I. Considerações iniciais
Há exigência legal de comprovação, por parte do pretendente, de regularidade trabalhista para a efetivação da contratação com a Administração Pública. A forma de comprovação está prevista em lei e em regulamentação específica do Tribunal Superior do Trabalho – TST.
A intenção deste artigo é investigar a alteração experimentada pelo regime de contratação pública após o advento da nova sistemática de certificação de que dispõe contratantes e contratados.
II. Aspectos legais da comprovação de regularidade trabalhista.
Cinge-se a controvérsia ao meio legal adequado e suficiente à comprovação de regularidade trabalhista no âmbito das contratações públicas.
A questão foi tratada de forma sistêmica com a edição da Lei n. 12.440/2011, que gerou alterações na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto n. 5.452/43) e na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 8.666/93). Pela pertinência, veja-se o inteiro teor da norma:
“Art. 1o A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte Título VII-A:
TÍTULO VII-A
DA PROVA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS TRABALHISTAS
Art. 642-A. É instituída a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), expedida gratuita e eletronicamente, para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho.
§ 1o O interessado não obterá a certidão quando em seu nome constar:
I – o inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei; ou
II – o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia.
§ 2o Verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da CNDT.
§ 3o A CNDT certificará a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais.
§ 4o O prazo de validade da CNDT é de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de sua emissão.”
Art. 2o O inciso IV do art. 27 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 27.
IV – regularidade fiscal e trabalhista;
” (NR)
Art. 3o O art. 29 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:
V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.” (NR)
Art. 4o Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação”.
Portanto, é indubitável que a partir da vigência da Lei n. 12.440/2011 é dever da Administração Pública exigir de seus contratados a apresentação da comprovação de situação regular perante à Justiça Trabalhista, bem como, e em contrapartida, é direito do particular ter reconhecido seu status de adimplente pelo Poder Judiciário quando comprovado o atendimento dos requisitos legais.
Deste modo, resta perquirir sobre o instrumento legal capaz de certificar a regularidade trabalhista.
O artigo 642-A da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT criou a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas com o objetivo de, na dicção da norma, “comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho”. Logo, este é o meio legal posto à disposição dos jurisdicionados para comprovar a condição de regularidade junto àquela justiça especializada.
Poder-se-ia imaginar uma situação fática muito recorrente em período anterior à alteração normativa, qual seja, determinado contratado do Poder Público disporia de uma certidão emitida por uma vara trabalhista, atestando que em processo judicial específico havia garantido o juízo, e, portanto, estaria em condição de regularidade para todos os efeitos, porquanto atrairia a incidência da previsão constante do parágrafo 2º. do artigo 642 da CLT: “Verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da CNDT”.
Ocorre que, e ainda estamos no campo da hipótese, quando da pesquisa realizada pela entidade ou órgão contratante junto ao TST[1], aquela mesma ação trabalhista geraria uma certidão positiva de débitos trabalhistas. Pergunta-se: deveria o Poder Público contratante aceitar a certidão oriunda da vara especializada de primeiro grau ? Ao não admiti-la estaria afrontando o susomencionado dispositivo legal ?
A resposta é duplamente negativa. O próprio Tribunal Superior do Trabalho, através da Resolução Administrativa n. 1470/2011[2], ao regulamentar a expedição da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, previu expressamente a situação em seus artigos 1º, 4º e 6º:
“Art. 1º É instituído o Banco Nacional de Devedores Trabalhistas - BNDT, composto dos dados necessários à identificação das pessoas naturais e jurídicas, de direito público e privado, inadimplentes perante a Justiça do Trabalho quanto às obrigações:
I — estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado ou em acordos judiciais trabalhistas; ou
II — decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia.
§ 1º É obrigatória a inclusão no BNDT do devedor que, devidamente cientificado, não pagar o débito ou descumprir obrigação de fazer ou não fazer, no prazo previsto em lei.
§ 1º-A Antes de efetivar a ordem de inclusão do devedor no BNDT, em caso de execução por quantia certa, o Juízo da Execução determinará o bloqueio eletrônico de numerário por meio do sistema BACENJUD (art. 655, I, CPC) e também registrará no sistema, quando for o caso, a informação sobre a existência de garantia total da execução.
§ 2º A garantia total da execução por depósito, bloqueio de numerário ou penhora de bens suficientes, devidamente formalizada, ensejará a expedição de Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas, com os mesmos efeitos da CNDT.
§ 3º Não será inscrito no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas o devedor cujo débito é objeto de execução provisória.
§ 4º Uma vez inscrito, o devedor comporá pré-cadastro para a emissão da CNDT e disporá do prazo improrrogável de 30 (trinta) dias para cumprir a obrigação ou regularizar a situação, a fim de evitar a positivação de seus registros junto ao BNDT.
