RESUMO: Pretende o presente estudo pontuar a importância de um processo célere como direito fundamental de cada cidadão, analisando a problemática da efetivação do direito à razoável duração do processo – artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004 -, buscando demonstrar a viabilidade teórica e prática da utilização de alguns “remédios constitucionais” para tal intento. Nesse sentido, destaca a importância da utilização do mandado de segurança, no âmbito processual civil, e, sobretudo, do habeas corpus, no campo do direito processual penal, como instrumentos aptos a conferir concretude ao sobredito direito fundamental, indicando exemplos defendidos pela doutrina e de fato ocorridos na jurisprudência.
PALAVRAS-CHAVES: Razoável duração do processo – direito fundamental - efetividade – mandado de segurança – habeas corpus – doutrina – jurisprudência.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Direito fundamental à razoável duração do processo; 2.1 Perspectiva contemporânea de processo judicial; 2.2 A máxima eficácia dos direitos fundamentais; 2.3 A convivência da segurança jurídica com a celeridade processual; 3. A EC 45/2004 e a consagração como direito fundamental; 3.1 Importância e conseqüências advindas do ‘status’ de direito/garantia fundamental; 3.2 Os ditos “remédios” constitucionais e o combate à ineficiência do Poder Público; 3.3 O mandado de segurança e o habeas corpus como instrumentos para garantia da razoável duração do processo; 3.3.1 Mandado de Segurança; 3.3.2 Habeas Corpus; 4. O direito fundamental à celeridade processual e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; 5. Considerações finais; Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A demora na entrega da prestação jurisdicional sempre foi uma grande queixa da sociedade para com o Poder Judiciário. Não mais se contenta o cidadão com uma decisão justa sob o ponto de vista técnico-jurídico. Mais que isso, espera que a prestação jurisdicional seja entregue em tempo útil.
Tal descontentamento não é privilégio desta geração, nem muito menos somente dos brasileiros.
Trata-se, na verdade, de um problema que assola há muito tempo diversos países mundo afora, sendo certo que em várias ocasiões pontuou-se, no cenário internacional, a existência do problema e elaboram-se normas jurídicas para seu combate. De acordo com Samuel Miranda Arruda (2006, p. 29), o antigo direito anglo-saxão já previa o reconhecimento do direito ao speedy trial. Destaca o autor que:
“a primeira evidência do reconhecimento ao speedy Trial na Inglaterra dá-se em 1166 no Assize of Clarendon. Em que pese a primazia cronológica, é importante centrarmos esta sucinta análise histórica nos dispositivos da Magna Carta e do Habeas Corpus Act. Isto se justifica seja pelo relevo que suas normas assumiram, seja pela forma mais detalhada como o direito foi regulado nos dois documentos.”
Refere ainda o ilustre professor (ARRUDA, 2006, p. 37), que o constitucionalismo norte-americano, herdeiro do sistema inglês da common law, além de manter a tradição recebida, evoluiu e conferiu ainda maior abrangência à preocupação com a celeridade processual, estendendo a proteção não apenas aos processos de habeas corpus (como originalmente concebido no Habeas Corpus Act), mas a todo e qualquer procedimento criminal ou civil. Nesse sentido, importantes foram as declarações da Virgínia (a qual ampliou para todo procedimento criminal) e de Delaware e de Maryland (que estendeu a garantia também em procedimentos civis).
A República Federativa do Brasil já está compromissada há algum tempo, expressamente, com o direito à razoável duração do processo (parte integrante da cláusula do “devido processo legal”), por força de sua adesão e ratificação ao Pacto de San José da Costa Rica - Convenção Americana de Direitos Humanos[1], o qual assim dispõe em seu artigo 8, I:
“Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”
(destacou-se)
Identificando este anseio social, o legislador pátrio vem buscando incorporar ao ordenamento jurídico normas e regras que possam colaborar com a celeridade processual. Tal atitude serve também como incentivo e diretriz para que o Estado-Juiz cumpra seu mister de forma efetiva. Exemplo disso é o artigo 125 do Código de Processo Civil, que já em sua redação original previa ser dever do juiz velar pela rápida solução do litígio (inciso II).
Com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, abriu-se o caminho para novas reflexões sobre a razoável duração do processo, com fundamento no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988. Em que pese a crítica à (des)necessidade da inclusão expressa da celeridade processual como direito fundamental, tendo em vista a incorporação anterior do Pacto de San José da Costa Rica ao ordenamento jurídico pátrio, fato é que após a aprovação da EC 45/2004, notou-se que já houve uma mudança de postura frente ao problema da morosidade, tendo sido elaboradas diversas novas normas processuais, como a alteração do modo de cumprimento de sentença, a possibilidade de utilização de processos eletrônicos, o novo regramento para interposição e admissão de recursos, o julgamento de ações repetitivas, et coetera.
