RESUMO: O presente trabalho analisa a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Complementar 101/2000, especificamente o disposto em seu artigo 22, parágrafo único, inciso IV. Tal dispositivo legal, prescreve que nos casos em que a despesa total com pessoal exceder o montante de 95% do limite previsto são proibidos os órgãos que incorrerem no excesso dar provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, salvo em casos de reposição devido a aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança. O objetivo é investigar a violação ao direito subjetivo de nomeação nos casos em que não são nomeados aprovados devido ao limite de despesa com pessoal, visto que o Estado não deve ter excesso de despesas se não existirem receitas suficientes para cumprir com as suas obrigações, apontando o posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema. Analisa-se, portanto, o conflito entre a Lei de Responsabilidade Fiscal e o direito subjetivo de nomeação em cargo público.
PALAVRAS-CHAVE: Lei de responsabilidade fiscal; Nomeação em Cargo Público; Direito Subjetivo de nomeação em Cargo Público;
ABSTRACT: This paper analyzes the Fiscal Responsibility Law, Complementary Law 101/2000, specifically the provisions in article 22, paragraph, section IV. This legal provision prescribes that in cases where the total personnel expenditures exceed the limit of 95% the public bodies are forbidden of employing or hiring new personnel for any purpose, except in cases replacement due to retirement or death of the civil servants in the areas of education, health and safety. The aim is to investigate the violation of the subjective right of appointment in cases that are not approved nominees due to limit personnel expenses, since the State should not have excessive expenses if there are'nt sufficient revenues to meet its obligations, pointing the doctrinal and jurisprudential position on the subject. Analyzes, therefore, the conflict between the Fiscal Responsibility Law and the subjective right of appointment in public office.
KEYWORDS: Fiscal responsibility law; Nomination for Civil Service; Subjective Right to Civil Service appointment;
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 OBJETIVO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. 1.1 A NORMA PREVISTA NO ARTIGO 22, P. ÚNICO. 1.2 LIMITES DE DESPESA COM PESSOAL. 2 CONCURSOS PÚBLICOS. 2.1 NOMEAÇÃO EM CARGO PÚBLICO. 2.2 DIREITO SUBJETIVO A NOMEAÇÃO EM CARGO PÚBLICO. 2.3 CADASTRO DE RESERVA. 3 RELAÇÃO ENTRE A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. 3.1 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO. 3.2 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A Lei de Responsabilidade Fiscal e o direito subjetivo de nomeação em cargo público nos casos de aprovação em concurso público serão analisados sob o enfoque formal e prático, e é o objeto do presente trabalho, tendo em vista o aprimoramento dos estudos sobre o assunto e a informação sobre os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.
Inicialmente analisou os objetivos da Lei Complementar 101/2000, tendo em vista a demonstração das vedações aos Poderes Públicos de atingirem limites exorbitantes nas despesas com pessoal. Foi visto que os limites legais se devem a necessidade de controle dos gastos públicos, incorrendo o gestor público em crime de responsabilidade caso não cumpram as disposições expressas na referida legislação.
Os requisitos para nomeação em cargo público e a expectativa de ingresso no serviço público, nos casos em que o candidato foi aprovado nos concursos de provas, ou de provas e títulos constou como objeto de análise do direito subjetivo de nomeação, com enfoque na divergência existente entre os entendimentos nos quais preceituam que a aprovação em concurso geraria direito subjetivo, ou somente a mera expectativa de direito.
Os posicionamentos da jurisprudência dos Tribunais, tanto favoráveis, quanto os contrários ao direito subjetivo de nomeação foram analisados, nos casos em que se tem a situação do artigo 22, parágrafo único, inciso IV, da Lei de Responsabilidade. Foi apontada também a exceção de nomeação, mesmo quando excedido os limites de despesa de nomeação de servidores nos casos de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de saúde, educação e segurança.
Destarte, o conflito existente entre o direito subjetivo e a vedação de nomeação nos casos de excesso de despesas dos Poderes Públicos apresentou-se como fonte de discussões judiciais entre candidatos que se esforçaram para ingresso na carreira pública e Administradores que não controlam os gastos públicos. Com isso, buscou verificar a compatibilidade da existência de proibição de nomeação em cargo público nos casos em que limites de despesa com pessoal foi atingido e o direito subjetivo de ingresso em cargo público devido a aprovação em concurso público.
1 OBJETIVO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
A Lei Complementar 101/2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, regula as finanças públicas, ensejando responsabilidade ao Administrador Público nos casos em que não tenha gestão administrativa coerente com os parâmetros previstos em tal dispositivo normativo, com isso, buscando a transparência na gestão da coisa pública.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 expressamente prevê que, para que o Administrador Público efetue gastos, ou seja, para que realize despesas, é necessário que sejam apontadas as respectivas receitas. Com isso, busca-se o equilíbrio financeiro do Estado nas relações financeiras e econômicas.
