RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo estudar o instituto do exame criminológico, a sua aplicação frente à reforma introduzida pela Lei 10.792/03 na Lei de Execução Penal, relacionando-o aos princípios constitucionais da legalidade, da motivação, da segurança jurídica, da igualdade, da presunção de inocência, da culpabilidade, da lesividade, da alteridade e da dignidade da pessoa humana. Por isso, foi necessário abordar as espécies de avaliações vigentes no ordenamento jurídico em sede da execução penal, a sua natureza jurídica, as finalidades, bem como as conseqüências da sua realização, com enfoque no Sistema Penal de Garantias instituído pela Constituição Federal de 1988, bem como no Direito Penal dos Fatos. Este estudo é de suma importância aos aplicadores do direito, bem como aos sujeitos da execução penal, pois assegura ao condenado a concessão de direitos em sede da execução penal com vista ao disposto nos ditames legais, sem que haja qualquer discricionariedade ou arbitrariedade por parte do julgador, bem como análises com base no prognóstico da reincidência, algo inalcançável. Para tanto, foram utilizados os métodos comparativo, dedutivo e fenomenológico, mediante pesquisa jurisprudencial em nossos tribunais e das divergências doutrinárias existentes. Assim, confrontando todos os entendimentos encontrados com a técnica jurídica processual e com a ordem constitucional, defendemos que o exame criminológico não constitui requisito subjetivo para a concessão de direitos na execução penal, por ser essa a interpretação que se extrai após uma análise sistemática do ordenamento jurídico, bem como por tal determinação não encontrar expressa previsão na Lei de Execução Penal. Por derradeiro, a tese da presente pesquisa se coaduna com os ditames do neoconstitucionalismo, já que possibilita que o juiz assuma o seu papel de protagonista da relação jurídico-processual, uma vez que ele tem como compromisso garantir a aplicação dos direitos fundamentais criados pelo Poder Constituinte e concretizar os princípios constitucionais da legalidade, da motivação, da segurança jurídica, da igualdade, da presunção de inocência, da culpabilidade, da lesividade, da alteridade e da dignidade da pessoa humana, assegurando uma tutela jurisdicional célere, justa, efetiva e adequada.
Palavras-chave: Execução Penal. Direitos. Exame criminológico. Princípios constitucionais. Aplicação.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisa o exame criminológico como requisito para a concessão de direitos em sede da execução penal, e a sua aplicação frente à reforma introduzida pela Lei 10.792/03 na Lei de Execução Pena, relacionando-o aos princípios constitucionais da legalidade, da motivação, da segurança jurídica, da igualdade, da presunção de inocência, da culpabilidade, da lesividade, da alteridade e da dignidade da pessoa humana.
Para o alcance de tal premissa foram utilizados como técnica de pesquisa os métodos comparativo, fenomenológico e dedutivo.
No capítulo 1, estudamos os aspectos gerais acerca do exame criminológico, que envolve o seu conceito, as suas espécies, a sua finalidade, natureza jurídica e a sua previsão legal no ordenamento jurídico. Por conseguinte, foram analisadas as conseqüências desse instituto: o prognóstico da reincidência, a seletividade e a exclusão social. Ao final, temos um estudo crítico sobre o sistema penitenciário atual e a suposta “terapêutica penal”.
Já no capítulo 2, o tema foi estudado frente à Constituição Federal e à hermenêutica contemporânea, oportunidade em que trouxemos à baila as novas vertentes constitucionais do neoconstitucionalismo, bem como a compatibilidade da tese defendida na presente pesquisa com os princípios da legalidade, da motivação, da segurança jurídica, da igualdade, da presunção de inocência, da culpabilidade, da lesividade, da alteridade e da dignidade da pessoa humana.
Por derradeiro, no capítulo 3, o tema foi estudado frente à interpretação atribuída pelo Supremo Tribunal Federal, por meio da súmula vinculante nº. 26, e pelo Superior Tribunal de Justiça, através da súmula nº. 439. Por conseguinte, foi realizada uma análise das decisões dos magistrados no cumprimento das referidas súmulas e, por fim, a pesquisa menciona as medidas processuais cabíveis para alterar o cenário da jurisprudência atual, por considerá-la ilegal e inconstitucional.
