SUMÁRIO :1. Considerações iniciais. 2. Da ampliação da competência da Justiça do Trabalho. 3. A imposição de multa administrativa como forma de proteção ao trabalho. 4. Natureza da multa trabalhista. 5. Procedimento administrativo de aplicação da multa. 6. Do parcelamento da multa durante a execução fiscal. 7. Recentes precedentes do TST no sentido da inocorrência de novação no caso de parcelamento de débito. 8. Conclusão.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Emenda Constitucional 45/2004 acresceu ao art. 114 da Constituição da República o inc. VII, atribuindo à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, donde se inclui a execução fiscal regida pela Lei 6.830/80.
A ausência de quitação da multa administrativa imposta pelos órgãos de fiscalização do trabalho acarreta a inscrição do devedor na Dívida Ativa da Fazenda Pública, sendo que, nos termos do art. 3º da referida lei, a Dívida Ativa regularmente inscrita goza de certeza e liquidez.
Neste contexto, o Termo de Inscrição em Dívida Ativa, que é um título de executivo extrajudicial, autoriza a propositura da execução direta.
O presente artigo pretende analisar a controvérsia existente quanto aos efeitos da adesão do executado ao parcelamento das multas administrativas decorrentes da infração à legislação trabalhista na execução fiscal, já que se admitia que o parcelamento constituiria em novação da dívida e redundaria na extinção da execução fiscal.
Em que pese este entendimento, verifica-se que a jurisprudência evoluiu no sentido de que o parcelamento administrativo do débito tributário implica a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e, por conseguinte, da execução fiscal ajuizada para sua cobrança, sendo indevida a extinção do feito quando em curso o prazo do parcelamento acordado pelas partes.
Consideramos que essa nova interpretação, em matéria que envolve a nova competência da Justiça do Trabalho (EC n. 45, de dezembro de 2004), é mais consentânea com a busca da efetividade dos direitos fundamentais da pessoa humana.
2. DA AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO
Segundo José Cairo Júnior:
Usando um conceito clássico e simples, mas muito criticado pela doutrina, por contrariar o princípio da unidade da jurisdição, pode-se dizer que a competência é a medida da jurisdição.
Para o exercício da função jurisdicional, com maior eficiência, segurança e rapidez, é necessário que se efetive uma divisão de atribuições, observando diversos critérios e traçando limitações para cada órgão jurisdicional. Esse processo de divisão e de limitação recebe a denominação de competência jurisdicional..[1]
Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que modificou a estrutura do Poder Judiciário, a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada, no sentido de abranger não só os litígios derivados da relação de emprego, mas todos aqueles derivados da relação de trabalho, sem necessidade de autorização expressa da lei.
Constata-se que passou a ser também atribuição da Justiça Laboral, solucionar litígios decorrentes da aplicação de penalidades pelo descumprimento da legislação trabalhista, aqueles derivados do exercício de greve, dentre outros.
Essa é a atual redação do art. 114 da Constituição Federal de 1988. Veja-se:
Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização do trabalho.
Assim, a nova competência da Justiça do Trabalho abrangeria também ações sobre cobrança judicial da dívida ativa, bem como o conjunto de atos praticados pelos Órgãos da Administração Pública do Trabalho, posição essa mais compatível com o papel institucional da Justiça do Trabalho e sua vocação na consolidação da cidadania.
Desta forma, não só cabe à Justiça do Trabalho as ações envolvendo a cobrança judicial das multas administrativas, como também a competência para examinar o conjunto de atos praticados pela Administração Pública do Trabalho.
Destacam-se os seguintes esclarecimentos trazidos por Renato Saraiva:
Uma outra inovação trazida pela EC 45 repousa no art. 114, VII, da Carta Maior, atribuindo competência material à Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, cuja competência anterior era da Justiça Federal.
Com efeito, a competência em destaque refere-se a qualquer ação, seja a lide intentada pelo empregador objetivando invalidar sanção administrativa imposta pelas Delegacias Regionais do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (autos de infração), como também as execuções dos títulos extrajudiciais oriundos dos autos de infração lavrados pelos auditores fiscais do trabalho, proposta pela Fazenda Pública Federal em face do infrator.
A atinente competência, como já visto, também abrange mandado de segurança impetrado em face de ato de autoridade administrativa do Ministério do Trabalho, de competência originária das Varas do Trabalho. [2]
3. A IMPOSIÇÃO DE MULTA ADMINISTRATIVA COMO FORMA DE PROTEÇÃO DO TRABALHO
De acordo com Alexandre de Moraes:
Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático de Direito, pelo art. 1º, inc. IV, da Constituição Federal.[3]
Os direitos sociais previstos constitucionalmente são normas de ordem pública. Apresentam como características serem imperativas e invioláveis pela vontade das partes componentes da relação trabalhista.
Essas regras cogentes constituem o alicerce do contrato de trabalho e formam uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. A estes, não é possível violar ou desrespeitar respectivas normas, já que constituem um núcleo de proteção legal ao trabalhador.
Pode-se dizer que a introdução dos direitos sociais nas Constituições é resultado da crescente intervenção do Estado nas relações jurídicas entre capital e trabalho.
Neste sentido, o Estado deixa de ser mero espectador dos conflitos sociais e passa a ingerir, atuar, interferir nas relações trabalhistas, reconhecendo a existência de desigualdade entre os contratantes, ou seja, entre empregador e empregado.
