RESUMO: Este trabalho objetiva analisar o Poder Normativo da Agêndia Nacional de Telecomunicações - ANATEL conferido pela Constituição Federal de 1988, , a fim de delimitar sua atuação normativa, bem como avaliar a determinação de submissão dos atos normativos à consulta pública, constante na Lei Geral de Telecomunicações- LGT, o que confere legitimidade às normas jurídicas produzidas.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do poder Normativo. 3. Da obrigatoriedade de submissão dos atos normativos à Consulta Pública. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A Carta Magna e a lei conferiram às agências reguladoras o poder normativo para garantir que elas atuassem de forma efetiva, pois sem a função normativa seria impossível a regulação, nos moldes desenhados pelo direito moderno.
A Constituição Federal, notadamente em seu artigo 21, XI, e a Lei Geral de Telecomunicações - LGT atribuíram à Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL a qualidade de órgão regulador das telecomunicações, conferindo-lhe competência para adotar as medidas necessárias para implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações (artigo 19, I, LGT).
A ANATEL, de acordo com o art. 8º da LGT, é entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal. A atividade da Agência está juridicamente condicionada pelos princípios da legalidade, celeridade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, igualdade, devido processo legal, publicidade e moralidade.
No curso desse processo de elaboração normativa da ANATEL, é preciso avaliar o conteúdo das normas,especialmente no tocante à sua legalidade, bem como o procedimento para a sua elaboração, com vistas a garantir a legitimidade e validade dessas normas.
Ao perseguir os objetivos da lei (o espírito da lei), através da prolação de suas resoluções, regulamentos e atos, a ANATEL não fere o princípio da legalidade, o que será mais adiante demonstrado, pois seu conteúdo decorre da lei. Não há uma invasão de competência, por parte da agência, ao editar suas resoluções, pois o faz como competência legítima.
No processo de elaboração de normas, a Agênia deve atuar em sua esfera de atribuição, para que seu poder não reste extrapolado, o que ensejaria controle dos poderes da União.
As agências reguladoras não podem promover inovações absolutas na ordem jurídica, pois o conteúdo de suas normas devem decorrer de lei e da vontade do legislador.
Para conferir legitimidade às normas produzidas pela Agência, as propostas de normas devem ser submetidas à consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, nos termos do art. 42 da LGT, que tem por finalidade submeter minuta de ato normativo a comentários e sugestões do público em geral. Além disso, elas ainda podem ser submetidas à audiência pública, que se destina a debater ou apresentar, oralmente, matéria de interesse geral.
Através desses instrumentos, o público em geral toma conhecimento e tem participação ativa na elaboração das normas, o que confere legitimidade às decisões administrativas.
A falta de transparência e a institucionalização do segredo como prática decisória são elementos que comprometem a independência do agente regulador, trazendo consigo um déficit democrático inconciliável com os princípios que regem a atividade política no Estado de Direito.
2. DO PODER NORMATIVO.
Dada a grande importância que os serviços públicos representam para a sociedade em geral e o exercício de determinadas atividades, deve o Estado exercer uma regulação dessas atividades e serviços, em benefício da sociedade. De fato, trata-se de um dever constitucional.
Na transição do Estado Produtor para o Estado Regulador, há uma significativa redução das competências do Estado. De fato, são devolvidas à iniciativa privada a atividade econômica, pois é ela quem melhor pode desempenhar essa atividade. Contudo, por meio desse último modelo, há um aumento no controle e na fiscalização das atividades privadas.
Em razão da redução de competências acima mencionadas, o Estado começa um processo de privatizações de suas empresas e de outras entidades com caráter intervencionista. No Brasil, esse processo é sentido na década de 90. Continuam a ser mantidas pelo Estado apenas as atividades econômicas definidas em lei por motivo de interesse público ou segurança nacional (atividades exclusivas do Estado).
O Estado, modificando o enfoque de sua atuação no mercado e percebendo sua ineficiência para atuar como agente econômico, delegou a exploração de serviços públicos à iniciativa privada. Com efeito, diante da necessidade de intervenção do Estado de forma indireta foram criados os órgãos reguladores, aos quais foram atribuídas funções essenciais para a regulação do mercado, dentre elas a função normativa.
