducionismo (Benjamin, 1998)
O utilitarismo refere-se à preocupação de somente tutelar os recursos ambientais economicamente importantes, como é o caso dos minerais, com o Código de mineração de 1967, os animais com valor comercial, com o Código de caça, também de 1967 e outros. Por sua vez, o reducionismo implica o retalhamento do meio ambiente, considerado como fatias e não como um sistema integrado.
Ainda com referência à citada norma do Código Florestal, alguns perguntariam se não é possível inserir os manguezais no termo “florestas”, também utilizado pelo art. 2º, alínea f. Na realidade, a freqüência com que se ouve falar em Florestas de mangues, leva ao entendimento de que os manguezais são florestas.
Todavia, quando leva em consideração a classificação técnica da flora brasileira, nota-se que os manguezais estão inseridos no grupo das formações litorâneas e não das formações florestais. Na proposta de Benjamin Herman, a flora brasileira é constituída de quatro formações básicas, quais sejam: 1. Formações Florestais; 2. Formações Complexas; 3. Formações Herbáceas; 4. Formações Litorâneas. (Benjamin, 1998)
As Formações Florestais seriam áreas geralmente dotadas de grande pluviosidade e com grande biodiversidade, como por exemplo, a Floresta Amazônica, a Floresta tropical, Província Florestal Atlântica ou Mata Atlântica. As Formações Complexas são caracterizadas pela heterogeneidade de seus aspectos, por exemplo, a Caatinga, o Cerrado, o Pantanal. As Formações Herbáceas predominam no Sul do Brasil, como os Campos. E por fim, Formações Litorâneas são aquelas encontradas ao longo da costa, possuindo solos lodosos ou arenosos, englobando a vegetação de dunas, restingas e os manguezais.
É provável que a norma do art. 2º , do Código Florestal tenha sido foi fonte inspiradora do Legislador Constituinte no Estado do Maranhão, pois como já aferido, a Constituição deste Estado considera os Manguezais como áreas de Preservação Permanente. É notório, contudo, que o constituinte foi mais feliz no que pertine à redação normativa, haja vista a maior amplitude da terminologia empregada, exaltando o manguezal como um todo, digo, o ecossistema e não somente vegetação.
Lei de notável importância é a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente - Lei 6.938 de 31 de agosto 1981[6]-, marco inicial da fase holística das leis ambientais brasileiras. Dentre outras coisas, essa lei estabelece princípios, objetivos, fins e mecanismos da política Nacional do meio ambiente e dispõe sobre a Estrutura do SISNAMA- Sistema Nacional do meio Ambiente-, órgão por ela mesma constituído.
Os princípios são enunciados pelo art. 2º da Lei supra. Dentre eles, destaca-se a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas, controle e zoneamento das atividades poluidoras, recuperação das áreas degradadas, proteção das áreas ameaçadas de degradação.
O SISNAMA é constituído pelo Conselho de governo (órgão superior), pelo CONAMA (órgão consultivo e deliberativo de normas e padrões compatíveis com o meio ambiente), pela SEMA, secretaria do Meio ambiente do presidente da República (órgão central e federal), pelo IBAMA (órgão executor e federal), por órgãos seccionais, ou seja, órgãos ou entidades estaduais (executores) e por órgãos locais, ou seja, órgãos ou entidades municipais.
Destaca-se nessa Lei, o art. 18, que transforma as florestas e as demais formas de vegetação natural de preservação permanente, relacionadas no art. 2º da Lei 4.771/65, em reservas ou estações ecológicas[7].
Observa-se ainda, o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, instituído pela Lei 7.661 de 16 de maio de 1988. O mesmo subordina-se aos princípios estatuídos na Política Nacional do Meio Ambiente, mas possui a função especifica de orientar a utilização racional dos recursos da Zona Costeira[8].
Essa lei, além de explicitar a prioridade concedida à conservação e proteção de alguns bens, incluindo os manguezais (art. 3º, I.[9]), estabelece o conceito de Zona Costeira, como se observa da redação do art. 2º, parágrafo único, in verbis:
“Para os efeitos desta lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas no plano”.
