RESUMO: A parceria público-privada – PPP, instituída no ordenamento jurídico pela Lei n.º 11.079/04, é uma espécie de contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, que possui duas características marcantes: a flexibilização das regras de licitação e contratação e o estabelecimento de garantias a favor do parceiro particular. Essas características encerram o objetivo da PPP, qual seja, o compartilhamento dos riscos e lucros entre os parceiros público e privado. Retrato disso está na criação do fundo garantidor das PPP, responsável por cobrir o particular no caso de eventual inadimplemento do Poder Público. A PPP pode ser instituída para contratos a partir de 20 milhões de Reais, por um prazo mínimo de 5 e máximo de 35 anos, desde que não sejam exclusivo de obra, mão-de-obra ou fornecimento, admitida, no entanto, a contratação combinada dessas prestações. Em que pese os avanços trazidos pela Lei n.º 11.079, há discussão doutrinária sobre a constitucionalidade de algumas de suas regras, diante da flexibilização de normas de proteção à receita e patrimônio públicos.
1 – Considerações iniciais
Até o ano de 2004, a única forma de concessão de serviços públicos era aquela prevista na Lei n.º 8.987/95, chamada de “Lei Geral de Concessões”. Com quase 10 anos de existência, o regime instituído por essa lei se mostrou desinteressante para a iniciativa privada, comprometendo a concretização das políticas públicas.
Esse quadro exigiu um avanço nas espécies de concessão, razão pela qual foi editada a Lei n.º 11.079/04, que estabeleceu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada – PPP no âmbito da administração pública.
A lei trouxe uma nova espécie de concessão, dotada da característica geral de contrato administrativo, mas com forte carga institucional, pois trata de forma ampla todas as questões correlatas.
Esses e outros aspectos das PPP serão tratados a seguir.
2 – Breves considerações sobre as parcerias público-privadas
A Lei n.º 11.079/04 instituiu a parceria público-privada – PPP com duas características marcantes que, ao mesmo tempo, a identifica e a distingui das demais espécies de concessões: flexibilização das regras de licitação e contratação e estabelecimento de garantias a favor do parceiro particular. Enquanto na concessão comum a Lei n.º 8.987/95 diz que o particular assume os riscos da atividade, na PPP há o compartilhamento dos riscos e lucros.
O conceito da parceria público-privada está previsto no art. 2º da Lei n.º 11.079/04 como “o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.”
O Tribunal de Contas da União – TCU, na condição de órgão fiscalizador das PPPs no âmbito federal, possui em seu site publicações que tratam da matéria e conceitua[1] o instituto como os:
(...) contratos de concessão em que o parceiro privado faz investimentos em infraestrutura para prestação de um serviço, cuja amortização e remuneração é viabilizada pela cobrança de tarifas dos usuários e de subsídio público (PPP patrocinada) ou é integralmente paga pela administração Pública (na modalidade de PPP administrativa).
Os conceitos de concessão patrocinada e concessão administrativa[2] também estão previstos na Lei n.º 11.079/04 (art. 2º, §1º e 2º):
Art. 2o (...)
§ 1o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
§ 2o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.
Um diferencial da PPP é a contraprestação que é recebida pelo concessionário da Administração, especialmente na concessão administrativa. As formas de contraprestação estão previstas no art. 6º da lei:
Art. 6o A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por:
I – ordem bancária;
II – cessão de créditos não tributários;
III – outorga de direitos em face da Administração Pública;
IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais;
V – outros meios admitidos em lei.
Em relação ao limite da contraprestação do Poder Público ao particular, afirma Maffini:
Em relação ao percentual de participação da Administração Pública (aqui “parceiro público”) na contraprestação devida ao concessionário (aqui “parceiro privado”), a Lei 11.079/04 não prevê um limite específico, exigindo-se, todavia, que haja autorização legislativa tão-somente nos casos em que tal participação superar 70% (art. 10, § 3º, da Lei 11.079/2004).
A PPP tem prazo mínimo e máximo delimitado. Conforme o art. 5º da Lei n.º 11.079/04, o prazo mínimo é de 5 anos e o máximo de 35. O valor mínimo do contrato deverá ser de 20 milhões de Reais, cujo objeto não poderá envolver somente a execução de obra, o fornecimento de mão-de-obra ou fornecimento de equipamentos (art. 2º, §4º); admite, entretanto, o envolvimento de mais de uma dessas prestações. Sobre esses aspectos, a publicação do TCU[3]:
O valor mínimo de um contrato de PPP é de R$ 20 milhões. Nesse contrato, o prazo não pode ser inferior a 5 anos, tampouco superior a 35 anos, incluindo eventual prorrogação.
O objeto de uma PPP não pode ser unicamente o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e a instalação de equipamentos ou a execução de obra pública, pois tais atividades não caracterizam prestação de serviços públicos.