As reformas no texto constitucional e na legislação processual representam grande avanço rumo à tão almejada rápida prestação jurisdicional. Contudo, não basta que o sistema jurídico preveja maneiras para resolução da questão. Necessário se faz que os atores processuais utilizem-se de medidas que possam concretizar a celeridade processual.
Aspecto interessante a ser analisado é a constatação de que, em tendo sido alçada a razoável duração do processo à condição de direito fundamental (artigo 5º, inciso LXXVIII, CF/88), abriu-se, ainda com mais vigor e propriedade, a possibilidade de o cidadão buscar sua efetividade mediante a utilização de medidas jurídicas previstas na própria Constituição da República.
Diante de tal contexto, torna-se necessário o estudo de instrumentos jurídicos aptos a concretizar o direito fundamental à razoável duração do processo. Para tanto, analisar-se-á no presente estudo a utilização do mandado de segurança e do habeas corpus como valiosos mecanismos para conferir efetividade ao direito fundamental ora sob análise.
2. DIREITO FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
Conforme SARLET (2008, página 33), doutrina e direito positivo controvertem-se a respeito da conceituação e terminologia dos chamados “direitos fundamentais”. No meio acadêmico, não é raro ouvir-se dizer em “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, et coetera.
A própria Constituição Federal utiliza diversos termos para fazer referência aos direitos fundamentais (SARLET, 2008, página 34), como se vê, por exemplo, no artigo 4º, inciso II (direitos humanos), no caput do artigo 5º (direitos e garantias fundamentais), no artigo 60, §4º (direitos e garantias individuais) .
É difícil falar-se em consenso sobre o assunto. Porém, os termos mais aceitos e utilizados são “Direitos Humanos” e “Direitos Fundamentais”, havendo uma sutil distinção entre eles.
Em resumo, direitos humanos são aqueles que estão previstos em documentos de direito internacional que conferem ao ser humano, enquanto tal, as garantias mais básicas e importantes, como a vida, a saúde, o bem-estar, dentre outras. Já os direitos fundamentais tratariam dos mesmos assuntos, contudo são aqueles já incorporados ao direito constitucional positivo de um dado Estado.
Nesse sentido, a lição de Ingo Wolfgang Sarlet (2008, página 35):
“Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)”.
O direito à razoável duração do processo é hoje, sem dúvida, um verdadeiro direito fundamental, segundo o entendimento doutrinário acima exposto, eis que a EC 45/2004 inseriu-o no rol de direitos fundamentais expressos previstos nos incisos do artigo 5º da CF/88 (inciso LXXVIII).
Contudo, mesmo antes da promulgação de tal emenda constitucional, era plenamente possível a interpretação que conferisse à razoável duração do processo a condição de direito fundamental.
Isto porque, no direito constitucional positivo brasileiro, os direitos fundamentais possuem conceito materialmente aberto, pois o rol previsto no artigo 5º da Carta Magna não é taxativo, como se percebe da leitura de seu parágrafo segundo, in verbis:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Pode-se dizer com tranqüilidade que, implicitamente, a razoável duração do processo já era direito fundamental antes mesmo da EC 45/2004. A uma, porque é decorrência do princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV, da CF/88. A duas, pelo fato de que a República Federativa do Brasil já havia se comprometido no plano internacional com tal direito, ao aderir e ratificar o Pacto de San José da Costa Rica - Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 8, I).
Diante de tais circunstâncias, pertinente é o questionamento sobre a (des)necessidade de inclusão expressa da razoável duração do processo como direito fundamental no rol do artigo 5º da texto constitucional brasileiro.
Alguns poderiam até considerá-la inútil ou mesmo demagógica, no sentido de apenas ser mais um caso de “letra morta” dentro da “Constituição-Cidadã”. Contudo, outro olhar pode ser lançado sobre o fato. A alteração promovida pela EC 45/2004, além de espancar qualquer dúvida acerca da fundamentalidade do direito à celeridade processual, tem como característica mais importante o nítido cunho político da medida.
É como se o Poder Constituinte Reformador quisesse chamar a atenção de toda a sociedade, e, sobretudo, dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) para o problema. Se a análise partir desta perspectiva, parece que a medida alcançou seu objetivo. Comprovadamente, após o advento da EC 45/2004, multiplicaram-se os textos legislativos que pretendem conferir agilidade aos processos judiciais. Até mesmo o Poder Judiciário passou a impor a si mesmo “metas”, coisa antes inimaginável.
O direito fundamental à razoável duração do processo é uma realidade constitucional que precisa continuar a florescer cada vez mais. Não se pode pensar em verdadeira cidadania sem prestação jurisdicional efetiva, em tempo útil.