A chamada Lei de Crimes contra o Meio Ambiente, a Lei nº 9.605/98, estabelece sanções penais e administrativas aos transgressores ambientais.
A vigência desta Lei implicou a sistematização de sanções penais, antes espalhadas por vários diplomas legais, como no Código Florestal, no Código de Pesca, e no próprio Código Penal. Como enfatiza Herman Benjamim, esse fragmentarismo ocasionava algumas desproporções na imposição das punições, como por exemplo, o entendimento de constituírem “crime” as condutas contra a fauna, e em contrapartida serem consideradas, as condutas contra a flora, como simples contravenções penais, independente da dimensão da poluição. (Benjamin, 1998: 75)
A seção II dessa Lei é dedicada aos Crimes contra a Flora. No que tange à proteção direta dos manguezais contra condutas ilícitas, encontra-se o art. 50, que dispõe:
“Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação:
Pena - detenção de três meses a um ano, e multa”.
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação, instituído pela Lei 9.985 de 18 de julho de 2000, veio regulamentar o artigo 225, §1º, I, II, III e IV da Constituição Federal, estabelecendo critérios e normas para a criação e implantação e gestão das unidades de Conservação.
Para Cristiane Derane, tal Lei não cria Unidades de conservação, somente estabelece medidas para a sua criação. É como se ela funcionasse como uma norma geral a ser seguida pelas normas individualizadas de criação de Unidades de Conservação (UCs). (Direito ambiental das áreas protegidas, 2001: 237)
Por fim, ressalta-se que ainda existem dispositivos infralegais que possuem relação com o uso e proteção dos manguezais, principalmente resoluções do CONAMA. Algumas delas são: a resolução 04/85, que classifica as florestas e demais formas de vegetação natural situadas nos manguezais como reservas ecológicas; e a resolução 312/2002, que veda a implantação da atividade de carcinicultura nos manguezais.
2.4. Desrespeito aos manguezais
Como já mencionado, os manguezais possuem uma notória importância ecológico-ambiental, econômica e social. Apesar de toda essa relevância, tais ecossistemas não foram poupados da ganância destruidora do homem. Nem mesmo todo o arsenal normativo existente a favor da preservação deles impediu a devastação gradual a que vem sendo submetidos.
As principais causas de destruição dos manguezais visualizadas ao longo da evolução histórica são: o Derramamento de esgotos domésticos, industriais e hospitalares, o Derramamento de óleo, a Deposição de resíduos urbanos sólidos (lixo, chorume), a Construção de aterros sanitários, a Construção de rodovias, portos, barragens, aeroportos, supermercados, shoppings, a Extração madeireira, a implantação de Projetos de agricultura e de Aqüicultura (piscicultura, carcinicultura) e a implantação de Salinas.
3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
3.1. Evolução Legislativa Brasileira até a Lei de Ação Civil Pública
O Código de Processo Civil proibia que alguém fosse a juízo para, em nome próprio, defender direito alheio, nos termos do seu art. 6º.
Apenas algumas leis esparsas concediam legitimidade extraordinária para a defesa de determinados direitos. É o caso, por exemplo, da Lei nº 1.134/1950, que conferia legitimidade às associações de classes existentes para que as mesmas pudessem defender os interesses de seus associados, perante as autoridades administrativas e a justiça ordinária. (Dinamarco, 2001: 36).
O Estatuto da Ordem dos Advogados - Lei nº 4.215/1963 - também atribuía legitimidade à entidade para representar os interesses gerais da classe dos advogados e os individuais, relacionados com o exercício da profissão. (Dinamarco, 2001: 36).
Por sua vez, no ano de 1965, entra em vigor a Lei de Ação Popular – Lei nº 4.717/ 1965 – dando grande impulso à tutela dos interesses difusos ao conceder legitimidade ao cidadão para a defesa do patrimônio público (art. 1º)[10].
