RESUMO: A Constituição Federal de 1988, visando dar efetividade à ideologia trazida pelo Estado de Direito, assegurou diversos direitos e garantias fundamentais, como a liberdade de comunicação e de pensamento. Sabe-se que essa liberdade é concretizada por meio de livros, jornais e periódicos, razão pela qual o legislador constituinte estabeleceu no artigo 150, VI, d, da Carta Magna, que tais meios de divulgação de ideias e opiniões são imunes aos impostos. Discute-se, na doutrina e na jurisprudência, entretanto, se essa norma imunizante se estende aos livros eletrônicos. A celeuma se intensifica à medida que o mencionado dispositivo legal é interpretado a luz da corrente hermenêutica restritiva ou extensiva. Isto porque, os adeptos da corrente restritiva, adotando uma interpretação literal, lecionam que tal imunidade se limita aos livros impressos em papel. De outra banda, para os defensores da corrente extensiva, adotando-se uma interpretação histórica, sistemática e teleológica, conclui-se que os livros eletrônicos também são imunes aos impostos.
Palavras-chave: Estado de Direito. Liberdade de comunicação. Liberdade de pensamento. Imunidade. Livro. Livros eletrônicos. Corrente hermenêutica restritiva. Corrente hermenêutica extensiva. Supremo Tribunal Federal.
1 INTRODUÇÃO
Busca-se através do presente trabalho abordar a controvérsia existente, na doutrina e na jurisprudência pátria, no tocante a extensão da imunidade prevista no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal aos livros eletrônicos, também denominados e-books.
De acordo com o texto constitucional, os livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão são imunes aos impostos. Assim, partindo da premissa que, etimologicamente, “livro” significa reunião de folhas e objeto elaborado com papel, discute-se se a norma imunizante abrange os livros eletrônicos. Há duas correntes hermenêuticas antagônicas visando solucionar tal celeuma: a corrente restritiva e a corrente extensiva.
É de extrema importância que os operadores do direito conheçam os argumentos apresentados pelos adeptos dessas correntes hermenêuticas, a fim de formar sua convicção a respeito do tema e contribuir para a pacificação de um entendimento.
Certamente após a leitura deste trabalho, o leitor compreenderá os argumentos que embasam o posicionamento adotado pelos adeptos da corrente restritiva e da extensiva, bem como os critérios de interpretação utilizados.
2 A IMUNIDADE DOS LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E PAPEL DESTINADO À SUA IMPRESSÃO
O Brasil é um Estado de Direito, no qual há a supremacia das leis, a divisão dos poderes, a independência dos tribunais, a tutela dos direitos e garantias fundamentais, bem como do pluralismo político. Trata-se de um Estado que se sujeita e atua de acordo com o direito e cria normas jurídicas baseadas na ideologia de direito, vinculando o poder político aos limites jurídicos e reconhecendo a liberdade dos cidadãos. Há, pois, a supremacia das leis, especialmente da Constituição, que reconhece e tutela os direitos fundamentais; a separação dos poderes, evitando ou, ao menos, diminuindo os arbítrios praticados pelo Estado e a observância do princípio da legalidade.
Nesse diapasão, a Constituição Federal brasileira de 1988, visando dar efetividade à ideologia trazida pelo Estado de Direito, assegura direitos e garantias fundamentais variados, como a dignidade da pessoa humana, o pluralismo político, a liberdade de comunicação e de pensamento.
A liberdade de comunicação e de pensamento é exercida por intermédio de livros, jornais e periódicos, razão pela qual o legislador constituinte, no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal, prevê que “é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão”.
É certo que, ao estabelecer que os livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão são imunes aos impostos, esse dispositivo constitucional está dando efetividade a livre manifestação de pensamento. Ademais, está permitindo a difusão de ideias, pensamentos e opiniões; a efetivação de atividades intelectuais, políticas, ideológicas, científicas, artísticas e de comunicação e, por consequência, a disseminação da informação, da arte, da cultura, do lazer e da educação.
Nesse sentido se manifesta Roque Antonio Carrazza (2012, p. 897 e 898):
(...) quando a Constituição Federal prescreve serem imunes aos impostos o livro, o jornal, o periódico e o papel destinado à sua impressão (art. 150, VI, “d”), ela não está senão dando efetividade aos direitos fundamentais à livre “manifestação do pensamento” (art. 5º, IV) e de “expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” (art. 5º, IX). Também tem em mira (i) assegurar a todos o “acesso à informação” (art. 5º, XIV), (ii) evitar venha de algum modo embaraçada a “plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (art. 220, §1º) e (iii) banir qualquer censura “de natureza política, ideológica e artística” (art. 220, §2º).