2.1 Perspectiva Contemporânea de Processo Judicial
O direito processual tem sua base no direito constitucional, o qual lhe ministra as principais e mais importantes proposições, ditando os fundamentos essenciais, em especial quanto ao direito de ação e de defesa, bem como em relação ao exercício da jurisdição. Os princípios constitucionais processuais dão sustentação, distinguem e revelam os sistemas processuais. Por trás de qualquer norma processual, há um comando constitucional.
Atualmente, não mais se admite o apego exagerado ao formalismo, decorrente do superado raciocínio segundo o qual todas as normas jurídicas constavam dos códigos de cada “espécie de direito”, como se isso fosse possível. O Direito é um só e deve ser interpretado de forma sistemática e complementar, tendo sempre como “filtro” a Constituição Federal (SCHIER, 1990, p. 160).
Na visão contemporânea de processo, os preceitos constitucionais e os princípios que informam o processo possuem extrema interligação, tanto é que muitos princípios são identificados como próprios nos dois ramos do direito.
As recentes reformas do Código de Processo Civil e do Código do Processo Penal foram efetivadas como decorrência da Emenda Constitucional n. 45/2004 que, por sua vez, deu origem ao inciso LXXVIII, do artigo 5.º da Constituição Federal de 1988, consagrando a razoável duração do processo como direito fundamental.
O direito material é atingido por inteiro com os novos institutos processuais, devendo o direito processual ser repensado, indagado, analisado, para que seja possível uma interpretação e aplicação constitucionalmente válida e que sirva de verdadeiro instrumento para o alcance do “bem da vida” do titular do direito material respectivo.
O desejo dos operadores e destinatários do direito contemporâneo é que o processo seja útil e racional, haja vista que o jurisdicionado pretende dele se utilizar para a resolução de um determinado caso concreto.
Como já mencionado, o direito a um processo com duração razoável é consequência direta do devido processo legal, que já estava expressamente previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, e trata-se de norma de aplicação imediata, por força do que dispõe o artigo 5º, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal de 1988.
Assim, deve o Poder Público atuar de modo que permita atingir seus objetivos, visando tanto à celeridade como a minimização de custos, sem perder de vista a qualidade das decisões judiciais e da condução do processo, permitindo que as partes exerçam a ampla defesa de seus direitos.
A melhoria na qualidade de vida de um povo depende de um processo com prazos designados para seu término e rápido em seus procedimentos, sempre inspirado na razoabilidade.
2.2 A Máxima Eficácia dos Direitos Fundamentais
Os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata, a teor do que dispõe o §1º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, in verbis: § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Por esta razão, incabível qualquer discussão acerca da natureza quanto à aplicabilidade das normas constitucionais que tratam de direitos fundamentais. Como ensina MORAES (2006, p. 07-09), as normas constitucionais podem ter eficácia plena, contida ou limitada (conforme tradicional classificação de José Afonso da Silva); absoluta, plena, relativa restringível e relativa complementável (critério utilizado por Maria Helena Diniz); ou ainda serem consideradas meras normas programáticas (entendidas por Jorge Miranda como aquelas que “explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; tem como destinatário primacial – embora não único – o legislador”).
Se o legislador constituinte inseriu um dado direito como fundamental no texto constitucional, tem ele aplicabilidade imediata, ou seja, possui eficácia plena, não podendo ser sequer admitida a alusão de que tais normas seriam apenas “programáticas”. Este raciocínio é muito utilizado quando se quer obstar a efetividade de um direito consagrado pela ordem constitucional positiva. Analisando sob este prisma, pode-se dizer que andou bem o legislador constituinte ao incluir expressamente o direito à razoável duração do processo como direito fundamental, pois evitou qualquer discussão a respeito de sua aplicabilidade.
Contudo, a Carta Magna brasileira elencou diversos direitos como sendo fundamentais. Diante de tamanha diversidade, surgem problemas para o interprete que necessariamente, em algum momento de sua vida profissional/acadêmica, verá diante de si dois direitos igualmente fundamentais em confronto.
É em tal contexto que surge o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.
O princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais exige que o intérprete sempre tente fazer com que o direito fundamental atinja plena realização (SARLET, 2008, página 286). Ao realizar essa tarefa de concretização, busca-se que nenhum outro direito fundamental seja afetado de forma substancialmente negativa. Conseguir maximizar a efetividade de um dado direito fundamental sem prejudicar a situação jurídica de outras pessoas seria a situação considerada perfeita (MARMELSTEIN, 2007).
É possível encontrar na doutrina (MARINONI, 2004 - Jus Navigandi, ano 8, n. 378) uma perspectiva processual para a aplicação do sobredito princípio como instrumento inspirador para a atuação do Estado-Juiz:
“(...) não é suficiente pensar que, diante de duas interpretações possíveis da regra processual, o juiz deve preferir aquela que não seja contrária à Constituição. É que, diante de certa regra processual, podem existir duas interpretações que sejam razoáveis na perspectiva constitucional. Nesse caso, o juiz tem o dever de preferir a interpretação que garanta à máxima efetividade à tutela jurisdicional, considerando sempre o objeto que deve ser tutelado (a tutela do direito material) e a realidade social.”