Em seus artigos, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece os limites com gastos a cada Ente da Federação, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, visando manter equilíbrio entre as despesas e as receitas públicas. Referida lei, prevê também sanções, inclusive penais, aos gestores estatais que desrespeitam as normas sobre gastos públicos. Veja-se o disposto no artigo 1º, §1º:
A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previne riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas e resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia da receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. (Grifos nossos).
Portanto, a Lei Complementar 101/2000, tem como objetivo principal o controle nos gastos públicos, para que assim possa fazer uma gestão saudável do dinheiro público. Com isso, somente com a ação planejada, constante em orçamento, e transparente, pode se prevenir os ricos do descontrole dos gastos públicos, daí a necessidade de um gestor público que tenha responsabilidade na gestão das finanças públicas.
Se não forem efetuados gastos que não estejam no orçamento público e se houver prevenção dos riscos de ações não planejadas, almejará o equilíbrio das finanças. Como consequência disso, terão melhores condições de vida para população, inclusive com menor carga tributária, porque se não forem realizadas despesas que não são necessárias, os valores a serem arrecadados com tributos consequentemente seriam menores, pois não seria necessária uma receita exorbitante para cuidar das despesas.
1.1 LIMITES DE DESPESA COM PESSOAL
Os limites estabelecidos na Lei Complementar 101/2000, referentes à despesa com pessoal estão presentes no artigo 19 da referida lei, veja-se:
Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
I - União: 50% (cinqüenta por cento); II - Estados: 60% (sessenta por cento); III - Municípios: 60% (sessenta por cento).
De acordo com o dispositivo legal, os limites de despesa com pessoal, no âmbito dos entes da Federação que compõe a Administração Pública, é assim compreendido: a União pode gastar até 50% (cinquenta por cento), os Estados e Munícipios até 60% (sessenta por cento) da receita corrente líquida.
A previsão de limites para gasto com pessoal tem como finalidade evitar os gastos excessivos sem tem as receitas necessárias para cobri-los, buscando assim equilíbrio financeiro estatal. A regulamentação da Lei Complementar 101/2000 é desdobramento do comando previsto no artigo 169 da Constituição Federal.
Os Tribunais de Contas fiscalizam esses limites previstos no artigo 19 da Lei de Responsabilidade e emitem alertas por meio de ato administrativo formal quando eles são alcançados, objetivando assim controlar os gastos excessivos de despesa com pessoal.
Cabe lembrar que quando ultrapassado os limites legais de despesa com pessoal, já caracteriza violação a norma prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, por afrontarem a previsão dos artigos 19 e 20, sendo possível a sanção de multa aos responsáveis pela violação a previsão legal.
Quando alcançado o limite de 95%, imediatamente começa a vigorar as vedações contidas no artigo 22, independentemente de ato administrativo informador. Isso ocorre, pois, se fosse necessário aguardar o ato formal administrativo, esse limite poderia ser ultrapassado até a formalização da vedação.
Cabe lembrar que o artigo 21 em seu parágrafo único menciona que o ato que resulte em aumento de despesa com pessoal no prazo de cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder é nulo de pleno direito. Veja-se as palavras do nobre doutrinador Kiyoshi:
A norma visa colocar um ponto final no festival de benesses com que eram contempladas determinadas categorias de servidores públicos, no final de governo, com o objetivo de deixar boa lembrança e, às vezes criar embaraços ao sucessor oposicionista. A autoridade que ordenar a despesa nas condições previstas no dispositivo examinado infringe o art. 359-G do Código Penal, acrescentado pela Lei 10.028/2000, sujeitando-se a pena de 1 a 4 anos de reclusão. (HARADA, 2008. p. 249).
Conforme depreendido das lições de Harada, essa norma visa proibir as ações de governantes que acumulam despesas excedentes poucos momentos antes de deixar o cargo. A norma coíbe a existência de enormes dívidas que foram contraídas na gestão anterior apenas por motivos políticos, para prejudicar o futuro governante opositor.
Sobre o assunto, a doutrina de Marcelo Leonardo completa:
O conceito de despesa total com pessoal está no art. 18 da LRF. O crime resultará do desrespeito à proibição contida no parágrafo único do art. 21 da LRF, que diz ser nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos 180 dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder. Poderá haver controvérsia do ponto jurídico-penal, pois enquanto o citado parágrafo único refere-se genericamente a despesa com pessoal, o tipo penal se refere a despesa total com pessoal. (LEONARDO, 2001. p. 33-34).
