Introito:
Por meio do presente ensaio jurídico, buscar-se-á, inicialmente, abordar a evolução e contextualização histórica da Previdência Social no Brasil.
Ato contínuo, pretender-se-á tratar dos traços característicos principais da aposentadoria por idade rural deferida ao segurado obrigatório enquadrado como segurado especial, benefício este inserido no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Por sua vez, ao cabo deste artigo jurídico, analisar-se-á o atual desdobramento da aposentadoria por idade rural, o qual fora oportunizado pela Lei n. 11.718/2008, referente à aposentadoria por idade híbrida, também conhecida como aposentadoria por idade mista.
Contextualização Histórica da Previdência Social no Brasil:
Ab initio, considera-se como marco legislativo inaugural da Previdência Social no Brasil a edição do Decreto Legislativo n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923, popularmente conhecido como Lei Eloy Chaves, o qual instituía caixas de aposentadorias e pensões destinadas aos ferroviários, com o fito de amparar esses trabalhadores contra riscos sociais clássicos, tais como doença, invalidez, idade avançada e morte.
Não é de somenos importância observar que a data da edição do Decreto Legislativo em liça é caracterizada como o dia oficial da Previdência Social no Brasil.
Posteriormente, isto é, a partir de 1930, o até então modelo das caixas de aposentadorias e pensões por empregador (criadas individualmente no âmbito de cada empresa) foi suplantado pelo formato dos institutos de aposentadorias e pensões, os quais se enquadravam como autarquias federais que unificavam em todo o território nacional os trabalhadores de determinada categoria/classe profissional.
Neste desiderato, por meio da edição de novas leis após a década de 30, surgiram vários institutos de aposentadorias e pensões, cada qual com seu próprio regulamento e autogestão financeira e administrativa, dentre os quais, pode-se apontar como os seis principais o IAPM (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos), o IAPB (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários), IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários), IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários), IPASE (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Servidores dos Estados) e o IAPETC (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas).
Doravante, outro marco importante na história da Previdência Social no cenário brasileiro ocorrera no ano de 1960 com a edição da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), por meio da Lei n. 3.807, a qual unificou a legislação dos institutos de aposentadorias e pensões e, por conseguinte, uniformizou a proteção previdenciária dos trabalhadores de categorias/classes diversas. Todavia, sem extinguir os vários institutos de aposentadorias e pensões existentes, visto que isto apenas seu deu no ano de 1966, com a edição do Decreto-Lei n. 72, oportunidade na qual houve a unificação de quase todos os institutos em uma única autarquia Federal, qual seja, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
É válido ressaltar que três anos antes, isto é, em 1963, com a edição da Lei n. 4.214, conhecida como o Estatuto do Trabalhador Rural, foi criado o FUNRURAL (Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural), um sistema de proteção assistencial aos trabalhadores da zona rural.
Na sequência, já no ano de 1971, foi instituído o PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural), por meio da edição da Lei Complementar n. 11, o qual passou a ser administrado pelo FUNRURAL.
Destarte, percebe-se que o trabalhador rural ostentava um sistema protetivo diferente do trabalhador urbano, basicamente em razão do rol de prestações, valor dos benefícios, administração, condições para a obtenção das prestações e forma de financiamento.
Já em 1976 foi editada a Consolidação das Leis sobre Previdência Social (CLPS), através do Decreto n. 77.077, concentrando cerca de 60 diplomas relativos à Previdência Social.
Logo em seguida, em 1977, foi criado o SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), o qual era formado por um total de sete órgãos, dentre os quais, três autarquias, duas fundações, uma empresa pública e um órgão autônomo, quais sejam, respectivamente, o IAPAS (Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social), o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), LBA (Legião Brasileira de Assistência), FUNABEM (Fundação Nacional de Assistência e Bem Estar do Menor), DATAPREV (Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social) e CEME (Central de Medicamentos).
Entrementes, ressalta-se que o SINPAS tão somente reorganizou administrativamente o sistema, para fins de uma maior e melhor operacionalidade, sem, para tanto, promover alterações nos direitos e nas obrigações de natureza previdenciária.
