RESUMO: Este artigo aborda questões relacionadas às drogas, os modelos políticos-jurídicos de tratamento para usuários e traficantes de drogas e a consequente evolução da legislação aplicada, com enfoque para o Direito da Criança e do Adolescente e a Constituição da República com a garantia dos direitos fundamentais. Será traçado neste trabalho um quadro sintético sobre a evolução do Direito Penal no tocante às drogas, bem como se discutirá, à luz das modernas teorias do Direito, as consequências para as sociedades no tempo e no espaço e o que isto representa para as sociedades atuais. Serão feitas análises acerca de correntes políticas de tratamento da questão das drogas, tais como o modelo repressivo-punitivo e o modelo da justiça restaurativa e suas principais peculiaridades sob o olhar de autores modernos. No presente artigo será realizada uma ampla análise dos fatos que fundamentam o estado atual de acontecimentos e conflitos sociais relacionados às drogas, tais como a prisão, a aplicação das penas, o controle social exercido pelo Estado, a marginalização das crianças e adolescentes, principalmente, e o aumento da violência, a ineficiência do sistema prisional e quais medidas poderão ser adotadas por todos, a fim de empreender mudanças sociais e uma nova mentalidade em relação ao usuário de drogas.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais; estado; drogas; sociedade; violência.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo aborda o processo histórico evolutivo em relação à problemática das drogas, as consequentes políticas tradicionais sobre drogas e o aumento da violência a ela relacionado, sua inter-relação com a sociedade numa análise global das causas e consequências de crimes associados ao tráfico de drogas.
Serão trazidas ao debate, sob o prisma de modernas teorias e discussões doutrinárias, a evolução e as discussões acerca da mudança no paradigma político-jurídico em face da aplicação das penas pelo Estado com relação ao usuário de drogas, o qual foi tradicionalmente visto pela sociedade em geral como principal causador do tráfico de drogas.
Assim, será possível analisar o que vem ocorrendo na atualidade em relação a temas como a prisão, penas alternativas aos usuários de drogas, a questão da criança e do adolescente e seus respectivos direitos consagrados pela Constituição da República, a fim de estabelecer quais as mudanças necessárias para consecução de um Estado menos interventor no tocante ao Direito Penal e aplicação da Lei nº 11.343/2006, distinguindo o usuário e dependente de drogas do traficante, bem como para a construção de uma sociedade menos preconceituosa e alienada, e mais observadora das garantia e dos direitos humanos fundamentais.
Analisar-se-ão as correntes jurídicas, políticas e as ideias governamentais para o tratamento da questão das drogas que tiveram ênfase durante o século passado e o atual, principalmente a partir da década de 1980 em diante.
Tais ideias foram denominadas de Movimento de Lei e Ordem e Tolerância Zero, sendo originadas nos Estados Unidos da América com a adoção do modelo repressivo-punitivo, bem como as novas formas políticas de lidar com a situação das drogas como a ideia da justiça restaurativa com as estratégias de redução de danos, por exemplo, entre outras.
2. BREVE SÍNTESE POLÍTICO-HISTÓRICA SOBRE A QUESTÃO DAS DROGAS E A CULTURA JURÍDICA NO BRASIL
A legislação tradicional no Brasil até o advento da Lei nº 6.368/1976, com as modificações posteriores, teve como foco a transmissão da ideia de que era necessário institucionalizar uma verdadeira guerra contra as drogas. Esta política é mundialmente conhecida como Movimento de Lei e Ordem, Tolerância Zero, que teve origem nos Estados Unidos da América, tendo como característica principal a justiça retributiva, que coloca no mesmo patamar de periculosidade traficante e usuário.
A justiça retributiva tradicional de repressão apresenta as normas do passado com o indicativo de prevenção geral por meio de penas privativas de liberdade que tem como objetivo intimidar a sociedade evitando o cometimento de crimes e a marginalização. Coexistindo também nesta relação a prevenção especial ao criminoso com o seu afastamento do seio da sociedade, a fim de ser (re)socializado.