A Constituição Federal, portanto, estabelecendo que os livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão são imunes aos impostos, assegurou suportes materiais hábeis para que as pessoas divulguem suas ideias e opiniões.
2.1 A acepção da palavra “livro” para fins de imunidade
Etimologicamente, a palavra livro significa “reunião de folhas ou cadernos, soltos, cosidos ou por qualquer outra forma presos por um dos lados, e enfeixados ou montados em capa flexível ou rígida” (FERREIRA, 1994-1995, p. 398). Significa, ainda, “obra literária, científica ou artística que compõe, em regra, um volume; seção do texto de uma obra, contida num tomo, e que pode estar dividida em partes” (FERREIRA, 1994-1995, p. 398).
De acordo com Roque Antonio Carrazza (2012, p. 899), “livro é objeto elaborado com papel, que contém, em várias páginas encadernadas, informações, narrações, comentários etc., impressos por meio de caracteres”.
Assim, partindo da premissa de que livro consiste numa “reunião de folhas ou cadernos” (FERREIRA, 1994-1995, p. 398) e num “objeto elaborado com papel” (CARRAZZA, 2012, p. 899), discute-se, na doutrina e na jurisprudência brasileira, a possibilidade da imunidade consagrada no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal se entender aos livros eletrônicos. Ressalta-se que, a controvérsia se intensificada à medida que a interpretação desse dispositivo constitucional varia de acordo com a corrente hermenêutica adotada pelo intérprete, se restritiva ou extensiva.
Por fim, vale destacar que, a despeito da controvérsia existente no tocante a extensão dessa imunidade aos livros eletrônicos, é certo que, para fins de imunidade tributária, apenas os livros que difundem ideias, pensamentos, conhecimentos e informações são alcançados pela norma imunizante. Não abrange, desta maneira, diários, livros cartonados, livros de espiral, livros de ouro, livros de ponto, livros de inscrição de dívida pública, livros de bordo, livros mestres, livros de atas, livros de escrituração e fins análogos, porque não ensejam a disseminação da cultura, arte e educação (finalidade precípua do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal).
2.2 A imunidade dos livros eletrônicos de acordo com a corrente restritiva
De acordo corrente hermenêutica restritiva, adotando uma interpretação literal, tem-se que a imunidade prevista no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal abrange apenas aquilo que puder ser compreendido na expressão “papel destinados à sua impressão”. Tal imunidade, portanto, não alcança os livros eletrônicos.
Os adeptos dessa corrente argumentam que, na ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988, já existiam diversos meios materiais de disseminação de ideias, pensamentos e opiniões.
Nesse contexto, caso fosse à intenção do legislador constituinte estender essa imunidade aos meios de divulgação diversos do impresso em papel, teria feito expressamente. Se não o fez, torna-se evidente que, o legislador, por intermédio dessa norma constitucional, tinha por escopo restringir a imunidade aos livros impressos em papel. Destarte, estender tal imunidade aos livros eletrônicos desvirtuaria a intenção original do legislador.
Ademais, os defensores da interpretação restritiva do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal argumentam que, o legislador não estendeu tal imunidade aos meios eletrônicos de divulgação de informações e opiniões, pois, em regra, apenas pessoas de melhor poder aquisitivo têm acesso a esses meios.
Posto isto, tal imunidade não se estende os livros eletrônicos, limitando-se aos livros convencionais, impressos em papel.
2.3 A imunidade dos livros eletrônicos de acordo com a corrente extensiva
De outra banda, de acordo corrente hermenêutica extensiva, adotando uma interpretação histórica, sistemática e teleológica do texto constitucional, pode-se concluir que a imunidade prevista no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal alcança os livros eletrônicos.
Com efeito, ao interpretar tal dispositivo constitucional a partir do critério histórico, constata-se que, na ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988, os meios eletrônicos de difusão de ideias, pensamentos e opiniões ainda não existiam, ou, se existiam, não eram utilizados de forma expressiva, sendo imprevisível que iriam substituir o papel. Todavia, apesar do legislador constituinte não ter adotado uma norma imunizante mais abrangente, não significa que o intérprete não possa adotar a interpretação mais adequada ao cenário atual, a saber, a interpretação evolutiva.