O SINPAS foi extinto em 1990 e, em consequência, criado o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), por intermédio da Lei n. 8.028, a qual foi regulamentada pelo Decreto n. 99.350, também editado neste mesmo ano de 1990.
Por fim, esclarece-se que o INSS enquadra-se como uma autarquia federal, portanto, pessoa jurídica de direito público da Administração Pública Federal Descentralizada (Indireta), resultante da fusão entre o IAPAS (que geria a arrecadação e fiscalização das contribuições relativas ao sistema previdenciário) e o INPS (que geria os benefícios e serviços previdenciários), atualmente responsável por administrar e gerir o RGPS (Regime Geral de Previdência Social).
Noções Gerais e Características Principais da Aposentadoria por Idade Rural:
O benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) tem sede constitucional nos artigos 194, incisos I e II, e 201, inciso I e § 7º, inciso II, da Constituição Federal de 1988. Já no cenário jurídico da legislação infraconstitucional, seu assento encontra-se nos artigos 39, inciso I, 48, §§ 1o e 2o, e 143 da Lei n. 8.213/1991 (LBPS – Lei de Benefícios da Previdência Social).
Contudo, desde já, faz-se mister esclarecer que a aposentadoria por idade rural, objeto deste artigo, concerne, tão somente, àquela concedida ao segurado obrigatório do RGPS devidamente enquadrado como segurado especial, ou seja, ao segurado definido no artigo 11, inciso VII e § 1o, da Lei n. 8.213/1991.
Destarte, segurado especial é o trabalhador rural compreendido como pequeno produtor rural (na condição de proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou pescador artesanal (aquele que faz da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida) que exerce sua atividade laborativa habitual de forma individual ou em regime de economia familiar.
Regime de economia familiar, neste viés, deve ser compreendido como o exercício da atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Entretanto, chama-se atenção para o fato de que, em consonância com a legislação previdenciária em vigor, o segurado especial não é mais, tão somente, o chefe ou arrimo de família, mas cada um dos integrantes do núcleo familiar, a partir dos 16 anos de idade, razão pela qual o cônjuge ou o companheiro, bem assim o filho maior de dezesseis anos de idade, ou a este equiparado, do pequeno produtor rural e do pescador artesanal que, comprovadamente, trabalhem com o respectivo grupo familiar, são também caracterizados como segurados especiais.
Todavia, observa-se que, para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos, ou os a estes equiparados, deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar.
A Aposentadoria por idade rural, antes de tudo, pelo fato de tratar-se de uma das modalidades de aposentadorias por idade, é um benefício programável, visto que faz cobertura de risco ou contingência social sobre o qual há certa previsibilidade, isto é, uma possibilidade de programação para o seu recebimento.
Outrossim, é um benefício de pagamento mensal e sucessivo, substitutivo da renda mensal do trabalhador, devido àquele que, após ter preenchido a carência, atinge a idade mínima prevista em lei. Dessarte, infere-se que o risco social coberto pela Previdência Social, neste caso, é a idade avançada do trabalhador, urbano ou rural.
Diferentemente da aposentadoria por idade urbana, na qual os requisitos básicos são o implemento de 65 anos de idade, para o homem, e 60 anos de idade, para a mulher, e o preenchimento da carência correspondente a um número mínimo de contribuições mensais recolhidas aos cofres da Previdência Social, conforme previsão do caput do artigo 48 da Lei n. 8.213/1991, para a concessão da aposentadoria por idade rural faz-se necessário, além do implemento de uma idade reduzida em 5 anos para o homem e para a mulher, respectivamente, 60 anos e 55 anos de idade, o preenchimento de uma carência diferenciada, relativa ao exercício de atividade rural, na condição de segurado especial, por um determinado período, consoante preconizam os §§ 1o e 2o do mesmo artigo 48 em comento.
Portanto, vê-se que a aposentadoria por idade urbana tem caráter contributivo, ao passo que a aposentadoria por idade rural, malgrado não se trate de um benefício de natureza assistencial, mas sim previdenciária, ostenta caráter não contributivo.