A expressão “razoável” duração do processo indica, obviamente, a incidência do princípio da razoabilidade/proporcionalidade (o qual não será aqui aprofundado por ser já de conhecimento notório na comunidade jurídica, bem como por não ser objeto do presente artigo).
Contudo, para que não se permitam indevidas ampliações subjetivas na apreciação do que seria razoável duração do processo, mostra-se como valioso instrumento interpretativo a utilização do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, que permitirá a coexistência do direito fundamental buscado junto ao Poder Judiciário (por exemplo: garantia de não ser preso antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória – presunção de inocência) com o direito fundamental destinado a este mesmo Poder (celeridade processual em tempo razoável).
Ou seja, a máxima eficácia dos direitos fundamentais permite que se exija do Estado-Juiz uma atuação que confira a maior efetividade possível de um dado direito fundamental sem aniquilar totalmente a existência de outro fundamental direito, embora tenha de ser, em certa medida, sacrificado.
2.3 A Convivência da Segurança Jurídica com a Celeridade Processual
A segurança jurídica e a celeridade do processo são aspectos muito importantes e devem coexistir pacificamente. Ou seja, a rápida entrega da prestação jurisdicional deve assegurar a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal como um todo.
O devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e a razoável duração do processo possuem envergadura constitucional, tendo sido positivados no artigo 5º da CF/88, como se vê abaixo:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
(...)
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
(destacou-se)
Diante disso, não se pode pensar na celeridade a qualquer custo. Não se pode permitir que se “corra” com o processo desrespeitando-se os direitos das partes ao devido processo legal, ao exercício do contraditório e da ampla defesa.
A tarefa de produzir o ideal equilíbrio entre segurança jurídica e celeridadde processual será possivelmente a mais árdua para os três poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário).
O Estado, através de seus três poderes, deve fornecer meios que garantam segurança e celeridade às partes em cada processo. O Executivo deve investir financeiramente no Poder Judiciário, especialmente em sua modernização e informatização. O Poder Legislativo deve continuar produzindo leis que aprimorem a celeridade ao processo, com observância da segurança jurídica. Já o Poder Judiciário deve reinventar-se, evitando burocracias desnecessárias e, sobretudo, aprimorando-se na gestão de suas atividades, tanto jurídicas (atividades-fim) como administrativas (atividades-meio).
3. A EC 45/2004 E A CONSAGRAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
O direito à razoável duração do processo encontra suas raízes, assim como todo “direito”, na dignidade da pessoa humana.
A República Federativa do Brasil estabeleceu como seu fundamento a dignidade da pessoa humana, como se vê da leitura do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
Dada esta envergadura constitucional, a qual a eleva à condição de fundamento, pode-se dizer que a dignidade da pessoa humana é um “princípio dos princípios”. É a própria inspiração para todo o ordenamento jurídico pátrio e para o direito constitucional, influenciando sobremaneira no entendimento do significado e alcance dos direitos fundamentais.
O professor Luis Roberto Barroso (2002 - Jus Navigandi, ano 6, n. 59) traz o seguinte conceito:
“Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõem o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há, ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos.”
Como bem ressaltado acima, o acesso à justiça é indispensável para a concretização de todos os outros direitos que compõem o mínimo existencial de cada ser humano. Por isso, o acesso à justiça também compõe o mínimo existencial.
A EC 45/2004 incluiu o inciso LXXVIII no artigo 5º da CF/88, estabelecendo como direito fundamental de todos “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A partir de então, tornou-se ainda mais evidente a garantia destinada ao cidadão e o dever imposto ao Estado.
Como direito fundamental que é, a razoável duração do processo é inspirada e dirigida pelo princípio da dignidade da pessoa humana, sendo certo que a dilação indevida do tempo de duração do processo importa em afronta e violação a um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III, CF/88).
Não há como se conceber distribuição de justiça se esta não for entregue em tempo razoável.
3.1 Importância e conseqüências advindas do ‘status’ de direito/garantia fundamental
Sem ter a pretensão de esgotar toda a importância e conseqüências decorrentes da elevação da razoável duração do processo à estatura de direito fundamental, pode-se pontuar como de grande relevância o fato de que a EC 45/2005 teve nítido caráter político, no sentido de sinalizar para o Estado e para toda a sociedade a necessidade urgente de tratar com mais seriedade o problema da morosidade processual.