Por intermédio do critério sistêmico, observa-se que a norma que prevê a imunidade deve ser interpretada em consonância com as demais normas existentes na Constituição, especialmente com os direitos e as garantias fundamentais. Isto porque, essa norma imunizante foi consagrada no texto constitucional, a fim de proteger um direito fundamental e cláusula pétrea: a liberdade de expressão.
Destarte, indubitável que a imunidade dos livros eletrônicos visa preservar a liberdade de comunicação e de pensamento (direitos fundamentais e cláusulas pétreas), de rigor a interpretação abrangente do artigo 150, VI, d, da Carta Magna. Há de se estender essa imunidade aos livros eletrônicos, pois a adoção de uma interpretação restritiva violaria a liberdade de expressão e, por conseguinte, a supremacia da Constituição.
Ademais, adotando o critério teleológico e partindo da premissa que a finalidade da imunidade é dar efetividade a liberdade de comunicação e de pensamento, constata-se que a imunidade abrange outros meios materiais de disseminação de pensamento além do papel.
Nesse diapasão, torna-se evidente que a Constituição Federal não empregou o termo “livro” no sentido de “reunião de folhas ou cadernos” (FERREIRA, 1994-1995, p. 398) e “conjunto de folhas de papel impressas, encadernadas e com capa, mas sim, no de veículos de pensamento, isto é, de meios de difusão da cultura” (CARRAZZA, 2012, p. 899).
Livro, para o direito tributário, consiste em meio de difusão de ideias, pensamentos e opiniões, sendo irrelevante a forma pela qual são transmitidas (impressão em papel ou gravação em instrumentos eletrônicos). Destarte, conclui-se que, para fim de imunidade, deve-se observar o conteúdo (finalidade) do livro e não sua forma (base material).
Nesse sentido se manifesta Roque Antonio Carrazza (2012, p. 914):
Na medida em que livro, para fins de imunidade, é o veículo de pensamento, são imunes, independentemente de sua base material (papel, celuloide, papiro, plástico, metal etc.), não só os atos jurídicos praticados com livros convencionais (impressos em papel), como os praticados em livros eletrônicos (impressos em disquete de computador, fitas para videocassetes, fitas cassetes e assim por diante). Tais livros não se descaracterizam só porque diferem, pelo aspecto – mas não pela finalidade -, daqueles impressos por Gutemberg.
E ainda Eduardo de Moraes Sabbag (2006, p. 58):
(...) o suporte material é irrelevante, prevalecendo a finalidade: difusão da cultura. Tal postura tem embasado o melhor entendimento jurisprudencial, quando se procura a razão teleológica do instituto, perquirindo-se a real intenção da mens legislatoris. Aí está a razão para se estender o manto da imunidade aos livros difundidos em meios ópticos (CD-ROM). Sabe-se que tais bens são os suportes sucedâneos do livro. Por mais inovadores que ao intérprete, não tem o fim de desnaturar o caráter didático do suporte material, merecendo, portanto, a extensão da imunidade.
Confirma o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:
Mandado de Segurança – Pedido de reconhecimento da imunidade tributária referente ao ICMS com relação aos leitores de livros digitais (Artigo 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição Federal) – Possibilidade – A imunidade dos livros, jornais, periódicos e respectivo papel objetiva proteger a divulgação de ideias, conhecimentos e a livre expressão do pensamento, visando à difusão da cultura – A Constituição Federal assegura a veiculação de cultura e informações, assim, livros editados em papel ou em leitores de livros digitais têm o mesmo objetivo, conteúdo e finalidade que é levar a informação e conhecimento ao seu usuário – A desoneração de impostos, torna mais fácil a confecção e sua distribuição, pouco interessando o seu formato – Sentença mantida e ratificada, nos termos do art. 252 do Regimento Interno desta E. Corte – Recursos não providos (Tribunal de Justiça de São Paulo - 11ª Câmara de Direito Público - Apelação nº 0036309-81.2010.8.26.0224 - Rel. Des. Aliende Ribeiro - J. 16/05/2011).