Segundo Carolina Tupinambá:
No Brasil, o Direito do Trabalho surge efetivamente no início da Era Vargas, governo intervencionista e populista.
As primeiras leis do trabalho surgiram no Brasil na década de 20, mas não eram respeitadas pelo empresariado. Não existia fiscalização estatal e o controle político e econômico era exercido pelos grandes proprietários rurais.
O pensamento escravista ainda era forte e colaborava com o desrespeito à legislação trabalhista. Além disso, a fragmentação do território brasileiro dificultava o surgimento das associações de trabalhadores e de movimentos classistas.
Assim, as leis trabalhistas surgem não como um produto das lutas classistas e, sim, pela ação do Estado. É o chamado “movimento descendente” que minimizou o sentimento revolucionário do povo.
Os sindicatos atrelaram-se ao Estado. Os líderes sindicais passaram a trabalhar para o governo Vargas e não para seus operários.
Nesse cenário político, foi desenhada estrutura estatal de “proteção ao trabalhador”, com benfeitorias concedidas pelo pai Getúlio a seus filhos operários. Antes de 1930, a legislação trabalhista era ineficaz. Só então é que as leis de trabalho passaram ao plano constitucional e assim, transformaram-se em normas de ordem pública inafastáveis quando da celebração dos contratos trabalhistas.
Com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Vargas editou diversos atos normativos que deveriam ser observados, obrigatoriamente, na celebração dos contratos de emprego. A inobservância dessas normas cogentes tornava o contrato nulo de pleno direito. Cabia ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio fiscalizar as relações entre empregadores e empregados bem como aplicar as devidas sanções.[4]
Constata-se que é fundamental a atuação do Estado em velar pelo cumprimento das normas de proteção ao trabalhador.
Neste contexto, a inspeção do trabalho tem grande importância para a efetividade do direito do trabalho, já que sem a inspeção do trabalho as normas de proteção não apresentariam coatividade.
É possível concluir que a legislação do trabalho, sem inspeção, é mais um exercício de ética que uma disciplina obrigatória.
Segundo NELSON MANRICH
A primeira lei sobre inspeção do trabalho é de 1833 – Althorp Act - quando na Inglaterra foram nomeados quatro inspetores com poderes para verificar o cumprimento das normas de proteção então vigentes, podendo ingressar nas indústrias e impor sanções aos infratores.
A partir daí, a instituição foi paulatinamente implantada na Europa ocidental, à medida que os países abandonaram a política liberal de não intervenção do Estado nas relações trabalhistas. Tal missão, antes confiada a particulares, passou a ser desempenhada por funcionários públicos, dotados de poderes especiais, com atribuições de prevenção e repressão para o fim de tornar efetivo o cumprimento das normas do trabalhador. [5]
Pode-se afirmar que mediante a criação de mecanismos institucionais e do poder de polícia, a inspeção do trabalho tem por meta a proteção da sociedade, tendo em vista que as condições e relações de trabalho são de interesse geral.
Outrossim, tem-se que a inspeção do trabalho é parte da Administração Pública do Trabalho.
A Administração do Trabalho é uma instituição criada pelo Estado pela qual a sociedade expressa sua vontade de submeter o trabalho humano, livre e produtivo, subordinado ou autônomo, a regras que resultam do consenso da sociedade e não do arbítrio de alguns.
As normas trabalhistas detêm caráter cogente e é indiscutível o interesse público na concretização e valorização do trabalho.
A presente assertiva encontra respaldo no texto constitucional de 1988, porquanto o legislador constituinte estabelecera o trabalho humano como um dos fundamentos da República, artigo 1º, inciso IV. Também o artigo 170 da Constituição prevê que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho.
Nesses dois momentos, divide o trabalho espaço com a livre iniciativa, cuja finalidade é estabelecer a harmonia entre esses institutos, a fim de proporcionar uma existência digna ao homem, em observância aos ditames da justiça social.
Essa ideia é defendida por José Afonso da Silva ao afirmar que
Não é fácil estremar, com nitidez, os direitos sociais dos direitos econômicos. Basta ver que alguns colocam os direitos dos trabalhadores entre os direitos econômicos , e não há nisso motivo de censura, porque, em verdade, o trabalho é um componente das relações de produção e, nesse sentido, tem dimensão econômica indiscutível. A Constituição tomou partido a esse propósito, ao incluir o direito dos trabalhadores como espécie dos direitos sociais, e o trabalho como primado básico da ordem social (arts. 7º e 193).[6]
Por ser o trabalho, entendido de forma ampla, a base e o alicerce do sistema econômico, especial proteção lhe é dispensada no ordenamento jurídico, para garantir a valorização do trabalho humano e a busca do pleno emprego.
O já citado José Afonso da Silva também entende que os direitos sociais são direitos fundamentais.
Confira-se:
Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.” [grifos no original][7]
Visando dar efetividade ao comando constitucional, o artigo 628 da Consolidação das Leis do Trabalho estatui a hipótese de lavratura de auto de infração quando da violação de preceito legal, com as ressaltas feitas aos artigos 627 e 627-A, cuja finalidade é orientar e prevenir o empregador no que diz respeito ao cumprimento das leis trabalhistas.