As leis tradicionais, especialmente aquelas destinadas ao controle das drogas, representaram um discurso retórico de boas intenções, nas sem efeitos práticos, uma vez que o resultado deste controle teve como consequência, entre outras, a superlotação dos presídios, não conseguindo enfim por fim ao aumento da violência.
A repressão ao crime e o tratamento igualitário no Direito Penal dado ao traficante e o usuário foi o tipo de política e cultura social em evidência nas décadas de 1970 e 1980, especialmente, as quais tiveram como foco a guerra contra as drogas, que teve como repercussão a necessidade de incluir nesta “guerra” o combate e a punição contra o usuário de drogas, visto como um vagabundo, malandro que deveria ser excluído e execrado da sociedade, sendo muitas vezes humilhado e mal compreendido no ambiente familiar e social, além de, em muitos casos, sofrer agressões físicas e morais da polícia e dos próprios colegas de prisão.
Essa cultura de guerra e de repressão necessariamente passou a orientar a postura política das instituições jurídicas, porquanto se sujeitaram à interpretação positivista das leis, com a adoção de uma abordagem normativa punitiva, direcionando suas funções e treinando seus operadores profissionais (promotores de justiça, juízes, advogados, policiais, defensores públicos) e os tribunais de justiça para atuar de acordo com o modelo repressivo-punitivo. Esta cultura jurídica evoluiu de geração a geração com forte influência a ideia do modelo repressivo- -punitiva que incluía no combate às drogas a repressão ao usuário.
A ideia de que o modelo de guerra contra o usuário de drogas tornará a sociedade, como um todo livre da violência e da marginalização é falsa. A questão das drogas envolve uma análise sistêmica para compreensão da complexidade que impulsiona o ser humano no contexto das drogas.
As profundas transformações sociais, ambientais, econômicas e tecnológicas indicam esta análise, uma vez que a criminalidade moderna evidenciada pela concentração de poder político, econômico, domínio tecnológico e estratégia global é esquecida pela mídia, controlada, diga-se de passagem, pelos detentores deste poder, que subvertem e desvirtuam a realidade para a população geral veiculando um inimigo oculto que deve ser combatido.
Assim sendo, utiliza-se o Estado do terrorismo e do tráfico de drogas como legitimação para o domínio e controle social pelo medo, fazendo com que as pessoas se esqueçam dos altos juros dos bancos, dos altos impostos estatais, da corrupção generalizada, principalmente na política, do holocausto na saúde pública e no trânsito e da péssima escola pública brasileira.
3. UM CONCEITO SOBRE DROGAS
Existem drogas lícitas e ilícitas. Exemplos de drogas lícitas são o tabaco presente nos cigarros e charutos e o álcool encontrado em bebidas, tais como vinho, cerveja etc. As drogas ilícitas, por sua vez, são aquelas das quais o Estado não autoriza a produção e o consumo para fins de comercialização regular, tais como a maconha, a cocaína, o crack etc. Dentro de um conceito sucinto “As drogas são classificadas de acordo com a ação que exercem sobre o sistema nervoso central. Elas podem ser depressoras, estimulantes, perturbadoras ou, ainda, combinar mais de um efeit1”[1]. A ANVISA é responsável em delimitar os tipos de drogas proibidas e autorizadas de serem comercializadas e utilizadas.
4. MOVIMENTO DE LEI E ORDEM E A POLÍTICA DE TOLERÂNCIA ZERO AOS TRAFICANTES E USUÁRIOS DE DROGAS
Defensores do Estado interventor e punitivo pregam que os usuários e dependente deveriam ser penalizado por conta das compras, esporádicas ou frequentes de drogas, que alimentam a indústria do tráfico. Acreditam que são os usuários e dependentes que pagam o salário dos empregados dos traficantes. São eles quem dão razão de existir ao traficante. Pregam ainda que a lei 11.343/06 se apresenta contraditória, quando aplica penas alternativas ao usuário/dependente, quando as penas restritivas de direitos sempre tiveram natureza substitutiva no Direito Penal Brasileiro e, aqui, contudo, adquiriram natureza autônoma, e tem como penalidade máxima a auferida aos financiadores e custeadores do tráfico.
