RESUMO: O motivo e a motivação são institutos correlatos aos atos administrativos, mais especificamente aos seus elementos de composição. O motivo é a situação de fato e de direito que é anterior à prática do ato administrativo e que determina ou autoriza que seja praticado; já a motivação é a apresentação expressa desses motivos. O primeiro é requisito do ato administrativo, propriamente dito, e o segundo, subelemento do requisito forma. Assim, motivo e motivação se relacionam, mas não se confundem, e a teoria dos motivos determinantes deles decorre, pois exige que as circunstâncias de fato e de direito externados para a prática do ato sejam congruentes com a realidade, sob pena de sua invalidação.
1 – Considerações iniciais
O motivo e a motivação são institutos correlatos aos atos administrativos, mais especificamente aos seus elementos de composição.
Em razão da identidade de radical, são confundidos ou tratados como sinônimos. Como se verá, motivo e motivação integram o ato administrativo, mas se diferenciam, haja vista que um é elemento do ato, propriamente dito, e, o outro, subelemento do requisito forma.
Após a definição dos institutos, será possível compreender a concepção e a aplicação da teoria dos motivos determinantes, criação doutrinária que estabelece consequências quando os motivos, expressamente dispostos no ato administrativo (motivação), estão incongruentes com a realidade.
É o que veremos a seguir.
2 – Relação entre motivo, motivação e Teoria dos Motivos Determinantes.
O motivo é a situação de fato e de direito que é anterior à prática do ato administrativo e que determina ou autoriza que seja praticado. Segundo Rafael Maffini[1]:
O motivo do ato administrativo corresponde à situação de fato e de direito que é anterior à sua prática e que o determina. Pode-se afirmar, portanto, que o motivo do ato administrativo é base fático-jurídica sobre a qual o ato administrativo se vê alicerçado.
Entende-se como situação de fato o conjunto de circunstâncias que levam o Poder Público a praticar o ato; já a situação de direito, a norma em que se baseia a prática do ato administrativo.
Segundo Hely Lopes Meirelles[2], os motivos “determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade”.
O motivo pode estar expresso em lei ou ficar a critério do administrador. Admite-se uma margem de discricionariedade do Administrador Público, limitada pelos termos da lei.
Essa margem de discricionariedade ocorrerá, caso inexista motivo legalmente estabelecido para fundamentar o ato e na hipótese de a lei estabelecer o motivo, mas utilizar conceitos jurídicos indeterminados.
Em que pese a similaridade dos termos, o motivo não se confunde com a motivação. A motivação é a apresentação expressa dos motivos pontuados para a prática de um ato, é a indicação escrita dos seus fundamentos. Trata-se de um requisito de forma, representado, muitas vezes, sob a forma de “considerandos”.
A diferença entre os institutos é bem delineada por Maffini[3]:
(...) embora relacionados, deve-se diferenciar “motivo” e “motivação” dos atos administrativos. Motivo, como dito, são as situações de fato e de direito que, sendo anteriores à sua prática, lhe dão causa. Já a motivação, que, aliás, é subelemento da forma, consiste na justificação da prática do ato administrativo através da exposição dos motivos que o determinaram. Aí reside a relação havida entre motivo e motivação, qual seja, motivo é a situação de fato que leva à prática do ato, ao passo que a motivação é a explicação da prática do ato administrativo, que se dá através da exposição dos motivos de fato e de direito que lhe são determinantes.
Outra diferença está na obrigatoriedade da sua presença em todos os atos administrativos. Nessa linha, parte da doutrina, à qual me filio, entende que a motivação não é obrigatória, ao contrário do motivo. A Lei n.º 9.784/99, no seu art. 50, e a Constituição Federal, no seu art. 93, inciso X, indicam as hipóteses em que a motivação é obrigatória, do que se conclui que ela não é indispensável para todo e qualquer ato do Poder Público. Nesse sentido[4]:
Embora seja a regra geral, não é correto afirmar que absolutamente todos os atos administrativos devam ser motivados. Há exceções que devem ser consideradas. Por exemplo, atos meramente ordinatórios não merecem de motivação, uma vez ausente o cunho decisório. Além disso, e esta é a exceção mais relevante, não é necessária a motivação quando a Constituição Federal ou a lei dispensar o dever de motivação, como ocorre com a nomeação e exoneração de servidores para cargos em comissão, consoante a parte final do art. 37, II, da CF. Cumpre enfatizar que não se trata de motivação proibida, mas de motivação não obrigatória. Em tais casos, a fundamentação pode ser feita, embora não seja necessária.