Oportuna se faz a transcrição dos aludidos artigos.
Art. 627 - A fim de promover a instrução dos responsáveis no cumprimento das leis de proteção do trabalho, a fiscalização deverá observar o critério de dupla visita nos seguintes casos:
a) quando ocorrer promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções ministeriais, sendo que, com relação exclusivamente a esses atos, será feita apenas a instrução dos responsáveis;
b) em se realizando a primeira inspeção dos estabelecimentos ou dos locais de trabalho, recentemente inaugurados ou empreendidos.
Art. 627-A. Poderá ser instaurado procedimento especial para a ação fiscal, objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação mediante Termo de Compromisso, na forma a ser disciplinada no Regulamento da Inspeção do Trabalho.
Art. 628. Salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração.
O intuito contido na fiscalização do cumprimento das leis que protegem o trabalho é não apenas o trabalhador, já que de interesse da sociedade. O seu objetivo não é somente sancionatório. Visa, antes, a efetiva obediência às normas legais que asseguram a concretização e valorização do trabalho, preceito este de cunho constitucional.
Todavia, há situações em que, pela gravidade, se torna indispensável a aplicação de sanções pecuniárias e penais à empresa, conforme artigo 634 da norma celetista. Percebe-se, nestes casos, nítido o caráter repressivo e pedagógico contido na aplicação da multa pelo descumprimento das leis trabalhistas.
Segundo Odete Medauar:
A inspeção do trabalho é dotada de poderes de polícia especial. Não no sentido de garantir a ordem e a segurança, mas para atuar na ordem econômica e social, com vistas ao interesse público, impondo limites aos direitos e liberdades individuais, mediante restrições e imposições, no âmbito da competência própria da Administração Pública do Trabalho.[8]
A fiscalização corresponde a uma atividade estatal destinada a verificar o cumprimento das normas de proteção do trabalhador e submete-se aos ditames da legalidade, entre outros princípios constitucionais que regem o ato administrativo.
Assim, pode-se dizer que cabe à inspeção do trabalho assegurar a aplicação dos dispositivos legais relativos à proteção dos trabalhadores no exercício de suas atividades, incluindo a aplicação de punição, por meio de imposição de multa resultante de auto de infração, cabendo-lhe também a função de orientação.
Uma vez não paga a multa, a mesma deve ser inscrita em dívida ativa da União, a teor dos artigos 641 do diploma celetista e 2º da Lei de Execuções Fiscais.
A cobrança do débito se dá perante a Justiça do Trabalho em razão da ampliação da competência desse ramo do Poder Judiciário promovida pela Emenda Constitucional 45, de 31 de dezembro de 2004, que dera nova redação ao artigo 114 da Constituição.
A partir de então, cabe à Justiça do Trabalho a competência para as execuções fiscais, bem como para processar e julgar as ações em que se discute a validade das penalidades impostas aos empregadores por fiscais da Delegacia Regional do Trabalho.
Destaca-se que conforme preceitua o artigo 642 da Consolidação das Leis Trabalhistas, a cobrança judicial da multa será feita em conformidade com a Lei 6.830/80, aplicável à cobrança da dívida ativa da União. Por força do artigo 585, inciso VI, do Código de Processo Civil, a certidão de dívida ativa da União tem natureza jurídica de título extrajudicial.
4. NATUREZA DA MULTA TRABALHISTA
A multa trabalhista, aplicada pela Inspeção do Trabalho, que é dotada de poderes de polícia especial, tem caráter de sanção administrativa, possuindo, portanto, natureza não tributária. Tem objetivo sancionatório e coercitivo. Visa obrigar os empregadores ao cumprimento das normas protecionistas ao trabalhador, velando pelo cumprimento das normas destinadas à sua proteção.
Conforme Hely Lopes Meireles:
O poder de polícia seria inane e ineficiente se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência à ordem legal da autoridade competente.[9]
De acordo ainda com Celso Antônio Bandeira de Melo:
Infração e sanção administrativa são temas indissoluvelmente ligados. A infração é prevista em uma parte da norma e a sanção em outra parte dela. Assim, o estudo de ambas tem que ser feito conjuntamente, pena de sacrifício da inteligibilidade quando da explicação de uma ou de outra.
Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade no exercício de função administrativa – ainda que não necessariamente aplicada nessa esfera.
Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais. O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção, conforme correto e claríssimo ensinamento, que boamente sufragamos, de Heraldo Garcia Vitta. Com efeito, é disto que resulta o regime jurídico que lhes confere a própria feição, a identidade jurídica que lhes concerne, como acentuaram Régis Fernandes de Oliveira e Daniel Ferreira, enfatizando um critério formal.
Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração. Com efeito, em muitos casos, se não for espontaneamente atendida, será necessário recorrer à via judicial para efetivá-la, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual, se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada.
(...)
Evidentemente, a razão pela qual a lei qualifica certos comportamentos como infrações administrativas, e prevê sanções para que nelas incorra, é a de desestimular a prática daquelas condutas censuradas ou constranger ao cumprimento das obrigatórias. Assim, o objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos, ou para induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda comportamento positivo. Logo, quando uma sanção é prevista e ao depois aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar para a sociedade.