Mas foi na década de setenta, que floresceu uma maior preocupação concernente à defesa dos direitos transindividuais, no que se travaram muitas discussões a respeito do tema, bem como foram publicados vários artigos.
No ano de 1981, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente confere legitimidade ao Ministério Público para a defesa do meio Ambiente. E a ela seguiu-se a Lei 7.437/85, a tão esperada lei de Ação civil pública, que causou verdadeira mudança na proteção dos direitos difusos.
Antes da Lei 7.347/1985, as questões ambientais eram decididas sob a luz do Código Civil, numa visão totalmente individual e privatista. O interesse coletivo era negligenciado em prol de uma aplicação legalista do Direito. Dessa forma, somente poderia atuar no pólo ativo para pleitear uma indenização, aquele que sofresse um prejuízo direto com o ato ilícito (Freitas, 1997:180).
A edição da Lei de Ação Civil Pública representou um verdadeiro avanço no que concerne à tutela jurídica do ambiente. A mesma atribuiu a outros entes, legitimidade para a propositura da referida ação, na defesa do ambiente.
3.2. Hipóteses de Cabimento da ACP
O art. 1º da Lei de Ação Civil Pública elenca os casos aos quais a mesma se aplica. Destina-se, pois, a proteger o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, paisagístico, qualquer outro interesse difuso ou coletivo, a ordem econômica e a economia popular, e a ordem urbanística.
O direito ao meio ambiente, que neste receberá maior enfoques, é um direito difuso ou de terceira geração. Tais direitos são caracterizados pelo Código de Defesa do Consumidor, art. 81, I, como sendo direitos transindividuais, de natureza indivisível, com titulares indeterminados e ligados por circunstâncias de fato.
A transindividualidade realça a existência de um direito de todos, pertencentes não a uma única pessoa, mas a um número indeterminado de pessoas indetermináveis. Essas pessoas estão ligadas por circunstancias de fato e não de direito, ou seja, não necessitam ter constituído qualquer vínculo jurídico. Note-se, por exemplo, que no caso de poluição do ar, a circunstância que liga os titulares é o fato de todos necessitarem de ar puro para respirar. A contaminação da atmosfera atinge a várias pessoas indeterminadas, sem qualquer ligação jurídica.
Os Direitos Coletivos, por sua vez são conceituados como direitos transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (CDC, art. 81, II). Diferente do que se observa nos direitos difusos, nos coletivos há um número determinável de pessoas, ligadas por um vínculo jurídico. Exemplificando, temos o direito dos alunos de uma escola na prestação de ensino de qualidade. As pessoas são determináveis, têm relação jurídica com a parte contrária (escola) e o bem jurídico (qualidade de ensino) é indivisível. (Alvim, 2000: 683)
Vale ressaltar ainda, outra categoria de direitos, quais sejam, os individuais homogêneos. A priori, não era possível a utilização da Ação Civil Pública para a defesa desses direitos, devido à inexistência de previsão expressa na lei 7.347/85. Todavia, o novel Código de Defesa do Consumidor abriu essa possibilidade, conceituando, no art. 81, inc. III, os direitos individuais homogêneos, como sendo os decorrentes de origem comum. São direitos divisíveis, passíveis de ser atribuídos individual e proporcionalmente aos seus titulares, que são identificáveis. (Dinamarco, 2001: 60)
Nas palavras de Arruda, os direitos individuais homogêneos têm caráter predominantemente individualizado, são perfeitamente divisíveis entre os titulares, mas plenamente passíveis de ser demandados em juízo, coletivamente. (Arruda, 2000: 685)
Quanto a estes últimos existe uma grande discussão, que não nos cabe aqui aprofundar, a fim de definir se os mesmos são ou não tuteláveis mediante Ação Civil Pública. Nelson Néri considera que apesar de a Lei 7.347/85 não se referir expressamente aos direitos individuais homogêneos, estes são plenamente passíveis de proteção via ACP, devido à aplicação das disposições contidas no título II do CDC. (Néri, 2003: 1310)
3.3. Rol de Legitimados à propositura da Ação Civil Pública
A emergência da Lei de Ação Civil Pública, notoriamente, alargou o rol de legitimados ao ajuizamento de ações para a proteção do meio ambiente. O que antes era possível somente ao Ministério Público, agora pode ser feito por vários outros entes, infra-referidos.