O aumento da violência está também diretamente ligado ao tráfico ilícito de entorpecentes. Entretanto, não é apenas o tráfico que impulsiona este aumento, mas sim uma série de fatores que são políticos, sociais, familiares, econômicos etc. Dizer que o tráfico é o único causador da violência e principal inimigo do Estado é tentar desviar a atenção para os abusos políticos e a falta de escrúpulos dos empresários deste país, que concentram a maior parte das riquezas em suas mãos, provocando uma violência social ainda maior que o tráfico. O discurso penal punitivo é extremamente perigoso, à medida que pode provocar, um estado de extrema violência pelo endurecimento do sistema. Raul Zaffaroni analisa esta situação asseverando que:
Por muitas décadas o discurso Jurídico-Penal foi predominantemente o positivista e integrado com a criminologia desta vertente, porém superada esta etapa passou a assentar-se sobre uma base neo-kantiana heterodoxa, que adquiriu elementos das variáveis do neo-kantismo, na medida em que foram úteis. Recentemente, nas duas últimas décadas, com grande resistência e reconhecendo mais as consequências dogmáticas do que a base realista sofreu um relativo desestruturamento com a introdução do finalismo (ZAFFARONI, 1998) p. 45.
Desse modo, o tradicional modelo punitivo para os usuários de drogas não foi eficaz, pelo contrário provocou superpopulação carcerária e outras mazelas sociais.
Uma mobilização popular que envolva toda a sociedade para discussão das políticas públicas tem sido difícil, uma vez que os aparatos midiáticos e estatais mantêm o povo alienado com ideologias, tais como o incentivo a uma cultura libertina, vazia e idiotizante, ao consumismo desenfreado, que legitima e reforça o poder do mais forte sobre os menos favorecidos.
Os operadores do direito (juízes e promotores), principalmente, no Brasil, em relação aos usuários de drogas tiveram como referência os ditames da Lei 6.368/76, que previa punições severas aos usuários, sem levar em conta a complexa realidade da sociedade brasileira e do tráfico de drogas. Observe o que a Lei nº 3.368/76, no caput do art. 12, dizia em relação ao traficante e aos usuários:
Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. 2
A pena para este crime era de reclusão de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. Em geral estes operadores do direito analisavam a questão dos usuários por critérios teóricos e racionalistas, o que provocou mais violência ainda. Esta é a prova de que o sistema antigo, estruturado em ideias ultrapassadas precisava de mudanças conceituais e estruturais. Para Carlos Eduardo Scheid:
Destarte, o discurso garantista alcança aos magistrados a possibilidade de criticarem as leis inválidas por intermédio de sua (re)interpretação em sentido constitucional, denunciando, assim, a sua inconstitucionalidade, o que os coloca na posição de garantidores dos direitos fundamentais. Daí por que se deve observar o juiz, atualmente, por lente diversa da implantada pelos padrões (extremamente) positivistas, a qual o enxergava como “um burocrata, um temeroso respeitador de formas, um seguidor obstinado e compulsivo de regras porque elas simplesmente existem e, por isso, têm validade formal” (SCHEID, 2009) p. 62.
Um sistema de aplicação de penas deve ter no mínimo uma coerência com a realidade, entretanto parece que no Brasil as atitudes conservadoras, formais, mecanicistas, a linguagem tecnicista e formal do judiciário forçam uma prática de continuação de um modelo político, à medida que muitos operadores do direito (juízes, promotores, advogados, delegados, policiais etc), principalmente, e pessoas influentes de diversos setores da sociedade acomodaram-se por muitos anos travando as mudanças e deixando de reconhecer as diferenças de condutas entre o
traficante e o usuário.
5. EVOLUÇÃO NO PARADIGMA POLÍTICO-JURÍDICO COM O ADVENTO DA LEI 11.343/2006.
Houve no Brasil significativa evolução legislativa desde o advento da Lei 6.368/1976 até a entrada em vigor da Lei 11.343/2006, também denominada Nova Lei sobre Drogas e da Lei 9.099/1995, dos Juizados Especiais Criminais, que trouxe a possibilidade de aplicação de penas alternativas para os delitos considerados de menor potencial ofensivo.