Não se trata, portanto, de causar uma aflição, um “mal”, objetivando castigar o sujeito, levá-lo à expiação pela novicidade de sua conduta. O Direito tem como finalidade unicamente a disciplina da vida social, a conveniente organização dela, para o bom convívio de todos e bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto. Donde, não entram em pauta intentos de “represália”, de castigo, de purgação moral a quem agiu indevidamente. É claro que também não se trata, quando em pauta sanções pecuniárias – caso das multas -, de captar proveitos econômicos para o Poder Público, questão radicalmente estranha à natureza das infrações e, consequentemente, das sanções administrativas.[10]
Segundo Guilherme Guimarães Feliciano:
Quando se cuida de litígios relativos às penalidade sanções impostas pelo Estado-Administração a pessoas físicas ou jurídicas, cuida-se de Direito Administrativo Sancionador.
O Direito Administrativo Sancionador pode ser definido como o sub-ramo do Direito Administrativo que enfoca, regula e estuda o exercício da potesdade sancionatória administrativa pelo Estado-Administração, e bem assim os seus princípios, institutos e procedimentos.[11]
E ainda assevera:
A diferença entre os ilícitos administrativos e os ilícitos penais é de mera intensidade (distinção quantitativa), com reflexos de caráter basicamente funcional ( a polícia administrativa é exercida por meio de atos administrativos dotados de auto-executoriedade, enquanto a repressão penal pressupõe a movimentação da máquina judiciária), percebendo-se a mais vivamente na comparação dos respectivos âmbitos de incidência (O Direito Administrativo sancionador incide prevalentemente sobre bens, direitos e/ ou atividades, enquanto o Direito Penal e o Direito Processual Penal direta e prevalentemente sobre pessoas.)
(...)
Aplica-se ao Direito Administrativo sancionador brasileiro, em matéria laboral, os princípios do contraditório e da ampla defesa, com projeções concretas nos arts. 629, § 3º, e 632 da CLT. Neste último caso, a prerrogativa administrativa de “julgar da necessidade” das provas não é discricionária, mas vinculada e motivada, desafiando a aplicação da teoria dos motivos determinantes.[12]
Ainda de acordo com José dos Santos Carvalho Filho:
Não adiantaria deter o Estado o poder de impor restrições aos indivíduos se não dispusesse dos mecanismos necessários à fiscalização da conduta destes. Assim, o poder de polícia reclama do Poder Público a atuação dos agentes fiscalizadores da conduta dos indivíduos.
A fiscalização apresenta duplo aspecto: um preventivo, através do qual os agentes da Administração procuram impedir um dano social, e um repressivo, que, em face da transgressão da norma de polícia, redunda na aplicação de uma sanção. Neste último caso, é inevitável que a Administração, deparando a conduta ilegal do administrado, imponha-lhe alguma obrigação de fazer ou de não fazer.[13]
Aduz que:
Sanção administrativa é o ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa, suscetível de ser aplicado por órgãos da Administração.
Se a sanção resulta do exercício do poder de policia, qualificar-se-á como sanção de polícia. O primeiro aspecto a ser considerado no tocante às sanções de polícia consiste na necessária observância do princípio da legalidade. Significa dizer que somente a lei pode instituir tais sanções com a indicação das condutas que possam constituir infrações administrativas. Atos administrativos servem apenas como meio de possibilitar a execução da norma legal sancionatória, mas não podem, por si mesmos, dar origem a apenações.[14]
Por fim, pode-se dizer que a multa trabalhista imposta visa a coibir o desrespeito às normas que regulam as relações de trabalho no âmbito privado, numa tentativa de ofertar um mínimo de dignidade e segurança ao trabalhador. Impõe limites aos direitos e liberdades individuais, mediante restrições e imposições com vistas ao interesse público.
5. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE APLICAÇÃO DE MULTA
As multas por infração à legislação do trabalho são aquelas previstas nos diversos artigos da CLT.
A imposição de multa trabalhista é executada pelos Fiscais do Trabalho e submetem-se ao processo administrativo previsto nos arts. 635 a 638 da CLT.
O procedimento administrativo de multa é extremamente simplificado, o que favorece a defesa do autuado e, ao mesmo tempo caracteriza-se pela celeridade. Tem início com a lavratura do auto de infração. Constatada a infração, deverá o agente lavrar o correspondente auto, sob pena de responsabilidade administrativa (art. 628 da CLT.)
Uma vez lavrado o auto de infração, o autuado tem o prazo de 10 dias para recorrer. A defesa poderá ser acolhida ou não.
Cabe aqui destacar que foi declarado inconstitucional pelo STF dispositivo que condiciona o andamento do recurso administrativo contra a imposição de multa trabalhista à prova de depósito do valor total da multa. A Súmula Vinculante nº 21 do STF dispõe que “ é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévio de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.”
Ressalte-se ainda que é deferido ao infrator que não desejar recorrer, efetuar o pagamento em 10 dias com 50 % de desconto.
Acaso a multa não seja paga pelo infrator e tampouco o mesmo oponha recurso, o correspondente processo administrativo será encaminhado à Procuradoria da Fazenda Nacional para a cobrança executiva, nos termos do art. 642 da CLT.