APELAÇÃO CÍVEL – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - ICMS - Art. 150, VI, 'd',
da CF/88 - Importação e distribuição de livros didáticos no formato eletrônico (CDROM) - Imunidade que tem por finalidade assegurar a liberdade de expressão do pensamento e disseminar a cultura - Se o CD-ROM, tal qual o livro impresso, caracteriza-se por transmitir informações por meio de escrita ou ilustrações, indevida a sua exclusão da imunidade constitucional tão somente por não ser fabricado com papel - Restrição que inexiste no texto constitucional - Decisão mantida - Recurso improvido (Tribunal de Justiça de São Paulo - 12º Câmara de Direito Público - Apelação n° 994.08.218263-0 - Rel. Des. Osvaldo de Oliveira - J. 10/11/2012).
Destarte, partindo do pressuposto que tanto o livro impresso em papel quanto o livro eletrônico objetivam divulgar conhecimentos, “não é jurídico – nem justo – que só o primeiro seja beneficiado pela imunidade, isto é, não veja embutido, no preço do produto que acaba de comprar, o valor dos impostos” (CARRAZZA, 2012, p. 901).
Ressalta-se que, estabelecer tratamento tributário diferenciado aos livros eletrônicos somente em razão da forma pela qual as informações são neles transmitidas, retira do artigo 150, VI, d, da Carta Magna sua finalidade precípua: a tutela da liberdade de comunicação e de pensamento, bem como da ampla difusão da cultura.
É certo, outrossim, que os livros eletrônicos ocupam menor espaço físico; são mais portáteis; permitem maior armazenamento, pesquisa rápida e precisa; apresentam dicionários; permitem a aquisição de obras informativas e literárias por meio de download. Tais vantagens, contudo, não retiram dos e-books sua essência, que é a difusão da cultura.
Trata-se de uma nova forma de livros, mais evoluída, razão pela qual estão abrangidos nessa norma imunizante. Desnecessária a aplicação de analogia ou de critério hermenêutico de interpretação, pois o artigo 150, VI, d, da Constituição Federal se refere a “livro”, não fazendo distinção entre livro impressos em papel e livros digitais.
A propósito:
O livro eletrônico é o livro de papel evoluído, evidentemente, mas isso não altera em nada sua essência. Assim, se os livros eletrônicos são a mais nova forma de livro, não configura integração por analogia nem interpretação extensiva a tese que defende sua imunidade. A constituição refere-se a livros, e livros eletrônicos são livros. Restringir a imunidade constitucional aos livros de papel somente, por outro lado, é fazer distinção ondem o legislador não fez, prática condenada até pelos mais formalistas dos hermeneutas (MACHADO e MACHADO SEGUNDO, 1998, p. 01).
Realce-se que, os defensores da corrente hermenêutica extensiva, além de apresentarem esses argumentos para fundamentar a extensão da norma imunizante aos livros eletrônicos, asseguram, ainda, que o legislador constituinte ao estabelecer que os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão são imunes “não leva a interpretação literal de que somente os livros, jornais e periódicos produzidos em papel farão jus a essa exclusão de incidência” (BRIGAGÃO, 2012, p. 01). Significa que os veículos de difusão de informação, conhecimento e cultura são imunes ao pagamento de imposto e, se forem impressos em papel, também serão beneficiados por essa norma imunizante.
Ressalta-se que essa conclusão decorre da evolução normativa. Isto porque, o artigo 31, V, c, da Constituição Federal de 1946 previa que somente o “papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros” era imune. Posteriormente, o artigo 19, III, d, da Constituição Federal de 1967 com a redação determinada pela Emenda Constitucional nº. 01/1969 estabeleceu que não só o papel destinado à impressão era imune, mas também os livros, jornais e periódicos, previsão mantida pela Constituição Federal de 1988.
Outrossim, os adeptos dessa corrente sustentam ser um equívoco negar essa imunidade aos livros virtuais, sob a alegação de que apenas pessoas de melhor poder aquisitivo têm acesso a esses meios de difusão da cultura.
Advertem que, essa imunidade é geral, isto é, abrange todo e qualquer imposto. Não objetiva reduzir custos, mas, sim, impedir que o Estado institua impostos exorbitantes, impedindo a ampla disseminação de ideias, pensamentos e opiniões.