Portanto, os limites de despesa com pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal têm como objetivo coibir ações de gestores públicos que não tem controle dos gastos. A falta de controle ocasiona problemas com as finanças estatais, e por consequência prejudica a população, que passa a ser obrigada a conviver com altos tributos e índices de inflação, daí a necessidade de se limitar os gastos públicos.
1.2 A NORMA PREVISTA NO ARTIGO 22 DA LEI COMPLEMENTAR 101/2000
Quando atingidos os limites de despesa com pessoal, previstos nos artigos 19 e 20, o artigo 22 da Lei Complementar 101/2000, enumera os casos nos quais é vedado o aumento de despesa com pessoal, veja-se:
Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre.
Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso: I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição; II - criação de cargo, emprego ou função; III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança; V - contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias.
Conforme mencionado dispositivo, ficam proibidos os órgãos ou Poderes, de dar provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal nos casos em que a despesa total com pessoal exceder a 95% do limite, ressalvada a hipótese de reposição por motivo de aposentadoria ou falecimento de servidores de educação, saúde e segurança.
Tal vedação busca adequar o orçamento público para que não se tenham gastos que não estejam previstos na lei orçamentária. Vejam-se as lições de Heraldo e José Teixeira sobre o assunto:
A Lei de Responsabilidade Fiscal impõe uma série de exigências para transformar o orçamento em uma peça de gerência, o que facilitaria: (a) o controle dos custos; (b) o controle da gestão financeira; (c) a avaliação dos resultados e não apenas dos programas de trabalho, mas também, da própria organização, ou seja, os órgãos serão avaliados pelas respectivas atuações tendo em vista as respectivas finalidades dentro da organização. (MACHADO JR.; REIS, 2012. p.55).
Destarte, pode ser percebido que a Lei Complementar 101/2000 tem como objetivo maior facilitar a gestão pública, com controle dos custos e controle da gestão financeira. A norma prevista no artigo 22, portanto, não é uma norma prejudicial que retira direito dos candidatos aprovados em concurso público, mas sim uma norma de controle da atividade financeira estatal.
Cabe ressaltar que o descumprimento das vedações estabelecidas no artigo 22, prescreve o artigo 73 da lei 101/2000 que responderá pelos crimes dos Decretos-lei n. 201/1967 e 2848/40 (Código Penal), por crimes contra as finanças públicas, e ainda pelas Leis: 1.079/50 e Lei 8.429/1992.
Portanto, analisando objetivamente o artigo 22, parágrafo único, inciso IV da Lei de Responsabilidade Fiscal, a partir do momento em que a Administração deixa de dar provimento, não viola direito subjetivo, pois está protegendo a si própria de cometer irregularidades, e ao gestor público de incorrer em sanção administrativa e/ou criminal.
2 CONCURSOS PÚBLICOS
A Constituição Federal determina em seu artigo 37, inciso II, que a investidura em cargo público deve ocorrer, em regra, por meio da realização prévia de concurso público de provas ou provas e títulos. Tais concursos consistem em processos administrativos que promovem a concorrência entre candidatos, visando selecionar os mais aptos para servirem à Administração Pública.
A existência do Concurso Público é um corolário dos Princípios da Igualdade, da Moralidade, da Isonomia, da Impessoalidade e da Eficiência. Isto é, a ampla acessibilidade às vagas do serviço público é um imperativo decorrente dos princípios supracitados.
O Concurso visa suprir os quadros de pessoal da Administração Pública com os candidatos aptos, efetivando o Princípio da Eficiência. Seleciona-os de forma equânime, atendendo aos princípios da Impessoalidade, Isonomia e Igualdade. Protege os recursos públicos contra eventuais favorecimentos, subsumindo-se ao princípio da Moralidade Administrativa. Assim observa Motta:
A realização de certame competitivo, prévio ao acesso aos cargos e empregos públicos, objetiva realizar os princípios consagrados em nosso sistema constitucional, notadamente os princípios da democracia e isonomia, e efetiva-se por meio de processo administrativo. Utilizando este mecanismo, são atendidas também as exigências do princípio da eficiência neste momento entendido como a necessidade de selecionar os mais aptos para ocupar as posições em disputa e proporcionar uma atuação estatal otimizada. O acesso aos cargos e empregos públicos deve ser amplo e democrático, precedido de um procedimento impessoal onde se assegurem igualdade de oportunidades a todos interessados em concorrer para exercer os encargos oferecidas pelo Estado, a quem incumbirá identificar e selecionar os mais adequados, mediante critérios objetivos. (MOTTA, 2010. p. 76)
Alguns autores afirmam que a obrigatoriedade do Concurso Público não é só uma aplicação de tais princípios, mas também uma exigência decorrente da forma de governo republicana: “o direito fundamental de concorrer, em igualdade de condições, aos cargos efetivos e empregos públicos, é decorrente do regime republicano-democrático e do princípio a igualdade” (MOTTA, 2011. p. 3).