Ademais, o § 2o do artigo 48 da LBPS ainda explicita que o trabalhador rural em lume deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de modo descontínuo, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, a qual será, invariavelmente, de 180 meses (15 anos) de exercício de atividade rural, para o segurado que se filiou à Previdência Social após o início da vigência da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, ou, variavelmente, conforme a tabela progressiva contida no artigo 142 desta mesma lei, para o segurado que já tenha se filiado anteriormente.
Ressalta-se que, nos termos do que preconiza o inciso I, do artigo 39 da LBPS, o valor da aposentadoria por idade rural concedida ao segurado especial será sempre no valor de um salário mínimo, motivo pelo qual, caso queira obter prestação mensal de valor superior, deverá contribuir facultativamente (na qualidade de segurado facultativo), cumprindo a carência exigida por lei, de forma correspondente ao recolhimento de contribuições previdenciárias, consoante reza o inciso II do artigo 39 em tela.
A título de observações importantes acerca da aposentadoria por idade rural, destaca-se a necessidade da participação ativa dos membros do grupo familiar nas atividades rurais, para fins de enquadramento de cada um deles na condição de segurado especial, bem assim o imóvel rural não pode ser superior a quatro módulos fiscais, o qual deve ser analisado a luz da Instrução Especial do INCRA n. 20, de 28 de maio de 1980, visto que trata-se de medida territorial variável de Município para Município.
É permitido o exercício de atividade remunerada em período de entressafra (agricultor) ou defeso (pescador artesanal) não superior a cento e vinte dias (quatro meses), corrido ou intercalado no ano civil.
O segurado especial não pode possuir, sob pena de sua descaracterização, outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de benefício de pensão por morte, auxílio-reclusão e auxílio-acidente, até o valor de um salário mínimo.
Entrementes, é permitido o exercício concomitante de mandato de vereador, porém apenas do município em que se exerce a atividade rural, como também o exercício de mandato de dirigente de cooperativa rural, desde que composta apenas por segurados especiais, ou de mandato de dirigente de sindicato rural.
Quanto à possibilidade de reconhecimento do exercício de atividade rural pelo menor de idade, percebe-se que, a depender do momento histórico em que se deu o exercício da atividade campesina, a idade pode oscilar entre 12, 14 e 16 anos de idade.
Neste sentido, verifica-se que, a partir dos 12 anos de idade, é possível o reconhecimento da atividade rural apenas entre o ano de 1967 (Constituição Federal de 1967) e o ano de 1988 (Constituição Federal de 1988).
A partir dos 14 anos de idade, no período imediatamente anterior ao ano de 1967 e entre os anos de 1988 e 1998 (Emenda Constitucional n. 20/1998).
Já a partir dos 16 anos de idade, é possível o reconhecimento do exercício do labor rural após o ano de 1998 (Emenda Constitucional n. 20/98), tudo com supedâneo no artigo 30 da Instrução Normativa INSS/PRES n. 45, de 06 de agosto de 2010.
Desdobramento da Aposentadoria por Idade Rural em Aposentadoria por Idade Híbrida (ou Mista):
Com o advento da Lei n. 11.718, de 20 de junho de 2008 (DOU de 23/06/2008), a qual, dentre outras providências, estabeleceu normas transitórias sobre a aposentadoria do trabalhador rural e alterou a Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 (LBPS), foi instituída, no âmbito da legislação previdenciária, a aposentadoria por idade híbrida ou mista, a partir da inclusão dos §§ 3o e 4o no art. 48 da LBPS, dispositivo este que disciplinava, até então, o benefício de aposentadoria por idade urbana (caput) e rural (§§ 1o e 2o).
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.718 - de 20 junho de 2008 – DOU de 23/6/2008)
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718 - de 20 junho de 2008 – DOU de 23/6/2008)
§ 4o Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718 - de 20 junho de 2008 – DOU de 23/6/2008)”
Trata-se de uma modalidade, ou espécie, de aposentadoria por idade rural deferida ao segurado especial, portanto, a princípio, um benefício de caráter não contributivo, mas que, entretanto, permite-se o cômputo, a título de complementação da carência relativa ao exercício de atividade rural, de período contributivo, no qual houve o exercício de atividade urbana sob outras categorias de segurado diversas do segurado especial.