§ 5º Transcorrido o prazo de que trata o parágrafo anterior, a inclusão do devedor inadimplente acarretará, conforme o caso, a emissão de Certidão Positiva ou de Certidão Positiva com efeito de negativa, na forma do art. 6º desta Resolução.
§ 6º A alteração dos dados do devedor no BNDT, no curso do prazo fixado no § 4º, não renova ou modifica o prazo ali previsto.
(...)
Art. 4º A Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT será expedida gratuita e eletronicamente em todo o território nacional, observado o modelo constante do Anexo I, no período de pré-cadastro a que alude o § 4º do artigo 1º, e para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, tendo como base de dados o Banco Nacional de Devedores Trabalhistas.
§ 1º O interessado requererá a CNDT nas páginas eletrônicas do Tribunal Superior do Trabalho (http://www.tst.jus.br), do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (http://www.csjt.jus.br) e dos Tribunais Regionais do Trabalho na internet, as quais manterão, permanentemente, hiperlink de acesso ao sistema de expedição.
§ 2º O sistema de expedição da CNDT também disponibilizará consulta pública dos dados referentes aos devedores inscritos no pré-cadastro do BNDT e ainda não positivados, no prazo a que alude o § 4º do art. 1º, observado o modelo constante do Anexo IV.
(...)
Art. 6º A Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT não será obtida quando, decorrido o prazo de regularização a que se refere o art. 1º, § 4º, constar do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas o número de inscrição no CPF ou no CNPJ da pessoa sobre quem deva versar.
§ 1º Na hipótese prevista no caput, expedir-se-á Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas - CPDT, observado o modelo constante do Anexo II.
§ 2º Suspensa a exigibilidade do débito ou garantida a execução por depósito, bloqueio de numerário ou penhora de bens suficientes, devidamente normalizada, expedir-se-á Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas com os mesmos efeitos da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, observado o modelo constante do Anexo III.”
A interpretação da regulamentação permite inferir que existem 3 (três) modelos de certidões, a saber: (i) a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, quando inexistentes débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, tendo como base de dados o Banco Nacional de Devedores Trabalhistas; (ii) a Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas – CPDT, quando constar do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas o número de inscrição no CNPJ da devedora e (iii) a Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas com efeitos de negativa, quando suspensa a exigibilidade do débito ou garantida a execução por depósito, bloqueio de numerário ou penhora de bens suficientes.
Portanto, seria flagrante a contradição existente entre a certidão emitida pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST, com base no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas – BNDT e a certificação exarada por vara trabalhista. A constatação é baseada no fato inegável de que, acaso algum débito trabalhista oriundo de processo judicial seja garantido, a justiça laboral deveria emitir a certidão prevista no anexo III da mencionada resolução administrativa, qual seja, Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas com efeitos de Negativa.
É por demais evidente o caráter nacional e, consequentemente, uniformizador do novo sistema de certificação instituído pela Lei 12.440/2011 e regulamentado pela Resolução Administrativa n. 1470/2011 do TST. O intuito primordial, dentre outros, é claro, é o de expungir possíveis falhas na identificação dos devedores trabalhistas, já que há número elevado de varas da justiça laboral espalhadas por todo o país, e seguramente essa realidade não emprestava isonomia aos critérios para a emissão das certidões.
Diante de tal realidade – a concentração em banco de dados de caráter nacional das informações relativas a devedores trabalhistas – a normatização do TST prevê, uma vez paga a dívida ou satisfeita a obrigação, a imediata exclusão do devedor do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas - BNDT (art. 3º, parágrafo 4º da Resolução 1470/2011). Além disso, como toda a governabilidade do sistema é afeto aos juízes trabalhistas, a qualquer momento é facultado ao interessado requerer a retificação de eventuais incorreções que lhe possam acarretar prejuízo:
Resolução 1470/2011
At. 2º. A inclusão, a alteração e a exclusão de dados no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas serão sempre precedidas de determinação judicial expressa, preferencialmente por meio eletrônico”.
Ao comentar a modificação legislativa, Lucas Rocha Furtado, em seu Curso de Licitações e Contratos Administrativos[3] pontuou:
“A inovação é pertinente, pois a existência de passivo trabalhista vencido e não adimplido representa razoável indício de que a empresa não será capaz de executar satisfatoriamente o objeto do contrato, risco esse mitigado com a exigência da certidão.
Além disso, a medida favorece a satisfação dos créditos trabalhistas, ao compelir as empresas interessadas em contratar com o Poder Pùblico a quitarem as dívidas que poderão impedir a obtenção do documento.
O TCU entendia que certidões relacionadas [a] débitos salariais ou infrações trabalhistas não poderiam ser exigidas como condição para habilitação, pois não constavam entre os documentos mencionados na Lei no 8666/93, cujo rol é considerado taxativo.