O art. 5º da Lei citada dispõe que são legitimados para propor a Ação Civil Pública, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, as Autarquias, as Empresas Públicas, as Fundações, as Sociedades de Economia Mista e as Associações.
As associações, por sua vez, necessitam nos termos do art. 5º, incs. I e II da lei em comento, preencher dois requisitos : I) que estejam constituídas há pelo menos um ano, nos termos da Lei Civil e; II) que inclua, entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Além desses legitimados pela Lei 7.437/85, vem se firmando na doutrina e na jurisprudência, o posicionamento de que os sindicatos também possuem legitimidade ativa para o ajuizamento de Ação Civil Pública. A legitimação dos sindicatos seria autônoma, uma vez que os mesmos possuem natureza jurídica de associação civil (Nery, 2003:1381). Por sua vez já decidiu, o Superior Tribunal de Justiça que os sindicatos não mais necessitam de autorização governamental para serem constituídos (STJ, 1ª Séc. MS 1045- DF, rel. Min. Gomes de Barros, j. 10.12.1991, DJU 17.2.1992, P. 1352).
Importante observar que não há qualquer exigência ou restrição legal para que as Pessoas Jurídicas De Direito Público Interno, pertencentes à Administração Direta, seja na esfera Federal, Estadual ou Municipal proponham a Ação Civil Pública. Isso significa dizer que quando se trata da defesa de direitos difusos, como o é o direito a um meio ambiente sadio, qualquer óbice de natureza processual deve ser suprimido em favor do bem maior.
Melhor explica Nelson Néri, ao dizer que quando, por exemplo, um Estado move Ação Civil Pública, o que está tutelando é o direito de toda a coletividade e não somente um interesse individual (Nery, 2003:1320). Dessa forma, o Estado de São Paulo terá interesse de agir e, portanto, estará legitimado a ajuizar Ação Civil Pública no Estado do Maranhão para a preservação do meio ambiente, pois se trata da proteção a um direito difuso.
Apesar de toda essa gama de legitimados à propositura da Ação comentada, sem dúvida, é o Ministério Público, o maior atuante. Nas palavras do eminente Vladimir, é o Ministério público, o órgão mais adequado para o relevante mister, pois gozando de independência e de garantias estampadas na norma constitucional, seus membros dispõem de meios para fazer valer os dispositivos da lei. (Freitas, 1997: 182)
Talvez, essa atuação mais agressiva e veemente do Ministério Público seja decorrente de sua “obrigação” de ajuizar a pertinente ação na tutela dos interesses da coletividade em geral. Não se olvide, entretanto, que a expressão “obrigatoriedade” deve examinada de forma ponderada. Se interpretado, em sentido absoluto, o termo pode levar à propositura de demandas totalmente descabidas. É uma obrigatoriedade temperada com a conveniência e oportunidade no ajuizamento da Ação Civil Pública. (Ferraz-Milaré-Néri, apud Néri, 2003:1319)
A legitimação do Ministério Público é constitucional (CF, art. 129, III). Dessa forma, é vedado à lei ordinária limitar sua legitimidade para a tutela jurisdicional dos direitos difusos e coletivos.
Lembra Néri, que o legitimado é o Ministério Público, entendido como um todo, ou seja, tanto o Ministério da União pode ajuizar Ação Civil pública na justiça estadual, quanto o Ministério Público estadual na justiça federal. O Ministério Público de um Estado pode ajuizar ACP em outro Estado, pois o interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo defendido não encontra limites territoriais, impostos quando se trata de direito individual puro. (Néri, 2003: 1319)
A maior parte das Ações Civis Públicas ambientais é de autoria do Ministério Público, o que de certa forma reflete uma omissão dos outros legitimados. Seria de grande valia a participação mais ativa da própria sociedade na defesa dos seus interesses, principalmente através das associações.