Lecionam Hugo Brito de Machado e Hugo Brito de Machado Segundo (1998, p. 01):
Equivocam-se os que afirmam que o livro eletrônico, por ser utilizado por aqueles que possuem elevada capacidade contributiva, não está a merecer a imunidade tributária. A imunidade em tela é geral, diz respeito a todo e qualquer imposto, e não tem por finalidade apenas reduzir os custos dos bens imunes, como pode à primeira vista parecer. Ela tem por fim proteger esses bens contra todo e qualquer imposto porque o imposto pode ser instrumento de inviabilização do instrumento. Não se pode pensar no imposto que está, como está, mas em um imposto que poderia ser criado até mesmo com o propósito de onerar excessivamente esses bens e, assim, prejudicar a divulgação de ideias, a disseminação da cultura. Por isto o contribuinte, com a imunidade, protege a liberdade de expressão, pré-excluindo qualquer imposto sobre os veículos que viabilizam essa liberdade.
Manifesta-se Gustavo Brigagão (2012, p. 01):
Esse dispositivo constitucional visa evitar que, por meio de tributos, possa o Estado vir a criar obstáculos que impeçam a liberdade de expressão, ou permitam o controle da impressa, dos meios de comunicação social e/ou das instituições culturais e educacionais. Em uma palavra, quer o texto constitucional assegurar a mais absoluta fruição e desimpedimento dos meios veiculadores de cultura, informação e conhecimento.
Observa-se que diante da crescente substituição dos livros impressos em papel por livros eletrônicos, torna-se imprescindível a extensão da norma imunizante aos e-books, caso contrário, o artigo 150, VI, d, da Constituição Federal se tornará letra morta, sendo inútil a proteção da liberdade de expressão por intermédio dessa imunidade tributária.
Deve-se considerar ainda que os livros eletrônicos, em razão dos recursos que possuem (leitura do texto selecionado, exibição de figuras ou animações, zoom, redimensionamento de letras, por exemplo), facilitam a compreensão dos portadores de deficiências físicas ou mentais, analfabetos, crianças de pouca idade e pessoas de idade avançada, que não possam mais ler, permitindo a ampla difusão da cultura.
Logo, prevalecendo a corrente restritiva, haveria indubitável violação ao princípio da isonomia, porque os “cegos, deficientes, analfabetos e idosos arcariam com o ônus tributário, enquanto pessoas alfabetizadas e com pleno desenvolvimento físico e mental teriam acesso a livros baratos em virtude da imunidade” (MACHADO e MACHADO SEGUNDO, 1998, p. 02).
Oportuno lembrar, por fim, que, através do progresso da Informática e da crescente substituição dos livros impressos em papel por livros digitais, a devastação das florestas irá diminuir, pois grande quantidade de árvores deixará de ser cortada para a fabricação de papel.
2.4 A imunidade dos livros eletrônicos conforme o Supremo Tribunal Federal
Sabe-se que, há na doutrina e na jurisprudência controvérsia a respeito da possibilidade da imunidade consagrada no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal ser entendida aos livros eletrônicos.
Ocorre que essa questão, até então discutida somente nos Tribunais inferiores, chegou ao Colendo Supremo Tribunal Federal, por intermédio do Recurso Extraordinário 330.817 RG/RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli. Não houve, ainda, análise do mérito. Contudo, no julgamento do dia 20/09/2012, foi reconhecida a repercussão geral da extensão da norma imunizante aos livros eletrônicos.
Confirma-se:
DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. PRETENDIDA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA A RECAIR SOBRE LIVRO ELETRÔNICO. NECESSIDADE DE CORRETA INTERPRETAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE CUIDA DO TEMA (ART. 150, INCISO IV, ALÍNEA D). MATÉRIA PASSÍVEL DE REPETIÇÃO EM INÚMEROS PROCESSOS, A REPERCUTIR NA ESFERA DE INTERESSE DE TODA A SOCIEDADE. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL. Decisão. O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Não se manifestaram os Ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa. Ministro DIAS TOFFOLI Relator (Supremo – Tribunal Federal - RE 330817 RG / RJ - RIO DE JANEIRO - Rel. Min. Dias Toffoli - J. 20/09/2012).
Posto isto, constata-se que a discussão, no recurso extraordinário, incide sobre qual interpretação deve ser dada ao artigo 150, VI, d, da Constituição Federal (restritiva ou extensiva) e, por consequência, a possibilidade da norma imunizante ser estendida aos livros eletrônicos.