De qualquer forma, culminando o procedimento administrativo com a inscrição da multa na dívida ativa com o ajuizamento, pela Procuradoria da Fazenda Nacional, de ação de execução, terá o empregador/executado direito à defesa por meio de embargos do executado, nos termos do art. 38 da Lei 6.830/80.
6. DO PARCELAMENTO DA MULTA TRABALHISTA DURANTE A EXECUÇÃO FISCAL
No âmbito da Justiça do Trabalho, tem sido recorrente o entendimento segundo o qual o parcelamento de débitos perante a Fazenda Nacional consiste em novação e que portanto, enseja a extinção da respectiva execução fiscal.
Referido entendimento acaba por desprestigiar a própria natureza da multa trabalhista, reduzindo a sua coercitividade e favorecendo o agente infrator, que se vê livre para dilapidar o seu patrimônio.
O crédito consubstanciado na multa por infração à Consolidação das Leis do Trabalho, conquanto não detenha natureza tributária, tem natureza pública, pois a multa imposta visa a coibir o desrespeito às normas que regulam as relações de trabalho no âmbito privado, numa tentativa de ofertar um mínimo de dignidade e segurança ao trabalhador.
Outrossim, caso houvesse a necessidade de ajuizamento de nova ação para cobrança do mesmo crédito, haveria a necessidade de repetição de atos processuais já praticados anteriormente, o que ofende aos princípios da razoabilidade, eficiência e economia processuais.
Em que pese o entendimento supracitado, verifica-se que a jurisprudência tem evoluído no sentido de que o parcelamento administrativo do débito tributário implica a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e, por conseguinte, da execução fiscal ajuizada para sua cobrança, sendo indevida a extinção do feito quando em curso o prazo do parcelamento acordado pelas partes. Entendemos que esta posição reflete o melhor direito.
O parcelamento é instituto jurídico, regulado por lei específica, por meio do qual o devedor, reconhecendo a existência do crédito, se compromete a aceitar as condições e formalidades previstas na lei, para usufruir de seus benefícios, pagando o seu débito por meio de parcelas com prazo de vencimento estabelecido anteriormente.
Para Ricardo Alexandre:
(...) é necessário relembrar que o parcelamento consiste numa medida de política fiscal com a qual o Estado procura recuperar créditos e criar condições práticas para que os contribuintes que se colocaram numa situação de inadimplência tenham a possibilidade de voltar para a regularidade, usufruindo dos benefícios daí recorrentes. [15]
Segundo Eduardo Sabbag:
O parcelamento é procedimento suspensivo do crédito, caracterizado pelo comportamento comissivo do contribuinte, que se predispõe a carrear recursos para o Fisco, mas não de uma vez, o que conduz tão somente à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e não à sua extinção. Extinção seria se “pagamento” o fosse. [16]
É preciso destacar que o parcelamento da dívida perante a Fazenda Nacional não constitui novação da dívida, seja pela ausência de enquadramento no art. 360 do Código Civil, seja em razão da ausência de menção expressa, quando da concessão do parcelamento, no sentido de novar, e ainda, pela impossibilidade de se transacionar o crédito público.
O parcelamento concedido pela Administração, diferentemente da novação, tem como base lei que o autoriza. Desta forma, não repercute sobre os elementos essenciais da obrigação, consistindo apenas numa dilatação do prazo de pagamento da dívida vencida. Constata-se que enquanto no Direito Privado impera a vontade e autonomia das partes, no Direito Público o agente público somente pode agir nos limites do comando da lei.
Esta é a conclusão a que se chega conforme exegese dos arts. 792 do Código de Processo Civil e, 151, IV do Código Tributário Nacional.
De outro modo, mesmo que não se entenda pela aplicação de referidos dispositivos na hipótese de débito não tributário, como é o caso das multas trabalhistas, deve-se aplicar por analogia o § 1º do art. 889-A da CLT, que dispõe que no caso de parcelamento deve a execução ficar suspensa até a quitação de todas as prestações.
Por sua vez, a lei nº 10.522, de 2002, que disciplina o parcelamento ordinário e é utilizada como parâmetro para outros parcelamentos no âmbito da Fazenda Nacional, traz expressamente, em seu art. 14-B, determinação quanto ao prosseguimento da execução no caso de rescisão do parcelamento.
Art. 14-B. Implicará imediata rescisão do parcelamento e remessa do débito para inscrição em Dívida Ativa da União ou prosseguimento da execução, conforme o caso, a falta de pagamento: (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).
Desta maneira, referido dispositivo é claro ao prever o prosseguimento da execução em caso de inadimplemento do parcelamento, não havendo que se falar em novação, mas em mera suspensão da exigibilidade do crédito, nos termos do art. 151, IV do CTN.
Assim, no momento em que o devedor é excluído do parcelamento em virtude de inadimplemento, volta-se à situação anterior, cessando a aludida suspensão e restabelecendo-se o débito pelo seu saldo remanescente.