3.4. Ação Civil Pública como instrumento de tutela dos manguezais no Judiciário
A Ação Civil Pública possui uma incomensurável utilidade na defesa dos Manguezais, à medida que atua como lei procedimental, isto é, estabelece a forma, o procedimento a ser seguido.
Ao tempo que as demais leis, anteriormente citadas, informam o porquê os manguezais devem ser protegidos, afirmam que são classificados como áreas de preservação permanente, estabelecem quem são os responsáveis pela guarda e conservação, tantas outras declarações, a Lei de Ação Civil Pública elenca quem tem legitimidade para propor em juízo a ação, dispõe que tipos de pedidos podem ser requeridos, a quem se destinam as quantias pagas a título de indenização e demais outros elementos esclarecedores e importantes para o correto andamento e desfecho do processo.
A Lei de Ação Civil Pública surge como um guia, uma cartilha a ser seguida, proporcionando um atuar pragmático, voltado não só para o campo do dever ser. Proporciona a visualização de resultados efetivos, permite que se possa ver que aqueles que pretendiam destruir os manguezais, foram sobrestados pela prudência do poder Judiciário.
Ao citar interessante exemplo de Ação Civil Pública, destaca Vladimir que os mangues eram freqüentemente aterrados para abrigar loteamentos de alto e outros benefícios, mas que agora através da provocação do ministério Público e de ONG´s, sensibiliza-se o judiciário para o problema. (FREITAS, 2000: 195)
A referida ação foi julgada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, cite-se:
EMENTA: Civil. Processual civil. Ação Civil pública. Impacto ambiental. Devastação de área de manguezal. Comprometimento por meio de aterro. Indenização. 1. O fato da área aterrada já se encontrar em estado de deterioração, em face do lançamento de poluentes oriundos das áreas circunvizinhas, não exime o agente causador do agravamento da situação de preservar o ecossistema. 2. Cabimento de indenização com vista à reparação de dano efetivamente demonstrado. 3. Possibilidade de cumulação com multa administrativa. Inteligência do art. 14, §1º da Lei 6.938/81. 4. Apelação improvida.
Eis aí um demonstrativo perfeito da tutela jurisdicional aos manguezais mediante ajuizamento de ação civil pública. Resta agora o incentivo para que a sociedade, através desse importante instrumento que dispõe, participe mais ativamente desse processo de defesa não só dos manguezais, mas do direito a um ambiente saudável.
3.5. Paliativo à morosidade: a concessão de Liminar
A concessão da liminar é uma importante via para se evitar que danos sejam ocasionados ao meio ambiente, sem que nenhuma providência de prevenção seja tomada, até o provimento jurisdicional final.
A própria Lei de Ação Civil Pública, prevê, no art. 12, a possibilidade de concessão de liminar, com ou sem justificação prévia. A medida visa a evitar que a parte seja obrigada a ajuizar ação cautelar, antes da ação principal, evitando o desperdício de tempo e facilitando a atividade judiciária (Nery, 2003: 1341).
O pedido de concessão de liminar pode ser requerido na própria petição inicial de Ação Civil pública e a decisão está sujeita a agravo, com ou sem efeito suspensivo.
Na opinião de Vladimir Freitas, a medida é uma antecipação ao que o Código de processo Civil viria a instituir no seu art. 273, que trata do instituto da tutela antecipada (Freitas, 1997:183).
Considerando-se a liminar em ação civil pública, uma espécie de tutela antecipada, sua concessão está sujeita aos mesmos requisitos deste último instituto, que estão previstos no art. 273 do Código de Processo Civil. Este diploma é norma de aplicação subsidiária, conforme expressamente disposto pela Lei 7.347/85, art.19.
4. CONCLUSÃO
Como se pôde observar, existe uma enorme quantidade de normas jurídicas em defesa dos manguezais, o que, todavia, não tem impedido que estes venham sendo devastados. A maioria dessas normas tem conteúdo material: vedam determinadas práticas, estabelecem conceitos, classificações.
