PALAVRAS CHAVES: Ato Discricionário. Administração Pública. Mérito Administrativo. Controle Jurisdicional.
RESUMO: O controle jurisdicional dos atos discricionários é tema muito debatido pela doutrina Administrativa. Enquanto a doutrina clássica entende não ser possível a análise jurisdicional do “mérito administrativo”, a doutrina mais atual e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal têm flexibilizado o entendimento.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os atos administrativos são, usualmente, classificados em atos vinculados e discricionários. Enquanto os primeiros são aqueles em que a lei estabelece um único comportamento possível, os segundos possuem uma normatização que resguarda certa liberdade para que o gestor eleja o melhor comportamento possível para a garantia do interesse público (MELLO, 2002, p. 393).
Em razão de a lei conferir ao administrador a livre escolha (dentro dos liames legais) sobre o comportamento a ser adotado, é que se defendeu, durante algum tempo, a impossibilidade de controle jurisdicional. No entanto, é preciso analisar a evolução do próprio conceito de discricionariedade para que se compreenda a controvérsia.
O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DISCRICIONÁRIOS
O controle jurisdicional dos atos discricionários é tema muito debatido pela doutrina Administrativa. Classicamente, os atos discricionários eram definidos como aqueles praticados com margem de liberdade pelo administrador. Nessa linha, poder discricionário é, para Meirelles, aquele conferido à Administração para a prática de atos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo[1]. Em outras palavras, é a possibilidade de praticar os atos administrativos da forma mais conveniente ao interesse público.
A discricionariedade administrativa encontra fundamento e justificativa na complexidade e variedade dos problemas que o Poder Público tem que solucionar a cada passo e para os quais a lei, por mais casuística que fosse, não poderia prever todas as soluções, ou, pelo menos, a mais vantajosa para cada caso corrente.
Para o autor, os atos praticados com discricionariedade não poderiam ser submetidos a controle jurisdicional sob o aspecto denominado de mérito do ato administrativo, já que não se consubstanciariam em atos ilegais. A intangibilidade do “mérito administrativo” (conveniência e oportunidade) foi durante muito tempo defendida. Entretanto, quando a discricionariedade dos atos administrativos passou a ser entendida como técnica legislativa e vinculada à finalidade estabelecida pela norma, o posicionamento passou a ser duramente criticado.
É que, atualmente, os atos discricionários são, assim como os atos vinculados, ligados ao princípio da legalidade. A norma estabelece certos delineamentos, deixando parte da decisão à escolha do administrador. Isso porque nem sempre é possível prever a melhor solução para o atendimento do interesse público. Desta forma, a discricionariedade é, na verdade, técnica legislativa que resguarda alguma esfera de liberdade para que o aplicador atinja a finalidade prevista pela lei da melhor forma possível.
O ato discricionário pode ser conceituado como aqueles “em que a lei prevê mais de um comportamento possível a ser adotado pelo administrador em um caso concreto”[2]. Vale dizer que a lei prevê mais de uma forma para o atendimento do interesse público, conferindo ao gestor a possibilidade de escolher qual das hipóteses legais será praticada. Nesse sentido, Justen Filho (2013, 249):
Por isso, a discricionariedade é, antes, uma virtude da disciplina normativa. É solução jurídica para a insuficiência do processo legislativo de geração de normas jurídicas: o legislador não dispõe de condições de prever antecipadamente a solução mais satisfatóeia para todos os eventos futuros.
Diferentemente do que afirmado pela doutrina clássica do Direito Administrativo, a discricionariedade tem seus limites definidos pela lei. Ou seja, a lei prevê os comportamentos possíveis e o gestor, com base na razoabilidade, escolherá a conduta que mais contempla o interesse público. É, assim, um poder demarcado pela lei, não permitindo ao administrador a faculdade de agir fora dos limites previstos pela norma. Por isso, os atos discricionários estão, sim, submetidos a certos limites, porque não se admite discricionariedade “sem remissão lógica à existência de limites a ela, que defluem da lei e do sistema legal como um todo”[3].
O controle jurisdicional desses limites estabelecidos pela lei para um ato administrativo discricionário, antes de ser uma possibilidade, é dever indeclinável[4]. Todavia, é evidente que a escolha do gestor não pode ser revisada de forma irrestrita. Caso contrário, não se estaria diante de um ato para o qual a lei conferiu certa margem de liberdade[5].
Furtado defende, entretanto, que o controle dos atos discricionários se submetem a quatro etapas: 1ª) exame da legislação que autoriza a prática do ato; 2 ª) exame dos motivos; 3ª) exame da razoabilidade da decisão adotada em face da lei e dos motivos invocados; e 4 ª) exame da forma do ato.[6]
No mesmo sentido, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de onde se pode concluir que a eleição democrática não permite ao administrador poder ilimitado na eleição das políticas públicas. Nesse sentido, é o voto do Ministro Celso de Mello:
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.
Cita-se, ainda, a reafirmação pelo STF de que o controle dos atos discricionários não viola o princípio da separação dos poderes:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDADOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II - Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes. III - Agravo regimental improvido.
(RE 654170 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 19/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-068 DIVULG 12-04-2013 PUBLIC 15-04-2013)
Assim, os atos discricionários são aqueles em que a lei confere autonomia para que o gestor escolha entre os comportamentos por ela previstos, considerando, para sua escolha, o interesse público e a razoabilidade entre a lei e os fundamentos. Todavia, embora praticados com certa liberdade, podem ser submetidos ao controle jurisdicional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, é possível concluir que, tanto a doutrina e a jurisprudência, tem se manifestado no sentido de ser possível a realização do controle jurisdicional dos atos discricionários. O controle, repise-se, está sujeito aos critérios: quatro etapas: 1ª) exame da legislação que autoriza a prática do ato; 2 ª) exame dos motivos; 3ª) exame da razoabilidade da decisão adotada em face da lei e dos motivos invocados; e 4 ª) exame da forma do ato[7].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, 1013 p.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/RFD/article/viewFile/1964/1969>. Acesso em: 23 nov. 2013.
JUSTEN FILHO, Marçal. 9.ed. Curso de Direito Administrativo. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1408p.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 3.ed. Salvador: Podivm, 2007. 513 p.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16.ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 936 p.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo nº 345. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo345.htm. Acesso em: 23 nov. 2013.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 114;
[2] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 3.ed. Salvador: Podivm, 2007. p. 196;
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16.ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 32;
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16.ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 833;
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. 9.ed. Curso de Direito Administrativo. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 261;
[6] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 641;
[7] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, 1013 p.
Procuradora Federal, Coordenadora de Gerenciamento e Prevenção de Litígios e Coordenadora-Geral Substituta da Matéria de Benefícios da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, Direção Central em Brasília/DF. Professora Tutora Professora Tutora do Curso Aspectos Práticos e Relevantes do Direito Previdenciário da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Conselho Nacional de Justiça (ENFAM/CNJ). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito - pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Gabriela Koetz da. O controle jurisdicional dos atos discricionários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37367/o-controle-jurisdicional-dos-atos-discricionarios. Acesso em: 23 dez 2024.
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