O atual sistema de processamento do crime relacionado ao art. 28 da Lei nº 11.343/06, possibilitou ao usuário de drogas o cumprimento de penas alternativas para o delito de uso de drogas, fato este que não ocorria com a lei nº 6.368/1976.
Com isto, o usuário não poderá mais ser encarcerado, optando-se, conforme elenca o art. 28 da Lei nº 11.343/06 pela aplicação de medidas preventivas de caráter restaurativo, como advertência, a indicação de frequência a cursos educativos e prestação de serviços, com a atenção voltada à reinserção do usuário na sociedade. Observe agora o que o caput do art. 28 da Lei nº 11.343/06 determina, salientando que os grifos são nossos:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (VADE MECUM RIDEL, 2010) p. 908.
Neste sentido, houve evolução no tratamento da questão das drogas pelo Estado brasileiro, à medida que implementou o modelo da justiça restaurativa e educação afetiva com o advento da Lei nº 11.343/06, que substituiu a cultura da punição e do internamento previstos na Lei nº 6.368/1976 nos moldes da justiça retributiva (modelo repressivo-punitivo).
Atualmente existe um processo de despenalização do uso de drogas porque há entendimento de que a questão das drogas não é apenas de caráter legal ou ilegal, mas sim humanitário.
Para Cristina Di Gesu:
O processo penal deve ser encarado como um instrumento neutro da jurisdição, em claro abandono, como sustenta GIACOMOLLI, da concepção unilateral do processo restrito à incidência do ius puniendi, ou seja, servindo unicamente de instrumento para fazer incidir o direito de punir do Estado, priorizando a dignidade do ser humano, com preservação das garantias inerentes ao Estado Democrático de Direito, bem como tratando o imputado como sujeito processual e não mais como um mero objeto. (DI GESU, 2010) p. 19.
O problema das drogas e dos usuários deve ser concebido primeiramente como um problema sócio-familiar e mais ainda de saúde pública, em que a todos os setores da sociedade e as famílias devem estar envolvidos para resolução de tão grave problema.
6. CRIANÇAS E ADOLESCENTES, A RELAÇÃO COM AS DROGAS E O AUMENTO DA CRIMINALIDADE
A questão do tráfico e a marginalização de crianças a partir dele, no Brasil, é uma consequência da falta de políticas públicas sérias para solucionar problemas sociais graves, tais como educação e saúde deficitárias, a fome, a falta de controle da natalidade e mortalidade infantil, a desestruturação da família, o desemprego, a corrupção política etc.
Tudo isto tem ocorrido no Brasil desde tempos imemoriais e, nos dias atuais, com a transformação da sociedade e o aumento da criminalidade o problema continua crescendo e desafiando os poderes constituídos do Estado.
Impende destacar que o Estado de forma ampla abarca toda a sociedade. Dizer que apenas o Estado é responsável pelas mazelas sociais é desconsiderar a omissão e irresponsabilidade das famílias e das pessoas de uma maneira geral em não cooperar para o desenvolvimento social de forma mais efetiva, não apenas criticando.
A Constituição da República de 1988 e a Lei 8.069/90, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente buscam implementar diversas mudanças de ordem social, no tocante ao tratamento reservado pelo Estado aos cidadão menores de 18 anos.
Entretanto, estas mudanças, de um modo geral, por motivos de ordem política, econômica e social ainda não passaram do “papel” para a prática, ainda não se configuram uma realidade as pretensões constitucionais e do ECA para as crianças e os adolescentes.
A Constituição Federal, no art. 3º, I, II, III e IV, traz a seguinte redação:
Art. 3º Constitui objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF/88, 2008) p. 03.
As elites brasileiras e os governos por elas controlados, tradicionalmente escravocratas e patronais, produziram situações de extrema desigualdade social, à medida que sempre concentrou rendas altíssimas nas mãos de poucos, bem como permitiu a existência de grandes propriedades de terras pertencentes a latifundiários, não utilizadas por estes, gerando misérias e desigualdades.