Como visto, este trabalho envolve vários aspectos inerentes ao exame criminológico, com vista aos novos ideais e valores constitucionais, que devem ser respeitados com supremacia à legislação infraconstitucional.
Portanto, o tema é de interesse de todos os aplicadores do direito, uma vez que se devidamente aplicado, serão respeitados os princípios constitucionais supramencionados, assegurando o Sistema Constitucional de Garantias, que prima pela existência do Direito Penal voltado ao fato e não ao autor.
A importância do presente estudo também se justifica pela divergência existente entre a doutrina e a jurisprudência demonstrada em todos os capítulos.
É sabido que o exame criminológico consiste em uma espécie de perícia realizada por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais do Sistema Prisional no condenado penalmente, com vista a avaliar o seu comportamento, a sua personalidade, eventual arrependimento pela prática do delito, dentre outros fatores.
Insta consignar que há doutrinadores que distinguem o “exame da personalidade” ou “exame de classificação” do “exame criminológico”, com fulcro no item 34 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal (Lei nº. 7.210/84). Enquanto no exame da personalidade a análise dos fatores são dissociados do crime em concreto, no exame criminológico há um estudo que os relacionam com o delito praticado. Nesse sentido, é a lição de Alexis Couto de Brito[1].
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci[2] também estabelece uma diferenciação, senão vejamos:
A diferença entre o exame de classificação e o exame criminológico é a seguinte: o primeiro é mais amplo e genérico, envolvendo aspectos relacionados à personalidade do condenado, seus antecedentes, sua vida familiar e social, sua capacidade laborativa, entre outros fatores, aptos a influenciar o modo pelo qual deve cumprir a sua pena no estabelecimento penitenciário (regime fechado ou semi-aberto); o segundo é mais específico, envolvendo a parte psicológica e psiquiátrica do exame de classificação (...)
Assim, o exame da personalidade ou classificatório está previsto na Lei de Execução Penal como forma de avaliar o condenado e verificar as suas necessidades no cumprimento da pena privativa de liberdade, permitindo a colocação em estabelecimento penal adequado, bem como influenciando na escolha das celas, dos companheiros de cumprimento de pena, com vista a atender ao princípio da individualização da pena na fase da Execução Penal (artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal e item 26 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal).
Nesse sentido é o artigo 5º e 6º da Lei de Execução Penal, que afirma que os condenados serão classificados pela Comissão Técnica de Classificação, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da pena na execução penal.
Em complemento, o artigo 8º determina que o condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime fechado será submetido ao exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação, enquanto o condenado ao regime semiaberto poderá ser submetido a tal exame.
Veja que, pela Lei de Execução Penal, apenas há a obrigatoriedade de realização do exame da personalidade quando a condenação se referir ao regime fechado de cumprimento de pena, sendo que a sua determinação em relação ao regime semiaberto é uma faculdade. Esse é o entendimento de Celso Delmanto[3] e Paulo José da Costa Jr[4].
Contudo, o artigo 35 do Código Penal estabelece uma obrigatoriedade da realização do exame classificatório também em relação ao regime semiaberto. Assim, realizando uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, a obrigatoriedade desse exame ocorre em relação ao regime fechado e semiaberto.
Esse entendimento encontra fundamento no direito subjetivo do condenado em cumprir a pena de maneira individualizada, respeitando as suas necessidades, características e qualificações, dando ao preso as melhores condições possíveis para o cumprimento da pena imposta.