Há, pois, um incremento de seus poderes de controle, fiscalização e normativização das atividades privadas. Segundo as lições de Di Pietro[1], a regulação constitui-se como o conjunto de regras de conduta e de controle da atividade econômica pública e privada e das atividades sociais não exclusivas do Extado, com a finalidade de proteger o interesse público.
As agências foram criadas para implementar as políticas públicas, com autonomia, especialização no setor regulado, e para harmonizar os interesses conflitantes nos mercados de sua atuação, advindos das rápidas mudanças econômicas.
Como já dito anteriormente, a Carta Magna e a lei conferiram às agências o poder normativo para garantir que elas atuassem de forma efetiva,já que sem a função normativa seria impossível a regulação, no contexto do direito moderno.
Ao se estabelecer que as agências podem expedir normas específicas sobre seus respectivos setores regulados, está-se criando um mecanismo que torna o sistema jurídico mais eficiente, quando se busca através dessas normas perseguir os objetivos do Estado, dentre eles o bem-estar social, a justiça, uma concorrência leal, um mercado livre de especulações e abusos, para que os indivíduos, os administrados, possam exercer a autonomia da vontade.
No entanto, essas normas nunca podem ter natureza contra legem, devido ao princípio da legalidade administrativa.
A Constituição da República estabeleceu reservas relativas de lei. São exemplos de reserva absoluta de lei as matérias tributária e penal, quando o estado somente poderá dispor sobre essas matérias através de lei formal. Aqui o legislador deve esgotar o tema, sem deixar margem de discricionariedade para o agente público.
Já em se tratando das agências reguladoras, dada a especialização que se exige e a rápida evolução tecnológica, é imprescindível a atribuição de liberdade discricionária aos órgãos reduladores, para que o mercado seja regulado da forma mais efetiva possível. Desse modo, o engessamento do sistema seria impossível. A reserva legal é, aqui, apenas material, podendo uma norma expedida pela agência ter plena vigência no ordenamento jurídico.
A função normativa das agências reguladoras pode ser enquadrada como uma deslegalização, que seria a retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias do domínio da lei passando para o nível de regulamento, para atribuí-las à disciplina das agências reguladoras. Em outras palavras, a deslegalização é a transferência da função normativa (sobre matérias determinadas) da sede legislativa estatal a outra sede normativa.
Tal ordem de coisas decorre do fato de o legislador reconhecer que os entes reguladores são especialistas na matéria, com notório conhecimento sobre o segmento regulado. O legislador, como generalista não entende de cada segmento regulado, mas sabe que, dada a sua relevância para o desenvolvimento, deve ter funcionamento eficiente, de modo a atender aos interesses da coletividade. Portanto, nada mais voltado para o princípio da eficiência que ele atribua poder de explicitar as obrigações genéricas contidas na lei a quem tem esse conhecimento.
Cabe ressaltar que, em matérias de alta complexidade técnica, a normatização muitas vezes acaba por deixar o domínio da lei para alcançar o do ato regulamentar, competindo ao administrador a criação de normas aptas a realizar a vontade da lei que as inspirou, muito embora essa lei não tenha eleito um caminho específico para isso. A esse respeito, confira-se:
Trata-se de modelo atual do exercício do poder regulamentar, cuja característica básica não é a simplesmente a de complementar a lei através de normas de conteúdo organizacional, mas sim de criar normas técnicas não contidas na lei, proporcionando, em conseqüência, inovação no ordenamento jurídico. Por esse motivo, há estudiosos que o denominam de poder regulador para distingui-lo do poder regulamentar tradicional.
Exemplos dessa forma especial do poder regulamentar têm sido encontrados na instituição de algumas agências reguladoras, entidades autárquicas às quais o legislador tem delegado a função de criar normas técnicas relativas a seus objetivos institucionais. É o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, em cuja competência se insere a produção de normas técnicas para os setores de energia elétrica e telecomunicações, objeto de sua atuação controladora.[2]
Por outro lado, é preciso ter em mente que no direito brasileiro apenas são permitidos os regulamentos de execução, pois estão subordinados à existência de lei que discipline determinada matéria. Assim, os regulamentos devem pormenorizar as normas estabelecidas na lei, não podendo inovar na ordem jurídica, apenas esclarecer e especificar as normas pré-estabelecidas na lei regulamentada.