Trata-se de uma proposição pertinente, já que nas Repúblicas (como a própria etimologia do termo indica: res publica) o patrimônio do gestor é totalmente separado do patrimônio público. Ora, já que trata-se de gestão de coisa alheia, deve-se buscar o meio mais transparente e probo possível, sendo este o Concurso Público. Isto posto, não resta dúvida que o Concurso Público é direito objetivo fundamental, amparado na Constituição Federal.
2.1 NOMEAÇÃO EM CARGO PÚBLICO
A Nomeação é um meio de provimento de cargo público. O provimento, por sua vez, é o ato pelo qual se dá a investidura no cargo. Além da nomeação, existem outros meios de provimento, quais sejam: promoção, readaptação, reversão, aproveitamento, reintegração e
recondução.
Nomeações podem ocorrer tanto para cargos efetivos quanto em comissão. Elas naturalmente, podem ocorrer apenas dentro do prazo do concurso. Ademais, a nomeação é o primeiro ato administrativo que a Administração deve efetua para convocar os aprovados para tomar posse em cargo público.
2.2 DIREITO SUBJETIVO A NOMEAÇÃO EM CARGO PÚBLICO
Não há qualquer dúvida quanto à exigibilidade de concurso público - como regra geral - para preenchimento de cargos efetivos, configurando-se um direito objetivo. Entretanto, nem sempre prevaleceu o entendimento de que existe um direito subjetivo do candidato, dentro do número previsto de vagas, à sua nomeação. Muito pelo contrário, predominava tanto na doutrina quanto na jurisprudência a tese que se tratava de mera expectativa de direito.
Até a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, a jurisprudência e a doutrina nacionais afirmavam, quase em uníssono, que o candidato aprovado em concurso público, mesmo dentro do número de vagas previstas no edital, não possuía qualquer direito à nomeação, constituindo prerrogativa discricionária do poder público o provimento, ou não, dos cargos em disputa. (ARAÚJO, 2010. p. 87)
Ora, nota-se que houve uma mudança significativa. Se há direito subjetivo a nomeação, isto quer dizer que o candidato tem um interesse juridicamente protegido e que pode ser reivindicado por meios jurisdicionais. De forma correlata, caberia à Administração Pública um dever nomear o candidato aprovado, dentro do prazo e obedecendo a critérios objetivos. A contrariu sensu, com a mera expectativa de direito, a nomeação se submeteria a um juízo de conveniência e oportunidade (discricionariedade) por parte da Administração Pública. O candidato aprovado não poderia se valer de meios jurisdicionais para que seja efetuada sua nomeação, pois não teria direito a ela, apenas uma expectativa.
No bojo da Constituição Federal de 1988 surgem novos direitos, até o “direito fundamental ao concurso público”, e a compreensão da matéria vai sendo paulatinamente alterada, até chegar-se ao consenso atual de que o Direito à Nomeação configura-se como direito subjetivo do candidato, não expectativa de direito:
O entendimento doutrinário e jurisprudencial evoluiu para essa nova interpretação, a qual é adequada aos preceitos constitucionais que exigem que a Administração Pública seja séria e responsável. Nota-se, portanto, que a tese explanada – o direito subjetivo à nomeação e posse dos concursados aprovados dentro do limite das vagas abertas pelo edital - encontrou guarida na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF e STJ). (JESUS, 2009).
É importante observar que a decisão de abrir ou não determinado concurso continua sendo plenamente discricionária para a Administração Pública. A mutação interpretativa in caso aplica-se somente a uma situação bastante específica: a do candidato que foi aprovado dentro do limite de vagas.
Outra ressalva a se fazer é que o direito à nomeação jamais foi previsto de forma expressa na Constituição. Ele é inferido a partir da razoabilidade: ora, se o concurso é um processo administrativo, os atos que o compõem devem ser devidamente motivados. Pressupõe-se que se determinado número de vagas foram criadas é porque há efetiva necessidade de quadros para a Administração, e consequentemente devem ser supridas. Mas tal direito subjetivo à nomeação não pode ser tratado como absoluto em face do interesse público:
Há que se afastar, portanto, as duas posições extremadas que se apresentam nesse tema. Não se pode dar à administração pública a discricionariedade de, após realizado concurso válido, simplesmente deixar transcorrer in albis o seu prazo de validade, sem nomear os aprovados para as vagas disputadas. No outro extremo, supor que, de todo concurso homologado decorra direito inafastável de nomeação aos aprovados, ou aos classificados às vagas em disputa, desconhecendo a possibilidade de superveniência de circunstâncias inexistentes ou não sopesadas no momento da realização do concurso, seria colocar o interesse público em plano secundário, para atentar apenas ao interesse individual dos candidatos. (ARAÚJO, 2010. p. 96)
Portanto, o interesse público não deve ser lesado para se proteger o direito subjetivo do candidato. A sociedade também deve ser protegida. Isto que não quer dizer que o direito do concursando deva soçobrar. Sendo um direito, ele é passível de tutela jurisdicional, mas o operador jurídico poderá, no caso concreto, analisar qual dos interesses deve prevalecer.