Ademais, temos que a Constituição Federal não assegura o Princípio da Individualização da Pena de forma restrita (ao regime fechado), logo, não cabe ao legislador realizar tal restrição, em razão dos princípios instrumentais da efetividade e força normativa das normas constitucionais. Esse também é o entendimento de Luiz Regis Prado e Cesar Roberto Bitencourt[5], bem como de Heráclito Antônio Mossin e Júlio César O.G Mossin, segundo esses últimos doutrinadores:
Há de se entender que a realização do exame criminológico para aquele que iniciará o cumprimento da pena em regime de semiliberdade, deve ser obrigatório, segundo o artigo 35 do Código Penal, tendo em vista o seu objetivo que é o de individualizar a execução penal, propiciando ao condenado melhores condições quanto ao seu cumprimento.
Por conseguinte, antes da reforma promovida pela Lei 10.792/03 na Lei de Execução Penal, o exame criminológico estava previsto como um requisito subjetivo para a obtenção do direito à progressão de regime prisional, ao lado do requisito objetivo (cumprimento de certo lapso temporal de pena).
A justificativa para essa previsão legal era a necessidade de um exame para constatar a periculosidade do condenado, ou seja, a possibilidade deste voltar a praticar novos delitos.
Porém, o legislador, atento à necessidade de compatibilizar a Lei de Execução Penal, de 1984, à Constituição Federal de 1988, decidiu retirar o exame criminológico como requisito para a concessão da progressão de regime prisional.
Insta consignar que tal alteração ocorrera pois o exame criminológico, conforme será explanado no decorrer da presente pesquisa, não constitui documento idôneo para a verificação da potencialidade do indivíduo voltar a delinqüir, já que, geralmente, consiste em uma entrevista de poucos minutos, em que a atenção do profissional está voltada para as características físicas e aspectos sociais do condenado.
Assim, o direito público subjetivo do condenado à progressão do regime prisional estava condicionado a um requisito que possui conceito aberto e indeterminado.
Portanto, atualmente, consoante dispõe o artigo 112 da Lei de Execução Penal[6], o requisito subjetivo para a progressão do regime prisional consiste em ostentar bom comportamento carcerário, situação que deve ser comprovada e atestada pelo diretor do estabelecimento.
Insta consignar que a reforma foi positiva, já que o requisito em questão deixa o campo da subjetividade e discricionariedade do julgador (e do próprio perito), já que o “bom comportamento carcerário” será constatado quando o condenado não tiver falta grave homologada judicialmente nos últimos doze meses, conforme a Resolução 144 da SAP[7].
Contudo, conforme tema que ainda será desenvolvido no presente trabalho, apesar da Lei 10.792/03 ter extinto a obrigatoriedade do exame criminológico, muitos magistrados continuaram exigindo-o como requisito para a concessão de direitos em sede da execução penal, principalmente da progressão do regime prisional.
Em razão dessa divergência, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante nº. 26[8] e o Superior Tribunal de Justiça a súmula 439[9], ambas dispõe que o exame criminológico pode ser determinado pelo magistrado, excepcionalmente, desde que por decisão devidamente fundamentada, contrariando o texto expresso da Lei de Execução Penal e, conforme veremos, da própria Constituição Federal. Esse também é o posicionamento de Rafael Barcelos Tristão[10]:
Antes da lei 10.792/2003 o exame era condição obrigatória para as progressões de regime. Com a referida lei o procedimento passou somente a focar a individualização da pena, evitando ao máximo o impacto negativo do cárcere. Tal objetivo não foi alcançado. Porém, a demanda por subterfúgios para manter o condenado em regime fechado para além das fronteiras da legalidade fez com que surgisse a seguinte interpretação: “a lei retirou a obrigatoriedade, mas também não vedou a utilização, em certos casos, como condição às progressões de regime.” Diante da controvérsia (exame somente para individualização X exame como possível condição para a progressão), o STF editou a súmula vinculante número 26: “para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, (...) sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.
É importante mencionar que, atualmente, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de lei 1294/2007 que altera novamente a Lei de Execução Penal quanto ao exame criminológico. O texto prevê a obrigatoriedade do exame para a progressão de regime, livramento condicional, indulto e comutação de pena quando se tratar de preso condenado por crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. O projeto foi apensado à outra proposta, o Projeto de Lei 4500/2001, que busca promover alterações mais amplas na Lei de Execução Penal.