A aposentadoria por idade híbrida traduz-se, deveras, num desdobramento da aposentadoria por idade rural, isto é, seu corolário/consectário, visto que o afã do legislador ordinário, a partir da inclusão dos parágrafos 3o e 4o no art. 48 da Lei n. 8.213/1991, foi flexibilizar/relativizar o microssistema de proteção dos segurados especiais contido na LBPS, razão pela qual a contagem híbrida de carência (não contributiva rural e contributiva urbana) apresenta-se como uma nova faceta do benefício da aposentadoria por idade dirigida, exclusivamente, aos trabalhadores rurais enquadrados como segurado especial, por ocasião do requerimento administrativo ou na oportunidade do implemento do requisito etário.
Neste escopo, pretendeu-se retirar do limbo previdenciário aqueles típicos trabalhadores rurais que, por necessidade de manter a própria subsistência e/ou de sua família, no decorrer do período imediatamente anterior ao requerimento do benefício (carência específica do segurado especial), exerceu atividade laborativa de natureza urbana e, por conseguinte, recolheu contribuições previdenciárias, sob outras qualidades de segurado, por período superior a 120 dias no ano civil, haja vista que, até este limite de tempo, por força do que preconiza o inciso III, do § 9o do artigo 11 da LBPS, não há descaracterização da qualidade de segurado especial.
Com efeito, o art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, ao preceituar a possibilidade de contagem híbrida/mista de tempo de serviço rural, na condição de segurado especial, com tempo de contribuição, sob outras categorias de segurado, para fins de preenchimento da carência, deve ser interpretado, de forma sistemática e teleológica, com os artigos 39, inciso I, 55, § 2º, 143 e o próprio § 2º do art. 48, todos da lei nº 8.213/1991, e, desta feita, deve-se considerar o período de exercício de trabalho rural posterior ao advento da Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991.
Esta permissividade visa corrigir uma injustiça, uma vez que o abandono da atividade rural e a qualificação como trabalhador urbano, em períodos descontínuos, poderia prejudicar o segurado, na medida em que fracionava o cômputo da carência nos dois sistemas distintos, quais sejam, regime contributivo dos trabalhadores urbanos e regime não contributivo dos trabalhadores rurais caracterizados como segurado especial.
Deste modo, a contagem híbrida de carência nos dois regimes não poderia ser aplicada para trabalhadores urbanos que abandonaram, de forma definitiva, o exercício do trabalho no campo, sob pena de se pretender valer do disposto no art. 48, § 3º, da LBPS para criar um tertium genus, ou seja, um modelo de aposentadoria urbana com formato privilegiado de contagem de carência.
Neste desiderato, transcreve-se trecho do Parecer Normativo nº 19/2013/CONJUR – MPS/CGU/AGU, interpretando e consolidando a questão no âmbito das entidades e órgãos tutelados e subordinados ao Ministério da Previdência Social:
“...
31. As normas inseridas pela Lei nº 11.718/08 vieram de algum modo corrigir uma injustiça que era bastante comum, pois vários segurados não implementavam, isoladamente, os requisitos do caput ou dos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei nº 8.213/91, em razão de haverem mesclado suas trajetórias laborais parte no meio urbano, parte no seio rural, não conseguindo aferir a totalidade da carência nem como segurados urbanos nem como rurícolas.
32. Visando a exatamente amparar esses trabalhadores que ficavam à margem da proteção previdenciária, o § 3º permitiu que a carência da aposentadoria por idade fosse computada em parte pelo regime contributivo de carência com recolhimentos mensais do caput do art. 48 e do art. 24 da Lei nº 8.213/91, e em parte pelo regime não necessariamente contributivo com a comprovação do exercício de atividade rural igual ao número de meses de carência do benefício, na sistemática das regras permanentes do § 2º do art. 48 e do art. 39, inciso I, da Lei nº 8.213/91 (segurado especial) e das regras transitórias do art. 143 da Lei nº 8.213/91 e art. 2º e parágrafo único da Lei nº 11.718/08 (empregado rural e contribuinte individual rural que presta serviço a terceiros).