2.3 CADASTRO DE RESERVA
Quanto aos candidatos que não foram aprovados dentro do número de vagas previsto em edital, mas que foram incluídos no cadastro de reserva, estes, naturalmente, não possuem direito subjetivo à nomeação. Nem por isso, estariam destituídos de direitos no que tange ao concurso: têm direito de não serem preteridos, na convocação, em favor de outros candidatos classificados em posição inferior.
Surge uma questão jurídica grave quando o concurso visa exclusivamente o preenchimento de cadastro de reserva. Este tipo de medida é criticada com veemência pela doutrina, que observa que o cadastro de reserva é, por vezes, utilizado para impedir a efetivação do direito subjetivo à nomeação.
As maiores complicações, contudo, ocorrem quando se realiza concurso público especificamente para constituição do cadastro de reserva, ou seja, sem a identificação - no edital - do número de vagas oferecidas para provimento. Nessas situações, o edital costuma trazer cláusula esclarecendo que o certame destina-se a formar um cadastro para futuras admissões. O primeiro problema a ser superado é de ordem lógica: como o concurso possui como finalidade identificar os mais aptos para o provimento de cargos públicos, não parece fazer sentido iniciar um procedimento para selecionar alguém para algo que não existe. Em outras palavras, pode-se dizer que a existência de cargos constitui, em princípio, pressuposto lógico para a realização do procedimento de seleção. (MOTTA, 2011. p. 15)
Portanto, a missão precípua do cadastro de reserva não é o de substituir o número de vagas efetivas. Apresenta, na realidade, uma função supletiva: dispor de um número excedente de classificados para eventualmente serem nomeados, em face da alta rotatividade da força de trabalho no serviço público.
3 RELAÇÃO ENTRE A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO
3.1 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO
A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece vários limites na gestão do patrimônio público, inclusive nas despesas relacionadas à remuneração dos servidores públicos. Tal lei proíbe o provimento a novos cargos quando o teto da despesa com pessoal já foi atingida.
Não obstante, ao candidato aprovado em concurso assiste o direito de ser nomeado, como foi anteriormente demonstrado. E já que a nomeação é uma modalidade de provimento, estaríamos diante de um conflito normativo positivo: duas normas antinômicas, uma ordena a nomeação do candidato, que faria jus a um direito subjetivo, outra que impede esta mesma nomeação, protegendo o erário.
Para deslindar essa questão jurídica, é importante ponderar o seguinte fato: o concurso público é um processo administrativo complexo e rigoroso, e para sua execução devem ser cumpridos vários requisitos da própria Lei de Execução Fiscal:
(a) a existência de vagas devidamente instituídas por lei; (b) a real necessidade de novos servidores para dar conta da demanda de serviços; (c) demonstrativo de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que iniciar a execução e nos dois seguintes (art. 16, I, da LRF); (d) demonstração da origem dos recursos para o custeio (art. 17, § 1°, da LRF); (e) comprovação de que a despesa a ser criada não afetará as metas de resultado fiscal previstas no Anexo de Metas Fiscais (art. 17, § 2°, da LRF), indicando a forma de compensação dos efeitos financeiros nos exercícios seguintes; (f) comprovação de compatibilidade com a LDO e de adequação orçamentário-financeira (dotação na LOA e disponibilidade financeira); (g) declaração do ordenador da despesa sobre adequação orçamentária e financeira à LOA (art. 16, I, LRF) e de compatibilidade com o PPA e da LDO (art. 16, II); (h) autorização específica na LDO (art. 169, § 1°, II, CF/88 e art. 118 da CE/SC); e (i) prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes (art. 169, § 1°, I, CF/88 e art. 118 da CE/SC). (JESUS, 2009)
Ora, já que para a criação de concurso devem estar preenchidas tantas normas de responsabilidade fiscal, é de se esperar que a nomeação sobrevenha sem qualquer prejuízo ao orçamento público. Afinal, já as condições financeiras para a criação do cargo foram previamente aferidas. Assim sendo, o conflito normativo analisado é atípico.
Portanto, apenas uma causa imprevisível poderia impedir a nomeação em concurso que já cumpriu todas as referidas etapas. Essa própria imprevisibilidade é um argumento em favor da restrição ao direito à nomeação, nos casos em que se ultrapasse o limite de gastos com pessoal. Essa imprevisibilidade poderia decorrer da redução de receitas do Estado, alterando a situação orçamentária, o que viria a impedir a nomeação.