O Brasil possui, há tempos, um dos menores índices de desenvolvimento no mundo. A Educação Pública, de forma geral, não consegue oferecer ao cidadão brasileiro uma formação de qualidade que lhes possibilite um desenvolvimento pleno dentro da sociedade. A pobreza ainda persiste, embora tenha sido reduzida por conta de programas sociais, o certo é que se precisa de mais investimentos em educação e saúde neste país. Elisabete Maniglia analisa a questão aduzindo que:
As violações aos direitos humanos, no Brasil, decorrem do não cumprimento das determinações que integram a atual Constituição; decorrem da ausência das políticas públicas, do desrespeito ao cidadão, da miséria do povo, da exploração econômica, da corrupção dos políticos e do próprio desrespeito entre os membros da sociedade. Obviamente, não se espera a integralização plena dos direitos humanos, mas o papel do Direito e da Justiça deve ser de luta efetiva, em todos os setores, indiscriminadamente, para que esses direitos sejam garantidos, e qualquer violação deve ser denunciada não só pelas autoridades competentes, mas também pela sociedade organizada, que deve pedir medidas cabíveis ou buscar, nacional ou internacionalmente, soluções perante os órgãos competentes. (MANIGLIA, 2009) p. 78.
A Constituição prevê a promoção do bem de todos, garantindo com isso uma equidade entre os cidadãos, entretanto o que se observa na prática é o inverso disto. Então é possível concluir que algo de muito grave está acontecendo com a sociedade brasileira. Nas palavras de Ponce Aníbal:
Sabemos o que significam nas mãos da burguesia “liberdade da criança”, “formação do homem”, “direitos do espírito”. A imagem do novo homem que a burguesia nos prometia é a velha imagem já nossa conhecida: a de uma classe opressora que monopoliza a riqueza e a cultura diante de uma classe oprimida, para a qual só é permitida a superstição religiosa e um saber bem dosado (ANÍBAL, 2009) p. 172.
Na atuação do poder judiciário há que se ressaltar a necessidade de aplicação de medidas socioeducativas e protetivas, que levem em conta a condição de crianças e adolescentes como pessoas em processo de desenvolvimento e que necessitam, por tal motivo, uma maior atenção do Estado e também da sociedade. Sônia Altoé nos dá uma noção sobre o tema ao apontar que:
Com o advento da Convenção sobre os Direitos da Criança surgiu um novo Direito, evolução natural do Direito do Menor, o Direito da Criança, com base na Doutrina das Nações Unidas para a Proteção Integral. O novo ramo preconiza que o direito tutelar deve submeter-se aos princípios, às normas, às regras do direito ciência; da epistemologia e da hermenêutica, próprios de crianças e adolescentes. Também, que deve dispor a respeito de respostas pela prática de atos conceituados como infrações penais; que essa resposta deve ter caráter socioeducativo e só pode ser imposta com observância das garantias constitucionais, da presunção da inocência e do devido processo legal, entre outros. A atualização brasileira do Direito Tutelar, inclusive em nível constitucional, está perfeitamente adequada à Convenção e aos princípios da Doutrina da Proteção Integral. (SÔNIA ALTOÉ, 2010) p. 56.
Existe uma tensão delicada com relação às drogas, à medida que, de um lado encontram-se comunidades com milhares de crianças, adolescente e jovens envolvidos na criminalidade e no tráfico de drogas, principalmente nos grandes centros, uma vez que não encontram outro recurso para sobreviverem; e de outro lado a sociedade e as famílias, que em geral são omissas e também o Estado, que tenta solucionar o problema com medidas repressivas e controle social, não sendo capaz de realizar políticas públicas eficazes e oferecer uma estrutura social mais digna aos cidadãos.
7. CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, DEMOCRACIA E O AUMENTO DA CRIMINALIDADE.
O crescimento econômico do Brasil nos últimos tempos tem provocado mudanças na sociedade. Com o aumento da população e crescimento da economia, cresce também a demanda por drogas fazendo surgir nos grandes e, dado importante, nos pequenos centros urbanos deste país pontos de tráfico.
