Sumário: 1. Introdução. 2. O dever de licitar e o abuso da contratação direta por decreto de emergência. 3. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Resumo: Embora nosso Direito Público estabeleça que toda contratação dever ser precedida de licitação, essa regra pode ser afastada como se observa no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal. A chamada ressalva licitatória permite que em algumas situações haja a contratação direta. A contração direta realizada pela Administração Pública nos casos de emergência e calamidade pública encontra amparo legal no inciso IV, do art. 24, da Lei Federal nº 8.666/93.
Palavras chaves: Contratação direta. Decreto de emergência. Dispensa de licitação.
1. Introdução
O presente trabalho tem por objetivo trazer a baila terminologias conceituais acerca do tema e os pressupostos necessários para a configuração da situação de emergência, bem como fomentar a discussão do abuso desse recurso pelo poder executivo até mesmo quando a situação emergencial decorre de negligência ou falta de planejamento do gestor.
Infelizmente tornou-se comum o uso de situações emergenciais para justificar as contratações sem licitação.
2. O dever de licitar e o abuso da contratação direta por decreto de emergência
Para suprir suas necessidades a Administração Pública precisa contratar com terceiros, assim dispõe a Constituição Federal em seu art. 37, XXI: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. (grifo nosso). Nascendo assim o dever de licitar, como também a possibilidade de afastá-lo nos casos especificados na legislação.
A regra é, portanto, que toda a contratação deve ser precedida de licitação, no entanto “podem surgir razões legais, técnicas, de cunho econômico ou meramente circunstanciais que justifiquem a contratação direta”. (ROSA, 2011, p. 25).
Quando a autorização para não realização da licitação decorrer da lei, diz-se que ela é dispensável. Dessa forma, ainda que haja possibilidade de competição a lei autoriza que o gestor dispense a sua realização, segundo critérios de oportunidade e conveniência.
Entre as hipóteses que justificam a contratação direta por ser ela dispensável encontramos os casos de emergência ou de calamidade pública, com fulcro no Art. 24, IV, da Lei Geral de Licitação (8.666/93).
Dispõe o referido dispositivo:
“Art. 24. É dispensável a licitação:
V - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;” (grifo nosso).
De se observar que a Lei de Geral de licitações não conceitua o que vem a ser situação emergencial ou calamitosa. Esse papel por muito tempo coube aos estudiosos, no entanto a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao tratar do tema nos traz uma definição legal dos termos:
“O estado de calamidade pública está definido pelo Decreto nº 7.257, de 4-8-10, que regulamenta a Medida Provisória nº 494, de 2-7-10 (convertida na Lei nº 12.340, de 1º-12-2010), para dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC artigo 2º define a situação de emergência como “situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido” (inciso III); e estado de calamidade pública “situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido” (inciso IV)”. (DI PIETRO, 2012, p. 392).
A redação do inciso IV do art. 24 nos leva a crer que, para a dispensa da licitação, devem ser observados os seguintes pressupostos: “a) estado de emergência ou calamidade pública; b) demonstração concreta e efetiva da potencialidade do dano e a demonstração de que a contratação é a via adequada e efetiva para eliminar o risco, necessidade de atendimento; c) prazo máximo de 180 dias”. (MONTALVÃO, 2006).
O Tribunal de Contas da União definiu ao analisar tema, através da decisão nº. 347/94, que além da adoção das formalidades previstas no art. 26 e seu parágrafo único da Lei 8.666/93, são pressupostos da aplicação do caso de dispensa preconizados no art.24, inciso IV, da mesma lei:
“a.1) que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação; a.2) que exista urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar risco de danos a bens ou à saúde ou à vida de pessoas; a.3) que o risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso; a.4) que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado”. (DC-0347-22/94-P Sessão: 01/06/94 Grupo: II Classe: III Relator: Ministro Carlos Átila Álvares Da Silva - Consulta - - Denúncia)
Para o TCU a situação de emergência que dava azo a dispensa deveria resultar de uma situação adversa e imprevisível, e não da falta de planejamento ou da ineficiência na gestão pública.