As conseqüências foram muitas. Sob uma visão pragmática, notou-se uma série de atitudes dos poderes públicos na busca de melhorar a agilidade na tramitação processual. Alguns exemplos disso, após a EC 45/2004: (i) o processo eletrônico começou a tornar-se realidade em alguns tipos de procedimentos judiciais, (ii) o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) passou a exigir metas do Poder Judiciário, e (iii) várias micro-reformas foram realizadas no Código de Processo Civil e uma grande reforma na fase de instrução do Código de Processo Penal.
Do ponto de vista teórico, a condição de direito fundamental da razoável duração do processo também traz várias conseqüências. Apenas para citar algumas: (i) não está mais sujeita à reforma constitucional posterior, visto que passa a ser cláusula pétrea (art. 60, §4º, inciso IV, CF/88), (ii) passa a dotar-se de aplicabilidade imediata, nos termos do §1º do artigo 5º da CF/88, e (iii) possibilidade de ser defendida/concretizada através da utilização dos “remédios constitucionais”.
Enfim, a lista de importâncias e conseqüências é certamente extensa e aberta ao olhar que se lance sobre o tema.
3.2 Os ditos “remédios” constitucionais e o combate à ineficiência do Poder Público
A mera existência de direitos fundamentais de titularidade dos cidadãos brasileiros não é suficiente para que tais direitos realmente possam ser exercidos. A possibilidade de exigir o respeito às garantias individuais e coletivas é que lhes conferem efetividade.
Neste contexto surgem os chamados “remédios constitucionais” (também denominados como “garantias constitucionais”), que nada mais são do que os instrumentos jurídicos existentes na própria constituição para defesa de direitos nela previstos. São também direitos constitucionais, contudo de ordem instrumental (processual). Ou seja, são ferramentas processuais que permitem o ingresso em Juízo para exigência dos direitos previstos no texto constitucional.
No ordenamento jurídico brasileiro, destacam-se os seguintes remédios constitucionais (LENZA, 2007, páginas 749 e seguintes): habeas corpus (art. 5º, LXVIII), mandado de segurança (art. 5º, LXIX), mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), mandado de injunção (art. 5º, LXXI), habeas data (art. 5º, LXXII) e ação popular (art. 5º, LXXIII).
A ineficiência do Estado, infelizmente, é uma realidade triste encarada diariamente pelo povo brasileiro.
Para mudar este quadro, várias frentes podem ser utilizadas, como pressões junto ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo. Contudo, tais medidas quase sempre não surtem efeito ou, quando atendidas, são demasiadamente tardias.
Considerando estas peculiaridades, percebe-se que um dos meios mais céleres e úteis para o combate à ineficiência do poder público é o manejo dos remédios constitucionais, os quais possuem ritos céleres e previsão de concessão de medidas liminares, delineados pelo próprio texto constitucional.
3.3 O mandado de segurança e o habeas corpus como instrumentos para garantia da razoável duração do processo
Dentre os remédios constitucionais existentes, considerando-se o objeto do presente estudo, pode-se dizer que o habeas corpus e o mandado de segurança constituem-se em mecanismos extremamente eficazes para concretização do direito à razoável duração do processo.
Na esfera civil, a utilização do mandado de segurança pode se revelar muito útil para a efetividade da celeridade processual, especialmente quando se estiver diante de demora injustificada na tramitação e decisão de um dado processo. Já no âmbito penal, a utilização do habeas corpus é plenamente viável e já obteve diversos êxitos. Vários são os exemplos na jurisprudência, os quais serão oportunamente destacados.
3.3.1 Mandado de Segurança
A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso LXIX, dispõe sobre o mandado de segurança, aduzindo que este é concedido para proteção de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Trata-se de uma ação constitucional de natureza civil, criada no Brasil (inspirada na “Teoria Brasileira do Habeas Corpus”), tendo sido constitucionalizada pela primeira vez em 1934 (LENZA, 2007, página 755).
No que se refere à concretização do direito fundamental à razoável duração do processo, a utilização do mandado de segurança pode ser plenamente efetivada, como por exemplo, no caso de omissão irrazoável tanto na tramitação quanto na própria prolação da decisão/sentença em um processo (judicial ou administrativo).
Primeiramente, a utilização do mandado de segurança contra ato omissivo é assunto pacificado na doutrina e jurisprudência, pelo que não merece maiores comentários.
Um exemplo no âmbito administrativo é o caso em que prefeito municipal não aprecia pedido de alvará de funcionamento, impedindo que a empresa comece seu funcionamento. Do mesmo modo, quando segurado da Previdência Social não obtém resposta sobre seu pedido de benefício previdenciário ou assistencial no prazo previsto na legislação e regulamentos previdenciários. Em ambos os casos, possível será a impetração do mandado de segurança pleiteando ordem para o fim de que seja proferida a decisão administrativa, em prazo razoável, a ser cuidadosamente fixado pelo Poder Judiciário.