O princípio da legalidade, que está insculpido no art. 5?, II, e art. 37, caput, da Constituição da República, estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Regra diametralmente oposta a que deve ser seguida pelo Estado, visto que o que não é permitido fazer é proibido.
Tratando do tema regulamentos, o professor Caio Tácito esclarece que o ato normativo “...representa a formação de uma ordem nova, complementar ao direito existente, que esclarece e desenvolve, tendo, obviamente, conteúdo inovador, embora mínimo”.[3]
Ao perseguir os objetivos da lei (o espírito da lei), através da prolação de suas resoluções, as agências não ferem o princípio da legalidade, pois seu conteúdo decorre da lei.[4] Não há uma invasão de competência, por parte da agência, ao editar suas resoluções, pois o faz como competência legítima através da deslegalização, sendo passível de controle.
Caio Tácito defende que a regulação estatal no domínio econômico faz-se nos termos da lei. “Nada impede que, ao fazê-lo, a lei reserve aos órgãos administrativos incumbidos da gestão da política adotada, uma parcela secundária de poder normativo, de modo a ajustar os meios de ação às cambiantes manifestações da atividade econômica, de difícil previsão”[5].
Desse modo, as agências reguladoras não podem promover inovações absolutas na ordem jurídica, pois o conteúdo de suas normas devem decorrer de lei e da vontade do legislador, sob pena de controle por parte do Poder Judiciário e do Poder Legislativo.
Tendo em vista o poder normativo das agências ser proveniente de uma deslegalização, que é uma das modalidades de delegação legislativa, o Poder Legislativo deve ser o guardião de sua competência legislativa, nos termos do inc. XI, do art. 49 da Constituição Federal de 1988.
Quanto ao alcance das resoluções editadas pelas agências, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[6] afirma que precisamos diferenciar qual o tipo de relação existente entre a Administração Pública e os particulares. Com efeito, quando houver uma submissão em regime especial, caracterizada pela existência de um contrato entre o particular e a Administração (concessão, autorização, permissão), o particular será afetado pelos atos praticados pela administração.
Ao ingressar em um mercado regulado, o particular submete-se a um regime especial de relação com a Administração. Destarte, as normas regulamentadoras (resoluções) produzidas pelas agências alcançarão essas empresas.
Em relação à liberdade de decisão do administrador se pode dizer que há atos administrativos que são provenientes de uma certa margem de liberdade, ao menos em abstrato, na apreciação do mérito do ato. Nesse caso, diz-se que o administrador agiu valendo-se do poder discricionário. Vale lembrar, contudo, que o legislador não estabelece uma liberdade absoluta à administração pública, mas assim o faz com o fim de proteger o interesse público, sempre que se reconhece que da análise do caso concreto o administrador poderá encontrar uma solução que satisfaça melhor o interesse público, preservando-se a finalidade do Estado.
Há limites impostos à atuação das agências regulatórias, exatamente para que exista a possibilidade de atendimento do interesse público. Assim, devem ser respeitados os princípios da realidade, que veda a utilização de motivos falsos ou inverídicos na elaboração de atos normativos ou decisórios ou para alcançar finalidades impossíveis, e da proporcionalidade. Devem ser observados ainda, os princípios da legalidade, moralidade administrativa, da razoabilidade, da finalidade, da eficiência, dentre outros.
A atuação das Agências deve ser controlada, inclusive, para que não haja a usurpação das funções atribuídas aos Poderes Executivo e Legislativo. Em respeito ao princípio da separação dos poderes e à garantia das liberdades individuais, o poder dos órgãos reguladores não deve ser extrapolado.
2. DA OBRIGATORIEDADE DE SUBMISSÃO DOS ATOS NORMATIVOS À CONSULTA PÚBLICA.
Quanto à necessidade de submeter a minuta a procedimento de Consulta Pública, de bom alvitre transcrever os pertinentes dispositivos da Lei Geral de Telecomunicações - LGT, in verbis:
Lei nº 9.472/97 (LGT):
Art. 42. As minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e permanecer à disposição do público na Biblioteca.
