Firmado por muitos operadores do direito como absoluto, com o intuito de afastar a aplicação de qualquer outra regra ou princípio, a dignidade da pessoa humana aparece no ordenamento jurídico brasileiro como princípio fundamental, mas, apesar da sua relevância, não se pode considerá-lo como tal.
Antes de adentrar no cerne da questão, necessário firmar algumas premissas quanto o conceito de dignidade da pessoa humana. O Professor Ingo Wolfgang Sarlet[1], sobre o tema, destaca que Dignidade é “... a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”, sendo ainda “algo real”, inerente à pessoa humana.
A Constituição Federal de 1988 elenca a dignidade da pessoa humana como principio fundamental da República Federativa do Brasil (art.1º, III), e como princípio fundamental constitui-se valor-guia de toda ordem jurídica. Pedimos vênia para transcrever o dispositivo:
Dos Princípios Fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político. (grifo nosso)
Firmando a dignidade da pessoa humana com valor-guia da nossa sociedade, registra Uadi Lammêgo Bullos, citado pelo Professor Paulo Gustavo Gonet[2], alguns exemplos jurisprudenciais exemplificativos concretizando esse princípio: habitação, portador de HIV, alienação fiduciária em garantia, doação feita por cônjuge, indenização por dano moral, requisição de informações a bancos e repartições públicas, paternidade, Serasa – não negativação do nome do devedor, internação de menor, e mudança de sexo.
Sobre os princípios, Robert Alexy, citado por Marcelo Novelino[3], explica que a diferença entre estes e as regras não é apenas gradual, mas também qualitativa. Enquanto as regras possuem somente a dimensão da validade, os princípios possuem ainda a dimensão da importância, peso ou valor.
Como ensina o professor Marcelo Novelino[4], as regras suscitam apenas problemas de validade, pois, na hipótese de conflito entre elas, uma não será válida e, portanto, deverá ser excluída ou abandonada. (...) Quanto aos princípios, além da validade, suscitam ainda a questão da importância ou valor; vale dizer, caso ocorra a colisão entre dois ou mais princípios válidos, deve-se levar em conta para a solução do problema o peso relativo de cada um mediante a ponderação e o balanceamento dos valores e interesses envolvidos. A diferença qualitativa entre princípios e regras faz com que sua aplicação, assim como a solução de seus conflitos, ocorra de modo diverso.
Por sua vez, o citado professor Paulo Gustavo Gonet[5], nesse mesmo sentido, destaca que num eventual conflito de princípios incidentes sobre a situação concreta, a solução não haverá de ser aquela que acode aos casos de conflito entre regras. No conflito entre princípios, deve-se buscar a conciliação entre eles, uma aplicação de cada qual em extensões variadas, segundo a respectiva relevância no caso concreto, sem que se tenha um dos princípios como excluído do ordenamento jurídico por irremediável contradição do outro.
Assim, na qualidade de princípio, a dignidade da pessoa humana não pode ter aplicação absoluta, pois como dito, os princípios diferem das regras, devendo haver um balanceamento dos valores envolvidos. De fato, a relatividade é característica marcante, pois não há princípio que sempre vai preponderar sobre outro, uma vez que todos os valores inseridos no texto constitucional são importantes. O equilíbrio dos valores constitucionais está justamente no balanceamento e preponderância de um ou de outro princípio no caso concreto.
Como norma-princípio, a dignidade da pessoa humana, concretamente, pode conflitar com outros princípios e direitos constitucionalmente estabelecidos, e, inclusive, entre a dignidade de diversas pessoas. Nesse último caso, caso fosse absoluto e fosse sempre prevalente, como seria a solução quando a dignidade de uma pessoa estive em conflito com a dignidade de outra pessoa?
Noticia o professor Gonet[6], que em sistemas aparentados ao nosso, tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, quando enfrentam outros valores de ordem constitucional, inclusive outros direitos fundamentais. Igualmente no âmbito internacional, as declarações de direitos humanos admitem expressamente limitações “que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos e liberdades fundamentais de outros” (art. 18 da Convenção de Direitos Civis e Políticos de 1966, da ONU).
Como exemplo das limitações que os princípios fundamentais podem sofrer, trazemos à lume as que estão expressas no próprio texto constitucional. O direito à vida, por exemplo, tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra declarada. Já o direito de propriedade encontra limitações tanto para a proteção de direitos ambientais, como para atender a funções sociais (desapropriações).
Assim, por mais importante e fundamental que seja, não podemos considerar a dignidade da pessoa humana como direito absoluto. Outros direitos fundamentais constitucionalmente previstos podem limitá-lo, ou até mesmo, o eventual confronto entre a dignidade da pessoa humana de dois sujeitos de direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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______________________. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 9, março/abril/maio 2007. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Material da 1ª aula da disciplina Direito Constitucional, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Público – UNIDERP/REDE LFG.
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______________________. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, Centro de Atualização Jurídica (CAJ), n. 10, janeiro/2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Material da 2ª da aula da disciplina Direito Constitucional, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Público – UNIDERP/REDE LFG.
[1] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. P.62
[2] MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 155
[3] NOVELINO, Marcelo. Direitos Fundamentais. Material da 1ª aula da disciplina Direito Constitucional, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Público – UNIDERP/REDE LFG.
[4] Op. Cit.
[5] Op. Cit. P. 284.
[6] Op. Cit. P. 240.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Especialista em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Rodrigo Saito. Breves considerações sobre a inaplicabilidade da dignidade da pessoa humana como direito absoluto Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37239/breves-consideracoes-sobre-a-inaplicabilidade-da-dignidade-da-pessoa-humana-como-direito-absoluto. Acesso em: 23 dez 2024.
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