Entretanto, em recente decisão, o TCU mudou seu posicionamento. Em 2011, “julgou improcedente representação contra a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – (Chesf), acerca de supostas irregularidades na contratação de empresa, para a prestação de serviços na área de propaganda e publicidade para alertar agricultores acerca dos efeitos nocivos das queimadas em linhas de transmissão daquela empresa, por meio de processo de dispensa de licitação fundamentada no art. 24, inciso IV, da Lei n.º 8.666/1993”. (FALCONI, 2011).
Diz o acórdão:
“A situação prevista no art. 24, IV, da Lei n° 8.666/93 não distingue a emergência real, resultante do imprevisível, daquela resultante da incúria ou inércia administrativa, sendo cabível, em ambas as hipóteses, a contratação direta, desde que devidamente caracterizada a urgência de atendimento a situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares”. (Acórdão n.º 1138/2011-Plenário, TC-006.399/2008-2, rel. Min. Ubiratan Aguiar, 04.05.2011).
Se o uso desse expediente (contratação direta) já era visto com reversas, deve-se observá-lo com mais cautela ainda a fim de evitar abuso por parte de gestores mal intencionados.
Segundo o site de notícias UOL, número de municípios em emergência em 2012 já era o maior dos últimos dez anos no Brasil. O site alerta que até o dia 4 de junho de 2012 foram publicados 2.038 decretos reconhecendo as situações de anormalidades em 1.978 municípios brasileiros – alguns deles, entre janeiro e início de junho, publicaram mais de um decreto.
3. Conclusão
A dispensa de licitação nos casos de emergência exige aplicação do princípio da razoabilidade, uma vez não seria razoável esperar todo o processo licitatório para atender uma situação emergencial, onde a demora da prestação por parte da Administração Pública poderia acarretar danos irreparáveis.
No entanto é preciso precaução na análise do caso concreto, a fim de evitar o “oba oba” e a prática abusiva desse expediente. Pois o inciso IV, do art. 24 traz uma exceção a regra e, portanto, não pode virar lugar comum.
Não podemos romancear sobre o tema, devemos sim assumir uma postura crítica e atentar para as lacunas que o dispositivo traz e que podem dar margem ao uso mal intencionado do aparato legal. Não podemos deixar de questionar a subjetividade do conceito de situação de emergência e calamidade pública e o quão amplo este pode ser; além disso, a decretação dessas situações é feita pelo chefe do executivo que dá a ele mesmo a prerrogativa da contração sem licitação. Seguindo o mesmo raciocínio, é de ser observar que a lei é silente quanto ao limite de valor da contratação, assim como não veda nova contratação, proibindo apenas a prorrogação.
Referências Bibliográficas
ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo/ Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo. 10. Ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2006.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 18. Ed. Ver. E atual. – Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25. Ed. – São Paulo: Atlas, 2012.
FALCONI, Francisco. Dispensa de licitação por emergência ou calamidade pública: a nova jurisprudência do TCU 2011. Disponível em: < http://franciscofalconi.wordpress.com/2011/06/06/dispensa-de-licitacao-por-emergencia-ou-calamidade-publica-a-nova-jurisprudencia-do-tcu/>. Acessado em: 20 Out. 2013.
MADEIRO, Carlos. Número de municípios em emergência em 2012 já é o maior dos últimos dez anos no Brasil. Notícias Uol, Maceió, 6 jun. 2012. Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/06/06/numero-de-municipios-em-emergencia-em-2012-ja-e-o-maior-dos-ultimos-dez-anos.htm>. Acessado em: 20 Out. 2013.
MONTALVÃO, Antônio Fernando Dantas. Dispensa de licitação 2006. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2434/Dispensa-de-licitacao>. Acessado em: 20 Out. 2013.
ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito administrativo / Márcio Fernando Elias Rosa. – 3. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. – (Coleção sinopses jurídicas; v. 20).
Acadêmica de direito da Faculdade de Administração e negócios de Sergipe (Fanese)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CORREIA, Milena Almeida. Contratação direta por decreto de emergência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37158/contratacao-direta-por-decreto-de-emergencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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