Poder-se-ia mencionar a Teoria da Imprevisão, costumeiramente aplicada a contratos administrativos, mas que também pode ser útil nesta situação: quando da criação da vaga no serviço público, havia disponibilidade financeira compatível com a realização do concurso. Entretanto, por um fato exterior ao mundo do Direito e incapaz de ser previsto (uma crise econômica), as receitas estatais se reduziram, de forma a impedir a nomeação do candidato. Ou seja: o candidato teria direito subjetivo à nomeação rebus sic standibus (“estando as coisas assim”), porém, diante de uma drástica alteração nas circunstâncias fáticas, seu direito deve ser mitigado, mantendo-se a observância da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O concurso é um processo administrativo, isto é, uma série de atos administrativos. Como tais, são passíveis de revogabilidade. Diante de fatos supervenientes, que alteraram as circunstâncias, a Administração pode revogar tais atos, apresentando a devida motivação:
Circunstâncias supervenientes, contudo, podem indicar a desnecessidade da contratação, autorizando a administração a revogar a licitação, mediante ato motivado, no qual se demonstrem os fatos alegados, como causas suficientes para a mudança de comportamento. O mesmo direcionamento deve nortear a conduta do poder público após a classificação dos candidatos aprovados em concurso público. Subsiste, portanto, em favor dos aprovados às vagas anunciadas em edital, a presunção relativa de que serão nomeados. Se decidir de modo diferente, a administração pública deverá motivar esse ato, demonstrando as novas circunstâncias pelas quais se decidiu pela não nomeação. (ARAÚJO, 2010. p. 96)
Se, por um lado, a Administração não goza de plena discricionariedade no que tange à nomeação, o candidato tampouco tem direito absoluto a ela. Havendo uma redução de receitas, o gestor está juridicamente amparado para não nomear um candidato aprovado, aplicando-se a Lei de Responsabilidade Fiscal em detrimento do Direito à Nomeação. Trata-se da prevalência do interesse público sobre o privado.
3.2 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
No tocante ao entendimento jurisprudencial dos tribunais brasileiros, passemos a análise dos entendimentos sobre o assunto em tela, qual seja, o direito subjetivo de nomeação em concursos públicos. O Tribunal de Justiça do Estado do Acre em discussão sobre o tema assim entendeu:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO. CADASTRO DE RESERVA. CRIAÇÃO DE CARGOS POR LEI E VACÂNCIA. NOMEAÇÃO. DIREITO SUBJETIVO. INEXISTÊNCIA. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. Candidatos aprovados em cadastro de reserva, ou seja, fora do número de vagas estipuladas em edital, estão adstritos ao Poder Discricionário da Administração, segundo sua conveniência e oportunidade (mera expectativa de direito), ainda que ocorra vacância e criação de cargos por Lei.
2. Segurança denegada. (Mandado de Segurança n.º 0002283-12.2011.8.01.0000 Relator: Des. Roberto Barros DJAC de 25/01/2012). (Grifos nossos).
Conforme pode ser visto na decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, existe entendimento de que a aprovação em concurso público em cadastro de reserva, não gera direito subjetivo de nomeação, mas mera expectativa de direito.
O Supremo Tribunal Federal, já se manifestou sobre a existência de direito subjetivo a nomeação em cargo público nos casos de aprovação em concurso, veja-se:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ. PROTEÇÃO À CONFIANÇA. O dever de boa- fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. IV. FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público. V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (RE 598099, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03 PP-00314) (Grifos nossos)
O Supremo Tribunal Federal (STF), entende que nos casos em que se tenha candidato aprovado em concurso público, dentro de período de validade do concurso, e surjam novas vagas, existe direito subjetivo a nomeação do candidato aprovado. Isso porque se leva em conta a boa-fé da Administração existente em cumprimento de um edital de concurso público.
Também coloca que em casos excepcionais a Administração deve deixar de nomear em cargo público, mesmo que existam candidatos aprovados. O caso que está previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Complementar 101/2000 em seu artigo 22, parágrafo único, inciso IV, que proíbe a Administração de contratar novos servidores, nos casos em que se atinja 95% do limite previsto para gastos de despesa com pessoal, é um desses casos.