Haveria, caso inexistisse a Lei 7.347/85, uma grande confusão, dúvidas e obscuridades, quanto à instrumentalização do direito tutelado. “Como ingressar em juízo?” ou “como proceder?” seriam perguntas freqüentes na prática jurídica, o que geraria embaraço ao ajuizamento de demandas e, por conseguinte, o conhecimento das mesmas pelo Judiciário.
Dessa forma, é indiscutível que a ação Civil Pública constitui um importante meio de ingresso no Judiciário. Através dela, tem-se pelo menos a perspectiva de que o dano ao ambiente será reparado, ou obstaculizado, pois, pior que olhar o “monumento” desabando é fingir que nada está acontecendo, ou ter a sensação de que nada se pode fazer para impedir ou evitar um mal maior.
ALVIM, Eduardo Arruda. Curso de Direito Processual Civil. v.1. 1.ed. 2. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e, BELLO FILHO, Ney de Barros, COSTA, Flávio Dino de Castro. Crimes e Infrações Ambientais: Comentários à Lei 9.605/98. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001.
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais. São Paulo: Editora Revista Jurídica dos Tribunais, 2000.
FREITAS, Vladimir Passos de, FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza. 5. ed. atua e ampl. São Paulo: Editora Revista Jurídica dos Tribunais, 1997.
NERY JÚNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
LACERDA, Luiz Drude de. Os manguezais do Brasil. In os manguezais e nós de Marta Vanucci.
LAROUSSE. Dicionário da Língua Portuguesa.
BENJAMIN, Antônio Herman. Introdução ao Direito ambiental brasileiro: Direito do Ambiente e Redacção normativa: teoria e prática nos países lusófonos. Estudo apresentado no Fórum lusófono sobre Redacção Normativa e Direito do Ambiente, Praia, Cabo Verde, 23-27 de novembro de 1998.
DIREITO AMBIENTAL DAS ÁREAS PROTEGIDAS: O regime jurídico das Unidades de Conservação. Antônia Pereira Ávila Vio, et al. Coord. Antônio Herman Benjamin. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
RODRIGUES, Efraim, PRIMARCK, Richard B. Biologia da Conservação. Londrina: Efraim Rodrigues, 2001.
[1] O brush pile fishery consiste em construir pequenas florestas de ramos cortadas dos mangues, que são plantados no lodo, nas quais os peixes se reúnem e os alevinos crescem bem protegidos e providos de alimentos.
[2] Alguns escritos mencionam alvará real invés de lei.
[3] “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
[4]“A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, O pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio Nacional, e a sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
[5] Código Florestal, ART. 2º: “Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou qualquer curso d’água (...)
f) nas restingas como fixadoras de dunas ou como estabilizadoras de mangues”
[6] Essa lei teve alguns de seus dispositivos alterados pela Lei nº 7.804 de 18 de julho de 1989, regulamentada pelo Decreto n. 99.274 de 06 de junho de 1990.
[7] Atente-se que a Lei de crimes contra o ambiente de 1998, posterior a Lei 6.938/81, utiliza a denominação “áreas de preservação permanente” em alguns dispositivos, por exemplo, no art. 38.
[8] Lei nº 7.661/89, art. 2º, caput.
[9] ART. 3º- “O PNGC deverá prover o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção entre outros, dos seguintes bens:
I - recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais; estuários lacunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas; manguezais e pradarias submersas”.
[10] ART. 1º da Lei nº 4.717/65- “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear ação de anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro, nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do distrito Federal, dos Estados e dos municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.”
Procuradora da Fazenda Nacional na PFN/PA. Bacharela em Direito pela UFMA. Especialista em Direito Processual pela UNAMA. Especialista em Direito Tributário pela UNIDERP. Exerceu o cargo de Analista Judiciário no TJMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PASSOS, Danielle de Paula Maciel dos. Ação Civil Pública: Uma alternativa à eficaz proteção dos manguezais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37157/acao-civil-publica-uma-alternativa-a-eficaz-protecao-dos-manguezais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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