É elucidativa a ementa do acórdão abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO. CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA DE -NOVAÇÃO-. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para melhor análise da arguição de violação aos arts. 151, VI, do CTN c/c 114, VII, da CF. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. 1) EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO. NÃO INCIDÊNCIA DAS RESTRIÇÕES PREVISTAS NA SÚMULA 266/TST E NO ART. 896, § 2º, DA CLT, QUANTO AO RECURSO DE REVISTA. Em se tratando de execução fiscal de dívida ativa regulada pela Lei 6.830/80 (nova competência da Justiça do Trabalho: art. 114, VII, CF, desde EC 45/2004), a análise do recurso de revista não está adstrita aos limites impostos pelo art. 896, § 2º, da CLT, e pela Súmula 266/TST, em face da necessária cognição mais ampla constitucionalmente franqueada ao jurisdicionado apenado, a par da necessidade institucional da uniformização da interpretação legal e constitucional na República e Federação. 2) EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO. CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA DE -NOVAÇÃO-. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. Revendo interpretação anteriormente assentada, firma-se o entendimento de que o parcelamento administrativo do débito tributário implica a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e, por conseguinte, da execução fiscal ajuizada para sua cobrança, sendo indevida a extinção do feito quando em curso o prazo do parcelamento acordado pelas partes (CTN, arts. 140 e 151, VI, c/c 792, caput, do CPC). É que o parcelamento não se confunde com a novação. Esta implica substituição da relação jurídica, com mudança do devedor, do credor ou do objeto da prestação. Aquele, ao revés, mantém a relação jurídica e repercute apenas nas condições de pagamento. O parcelamento não está arrolado entre as causas de extinção do crédito tributário (CTN, art. 156). Tal interpretação, após intenso debate, prevaleceu no âmbito do STJ - órgão do Poder Judiciário que detinha a competência para uniformizar a interpretação dessa matéria anteriormente à promulgação da EC n. 45/04. Essa nova interpretação, em matéria que envolve a nova competência da Justiça do Trabalho (EC n. 45, de dezembro de 2004), é mais consentânea com a busca da efetividade dos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente os de natureza social (trabalhistas e previdenciários), objeto da atuação administrativa do Estado relativamente à fiscalização trabalhista e previdenciária e atividade congênere. Isso significa dizer que a adesão a programa de parcelamento não enseja a extinção da execução fiscal por novação, mas apenas a sua suspensão, até que o parcelamento seja quitado (CPC, art. 794, I). Recurso de revista conhecido e provido.
( RR-AIRR - 114300-58.2008.5.03.0010 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 17/10/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: 19/10/2012)
Desta forma, pode-se concluir que o entendimento segundo o qual o parcelamento de crédito decorrente de multa trabalhista apenas suspende a execução fiscal possibilita maior efetividade dos direitos fundamentais, já que a extinção da execução em razão da existência de parcelamento do crédito, dá margem para que o devedor ardiloso esvazie o seu patrimônio sem liquidar o parcelamento, levando à perda de coatividade da multa aplicada e dos efeitos desejados, quais sejam, o de intimidar eventuais infratores e desestimular a prática de condutas censuradas e constranger ao cumprimento das obrigatórias.
7. RECENTES PRECEDENTES DO TST NO SENTIDO DA INOCORRÊNCIA DE NOVAÇÃO NO CASO DE PARCELAMENTO DE DÉBITO.
Até pouco tempo poderia dizer-se que o entendimento do TST era pacífico no sentido da ocorrência de novação quando da adesão de parcelamento perante a Fazenda Nacional. Verifica-se, contudo, a ocorrência de mudança em referido entendimento, conforme demonstram os julgados abaixo:
RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO FISCAL DA DÍVIDA ATIVA. PARCELAMENTO ESPECIAL. LEI Nº 10.684/03. SUSPENSÃO, E NÃO EXTINÇÃO, DA EXECUÇÃO. 1. O Tribunal Regional do Trabalho concluiu que o parcelamento do débito fiscal, com base na Lei nº 10.684/03, configura novação, nos termos do art. 360, I, do Código Civil, dando lugar à nova obrigação e, por isso, manteve a sentença que extinguiu a execução fiscal da dívida ativa. 2. Todavia, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional competente para julgamento dessa matéria em data anterior ao advento da EC nº 45/04, no sentido de que a adesão a programa de parcelamento não enseja a extinção da execução fiscal por cancelamento ou novação, mas apenas a suspensão do feito, até que o débito seja quitado. 3. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido, violando a literalidade dos arts. 114, VII, da Constituição Federal/88 e 151, VI, do Código Tributário Nacional. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 20540-50.2006.5.03.0002 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 02/03/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: 18/03/2011).