Conforme será demonstrado, tal alteração constitui em verdadeiro retrocesso legislativo, além violar princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e o próprio Estado Democrático de Direito.
1.1– Da impossibilidade de prognóstico da reincidência
O exame criminológico não constitui instrumento hábil a realizar o prognóstico de reincidência, ou seja, é incapaz de constatar se o condenado voltará a praticar novos delitos.
Verifica-se que o juízo sobre a possibilidade do condenado reincidir é algo impossível de ser realizado, já que está na esfera do “futuro”, do que irá acontecer, e não interessa ao mundo jurídico sob pena de admitirmos “juízos de adivinhação” que sejam capazes de restringir um dos mais importantes direitos fundamentais: a liberdade. Esse também é o entendimento de Alexis Couto de Brito[11]:
Além da crítica histórica que aponta o equívoco da previsão do exame, do ponto de vista dos profissionais envolvidos, é quase impossível que o exame tenha aplicação, principalmente pelo diagnóstico que se propõe: prever o futuro.
Ademais, em razão da subjetividade desses exames não há como ser exercido o direito fundamental ao contraditório e a ampla defesa, diante da dificuldade em combater a tese de algo que nem sequer se concretizou, que está fora do mundo dos fatos. Nesse sentido é a lição de Aury Lopes Jr.[12]:
Toda e qualquer avaliação sobre a personalidade de alguém é inquisitiva, visto estabelecer juízos sobre a interioridade do agente. Também é autoritária, devido às concepções naturalistas em relação ao sujeito-autor do fato criminoso. Qualquer prognóstico que tenha por mérito “probabilidades” não pode, por si só, justificar a negação de direitos, visto que são hipóteses inverificáveis empiricamente. É uma porta aberta ao subjetivismo incontrolável.
Por conseguinte, esta análise sobre a probabilidade de se praticar novos fatos delitivos se coaduna com a periculosidade, algo incompatível com o Direito Penal Contemporâneo, que tem por base a culpabilidade, senão vejamos:
É sabido que, de acordo com a teoria geral do crime, praticado o fato típico e sendo este antijurídico, verifica-se a culpabilidade do agente, isto é, será analisado se era exigível que o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, pudesse ter agido em conformidade com o ordenamento jurídico. Caso estejam presentes todos os elementos da culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa), ou seja, o juízo de censura sobre a conduta típica e ilícita, o infrator poderá ser responsabilizado pelo fato praticado.
Veja que esse elemento configura um limite material ao jus puniend do Estado, já que estabelece uma relação entre o agente e o fato, sendo impossível realizar qualquer valoração sobre outros aspectos, como o desvalor do autor do fato ou juízos de probabilidades (do que “possa vir a ocorrer”). Assim, não há espaço para a periculosidade e tal proibição também deve ser mantida na fase de execução penal. Nesse sentido é a lição de Alexis Couto de Brito[13]:
Periculosidade e culpabilidade são conceitos distintos (...) A crítica atém-se ao fato de que todo o discurso da culpabilidade proferido na fase antecedente à pena é esquecido, e o réu, no momento em que se transforma em condenado, passa a ser perigoso. Esta etiqueta de “periculosidade” o acompanha e influencia subjetivamente a execução da pena, e será considerada durante o processo executório (...) Sob o pretexto de ser uma pessoa “perigosa”, o condenado terá negado seus benefícios, em clara contradição com a própria finalidade da pena, que é disponibilizar àquele as condições apropriadas para que conduza a sua vida de forma lícita.
Situação diversa ocorre em relação às conseqüências da constatação de que o infrator não possui a culpabilidade em razão da inimputabilidade por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Isto porque, até antes do advento da Lei 10.216/01, que inaugurou a Reforma Psiquiátrica, promovendo o tratamento humanizado aos doentes mentais, a maioria da doutrina compartilhava o entendimento de que a medida de segurança era mantida até a cessação da periculosidade do agente[14].