Com efeito, os administrados têm o direito de serem ouvidos, participar, contribuir, negociar e de tentar defender seus interesses. Nesse processo, para garantir maior efetividade e tranparência, é necessário que essa colaboração se dê de forma institucionalizada e siga regras previamente estabelecidas.
A consulta pública serve como fórum apropriado ao recolhimento de diversas manifestações formuladas por indivíduos e grupos sociais interessados em determinado tema tema específico.
A consulta pública possibilita que todos os interessados e envolvidos com a matéria contribuam, de forma igualitária, para a elaboração da norma, o que fortalece a independência do órgão e impede que apenas os grande grupos econômicos lutem pelos seus interesses. Com efeito, a falta de transparência é elemento que compromete a independência, trazendo consigo um déficit democrático que não se coaduna com os princípios que norteiam a atividade política no Estado de Direito.
Segundo Márcio Iório Aranha[7], não foi sem propósito que os mecanismos da consulta e da audiência pública foram introduzidos na atual legislação e regulamentação setorial. Trata-se de um passo de reorientação da função das agências para a sua vocação inicial de espaços públicos e, portanto, mediadores do diálogo para preservação da virtude política dos interessados em verem suas vozes traduzidas em ação.
A Exposição de Motivos n° 231/MC–EM-LGT, de 10.12.1996, ao tratar do assunto, definiu a consulta pública como instrumento capaz de “dificultar comportamentos oportunistas e inibir ações indesejáveis por parte de operadoras e grupos de interesses”, realçando a característica de transparência e permeabilidade institucionalizada imprimida à Anatel.
Na verdade, a submissão prévia das minutas de atos normativos à consulta pública é corolário do conceito de Estado Democrático de Direito e ato essencial para a legitimação das decisões administrativas. Com efeito, quanto maior a transparência e quanto mais amplos os canais de participação popular, maior a legitimidade da atuação da agência.
Alexandre Santos de Aragão[8] explica que os espaços públicos de discussão foram criados como mecanismos de legitimação do processo decisório, no intento de reduzir o déficit democrático da regulação administrativa.
A obrigatoriedade de realização de consulta pública dá ao cidadão o direito de participar efetivamente da elaboração das normas administrativas, corrigindo-se assim o déficit democrático. As instituições públicas abrem espaços destinados à manifestação do indivíduo, no exercício do direto de sua cidadania.
Como a consulta pública é uma garantia processual de participação colocada à disposição de todos os indivíduos, o cidadão passa a ser visto como um co-autor das normas que o regem.
No tocante à questão da legitimidade, é relevante citar trecho do texto “Razão prática, Moral e Direito- uma leitura contemporânea”, de autoria de Guilherme Scotti[9]:
A Teoria Discursiva do Direito e da Democracia rompe com os modelos explicativos tradicionais, ao fundar a legitimidade do direito moderno numa compreensão discursiva da Democracia. Como demonstrado pela própria história institucional da modernidade, o direito positivo, coercitivo, que se faz conhecer e impor pelo aspecto da legalidade, precisa, para ser legítimo, ter sua gênese vinculada a procedimentos democráticos de formação da opinião e da vontade que recebam os influxos comunicativos gerados numa esfera pública política e onde um sistema representativo não exclua a potencial participação de cada cidadão, cujo status político não depende de pré-requisitos (de renda, educação, nascimento etc.). A essa relação entre positividade e legitimidade, Habermas denomina tensão interna entre faticidade e validade, pois presente no interior do próprio sistema de Direito.
Na concepção de Jurgen Habermans, um ordenamento tido por legítimo merece ser reconhecido. Legitimidade é, portanto, o critério utilizado para verificar se o ordenamento é justo e equânime, ou, em outras palavras, se o ordenamento político está adequado e é digno de reconhecimento.
A questão da racionalidade está ligada as possibilidades de decisões coletivas. Para Habermas, apenas as normas que são válidas podem ser universalizadas. Nesse contexto, a participação dos indivíduos em uma discussão prática e a sua aprovação das normas seriam indispensáveis à validade destas.
Segundo o filósofo alemão, em uma democracia, o cidadão deve, ao mesmo tempo, ser destinatário e autor das normas jurídicas. Além disso, Habermas fez da ética e da moral pontos centrais em seu pensamento.