No âmbito federal, os principais agentes e instituições envolvidas em uma PPP são a União (Poder Concedente), o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada – CGP (serviços prioritários, procedimentos para celebração dos contratos e autorização para abertura da licitação, aprovação do edital e apreciação dos relatórios de execução dos contratos), a Sociedade de Propósito Específico – SPE (execução dos serviços) e o Fundo Garantidor das Parceiras Público-Privadas – FGP (garantia do pagamento das obrigações contratuais), sendo, esse último, administrado pelo Banco do Brasil.
As normas que regem a licitação das PPPs estão previstas na Lei n.º 11.079/04, aplicando-se subsidiariamente a Lei n.º 8.666/93 e outras correlatas (art. 3º, §1º, da Lei n.º 11.079/04). Nessa linha, a modalidade obrigatória de licitação para as PPPs é a concorrência e deve ser precedida de consulta pública, com ampla publicidade, visando estimular a participação da sociedade (art. 10).
Além disso, a administração pode, discricionariamente, adotar medidas que visem ao aumento da competitividade e à melhoria do resultado dos procedimentos na licitação para contratação de PPPs. Por exemplo, o art. 13 faculta a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento; o art. 12, III, b, admite uma fase de lances verbais, após as propostas escritas; e o art. 12, IV, possibilita que o edital estabeleça o “saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro do prazo fixado no instrumento convocatório”.
Ainda sobre a licitação, o art. 12, inciso II, fixa os mesmos critérios de julgamento da Lei n.º 8.987/95, acrescendo os de “menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública” (alínea a) e “melhor proposta em razão da combinação do critério da alínea a com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital” (alínea b).
Cabe referir a admissão à convenção da arbitragem (art. 11, III) e a referência expressa às diferentes formas de garantia que a Administração pode estipular a favor do parceiro particular (art. 8º), resguardando seu o interesse, dentro da concepção de repartição objetiva dos riscos nas PPPs (art. 4º, VI, e 5º, III):
I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal;
II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;
III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público;
IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;
V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade;
VI – outros mecanismos admitidos em lei.
A garantia de vinculação de receitas, disposta no inciso I, sofre críticas. Para Celso Antônio Bandeira de Mello[4], a garantia seria inconstitucional por afrontar o disposto no art. 167, IV, da Constituição Federal: “receita pública jamais pode ser vinculada a garantia de créditos, sob pena de escandalosa inconstitucionalidade”
Já o fundo garantidor das PPPs, previsto no inciso V e regulado pelos arts. 16 a 21, tem natureza privada e patrimônio próprio. Visa garantir o particular, flexibilizando o contrato e seus riscos, pois cobre as PPPs em caso de inadimplência da Administração. A lei admite que seu patrimônio seja penhorado e alienado para satisfazer as obrigações assumidas pelo Poder Público (art. 18, §7º), porém parte da doutrina considera a previsão inconstitucional, em razão do art. 100 da Constituição Federal[5]:
(...) se os bens da União, autarquias e fundações públicas são públicos e, portanto, impenhoráveis, por força do artigo 100 da Constituição, não perdem essa natureza pelo fato de ficarem vinculados a um Fundo. Se isso fosse possível, estar-se-ia, pela via indireta, alcançando objetivo que a constituinte quis coibir com a regra do referido dispositivo constitucional.
Esses são, portanto, os principais aspectos que identificam as PPPs e que podem ser sintetizados como o ajuste de contrato administrativo de concessão patrocinada (obras e serviços) ou administrativa (serviços em que a Administração é usuária direta ou indireta), cujas principais características são a flexibilização das regras de licitação e contratação e o estabelecimento de garantias a favor do parceiro particular, conforme disciplinado na Lei n.º 11.079/04.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008.
BRASIL. Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 junho de 1993.
BRASIL. Lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 setembro de 1998.
BRASIL. Lei n.º 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 janeiro de 2004.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Portal TCU/Comunidades/Fiscalização de desestatização e regulação/Áreas de atuação/Parceria Público-Privada/Publicações.
Disponível em
http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/regulacao/areas_atuacao/parceria_publico_privada/Publica%C3%A7%C3%B5es/Parceria_P%C3%BAblico_Privada_Pontal_vers%C3%A3o_02.pdf. Acesso em 17/11/2013.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
[1] Disponível no site do TCU no link: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/regulacao/Parceria_P%C3%BAblico_Privada_Pontal_web.pdf
[2] Rafael Maffini entende que o termo “concessão administrativa” é equívoco, “uma vez que todas as concessões de serviço público são administrativas.”
[3] Disponível no site do TCU no link: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/regulacao/Parceria_P%C3%BAblico_Privada_Pontal_web.pdf
[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p.748.
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo, Atlas, 2009, p. 323.
Procurador Federal. Subprocurador-Geral do INSS. Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Público pela UNIDERP. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSEPP, Alexandre Azambuja. Breves considerações sobre as Parcerias Público-Privadas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37306/breves-consideracoes-sobre-as-parcerias-publico-privadas. Acesso em: 23 dez 2024.
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