33. Ao benefício assim denominado híbrido não seria aplicável o redutor de idade previsto no § 1º do art. 48 pela ausência de totalização da carência no seio rural na condição de rurícola, como exigido pelo art. 201, § 7º, inciso II, da CF/88. Isso consta do próprio § 3º do dispositivo.
34. Sobre o ponto, devem ser feitas algumas considerações. Como visto, na sistemática da aposentadoria por idade rural "pura" da Lei nº 8.213/91 (art. 48, §§1º e 2º) não é admissível o cômputo de trabalho rural anterior a novembro/1991 para fins de carência. Por igual razão, na hipótese da aposentadoria por idade híbrida o trabalho rural não contributivo anterior a 1991 tampouco poderá ser considerado no cálculo da carência.
35. Com os critérios do art. 48, § 3º, tem-se apenas o estabelecimento de uma nova modalidade de cômputo da carência para a aposentadoria por idade. Assim, inadmissível que, para os fins da aposentadoria por idade híbrida prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, seja considerado como carência o tempo rural anterior a novembro/1991.
36. Com efeito, ainda se faz necessária mais uma consideração a respeito do art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91. O §3º do art. 48 dispõe literalmente que "Os trabalhadores rurais... que não atendam... mas que satisfaçam essa condição", a denotar que o benefício nele previsto tem natureza nitidamente rural, cuidando-se de aposentadoria por idade rural, não sendo possível admitir que abarque os trabalhadores urbanos. Isso porque, como já visto, não se afasta o art. 143 da Lei nº 8213/91.
37. Esta interpretação privilegia a mens legis de inclusão e ampliação da proteção previdenciária, promovida pela Lei nº 11.718/08 e, além disso, é compatível com a sistemática dos benefícios rurais.
38. Nessa linha de raciocínio, tem-se que a aposentadoria por idade híbrida é de titularidade apenas dos segurados rurais, com o único objetivo de não excluir desse universo aqueles que já foram segurados urbanos alguma vez, mas retornaram ao campo.
...”
Neste viés, ressalta-se que a interpretação § 3ª do artigo 48 da LBPS deve ser restritiva, portanto, sem possibilidade de aplicação aos casos de requerimento de aposentadoria por idade urbana, isto é, quando o segurado, por ocasião do requerimento administrativo (ou do implemento do requisito etário), encontrava-se em exercício de atividade urbana.
Desta feita, na pretensão de se obter uma aposentadoria por idade urbana, não se admite, para fins de carência, o somatório de período de atividade rural (não contributivo) ao período de efetivo recolhimento de contribuição previdenciária, com supedâneo no § 2º do artigo 55 da Lei n. 8.213/1991, bem como consoante recente jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU):
“PU (Pedido de Uniformização) 200850510012950 – Sessão de 04/09/2013.
Julgado hoje, pelo rito do artigo 7º RITNU, para definir ‘se o art. 48 §3º da lei 8.213/91 (redação da lei 11.718/08) também se aplica quando o trabalhador urbano pretende aproveitar o tempo de serviço rural anterior para obter aposentadoria urbana.’
Após divergências quanto ao conhecimento, a TNU, por maioria, conheceu do incidente e, por unanimidade, deu provimento ao PU do INSS, nos termos do voto do relator, que afirmou que a inovação trazida à Lei 8.213/91 pela lei 11.718/09 deve ser aplicada apenas ao trabalhador quem completa o requisito etário no campo. Ou seja, não admite interpretação extensiva. Assim, o trabalhador urbano não pode se utilizar de período rural para o preenchimento da carência para a aposentadoria por idade urbana.
Acrescentou ainda que, caso fosse a vontade do legislador beneficiar também o trabalhador urbano, a lei 11718/08 o teria feito de modo expresso, mediante modificação ou revogação do §2º do artigo 55 da LBPS.”