Na obra “A Teoria da Ação Comunicativa”, Habermas trouxe a teoria do agir comunicativo, na qual o filósofo substitui a razão prática pela comunicativa. No que tange ao assunto, Paulo Nader[10] esclarece que (in verbis):
A ação comunicativa é analisada por Habermans como forma de libertação ou de emancipação dos membros da sociedade. A fim de alcançar talobjetivo, comenta Rogério Gesta Leal, o filósofo Habermans propõe a mudança de paradigma: em lugar de o cidadão legtimar as esferas do Estado, transferindo-lhe o poder, deveria assumi-lopela própria cidadania. Na metodologia reconstrutiva de Habermans, os cidadãos devem ser considerados, ao mesmo mesmo, autores e destinatários da ordem jurídica.
(...)
(...) Vê-se, pois, que Habermas se interessa pela ação comunicativa como um meio eficaz de conduzir o diálogo entre os cidadãos e entre eles e as instâncias do poder, na pretensão de estirpar, ou minorar as injustiças sociais, humanizando o Estado. As afirmações de que a teoria do agir comunicativo implica anarquia e desconsidera a realidade das instituições foi contestada pelo filósofo alemão no prefácio de Direito e Democracia.
A respeito da soberania popular, Habermans, no texto Faticidade e Validade: Uma introdução à teoria discussiva do Direito e do Estado Democrático de Direito[11], explicitou que:
Ler em termos teorético-discursivos o princípio da soberania popular equivale a dizer que todo poder político deriva do poder comunicativo dos cidadãos. O exercício da dominação política é orientado e legitimado pelas leis que os cidadãos dão a si próprios mediante uma formação discursivamente estruturada da opinião e da vontade. A aceitabilidade racional dos resultados alcançados em conformidade com procedimentos decorre da institucionalização de formas de comunicação intervinculadas que, em termos ideais, assegura que todas as questðes, temas e contribuiçðes relevantes sejam levantadas e processadas nos discursos e negociaçðes sobre a base da melhor informação e das melhores razðes. Essa institucionalização jurídica (rechtiche) de condiçðes e procedimentos específicos de comunicação é o que torna possível a efetiva utilização de iguais liberdades comunicativas e a um só tempo a fruição do uso pragmático, ético e moral da razão prática ou, conforme seja a hipótese, de equânime (fairen) equilíbrio de interesses.
Desse modo, verifica-se que as Agências Reguladoras devem obedecer ao regramento constitucional e legal, que lhe conferem legitimidade, podendo ser controlada pelo Legislativo e Judiciário em caso de atuação irregular.
3. CONCLUSÃO.
No âmbito de atuação das agências reguladoras, notadamente da ANATEL, dada a especialização que se exige e a rápida evolução tecnológica, é imprescindível a atribuição de liberdade, para que o mercado seja regulado da forma mais efetiva possível. Assim, é impossível o engessamento do sistema. A reserva legal é, aqui, apenas material, podendo uma norma expedida pela agência ter plena vigência no ordenamento jurídico.
A função normativa das agências reguladoras pode ser enquadrada como uma deslegalização, que seria a retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias do domínio da lei passando para o nível de regulamento, para atribuí-las à disciplina das agências reguladoras.
Isso deoco do fato de o legislador reconhecer que os entes reguladores são especialistas na matéria, com notório conhecimento sobre o segmento regulado. Portanto, nada mais voltado para o princípio da eficiência que o legislador atribua poder de explicitar as obrigações genéricas contidas na lei a quem tem esse conhecimento. Em matérias de alta complexidade técnica, a normatização muitas vezes acaba por deixar o domínio da lei para alcançar o do ato regulamentar, competindo ao administrador a criação de normas aptas a realizar a vontade da lei que as inspirou, muito embora essa lei não tenha eleito um caminho específico para isso.
Em sua atuação regulamentar, a ANATEL não fere o princípio da legalidade. Não há uma invasão de competência, por parte da agência, ao editar suas resoluções, pois o faz como competência legítima através da deslegalização, sendo passível de controle.
As agências reguladoras, em sua atuação, não promovem inovações absolutas na ordem jurídica, pois o conteúdo de suas normas decorrem de lei e da vontade do legislador.