Também no âmbito judicial, valiosa é a utilização do mandado de segurança contra omissão indevida. Imagine-se o caso em que determinado magistrado ou desembargador permaneça com os autos conclusos para decisão por mais de um ano sem proferi-la. Em casos tais, é perfeitamente possível a impetração de mandado de segurança para que a decisão seja prolatada em prazo razoável, fixado pelo órgão judicial competente para conhecimento da ação mandamental.
O mandado de segurança contra omissões do Poder Executivo é algo há muito tempo utilizado no meio jurídico. A título de exemplo, cita-se o Agravo de Instrumento em Mandado de Segurança número 2008.04.00.039705-1, o qual tramitou perante o E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em que se reconheceu o direito líquido e certo do impetrante em obter a decisão administrativa (no caso, indeferimento de benefício assistencial), haja vista o excesso de prazo para decisão pela Autarquia Previdenciária (o pedido administrativo foi protocolado em outubro/2007 e até 03/09/2008 ainda não havia sido proferida decisão).
Já a impetração do writ contra omissões do Poder Judiciário não é algo muito comum, sendo, inclusive, muito difícil acharem-se precedentes jurisprudenciais a respeito.
Uma possível explicação para a tímida utilização do mandado de segurança contra omissão judicial se consubstancia em uma constatação pragmática, veja-se. O impetrante é também parte na ação judicial de origem (a qual está, v.g., conclusa para sentença há dois anos). Caso seja concedida a segurança (determinando-se a prolação da decisão), há um sério risco de que o magistrado sinta-se ofendido ou incomodado e, até mesmo de forma inconsciente, decida de modo desfavorável ao impetrante.
Contudo, tal receio não deve desestimular as partes em buscar a concretização do direito fundamental à celeridade processual. Isto porque, se houver dúvida fundada sobre a conduta do magistrado, poderá ser oposta exceção de suspeição de parcialidade do magistrado.
De qualquer modo, é plenamente viável a utilização do mandado de segurança contra omissão desarrazoada do Poder Judiciário em entregar a prestação jurisdicional. No campo doutrinário, há quem partilhe deste entendimento (GAJARDONI, 2006, página 158):
“Na dimensão subjetiva, é certo afirmar que a garantia da tutela jurisdicional tempestiva concede a todo e qualquer jurisdicionado o direito de ver seu processo se desenvolver em tempo razoável, assegurados ainda os meios necessários para que tal desiderato seja alcançado. Além de medidas correicionais contra os violadores da garantia (artigo 198 do CPC), já tive oportunidade de sustentar o cabimento de mandado de segurança contra a letárgica omissão institucional, sem prejuízo, por óbvio, de eventual reparação a ser obtida contra o Estado pelo mau funcionamento de seu sistema judicial.”
Portanto, em casos de omissão do Poder Público, revela-se extremamente eficaz a utilização do mandado de segurança como instrumento concretizador do direito fundamental à razoável duração do processo.
3.3.2 Habeas Corpus
O artigo 5º, inciso LXVIII, da Carta Política alberga no sistema jurídico constitucional brasileiro o remédio constitucional denominado habeas corpus, cujo objetivo é a proteção à liberdade de locomoção. Assim dispõe o texto constitucional: LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
A expressão liberdade de locomoção deve ser compreendida como estar o cidadão livre para ir, vir e permanecer, tanto em face do Poder Público como também diante de particulares (MENDES, 2009, páginas 566/567).
Sob o enfoque da proteção e concretização do direito fundamental à razoável duração do processo, a utilidade do habeas corpus é inquestionável.
De fato, muito tempo antes da promulgação da EC 45/2004, já se utilizavam os operadores do direito deste remédio constitucional para combater o excesso de prazo de prisões processuais penais. As súmulas 21, 52 e 64 do STJ[2] já tratavam do assunto e buscavam meios para melhor se constatar a existência ou não de violação à liberdade de locomoção pelo excesso de prazo da instrução do processo penal.
Após a EC 45/2004, com a introdução da razoável duração do processo como direito fundamental, houve ainda maior número de impetrações de habeas corpus, agora não mais alegando descumprimento de supostos prazos máximos previstos em lei (CPP), o que dirigia a discussão de forma preponderante ao STJ, que tem a atribuição constitucional de uniformização de interpretação da legislação federal (art. 105, III, da CF/88), mas sim sob o enfoque de desrespeito a um direito fundamental, o que levou, ainda mais, a discussão para o âmbito do STF, guardião da Constituição Federal de 1988.
Em linhas gerais, entende a Suprema Corte que a violação ao direito fundamental à razoável duração do processo por excesso de prazo ocorre quando imputável exclusivamente ao aparelho judiciário, ou seja, não pode ter ligação com atitudes da própria defesa (interposição de recursos protelatórios, por exemplo).