Nessa linha se manifesta o Relator Ministro Dias Toffoli:
A controvérsia acerca da subsunção dos novos meios de comunicação à norma imunizante é objeto de acalorado debate na doutrina e na jurisprudência, sendo inegável a repercussão econômica que dela pode advir, tendo em vista que a extensão do favor constitucional a um novo e expressivo contingente de bens pode causar considerável impacto no erário. No âmbito jurídico, a controvérsia repousa na dicotomia atualmente existente na hermenêutica quanto à interpretação do art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal. Dependendo da corrente hermenêutica adotada, se restritiva ou extensiva, o dispositivo terá essa ou aquela interpretação (Supremo Tribunal Federal - RE 330817 RG / RJ - RIO DE JANEIRO - Rel. Min. Dias Toffoli - J. 20/09/2012).
Aguarda-se, portanto, o julgamento do mérito do mencionado recurso extraordinário, a fim de se unificar a jurisprudência dos Tribunais brasileiros no tocante a possibilidade da extensão da imunidade prevista nesse dispositivo constitucional aos livros eletrônicos.
3 CONCLUSÃO
Ante ao exposto, constata-se que o legislador constituinte, visando tutelar a liberdade de comunicação e de pensamento, bem como assegurar a ampla difusão de ideias, pensamentos e opiniões, estabeleceu no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal, que “é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão”.
Etimologicamente, livro consiste numa reunião de folhas, isto é, num objeto elaborado com papel. Partindo dessa conceituação, questiona-se se a imunidade prevista no mencionado dispositivo constitucional abrange os livros eletrônicos. A discussão se intensifica à medida que a interpretação dessa norma imunizante varia de acordo com a corrente hermenêutica adotada pelo intérprete, se restritiva ou extensiva.
De acordo com a corrente restritiva, adotando uma interpretação literal, conclui-se que tal imunidade abrange somente o que se enquadra na expressão “papel destinado à sua impressão”. Logo, não abarca os livros eletrônicos. De outra banda, os adeptos da corrente extensiva, valendo-se da interpretação histórica, sistemática e teleológica, aduzem que essa imunidade alcança os livros digitais.
Com efeito, partindo da premissa que a norma imunizante visa proteger a liberdade de expressão e assegurar a ampla disseminação de ideias, pensamentos e opiniões, indubitável que essa imunidade se entende aos livros eletrônicos. Isto porque, apesar de possuir forma, isto é, base material diversa do livro impresso em papel, o e-book também consiste num meio de difusão da cultura, apresentando, portanto, o mesmo conteúdo, objetivo e finalidade, qual seja, a preservação da liberdade de comunicação e de pensamento. Adotar entendimento contrário ensejaria violação a direitos fundamentais e, por conseguinte, a supremacia da Constituição.
Ressalta-se, ademais, que é crescente a substituição dos livros impressos em papel por livros digitais, razão pela qual se torna imprescindível a intepretação do artigo 150, VI, d, da Carta Magna a luz da corrente extensiva, para que não se torne letra morta.
Por fim, deve-se observar que, os livros eletrônicos, em função dos recursos que possuem, facilitam a compreensão dos portadores de deficiências físicas ou mentais, analfabetos, crianças de pouca idade e pessoas de idade avançada, que não possam mais ler. Assim, prevalecendo a corrente restritiva, haveria violação ao princípio da isonomia, pois tais pessoas arcariam com o ônus tributário, enquanto pessoas alfabetizadas e com desenvolvimento físico e mental pleno teriam amplo acesso a cultura, por intermédio de livros baratos em decorrência da imunidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRIGAGÃO, Gustavo. Livros digitais são imunes à incidência de imposto. In Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-dez-12/consultor-tributario-livros-digitais-sao-imunes-incidencia-impostos> Acesso em: 14 março 2013.
CALCINI, Fábio Pallaretti. E-books também devem ter imunidade tributária. In Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-fev-20/fabio-calcini-livros-eletronicos-tambem-imunidade-tributaria> Acesso em: 14 março 2013.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012.
DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário aurélio básico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1994-1995.
MACHADO, Hugo de Brito; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Imunidade tributária do livro eletrônico. In Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 38, 1 jan.2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1809/imunidade-tributaria-do-livro-eletronico/2#ixzz2NtHgAxBl>. Acesso em: 14 março 2013.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2006.
Acadêmica do curso de Direito das Faculdades Integradas "Antonio Eufrásio de Toledo" de Presidente Prudente.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEGHIN, Laís. A tributação e os direitos fundamentais: o problema da imunidade dos livros eletrônicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37184/a-tributacao-e-os-direitos-fundamentais-o-problema-da-imunidade-dos-livros-eletronicos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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