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO DE DÉBITO FISCAL. NOVAÇÃO. Agravo de instrumento a que se dá provimento, em face da potencial ofensa ao art. 151, VI, do Código Tributário Nacional. II - RECURSO DE REVISTA. PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO DE DÉBITO FISCAL. NOVAÇÃO. O parcelamento do crédito tributário implica em suspensão da sua exigibilidade, devendo ser retomada a execução nos autos originários em caso de descumprimento da obrigação. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 160800-07.2009.5.03.0057 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 24/08/2011, 3ª Turma, Data de Publicação: 02/09/2011)
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PARCELAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. Demonstrada possível violação do art. art. 8.º da Lei 11.941/2009, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II - RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PARCELAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. Cinge-se a controvérsia em analisar os efeitos na execução fiscal da adesão da reclamada ao parcelamento das multas administrativas decorrentes da infração à legislação trabalhista. Nos termos do art. 151, VI, do Código Tributário Nacional, o parcelamento da dívida fiscal acarreta a suspensão da exigibilidade do crédito tributário até que o débito seja quitado. O descumprimento da obrigação autoriza o prosseguimento da execução na Justiça do Trabalho. Diante dessas premissas, conclui-se que o parcelamento da dívida com o Governo Federal enseja a simples dilatação do prazo de vencimento da dívida, uma vez que existe a possibilidade de prosseguir com a execução no caso de descumprimento da obrigação. Precedentes desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido. ( RR - 113800-95.2008.5.03.0105 , Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 17/10/2012, 7ª Turma, Data de Publicação: 19/10/2012)
RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ELETRÔNICO - EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO DE DÉBITO. INEXISTÊNCIA DE NOVAÇÃO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. Esta Corte tem firmado entendimento no sentido de que, nos termos do art. 151, VI, do CTN, o parcelamento da dívida implica suspensão da exigibilidade do crédito tributário até que o débito seja quitado, e não sua novação. Recurso de Revista conhecido e provido. ( RR - 1207-31.2011.5.03.0037 , Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 17/10/2012, 8ª Turma, Data de Publicação: 19/10/2012)
EXECUÇÃO. MULTA ADMINISTRATIVA. PARCELAMENTO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL NA ESFERA TRABALHISTA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE NOVAÇÃO DA DÍVIDA. Conforme entendimento sedimentado no âmbito desta Corte, em se tratando de execução fiscal, fundada em título extrajudicial, o recurso de revista será analisado à luz do artigo 896, alíneas -a- e -c-, da CLT, sem a restrição imposta por seu § 2º e pela Súmula nº 266 do TST, ante o caráter cognitivo da ação. Além disso, a jurisprudência desta Corte vem se firmando no entendimento de que o parcelamento do débito, feito pela empresa, no órgão competente arrecadador, não se constitui em novação da obrigação, tampouco em transação, mas sim em causa de suspensão da exigibilidade do crédito, nos termos do artigo 151, inciso VI, do CTN, o que acarreta a mera suspensão do processo de execução fiscal, até a quitação do parcelamento. Recurso de revista conhecido e provido. ( RR - 100900-04.2006.5.03.0153 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 09/10/2012, 2ª Turma, Data de Publicação: 19/10/2012)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO FISCAL. ADESÃO DO EXECUTADO AO REFIS (PARCELAMENTO ESPECIAL INSTITUÍDO PELA LEI Nº 11.941/09). NÃO EXTINÇÃO DO FEITO. Agravo de instrumento a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, uma vez que foi demonstrada possível violação do artigo 151, VI do Código Tributário Nacional c/c 114 VII da Constituição Federal. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO FISCAL. ADESÃO DO EXECUTADO AO REFIS (PARCELAMENTO ESPECIAL INSTITUÍDO PELA LEI Nº 11.941/09). NÃO EXTINÇÃO DO FEITO. O parcelamento administrativo do débito tributário implica a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e, por conseguinte, da execução fiscal ajuizada para sua cobrança, sendo indevida a extinção do feito quando em curso o prazo do parcelamento acordado pelas partes (CTN, arts. 140 e 151, VI, c/c 792, caput, do CPC). É que o parcelamento não se confunde com a novação. Esta implica substituição da relação jurídica, com mudança do devedor, do credor ou do objeto da prestação. Aquele, ao contrário, mantém a relação jurídica e repercute apenas nas condições de pagamento. O parcelamento não está arrolado entre as causas de extinção do crédito tributário (CTN, art. 156). Dessa forma, a adesão a programa de parcelamento não enseja a extinção da execução fiscal por novação, mas apenas a sua suspensão, até que o parcelamento seja quitado (CPC, art. 794, I). Precedentes de todas as Turmas desta Corte. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. ( RR - 38300-30.2008.5.03.0038 , Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 19/09/2012, 7ª Turma, Data de Publicação: 28/09/2012)
RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INOCORRÊNCIA DE NOVAÇÃO. SUSPENSÃO DO EXECUTIVO FISCAL. O parcelamento de débito fiscal tem por efeito a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (artigo 151, VI, do CTN) e, por consequência, a suspensão da execução fiscal em curso. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. ( RR - 109400-43.2006.5.03.0029 , Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 03/10/2012, 1ª Turma, Data de Publicação: 11/10/2012)
8. CONCLUSÃO
O crédito consubstanciado na multa por infração à Consolidação das Leis do Trabalho, conquanto não detenha natureza tributária, tem natureza pública, pois a multa imposta visa a coibir o desrespeito às normas que regulam as relações de trabalho no âmbito privado, numa tentativa de ofertar um mínimo de dignidade e segurança ao trabalhador.
As multas trabalhistas aplicadas pela inspeção do trabalho tem caráter de coatividade, já que visam proporcionar o cumprimento da legislação protecionista.
Embora tenha sido recorrente o entendimento segundo o qual o parcelamento de débitos decorrentes de multa trabalhista perante a Fazenda Nacional consista em novação no âmbito da Justiça do Trabalho e que portanto, enseja a extinção da respectiva execução fiscal, tal entendimento não reflete o melhor direito.
O parcelamento não se confunde com a novação, já que esta implica constituição de uma obrigação nova em substituição a outra que fica extinta, enquanto aquele pressupõe a manutenção da obrigação, com alteração apenas nas condições de pagamento.
