Resumo: situações de aborrecimento numa viagem, em que o consumidor se depara com algo diferente daquilo que esperava, levando em conta a oferta, preço pago e sua boa-fé, é mais que um mero contratempo da vida privada e implica um ilícito contratual diante da teoria do vício do serviço estampada no art. 20 do CDC
Palavras-chave: direito do consumidor. Contratos. Agências de turismo. Hipossuficiência informacional. Dever de prestar informações claras e adequadas. Teoria do vício do serviço. Art. 20 do CDC.
Viajar em férias é um dos poucos momentos de lazer do trabalhador de classe média, que guarda suas economias e nutre expectativas para desfrutar da melhor forma o único período longo de descanso do ano.
Ao contratar uma agência de viagens, o consumidor deixa nas mãos de um fornecedor com presumida expertise a organização desse tão esperado momento, por confiar que a agência de turismo planejará melhor o roteiro de férias do que se fizesse por conta própria porque ela conhece o que está ofertando.
Quando comercializa um pacote turístico, a agência assume a responsabilidade por todo o roteiro da viagem contratada. Por ser fornecedora de serviços, a empresa têm a obrigação de prestar serviços adequados, de escolher bem seus parceiros comerciais, sejam eles hotéis, guias turísticos ou transportadores, bem como fornecer informações claras, precisas e suficientes ao consumidor, sem omitir-lhe características essenciais dos serviços oferecidos.
O Código de Defesa do Consumidor qualifica como impróprio o serviço (art. 20 § 2º do CDC) que se mostra inadequado ao fim que razoavelmente dele se espera. Essa razoabilidade está intimamente ligada ao direito de informação do consumidor (art. 6º, III do CDC). Por isso, se os hotéis com ao quais uma agência trabalha fogem aos padrões de normalidade, apresentando características “pitorescas”, cabe à agência fornecedora a obrigação legal de advertir o consumidor a respeito das características dos serviços que poderiam frustrar o conforto e comodidade esperados de um hotel.
Sobre o assunto, diz a lei o seguinte:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(…)
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
(…)
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
(…)
§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade
(...)
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
(…)
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;”
Da informações claras e adequadas, além de direito básico do consumidor, demonstra a lealdade inerente à boa-fé objetiva e constitui ponto de partida para a perfeita coincidência entre o serviço oferecido e o efetivamente prestado.
De acordo com Cláudia Marques, “(...) não é unicamente no contrato e nas suas cláusulas que se deve verificar se houve uma adequada e eficaz prestação do serviço. A noção do serviço inadequado é objetivada, até porque depender do teor do contrato é colocar tudo nas mãos e no controle do fornecedor, o qual, invariavelmente, utiliza-se de contratos de adesão e redige as cláusulas considerando unicamente os próprios interesses econômicos” (MARQUES, Cláudia Lima et alli. Manual de direito do consumidor. 2ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 158)
Não é demais destacar o que vem decidido a Justiça do Rio de Janeiro sobre o assunto:
TJ/RJ: “(...) Na complexa relação de turismo, a agência seleciona seus próprios prestadores de serviço, os quais assumem a condição jurídica de seus auxiliares, a atrair a responsabilidade solidária de todos por eventuais fatos do serviço causados causadas aos adquirentes do pacote turístico. Demonstrada a falha na prestação do serviço e a ofensa ao princípio da obrigatoriedade da oferta, exsurge o dever de indenizar. Censurável violação ao direto básico do consumidor à informação adequada e clara acerca das condições em que o hotel se encontrava. Furto de bem de uso pessoal dos Apelados no interior do estabelecimento. Diante das frustrações, preocupações e dos aborrecimentos que suplantam as chateações do cotidiano, a fixação da verba compensatória se impõe. Valor arbitrado escorreitamente. Conhecimento e negativa de provimento a ambos os recursos”. (Apelação nº 0057942-70.2009.8.19.0001. Rel. Des. Rogério de Oliveira Souza, j. 14.12.2010).