Sinaliza também a Corte Constitucional brasileira que a razoabilidade se dá de acordo com cada caso concreto. É dizer, se o feito envolve situações muito complexas (muitos fatos, muitos réus, muitas testemunhas a serem ouvidas, et coetera), a verificação de desrespeito à celeridade processual deve se dar neste contexto, e não pela contagem aritmética de prazos processuais previstos no CPP ou outro texto normativo.
Gilmar Ferreira Mendes (2009, página 546) disserta com propriedade sobre o assunto:
“O direito à razoável duração do processo, a despeito de sua complexa implementação, pode ter efeitos imediatos sobre situações individuais, impondo o relaxamento da prisão cautelar que tenha ultrapassado determinado prazo, legitimando a adoção de medidas antecipatórias, ou até o reconhecimento da consolidação de uma dada situação com fundamento na segurança jurídica.
Nesse sentido, são expressivos os precedentes do Supremo Tribunal Federal que concedem habeas corpus em razão do excesso de prazo da prisão cautelar. O Tribunal tem entendido que o excesso de prazo da prisão cautelar, quando não atribuível à defesa, mesmo tratando-se de delito hediondo, afronta princípios constitucionais, especialmente o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88); devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88); presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88); e razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), impondo-se, nesse caso, ao Poder Judiciário, o imediato relaxamento da prisão cautelar do indiciado ou do réu.”
Os parâmetros definidos pelo STF para configuração da violação do sobredito direito fundamental devem ser observados pelas instâncias judiciais ordinárias. Por outro lado, servem como direcionamento para que o cidadão e os operadores do direito possam visualizar quando de fato este direito subjetivo fundamental está sendo violado.
Um cidadão somente pode perder seu direito à liberdade de locomoção quando definitivamente condenado à pena privativa de liberdade prevista em lei. Em casos extremamente excepcionais, pode ser permitida a segregação cautelar (antes condenação definitiva), especialmente para fins de garantir a ordem pública e a aplicação da lei penal.
Contudo, mesmo nos casos em que admitida a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, deve-se respeitar o direito fundamental do indiciado/réu a um processo sem dilações indevidas. Não se pode simplesmente prender alguém e deixá-lo em cárcere por tempo irrazoável. Se a prisão processual é necessária, deve o Estado agir de forma escorreita e proferir a decisão (favorável ou desfavorável) em tempo razoável, sob pena de ter de relaxar a prisão do acusado.
Por estas razões, pode-se afirmar com segurança que o habeas corpus tem se mostrado talvez como o instrumento mais poderoso e eficaz para a concretização do direito fundamental à razoável duração do processo, no âmbito processual penal.
4. O DIREITO FUNDAMENTAL À CELERIDADE PROCESSUAL E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O direito fundamental a um processo sem dilações indevidas, especialmente após a EC 45/2004, vem sendo objeto de manifestações dos tribunais brasileiros.
Como já referido no item 3.3.1 deste estudo, embora defendido pela doutrina, não se vê até agora na jurisprudência a utilização freqüente de mandado de segurança contra omissão desarrazoada do Poder Judiciário no que se refere à celeridade processual.
No que diz respeito ao habeas corpus, diversas são as decisões da jurisprudência reconhecendo a violação do direito fundamental à razoável duração do processo.
Diante disso, sem pretender, obviamente, esgotar as infindáveis possibilidades de entendimentos jurisprudenciais, passa-se a pontuar alguns casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal que, em sede de habeas corpus, configuraram o desrespeito ao direito fundamental a um processo sem dilações indevidas, determinando-se a soltura do recluso.
Mesmo em caso de crime grave em tese, já decidiu a Suprema Corte que persiste o direito subjetivo à razoável duração do processo, o qual foi desrespeitado no caso concreto abaixo tendo em vista a injustificada inércia do Poder Judiciário:
HC n. 93.786-ES. Rel.: Min. Carlos Brito
Habeas corpus. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Instrução criminal inconclusa. Audição das testemunhas da defesa. Carta precatória não-cumprida. Inércia do poder judiciário. Alongamento para o qual não contribuiu a defesa. A gravidade da imputação não obsta o direito subjetivo à razoável duração do processo. – 1. O Supremo Tribunal Federal entende que a aferição de eventual excesso de prazo é de se dar em cada caso concreto, atendo o julgador às peculiaridades do processo em que estiver oficiando. 2. No caso, a prisão preventiva foi decretada há mais de oito anos, sendo que nem sequer foram ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa. Embora a defesa haja insistido na oitiva de testemunhas que residem em comarca diversa do juízo da causa, nada justifica a falta de realização do ato por mais de cinco anos. A evidenciar que a demora na conclusão da instrução criminal não decorre de “manobras protelatórias defensivas”. 3. A gravidade da imputação não é obstáculo ao direito subjetivo à razoável duração do processo (inciso LXXVIII do art. 5º da CF). 4. Ordem concedida.