Cabe ressaltar, todavia, outras duas correntes doutrinárias sobre o tema: a primeira representa uma posição mais clássica, segundo a qual somente os atos vinculados deveriam ser motivados; e a segunda, de acordo com a qual a motivação será sempre obrigatória, forte nos arts. 5º, incisos XXXV e LV, e 37, caput, da Constituição Federal. Odete Medauar[5] defende esse entendimento:
A ausência de previsão expressa, na Constituição Federal ou em qualquer outro texto, não elide a exigência de motivar, pois esta encontra respaldo na característica democrática do Estado brasileiro (art. 1º da CF), no princípio da publicidade (art. 37, caput) e, tratando-se de atuações processualizadas, na garantia do contraditório (inc. LV do art. 5º).
A jurisprudência do STJ tem precedentes referendando esse entendimento:
RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA - TRANSFERÊNCIA DE SERVIDOR PÚBLICO - ATO DISCRICIONÁRIO - NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO - RECURSO PROVIDO. 1. Independentemente da alegação que se faz acerca de que a transferência do servidor público para localidade mais afastada teve cunho de perseguição, o cerne da questão a ser apreciada nos autos diz respeito ao fato de o ato ter sido praticado sem a devida motivação. 2. Consoante a jurisprudência de vanguarda e a doutrina, praticamente, uníssona, nesse sentido, todos os atos administrativos, mormente os classificados como discricionários, dependem de motivação, como requisito indispensável de validade. 3. O Recorrente não só possui direito líquido e certo de saber o porquê da sua transferência "ex officio", para outra localidade, como a motivação, neste caso, também é matéria de ordem pública, relacionada à própria submissão a controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário. 4. Recurso provido. (STJ, RMS 15.459, 6ª Turma, DJ de 16/05/2005).
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO DE CURSO SUPERIOR. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. 1. A margem de liberdade de escolha da conveniência e oportunidade, conferida à Administração Pública, na prática de atos discricionários, não a dispensa do dever de motivação. O ato administrativo que nega, limita ou afeta direitos ou interesses do administrado deve indicar, de forma explícita, clara e congruente, os motivos de fato e de direito em que está fundado (art. 50, I, e § 1º da Lei 9.784/99). Não atende a tal requisito a simples invocação da cláusula do interesse público ou a indicação genérica da causa do ato.
2. No caso, ao fundamentar o indeferimento da autorização para o funcionamento de novos cursos de ensino superior na “evidente desnecessidade do mesmo”, a autoridade impetrada não apresentou exposição detalhada dos fatos concretos e objetivos em que se embasou para chegar a essa conclusão. A explicitação dos motivos era especialmente importante e indispensável em face da existência, no processo, de pareceres das comissões de avaliação designadas pelo próprio Ministério da Educação, favoráveis ao deferimento, além de manifestações no mesmo sentido dos Poderes Executivo e Legislativo do Município sede da instituição de ensino interessada. 3. Segurança parcialmente concedida, para declarar a nulidade do ato administrativo. (STJ, MS 9.944, 1ª Seção, DJ de 25/05/2005).
Assim, o motivo não se confunde com a motivação e a teoria dos motivos determinantes deles decorre, senão vejamos.
Segundo essa teoria, o motivo do ato administrativo deve ser compatível com a situação de fato que acarretou a sua prática. Por consequência, será inválido o ato administrativo, vinculado ou discricionário, quando se constatar que o motivo inexiste ou é incongruente com o resultado obtido. Essa teoria se aplica quando a lei não exige a motivação, mas foi dada.
No mesmo sentido, a jurisprudência do STJ:
MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO. IDADE SUPERIOR A SETENTA ANOS. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ART. 40, § 1º, II, E § 13 DA CF/88. INAPLICABILIDADE. EXONERAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE NO FATO DE SER O IMPETRANTE SEPTUAGENÁRIO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. POSSIBILIDADE DE A AUTORIDADE IMPETRADA EXONERAR O IMPETRANTE POR OUTRO FUNDAMENTO OU MESMO SEM MOTIVAÇÃO EXPRESSA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. A discussão trazida no apelo resume-se em definir se a aposentadoria compulsória, prevista no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal de 1988, aplica-se ao servidor ocupante exclusivamente de cargo em comissão. 2. A regra constitucional que manda aposentar o servidor septuagenário (§ 1º, II) está encartada no artigo 40 da CF/88, que expressamente se destina a disciplinar o regime jurídico dos servidores efetivos, providos em seus cargos por concurso público. Apenas eles fazem jus à aposentadoria no regime estatutário. 3. Os preceitos do artigo 40 da CF/88, portanto, não se aplicam aos servidores em geral, mas apenas aos titulares de cargos efetivos. O § 13, reconhecendo essa circunstância, é claro quando determina que, "ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social" (excluído, obviamente, o regime de previdência disciplinado no art. 40 da CF/88). 4. Os servidores comissionados, mesmo no período anterior à EC 20/98, não se submetem à regra da aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. O § 2º do art. 40 da CF/88, em sua redação original, remetia à lei "a aposentadoria em cargos ou empregos temporários". Portanto, cabia à lei disciplinar a aposentadoria dos servidores comissionados, incluindo, logicamente, estabelecer, ou não, o limite etário para a aposentação. 5. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. 6. No caso, como a exoneração do impetrante deveu-se, exclusivamente, ao fato de ter mais de 70 anos, por força da teoria dos motivos determinantes, deve ser anulado o ato impugnado no mandamus, nada impedindo, todavia, que a autoridade impetrada promova nova exoneração ad nutum. 7. Recurso ordinário provido. (STJ, ROMS 201200125761, CASTRO MEIRA, - SEGUNDA TURMA, DJE DATA: 26/04/2013).