Esse é o posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):
EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO CLASSIFICADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. DIREITO SUBJETIVO A SER NOMEADO. RECUSA MOTIVADA DA ADMINISTRAÇÃO. LIMITE PRUDENCIAL. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 101/2000. 1. O ora recorrente ficou colocado em 45º lugar no concurso público para provimento do cargo de Motorista II do Município de Nossa Senhora do Socorro que tinha 60 vagas, ou seja, foi aprovado em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital. 2. Esta Corte Superior adota entendimento segundo o qual a regular aprovação em concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital confere ao candidato direito subjetivo à nomeação e posse dentro do período de validade do certame. 3. A exceção a esta regra só poderá ocorrer se houver sido alcançado o limite prudencial de dispêndios com folha de pessoal, assim declarado este fato pelos órgãos de controle interno e externo respectivos da Administração, tudo em razão do que dispõe o art. 22, parágrafo único, inciso IV, da Lei Complementar nº 101/2000. 4. No presente caso, a partir dos documentos dos autos, da leitura do parecer do Ministério Público Estadual e do acórdão recorrido, ficou comprovado que o montante despendido com pessoal impossibilita o Município de contratar novos servidores. 5. Recurso ordinário não provido. (ROMS 201102918274, Mauro Campbell Marques, STJ- Segunda Turma, DJE, publicação: 05/12/2012). Grifos nossos.
A regra geral é que os candidatos que foram aprovados em concurso público de provas, ou de provas e títulos, tem direito subjetivo de nomeação em cargos público nos casos em que existam vagas. A aprovação em concurso público dentro do cadastro de reservas, mesmo que não se encontre no número de vagas que foram em momento inicial previstas no edital, garante o direito subjetivo à nomeação se houver o surgimento de novas vagas dentro do prazo de validade do certame.
Porém, é clara a exceção à regra de nomeação em cargo público gerar direito subjetivo do candidato aprovado, nos casos em que a Administração Pública excedeu o limite de despesa com pessoal previsto na Lei 101/2000, conforme preceitua a jurisprudência na interpretação da referida lei complementar.
Ainda com relação ao posicionamento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça em caso concreto sobre o assunto ora estudado, assim manifestou:
EMEN: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO DENTRO DO CADASTRO DE RESERVA PREVISTO EM EDITAL. ABERTURA DE NOVAS VAGAS NO PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA PARA A REALIZAÇÃO DAS NOMEAÇÕES. COMPROVAÇÃO. 1. A aprovação do candidato dentro do cadastro de reservas, ainda que fora do número de vagas inicialmente previstas no edital do concurso público, confere-lhe o direito subjetivo à nomeação para o respectivo cargo, se, durante o prazo de validade do concurso, houver o surgimento de novas vagas, seja em razão da criação de novos cargos mediante lei, seja em virtude de vacância decorrente de exoneração, demissão, aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável ou falecimento. Precedentes: RE 581.113/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 31.5.2011; RMS 37882/AC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, segunda turma, julgado em 18/12/2012, DJe 14/02/2013; MS 18.570/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21/08/2012; DJe 29/05/2012; RMS 32105/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 30/08/2010. 2. A exceção a esta regra, desde que devidamente motivada pelo Poder Público e sujeita ao controle do Poder Judiciário, deve estar fundada nas características fixadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral. Nesse sentido, se houver sido alcançado o limite prudencial de dispêndios com folha de pessoal, assim declarado este fato pelos órgãos de controle interno e externo respectivos da Administração, tudo em razão do que dispõe o art. 22, parágrafo único, inciso IV, da Lei Complementar nº 101/2000. 3. No presente caso, foram preenchidas todas as vagas disponibilizadas no edital do concurso, discutindo-se aqui o provimento dos novos cargos criados por lei. Ocorre que, apesar de haver essas novas vagas, há a demonstração de óbice orçamentário. 4. A autoridade coatora, buscando comprovar a existência de óbices de natureza finaceiro-orçamentária que impedem a nomeação dos candidatos aprovados no cadastro de reserva do concurso em que o ora Requerente foi aprovado, juntou os seguintes documentos: (i) estudo de impacto financeiro feito pela Coordenadoria de Planejamento deste Tribunal para a contratação de novos servidores; (ii) circular informando aos magistrados da suspensão da contração de servidores, em razão da dificuldade orçamentária e financeira;(iii) Informações apresentadas ao CNJ no Pedido de Providências n. 0001100-34.2011.2.00.0000; (iv) decisão proferida pela CNJ no Pedido de Providências n. 0001100-34.2011.2.00.0000; (v) decisão administrativa prolatada no processo administrativo n. 0037133-09.2010.8.22.1111. 5. Tais documentos demonstram a ausência de dotação orçamentária para a realização das nomeações, uma vez que o orçamento previsto para o exercício de 2011 (Lei de Diretrizes Orçamentárias n. 2339/2010) não permitia a contratação de novos servidores, pois o crescimento dos créditos orçamentários fixados na Lei de Diretrizes Orçamentárias fora apenas de 4,5%. 6. Assim, como afirmado pelo Ministro Ives Gandra, Conselheiro do CNJ, na decisão proferida pela CNJ no Pedido de Providências n. 0001100-34.2011.2.00.0000, "a recusa justa e motivada da Administração em preencher vagas decorrentes de concurso público, como ora se dá, não viola os princípios encartados no art. 37 da CF, mormente o da legalidade. Se não há dotação orçamentária para fazer frente às nomeações, mesmo tendo-se buscado, não se pode brandir o direito subjetivo à nomeação, haja vista a responsabilização a que se submete o gestor, nos termos das leis orçamentárias e das disposições constitucionais. O reconhecimento da existência de necessidade de servidores não garante, por si só, a nomeação de candidatos, se o orçamento desse ano não suporta o acréscimo de despesas" (fls. 161). 7. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido. (ROMS 201200829442, Mauro Campbell Carques, STJ - Segunda Turma, DJE, publicação:10/04/2013). Grifos nossos.