(Info. nº 532)
Em outro caso interessante e emblemático, o eminente Ministro Celso de Mello expôs com profundidade doutrinária e jurisprudencial o direito fundamental à razoável duração do processo e corrigiu, no caso concreto, posicionamento adotado pelas instâncias ordinárias, que haviam utilizado critérios incompatíveis com a orientação da Suprema Corte, mantendo o réu na prisão em prazo desarrazoado:
HC 95.464-SP. Rel.: Min. Celso de Mello
Habeas corpus. Processo penal. Prisão cautelar. Excesso de prazo. Inadmissibilidade. Ofensa ao postulado constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Transgressão à garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Caráter extraordinário da privação cautelar da liberdade individual. Utilização, pelo magistrado, de critérios incompatíveis com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Situação de injusto constrangimento configurada. Pedido deferido. // O excesso de prazo não pode ser tolerado, impondo-se, ao Poder Judiciário, em obséquio aos princípios consagrados na Constituição da República, o imediato relaxamento da prisão cautelar do indiciado ou do réu. – Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287, RTJ 157/633, RTJ 180/262-264, RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu. – O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. – A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. – O indiciado e o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes. (...)
(Info. nº 538)
Da leitura dos dois casos julgados acima, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal está sensível à nova realidade trazida pela EC 45/2004 ao acrescentar o inciso LXXVIII ao rol do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, tendo firmado posição corajosa e intransigente no que se refere ao respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), do qual decorrem os princípios do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88) e da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito fundamental à razoável duração do processo, incluído expressamente no texto constitucional pela EC 45/2004, possui aplicabilidade imediata e pode e deve ser implementado pelo Estado, no âmbito dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), especialmente pelo Estado-juiz, afinal “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (BARBOSA, 1997).
Independentemente das políticas públicas adotadas, a concretização do direito à celeridade processual pode ser efetivada através da utilização dos chamados remédios constitucionais, dentre os quais se destacam o mandado de segurança, no âmbito civil, e o habeas corpus, no âmbito penal.
O manejo do mandado de segurança contra atos omissivos do Poder Executivo que desrespeitam à razoável duração do processo tem se mostrado frutífero. Os operadores do direito devem despir-se de eventuais pudores quanto à utilização deste remédio constitucional contra omissões do Poder Judiciário e passarem a utilizá-lo. Para esta última situação, muito útil será o estudo da doutrina que defende tal aplicação e dos casos em que o Supremo Tribunal Federal fixou parâmetros para a configuração do desrespeito ao direito fundamental a um processo sem dilações indevidas.
No âmbito processual penal, a utilização do habeas corpus tem se mostrado extremamente eficaz para a concretização do direito fundamental à razoável duração do processo, conforme vasta jurisprudência da Suprema Corte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. Brasília: Editora Brasília Jurídica Ltda, 2006.
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. Fundação Casa Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 1997. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_Oracao_aos_mocos.pdf>. Acesso em: 02 de maio de 2010.
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208>. Acesso em: 10 ago. 2010.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento – Volume 1. 10ª Edição. Salvador/BA: Editora JusPodivm, 2008.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 11ª Edição. São Paulo: Editora Método. 2007.
MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5281. Acesso em: 02 jul. 2010.
MARMELSTEIN, George. Análise econômica dos direitos fundamentais. Fortaleza: 2007. Disponível em http://direitosfundamentais.net/2007/12/14/analise-economica-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 12/08/2010.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª Edição. São Paulo: Atlas. 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora Ltda. 2008.
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional – construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor. 1999.
STF – HC 93.786-ES – Relator Ministro Carlos Brito – Informativo número 532.
STF – HC 95.464-SP – Relator Ministro Celso de Mello – Informativo número 538.
TRF4, REOAC 2009.71.02.000878-4, Turma Suplementar, Relator Eduardo Tonetto Picarelli, D.E. 09/12/2009.
[1] O Decreto 687 de 09 de novembro de 1992 incorporou referido tratado internacional ao ordenamento jurídico brasileiro. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento – Volume 1. 10ª Edição. Salvador/BA: Editora JusPodivm, 2008.
[2] Súmula 21: pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução. Súmula 52: Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo. Súmula 64: Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.
Procurador Federal atuante na cidade de Umuarama - PR. Aluno do curso de Especialização em Direito do Estado da Universidade Estadual de Londrina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Menahem David Dansiger de. O Mandado de Segurança e o Habeas Corpus e a concretização do direito fundamental à razoável duração do processo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37264/o-mandado-de-seguranca-e-o-habeas-corpus-e-a-concretizacao-do-direito-fundamental-a-razoavel-duracao-do-processo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.