Novas espécies de drogas estão sendo desenvolvidas como as sintéticas, por exemplo, tais como a merla, o ecstasy, dentre outras, que alimentam o tráfico de drogas e consequentemente o crime, desafiando os poderes do Estado. A situação de muitos jovens, crianças no Brasil tem se tornado um reflexo do que ocorre no resto do país com a absorção de milhares de garotos para a criminalidade, para o tráfico por falta de políticas públicas eficazes.
Com o advento da Constituição Cidadã (1988) os direitos fundamentais passaram a ter atenção especial, mesmo tendo normas que cuidam do sentido programático, há que se destacar uma mudança substancial em relação aos direitos humanos que tem estreita ligação com a aplicação da lei penal e toda problemática da violência, por exemplo.
O Estado deve aplicar o direito com base nos limites impostos pelo princípio da dignidade humana e pelo Estado Democrático de Direito. No Brasil a Constituição da República inovou ao incluir este preceito que nas palavras de Fernando Capez:
Diante disso, pode-se afirmar que a expressão “Estado de Direito” por si só, caracteriza a garantia inócua de que todos estão submetidos ao império da lei, cujo conteúdo fica em aberto, limitado apenas à impessoalidade e à não-violação de garantias individuais mínimas. Por essa razão, nosso constituinte foi além, afirmando que o Brasil não é apenas um Estado de Direito, mas um Estado Democrático de Direito (CAPEZ, 2002) p. 08.
Neste sentido, Estado Democrático de Direito se traduz por ser aquele que não apenas irá submeter todas as pessoas ao crivo da lei, mas aquele em que as leis possuem conteúdo e adequação social, e do qual se utiliza de princípios que possam ser capazes de gerar desenvolvimento para todos e não de excluir as pessoas da sociedade.
O Estado Democrático de Direito significa o respeito aos direitos humanos como forma de se inserir na sociedade a ideia de justiça social, da qual serão garantidas pelo Estado a qualquer cidadão o respeito aos seus direitos fundamentais, principalmente aqueles que mais merecem atenção do Estado, tais como os dos usuários de drogas.
8. A PRISÃO NO BRASIL, A PROBLEMÁTICA DO SISTEMA CARCERÁRIO E OS EFEITOS DA LEI Nº 11.343/06
Com uma herança social escravocrata e de aculturalização o Brasil tem um sistema prisional falido, em que não há ressocialização e, pelo contrário, há na verdade uma piora do preso, pois sofre maus-tratos pela polícia e pelos próprios detentos. Investe-se na construção de presídios quando deveria investir-se na construção de mais escolas e no reaparelhamento da escola, na qualificação e melhoria dos salários dos professores e num sistema de saúde digno.
A situação carcerária do Brasil, de forma geral, é inumana e sua existência fere muitos princípios constitucionais básicos. Com isto a aplicação da pena e a pena aplicada serão realizadas de forma complexa e quem irá pagar o preço desta desorganização será invariavelmente o preso. Geder Luiz afirma que:
Assim, a despeito da conformação normativa da pena privativa de liberdade, tendo em vista a sua previsão em sede constitucional (artigo 5°, XLVI, da CF), bem como infraconstitucional (artigo 32, I, do CP), tem-se observado, no campo da sua execução, dadas as notórias estruturas e as ínfimas condições do sistema carcerário, bem como a sua utilização banalizada, uma rota de colisão com o principio constitucional regulado no mesmo artigo 5°, XLVI, “e”, que veda a existência de penas cruéis. Afirmação que encontra constante apoio na doutrina pátria. “Quem conhece minimamente o sistema carcerário do País tem idéia do cínico absurdo e descompasso que existe, no caso, entre norma e realidade” (DUCLERC, 2008, p. 35)3. (2008) p. 165).
Em muitas cidades brasileiras o “crime” já faz parte da vida das pessoas pela absoluta ausência do Estado e pela alienação social. Isto beneficia os traficantes de drogas que, desta forma podem agir livremente sem serem incomodados. Tenta-se reverter a situação com medidas de controle social as mais diversas, no entanto a mudança deve ser feita na raiz.