Portanto, a recusa do Administrador Público em nomear candidato aprovado em concurso público, conforme já demonstrado, não fere os princípios constitucionais do artigo 37 da Constituição Federal, quais sejam, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O Estado deve controlar os gastos de despesa com pessoal, visto que eles não podem ultrapassar os limites previstos pela Lei Complementar 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, sob pena de incorrer em crime de improbidade administrativa caso desrespeitem os limites legais. E é nesse sentido que caminha a jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O concurso público, como via de ingresso nos quadros de servidores da Administração pública, é uma ferramenta essencial para a promoção de um Estado igualitário e eficiente. Os limites legais às despesas com funcionalismo, de igual modo, são um ponto fulcral de nosso ordenamento pátrio, pois protegem o erário de gastos excessivos que poderiam prejudicar o funcionamento do Estado.
Ambos são importantes para coibir o arbítrio do gestor público, impedindo-o ao mesmo tempo, de nomear livremente os servidores (ficando, em regra, adstrito ao concurso público) ou de nomear-lhes em excesso (devendo observar os limites de gasto com pessoal). Portanto, tem-se que estas normas possuem um escopo em comum: proteger o interesse público.
Se por um lado, o direito objetivo ao Concurso Público (isto é: a própria norma constitucional que estabelece o concurso como meio prioritário de investidura em cargo público) vela pelo interesse da coletividade, por outro o Direito Subjetivo à Nomeação dirige-se à proteção apenas do interesse privado do candidato.
Diante de um eventual conflito normativo que envolva um interesse privado (Direito Subjetivo à Nomeação) e um interesse público (limites de gasto com pessoal), deve prevalecer este último, assim informa a doutrina administrativista.
O direito do candidato aprovado não deixará de existir: apenas será mitigado, no caso concreto, em favor do equilíbrio das contas públicas.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Concurso público e direito de nomeação: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Edição Especial, p. 86-100, 2010.
BRASIL. Lei Complementar 101/2000, de 4 de maio de 2000. Diário Oficial da União de 5 de maio de 2000.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ROMS 201102918274, Mauro Campbell Marques, STJ- Segunda Turma, DJE, publicação: 05 dez. 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ROMS 201200829442, Relator: Mauro Campbell Carques, STJ, Segunda Turma. DJE: publicação:10 abr. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 598099, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJE, publicação: 03 out. 2011.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Acre. Mandado de Segurança n.º 0002283-12.2011.8.01.0000. Relator: Des. Roberto Barros. DJAC, publicação 25 jan.2012.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
JESUS, Noel Antonio Tavares de. O direito subjetivo à nomeação dos concursados aprovados e os limites de despesas com pessoal. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13545>. Acesso em: 09 ago. 2013.
LEONARDO, Marcelo. Crimes de Responsabilidade Fiscal: crimes contra as finanças públicas; crimes nas licitações; crimes de responsabilidade de prefeitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
MACHADO JÚNIOR, José Teixeira. A lei 4.320 comentada e a lei de responsabilidade fiscal. 34. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
MOTTA, Fabrício. Concurso público: direito à nomeação e a existência de “cadastro de reserva”. Revista eletrônica sobre reforma do Estado, Salvador, número 24, dez/jan/fev 2011. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-24-DEZEMBRO-JANEIRO-FEVEREIRO-2011-FABRICIO-MOTTA.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2013.
MOTTA, Fabrício. Direitos fundamentais e concurso público. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Edição Especial, p. 68-85, 2010.
Professora de filosofia no Colégio Nacional de Uberlândia. Graduanda do 9° Período em direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Atua como estagiária na área de direito tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRYSTIANNE DA SILVA MENDONçA, . Lei de Responsabilidade Fiscal e o direito subjetivo de nomeação em cargo público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37188/lei-de-responsabilidade-fiscal-e-o-direito-subjetivo-de-nomeacao-em-cargo-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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