Para que a novação fique configurada no mundo jurídico é necessário consentimento expresso do agente e emissão de vontade neste sentido (ânimo de novar). Tais requisitos não estão presentes quando se trata de crédito público, tendo em vista que a vontade do agente público deve estar totalmente vinculada à lei e não há lei autorizadora neste sentido.
O parcelamento concedido pela Administração, diferentemente da novação, tem como base lei que o autoriza. De outro modo, não repercute sobre os elementos essenciais da obrigação, consistindo apenas numa dilatação do prazo de pagamento da dívida vencida. É instituto jurídico, regulado por lei específica, por meio do qual o devedor, reconhecendo a existência do crédito, se compromete a aceitar as condições e formalidades previstas na lei, para usufruir de seus benefícios, pagando o seu débito por meio de parcelas com prazo de vencimento estabelecido anteriormente.
O entendimento segundo o qual o parcelamento de crédito decorrente de multa trabalhista apenas suspende a execução fiscal possibilita maior efetividade dos direitos fundamentais, já que a extinção da execução em razão da existência de parcelamento do crédito, dá margem para que o devedor ardiloso esvazie o seu patrimônio sem liquidar o parcelamento, levando à perda de coatividade da multa aplicada e dos efeitos desejados, quais sejam, o de intimidar eventuais infratores e desestimular a prática de condutas censuradas e constranger ao cumprimento das obrigatórias.
Revendo interpretação anteriormente assentada, firma-se o entendimento de que o parcelamento administrativo do débito tributário implica a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e, por conseguinte, da execução fiscal ajuizada para sua cobrança, sendo indevida a extinção do feito quando em curso o prazo do parcelamento acordado pelas partes (CTN, arts. 140 e 151, VI, c/c 792, caput, do CPC). É que o parcelamento não se confunde com a novação. Esta implica substituição da relação jurídica, com mudança do devedor, do credor ou do objeto da prestação. Aquele, ao revés, mantém a relação jurídica e repercute apenas nas condições de pagamento. O parcelamento não está arrolado entre as causas de extinção do crédito tributário (CTN, art. 156). Tal interpretação, após intenso debate, prevaleceu no âmbito do STJ - órgão do Poder Judiciário que detinha a competência para uniformizar a interpretação dessa matéria anteriormente à promulgação da EC n. 45/04.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3.ed. rev.,ampl. e atual. São Paulo: Método, 2011.
CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito Processual do Trabalho. 3.ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed. rev.,amp.,atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo:Malheiros, 2008.
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a Competência da Justiça do Trabalho para causas de Direito Administrativo Sancionador. Revista Direito do Trabalho. Ano 31, n. 120, outubro-dezembro de 2005.
MANNRICH, Nelson. Natureza, limites e finalidade da inspeção do trabalho. A Justiça do Trabalho e as ações relativas às penalidades administrativas .Revista Direito do Trabalho. Ano 32, n. 121, janeiro-março de 2006. Revista dos Tribunais.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8.ed. São Paulo:RT, 2004.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34 ed. São Paulo:Malheiros, 2008.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
SARAIVA, Renato. Processo do Trabalho. 5.ed. São Paulo: Método, 2009.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed. rev.,amp.,atul. São Paulo:Malheiros, 2008.
TUPINAMBÁ, Carolina. A Fazenda Pública e o Processo do Trabalho. 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
[1] CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito Processual do Trabalho. 3.ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 125.
[2] SARAIVA, Renato. Processo do Trabalho. 5.ed. São Paulo: Método, 2009. p. 40.
[3] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 177.
[4] TUPINAMBÁ, Carolina. A Fazenda Pública e o Processo do Trabalho. 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.p. 78 e 79.
[5] MANNRICH, Nelson. Natureza, limites e finalidade da inspeção do trabalho. A Justiça do Trabalho e as ações relativas às penalidades administrativas .Revista Direito do Trabalho. Ano 32, n. 121, janeiro-março de 2006. Revista dos Tribunais. p. 210.
[6] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed. rev.,amp.,atul. São Paulo:Malheiros, 2008, p. 286.
[7] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed. rev.,amp.,atul. São Paulo:Malheiros, 2008, p. 286.
[8] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8.ed. São Paulo:RT, 2004, p. 394.
[9] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34 ed. São Paulo:Malheiros, 2008. p. 142.
[10] DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo:Malheiros, 2008, p.835.
[11] FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a Competência da Justiça do Trabalho para causas de Direito Administrativo Sancionador. Revista Direito do Trabalho. Ano 31, n. 120, outubro-dezembro de 2005. p. 69.
[12] FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a Competência da Justiça do Trabalho para causas de Direito Administrativo Sancionador. Revista Direito do Trabalho. Ano 31, n. 120, outubro-dezembro de 2005. p. 83.
[13] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed. rev.,amp.,atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 72.
[14] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed. rev.,amp.,atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 77.
[15] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3.ed. rev.,ampl. e atual. São Paulo: Método, 2009. p. 420.
[16] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 854.
Procuradora da Fazenda Nacional. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG. Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera. Pós-graduada em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVARES, Andréa Vasconcelos Bragato. Implicações do parcelamento de multa por infração à legislação trabalhista na execução fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2013, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37262/implicacoes-do-parcelamento-de-multa-por-infracao-a-legislacao-trabalhista-na-execucao-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.