A raiz de toda esta problemática social sem dúvida está numa atitude omissa do Estado e da sociedade que pouco ou quase nada fazem, a fim de mobilizarem as pessoas para questões como as drogas e a (re)inserção social como meio de combate à marginalização.
9. CONCLUSÃO
Será que o usuário/dependente de drogas sozinho é quem deve pagar pela irresponsabilidade da sociedade e do Estado em permitir o tráfico de drogas no território nacional e manter um sistema político e social corroído na essência, cruel e desumano como é o Direito Penal? Parece que não. Então, o Estado e toda sociedade é culpada pela situação que se tornou o problema das drogas no Brasil. O tráfico de drogas rende fortunas imensas, grandes empresários e políticos estão por trás disso.
Mas apenas aqueles que trabalham diretamente com a traficância são algumas vezes presos. A sociedade mundial organizada poderia muito bem extinguir o tráfico de drogas, bastando apenas investimentos em segurança e polícia especializada para tal fim atuando em zonas que realizam o plantio das drogas, mas isso parece não ter sido prioridade agora, a prioridade é invadir países de maneira ilegal e tomar o seu petróleo.
As mudanças na lei nº 11.343/06 tem ocorrido de forma gradual. É preciso que as pessoas envolvidas diretamente com os usuários, a polícia, os operadores do direito, servidores da justiça e da saúde, a sociedade em geral e as famílias, percebam que o usuário deve ter maior atenção, pois por conta de diversos fatores sociais, psicológicos, biológicos etc, envolveu-se com as drogas e necessita da ajuda de todos. Portanto, as famílias dos usuários e a sociedade devem mobiliarem-se no apoio incondicional aos usuários para o bem estar social de todos, e o Estado deve garantir os direitos fundamentais constitucionais.
O mundo contemporâneo não admite mais a pena privativa de liberdade com o encarceramento de pessoas que o Estado pratica, principalmente contra usuários de drogas. Ela não é eficaz para ressocialização, pelo contrário a prisão da forma como é concebida só prejudica a sociedade ao devolver, para o seio desta, pessoas piores do que quando entraram nas prisões com o fim de serem (re)socializadas. Este descaso consciente representa uma vingança.
Desse modo, para se alcançar uma melhor estrutura social e familiar e um convívio social mais humano neste país, torna-se necessária, como acima exposto, uma mudança nos hábitos e costumes da sociedade e na sua visão acerca do usuário de drogas que, geralmente, e antes de tudo, é vítima das mazelas sociais e de um mundo cruel e desumano que o desprezou e excluiu socialmente. Esta mudança certamente fará com que a vida em sociedade seja bem mais prazerosa e menos violenta do que se observa na atualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALTOÉ, Sônia. Sujeito do Direito, Sujeito do Desejo: Direito e Psicanálise. 3. ed. Rev. Rio de Janeiro: Revinter, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
Constituição da República Federativa do Brasil. 41ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
DI GESU, Cristina. Prova Penal e Falsas Memórias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
GOMES, Geder Luiz Rocha. A Substituição da Prisão – Alternativas penais: Legitimidade e Adequação. Salvador: Jus Podvium, 2008.
MANIGLIA, Elisabete. As interfaces do direito agrário e dos direitos humanos e a segurança alimentar. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009.
Pesquisa. Disponível em <site:http://www.renascebrasil.com.br/f_drogas2.htm>. Acesso em 25 de maio de 2012.
Pesquisa. Disponível em <site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6368.htm>. Acesso em 25 de maio de 2012.
SCHEID, Carlos Eduardo. A Motivação das Decisões Penais a partir da Teoria Garantista. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2009.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca de lãs Penas Perdidas – Deslegitimacion y Dogmatica Juridico-Penal. 2ª ed. Buenos Aires: Ediar, 1998.
Servidor público efetivo do Ministério Público do Estado da Bahia. Bacharelando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Almir Izidório Oliveira da. O aumento da violência e a questão das drogas no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37330/o-aumento-da-violencia-e-a-questao-das-drogas-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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