Em relação à liberdade de decisão do administrador se pode dizer que há atos administrativos que são provenientes de uma certa margem de liberdade, ao menos em abstrato, na apreciação do mérito do ato. Nesse caso, diz-se que o administrador agiu valendo-se do poder discricionário. Vale lembrar, contudo, que o legislador não estabelece uma liberdade absoluta à administração pública, mas assim o faz com o fim de proteger o interesse público, sempre que se reconhece que da análise do caso concreto o administrador poderá encontrar uma solução que satisfaça melhor o interesse público, preservando-se a finalidade do Estado.
Há limites impostos à atuação das agências regulatórias, exatamente para que exista a possibilidade de atendimento do interesse público. Essa atuação deve ser controlada, inclusive, para que não haja a usurpação das funções atribuídas aos Poderes Executivo e Legislativo. Em respeito ao princípio da separação dos poderes e à garantia das liberdades individuais, o poder dos órgãos reguladores não deve ser extrapolado.
A ANATEL, no desempenho de suas funções, deve obediência à Constituição e à lei, que impõe limites a sua atuação, justamente para garantir os direitos individuais e o atendimento do interesse público. Devem ser observadosos princípios da legalidade, moralidade administrativa, proporcionalidade e razoabilidade, da inalidade, da eficiência, dentre outros.
Na hipótese de invasão de competência por parte da agência, ao editar suas resoluções, sua atuação poderá ser contolada pelos poderes da União, especialente o Legislativo e o Judiciário.
REFERÊNCIAS
Aragão, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 104.
CARVALHO NETTO, Menelick de. Lutas por reconhecimento e a cláusula de abertura da Constituição. Curso de Especialização em Direito Público.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 184.
HABERMAS, Jungen. Faticidade e Validade: Uma introdução À teoria discursiva do Direito e do estado Democrático de Direito. Tradução provisória exclusiva para uso acadêmico de Menelick de Carvalho Netto.
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências Reguladoras: Instrumentos do Fortalecimento do Estado.
SCOTTI, Guilherme. Razão prática, Moral e Direito – uma leitura contemporânea. Curso de especialização em Direito Público.
TÁCITO, Caio. O mandado de segurança e o poder normativo da administração. RDA nº 46, p. 246.
TÁCITO, Caio. Temas de direito público (estudos e pareceres), Rio de Janeiro: Renovar, 1997, v. 2, p. 1089.
NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 21 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, p. 302-303.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Limites da Função Reguladora das Agências diante do Princípio da Legalidade. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Org.). Direito Regulatório: Temas Polêmicos.2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 22.
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010. p.63.
[3] O mandado de segurança e o poder normativo da administração. RDA nº 46, p. 246.
[4] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 184.
[5] Temas de direito público (estudos e pareceres), Rio de Janeiro: Renovar, 1997, v. 2, p. 1089.
[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
[7] ARANHA, Márcio Iorio. Políticas Públicas Comparadas de Telecomunicações (Brasil-EUA). Brasília: Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas – CEPPAC, 2005, p. 199.
[8] Aragão, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 104.
[9] GUILHERME, Scotti. Razão prática, Moral e Direito – uma leitura contemporânea. p. 6-7. (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/course/view.php?id=9. Acesso em: 20 de novembro de 2013.
[10] NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 21ª ed. Edtora Forense. Rio de Janeiro.
[11] HABERMAS, Jungen. Faticidade e Validade: Uma introdução à teoria discursiva do Direito e do Estado Democrático de Direito. Tradução provisória exclusiva para uso acadêmico de Menelick de Carvalho Netto. (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/mod/folder/view.php?id=242. Acesso em: 20 de novembro de 2013.
Procuradora Federal em Brasília-DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Danielle Felix. O poder normativo da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL atribuído pela constituição federal de 1988 e a determinação legal de submissão dos atos normativos à consulta pública para garantir sua legitimação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2013, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37362/o-poder-normativo-da-agencia-nacional-de-telecomunicacoes-anatel-atribuido-pela-constituicao-federal-de-1988-e-a-determinacao-legal-de-submissao-dos-atos-normativos-a-consulta-publica-para-garantir-sua-legitimacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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