Ademais, verifica-se que foi viabilizado, relativamente à aposentadoria por idade híbrida, que o valor da RMI (Renda Mensal Inicial) seja superior a 1 (um) salário mínimo, em face da forma de cálculo estabelecida pelo § 4ª do artigo 48 da LBPS, haja vista que este dispositivo determina que na média aritmética simples dos salários-de-contribuição seja considerado, além do somatório dos valores equivalentes ao que restou devidamente recolhido a título de contribuição previdenciária, o valor de 1 (um) salário mínimo correspondentemente ao período em que restou comprovado o exercício de atividade rural na condição de segurado especial.
Por fim, observa-se que, em contrapartida à flexibilização da aposentadoria por idade rural, por meio da instituição da aposentadoria por idade híbrida, foi exigido, nesta última modalidade de aposentadoria, o requisito etário equivalente ao previsto para a aposentadoria por idade urbana, qual seja, 65 anos de idade, se homem, e 60 de idade, se mulher, consoante preconiza a parte final do § 3ª do artigo 48 da Lei n. 8.213/1991.
Conclusão:
Ao final deste artigo jurídico, pode-se inferir que a aposentadoria por idade híbrida (ou mista) é uma modalidade/espécie de aposentadoria por idade rural deferida ao segurado especial, portanto, seu mero desdobramento.
Neste sentido, o escopo do legislador foi relativizar a situação pertinente ao atual trabalhador rural, isto é, ao rurícola na ocasião do requerimento administrativo, na qual restava negada a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, tão-somente em face do não preenchimento de toda a carência, não contributiva, relativa à comprovação do exercício de atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, ou seja, na condição de segurado especial, uma vez que, neste período relevante, o rurícola teria exercido atividade urbana e vertido contribuições aos cofres da Previdência Social sob outras categorias de segurado.
Entrementes, ressalta-se que, consoante recente aresto da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) de setembro do corrente ano, o disposto no § 3º do artigo 48 da Lei n. 8.213/1991 não autoriza que, diante de uma postulação de aposentadoria por idade urbana, de natureza contributiva, se compute período rural, não contributivo, para fins de carência, a qual se refere, única e exclusivamente, ao efetivo recolhimento de contribuição previdenciária.
Em contrapartida a esta flexibilização, no que concerne à concessão de aposentadoria por idade híbrida, portanto, no sentido de se somar atividade urbana à atividade rural, a título de complementação desta última, exigiu-se o requisito etário sem o redutor dos cinco anos, isto é, 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, ao passo que também restou possibilitado um cálculo de renda mensal que propicia ao trabalhador rural perceber, a título de RMI (Renda Mensal Inicial), um valor superior a 1 (um) salário mínimo.
Referências Bibliográficas:
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 10ª ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2013.
PEREIRA DE CASTRO, Carlos Alberto; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 14ª ed. Florianópolis: Editora Conceito, 2012.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4ª ed. São Paulo: Editora Leud, 2009.
GONÇALVES, Ionas Deda. Direito Previdenciário. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência Social: Custeio e Benefícios. 2ª ed. São Paulo: Editora LTr, 2008.
Constituição da República Federativa do Brasil: texto promulgado em de 05 de outubro de 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br . Acesso em: 04 nov. 2013.
Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 04 nov. 2013.
Instrução Normativa INSS/PRES n. 45, de 06 de agosto de 2010: Dispõe sobre a administração de informações dos segurados, o reconhecimento, a manutenção e a revisão de direitos dos beneficiários da Previdência Social e disciplina o processo administrativo previdenciário no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. Disponível em: http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/INSS-PRES/2010/45.htm. Acesso em: 04 nov. 2013.
Procurador Federal, ora de 1ª Categoria, cuja data de posse ocorrera em 03/03/2008, Matrícula Siape n. 1611995, Chefe da Seção da Matéria de Benefícios e Chefe-Substituto da Procuradoria Federal Especializada do INSS em Campina Grande/PB (PFE/INSS/CGE) no período entre 08/2012 a 12/2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Carlos Eduardo de Carvalho. Apontamentos delineadores da aposentadoria por idade rural do RGPS e seu desdobramento em aposentadoria por idade híbrida (ou mista) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37298/apontamentos-delineadores-da-aposentadoria-por-idade-rural-do-rgps-e-seu-desdobramento-em-aposentadoria-por-idade-hibrida-ou-mista. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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