Diante da mudança do parâmetro legal, que passou a prever expressamente a exigência da CNDT, pode-se considerar superado esse entendimento jurisprudencial”.
De fato o prognóstico foi preciso, já que a Corte de Contas, alterando sua jurisprudência, passou a reconhecer a exigência, veja-se:
“Os órgãos e entidades da administração pública estão obrigados a exigir das empresas contratadas, por ocasião de cada ato de pagamento, a apresentação da certidão negativa de débitos trabalhistas, de modo a dar efetivo cumprimento às disposições constantes dos artigos 27, IV, 29, V, e 55, XIII, da Lei nº 8.666/1993, c/c os artigos 1º e 4º da Lei nº 12.440/2011
O Tribunal Superior do Trabalho encaminhou Solicitação no sentido de que o TCU avaliasse a possibilidade de recomendar aos órgãos e entidades da administração direta e indireta da União que passem a fazer constar dos editais de licitação a exigência da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas - CNDT, instituída pela Lei nº 12.440/2011, em vigor desde 4/1/2012. O relator, ao examinar o mérito da matéria, transcreveu os comandos contidos no art. 27, inciso IV, e no art. 29, inciso V, da Lei nº 8.666/1993, que foram alterados pela Lei nº 12.440/2011: "Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: (...). IV - regularidade fiscal e trabalhista; (...) Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em: (...) V - prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa ...". Registrou também a inserção do art. 642-A na CLT, pela Lei nº 12.440/2011, que dispõe sobre o conteúdo material e o procedimento de obtenção da referida CNDT. E que não seria pertinente expedir determinações nem recomendações genéricas à administração para que observe as citadas normas, visto que essa necessidade decorre da lei. Considerou, porém, plausível a preocupação do consulente, "mormente sob o ponto de vista do exercício do controle externo financeiro, até mesmo porque - não é demais lembrar - a Lei nº 8.666, de 1993, estabelece, ao teor da disposição contida no inciso XIII do seu art. 55, que o contratado deverá manter, durante a execução contratual, todas as condições de habilitação e de qualificação exigidas na licitação". Lembrou ainda da responsabilidade subsidiária dos entes integrantes da administração pública, em face do inadimplemento das obrigações trabalhistas das empresas por eles contratadas, consoante disposto no Enunciado nº 331 da Súmula de Jurisprudência do TST. E arrematou: "a exigência da certidão negativa de débitos trabalhista (CNDT) ao longo da execução contratual deve contribuir para reduzir ou mesmo afastar eventuais condenações subsidiárias da administração pública federal ...". O Tribunal, então, ao acolher proposta do relator, decidiu: I) conhecer da Solicitação; II) no mérito, determinar "a todas as unidades centrais e setoriais do Sistema de Controle Interno dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União que orientem os órgãos e entidades a eles vinculados no sentido de que exijam das empresas contratadas, por ocasião de cada ato de pagamento, a apresentação da devida certidão negativa de débitos trabalhistas, de modo a dar efetivo cumprimento às disposições constantes dos artigos 27, IV, 29, V, e 55, XIII, da Lei nº 8.666, de 1993, c/c os artigos 1º e 4º da Lei nº 12.440, de 7 de julho de 2011, atentando, em especial, para o salutar efeito do cumprimento desta nova regra sobre o novo Enunciado 331 da Súmula de Jurisprudência do TST, sem prejuízo de que a Segecex oriente as unidades técnicas do TCU nesse mesmo sentido".
(Acórdão n.º 964/2012-, TC 002.741/2012-1, rel. Min. André Luís de Carvalho, 2.5.2012)
III. Considerações finais
Portanto, forçoso concluir que a partir do novo sistema de certificação instituído pela Lei 12.440/2011 e regulamentado pela Resolução Administrativa n. 1470/2011 do Tribunal Superior do Trabalho, o contratado que não apresentar as certidões previstas nas normas de regência, por certo não ostentará a regularidade trabalhista exigida para as contratações com a Administração Pública, em patente desatendimento ao disposto no artigo 29, inciso V, da Lei n. 8.666/93.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho – 5ª. Ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2011.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos – 4ª ed. atual. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo – 30ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2013.
[2] Disponível em http://www.tst.jus.br/regulamentacao1 - acesso em 10/10/2013.
[3] 4ª edição, atualizada, Belo Horizonte: Fórum, 2012, pp. 204/205.
Procurador Federal. Especialista em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRENTANO, Alexandre. A comprovação da regularidade trabalhista no âmbito das contratações públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2013, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37308/a-comprovacao-da-regularidade-trabalhista-no-ambito-das-contratacoes-publicas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
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Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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