TJ/RJ: “Ação de responsabilidade civil c/c com pedido de danos moral e material. Viagem comemorativa de aniversário de casamento. Reserva em hotel. Falha na prestação do serviço. Sentença de parcial procedência. Dano moral cabível quando a agencia de viagens e operadora de turismo não cumprem com a obrigação que lhes cabia, no sentido de proporcionar adequada hospedagem. A operadora de viagens que organiza o "pacote" turístico integra a cadeia de fornecedores e responde perante o consumidor por falhas supostamente cometidas por seus prepostos (agência, hotel, navio), que são seus parceiros. Parte demandada não comprovou excludente de responsabilidade. Quantum indenizatório fixado em R$ 5.000,00 para cada autor que obedece aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade adotados por esta Câmara. Recursos conhecidos que se negam seguimento, na forma do art. 557, caput do Código de Processo Civil (Apelação nº 0021539-39.2008.8.19.0001. Rel. Des. Sérgio Jerônimo A. Silveira, j. 15.05.2010).
TJ/RJ: “RESPONSABILIDADE CIVIL. AGÊNCIA DE TURISMO. DEFEITO DO SERVIÇO. DANO MORAL E MATERIAL. 1-O ordenamento jurídico estabelece a responsabilidade do fornecedor de serviços pelos danos causados aos consumidores, decorrentes de defeitos relativos à prestação dos serviços. 2- Nesse aspecto, o fato de se gastar parte do tempo de viagem de lazer para resolver problemas de hotel, cujos serviços não correspondem ao contratado com a agência de turismo, enseja o advento de dano moral” (Apelação nº 0151827-12.2007.8.19.0001. Rel. Des. Milton Fernandes de Souza. j. 13.01.2009)
TJ/RJ: “EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PACOTE TURÍSTICO. SERVIÇO DEFEITUOSO. RESPONSABILIDADE DA AGÊNCIA DE VIAGEM. DANOS MORAIS. A relação contratual do consumidor é com a agência de viagem, razão pela qual é ela quem responde pela qualidade e a adequação da prestação de todos os serviços contratados. Quando a expectativa da viagem se transforma em grande frustração diante da injustificável conduta do prestador dos serviços, a agência de viagens responde pelos danos que decorreram do mau serviço prestado durante o pacote de turismo. RECURSO IMPROVIDO” (Embargos Infringentes nº 0107418-19.2005.8.19.0001. Rel. Des. Maldonado de Carvalho, j. 20.03.2007)
Por se tratar de uma relação de consumo, o art. 6º, VIII do CDC permite a inversão do ônus da prova em favor do autor, parte vulnerável da relação de consumo. A vulnerabilidade se relaciona com a hipossuficiência informacional. Nesse sentido, leciona Nelson Nery Jr que “[o] CDC permite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, sempre que foi hipossuficiente ou verossímil sua alegação. Trata-se de aplicação do princípio constitucional da isonomia, pois o consumidor, como parte reconhecidamente mais fraca e vulnerável na relação de consumo (CDC 4º,I), tem de ser tratado de forma diferente, a fim de que seja alcançada a igualdade real entre os participes da relação de consumo. O inciso comentado amolda-se perfeitamente ao princípio constitucional da isonomia, na medida em que trata desigualmente os desiguais, desigualdade essa reconhecida pela própria Lei” (NERY JR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 4ª ed., São Paulo:Ed. Revista dos Tribunais, 1999).
Portanto, situações de aborrecimento, em que o consumidor se depara com algo diferente daquilo que esperava, levando em conta a oferta, preço pago e sua boa-fé, é mais que um mero contratempo da vida privada e implica um ilícito contratual diante do vício do serviço.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Ricardo Marques de. Déficit informacional: uma prática abusiva nos contratos com agências de turismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2013, 09:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37424/deficit-informacional-uma-pratica-abusiva-nos-contratos-com-agencias-de-turismo. Acesso em: 26 dez 2024.
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