ADMINISTRATIVO. MILITARES TEMPORÁRIOS LICENCIADOS UM DIA ANTES DE ADQUIRIREM A ESTABILIDADE. DISPENSA ANTES DO TÉRMINO DO REENGAJAMENTO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO NO CASO CONCRETO. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO DE DESLIGAMENTO. 1. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que, se a dispensa ocorrer antes do fim do prazo determinado de (re) engajamento há a necessidade de motivação. Precedentes: (AgRg no REsp 675.544/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 28.02.2008, DJ 07.04.2008), (REsp 426610/RS, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 31/08/2005, DJ 03/10/2005, p. 344). 2. No caso concreto, a mera menção à "inconveniência do serviço público" não atendeu ao requisito da motivação. Em nenhum momento foram expostos, por exemplo, quais os fatos que levaram a Administração Pública a concluir no sentido de que o desligamento dos recorridos, antes do término do prazo do reengajamento, era inconveniente ao serviço público. 3. Em um ato administrativo discricionário, a Administração Pública possui uma certa margem de liberdade para escolher os motivos ou a postura a ser adotada. Todavia, onde houver a necessidade de motivação, não poderá a administração deixar de explicitar quais foram as razões que lhe conduziram a praticar o ato. 4. A necessidade de motivação ocorre em benefício dos destinatários do ato administrativo, em respeito não apenas ao princípio da publicidade e ao direito à informação, mas também para possibilitar que os administrados verifiquem se tais motivos realmente existem. Não é outra a ratio essendi da teoria dos motivos determinantes. 5. A ausência de motivação, in casu, acarreta a nulidade do ato de licenciamento dos agravados e, por consequência, implica a obtenção do direito à estabilidade decenal. Agravo regimental improvido. (AGARESP 201102905575, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:19/04/2012)
Para Di Pietro[6], a “teoria dos motivos determinantes, em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistente ou falsos, implicam sua nulidade”
Sobre as consequências da inexistência ou incongruência da motivação, quando obrigatória, ou não, transcrevem-se os didáticos esclarecimentos de Maffini:
É conveniente recordar que a motivação, embora seja, em regra, obrigatória, não o será sempre, havendo atos administrativos que não precisam – embora possam ser – motivados. A peculiaridade reside no fato de que, mesmo quando a motivação não é obrigatória, se for realizada, os motivos que são externados devem também existir e ser congruentes, sob pena da invalidação do ato administrativo. Já em relação aos atos cuja motivação é obrigatória – o que é a regra geral, independentemente da categoria do ato –, além de os motivos expostos na motivação terem de existir de modo congruente, a própria motivação deve existir, sob pena de configuração de um vício insanável de forma essencial do ato administrativo.
Assim, os atos administrativos cujos motivos não correspondam à realidade deverão ser anulados, independentemente de ser, ou não, obrigatória a apresentação expressa dos motivos na motivação.
Em síntese, portanto, podemos concluir que os motivos são elementos do ato administrativo que dizem respeito às situações de fato e de direito que justificam a sua prática, enquanto a motivação é a exposição escrita dessas razões. Mesmo nos casos em que a motivação não é obrigatória, caso haja incongruência dos motivos externados, isso poderá resultar na invalidação do ato administrativo, em virtude da aplicação da teoria dos motivos determinantes, criada pela doutrina para evitar ou corrigir eventual desvio de finalidade do ato.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei n.º 4.717, de 29 de junho de 1965. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 julho de 1965.
BRASIL. Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 fevereiro de 1999.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Julgados citados disponíveis em . Acesso em: 10 nov. 2013.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9ª Edição, Sao Paulo, Revista dos Tribunais, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
[1] MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 99.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 201.
[3] MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 100.
[4] Idem, p. 52.
[5] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9ª Edição, Sao Paulo, Revista dos Tribunais, 2005.
[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 200.
Procurador Federal. Subprocurador-Geral do INSS. Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Público pela UNIDERP. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSEPP, Alexandre Azambuja. Relação entre motivo, motivação e teoria dos motivos determinantes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37357/relacao-entre-motivo-motivacao-e-teoria-dos-motivos-determinantes. Acesso em: 23 dez 2024.
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