Veja que o indivíduo, com doença mental, poderia ter a sua liberdade privada em razão de um fato que praticou (mas que não poderia ter agido de outra forma), sendo que tal situação iria perdurar até que se realizasse a constatação de que não existisse mais a probabilidade de praticar novos fatos delitivos, ou seja, de que não apresentasse perigo à sociedade.
Assim, esse sistema de aplicação de medida de segurança previsto no Código Penal e na Lei de Execução Penal é algo que contraria a lógica e afronta a Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República Federativa do Brasil, portanto, o legislador, por meio da Lei 10.216/01 derrogou ambos os dispositivos no tocante a matéria. Nesse sentido é a lição de Paulo Jacobina[15] e Paulo Queiroz[16], segundo este último doutrinador:
A Lei de Reforma Psiquiátrica (Lei nº. 10.216/2001), expressamente aplicável às medidas de segurança, que as chama de internação compulsória (arts. 6º, III e 9º), trouxe importantes modificações, a exigir uma releitura do Código Penal e da Lei de Execução Penal, havendo inclusive quem defenda a derrogação da LEP no particular e de parte do Código Penal e Processo Penal.
A Recomendação nº 35/11 do Conselho Nacional de Justiça também corrobora com a tese acima.
De acordo com a nova Lei da Reforma Psiquiátrica, o doente mental necessita de tratamento pautado na inclusão social, sendo a internação medida excepcional reservada às situações de crises, devendo tal tratamento, bem como a sua duração, ser efetuado com base na necessidade do agente e não em razão das penas previstas para os delitos (reclusão ou detenção) ou mesmo na cessação de periculosidade, já que, conforme demonstrado, esse juízo de probabilidade é inalcançável.
Portanto, se a análise da periculosidade, atualmente, não encontra fundamento quando da aplicação da medida de segurança/internação, por maior razão não pode ser aplicada no tocante ao agente imputável, por ausência de previsão legal e impossibilidade fática em realizar tal juízo, que mais se aproxima de um “achismo”.
Nesse sentido, é importante mencionar que o Conselho Federal de Psicologia editou uma manifestação contra a realização de exames criminológicos, considerando essa atividade como contrária à ética da instituição, em razão da impossibilidade de ser realizado um diagnóstico da periculosidade, vejamos:
A ALTERAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL, OCORRIDA EM 01 DE DEZEMBRO DE 2003, RETIRANDO A OBRIGATORIEDADE DO PARECER E DO EXAME CRIMINOLÓGICO FOI UM IMPORTANTENTE AVANÇO. CABE LEMBRAR: NA ÉPOCA, CERCA DE 80.0000 APENADOS, EM CONDIÇÕES DE RECEBER PROGRESSÃO DE MEDIDA OU MESMO LIBERDADE, AGUARDAVAM, PRESOS, O CHAMADO EXAME CRIMINOLÓGICO. PORTANTO, O FIM DESSA EXIGÊNCIA FOI POSITIVA POR RESPEITAR OS DIREITOS HUMANOS E GARANTIR AO CIDADÃO O SEU DIREITO À LIBERDADE.
(...) O TRABALHO DO PSICÓLOGO JUNTO AOS CIDADÃOS EM CUMPRIMENTOS DE PENA, NÃO DEVE SER PAUTADO PELA ESTIGMATIZAÇÃO, PELA SEGREGAÇÃO E PELO DISCUTÍVEL PROGNÓSTICO DA PERICULOSIDADE E, SIM, PELA COMPREENSÃO DO DELITO COMO UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL E NÃO SOMENTE COMO UM FENÔMENO PATOLÓGICO DO INDIVÍDUO. OS PRÓPRIOS PSICÓLOGOS ATUANTES NO SISTEMA PENITENCIÁRIO, DURANTE SEMINÁRIO REALIZADO JUNTAMENTE COM O DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, APONTARAM COMO PREMISSAS DO DESEMPENHO PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO (...) (grifo nosso)
Por fim, é importante registrar que a simplicidade e a subjetividade com que são realizados os exames criminológicos também fundamentam a sua ineficácia. Na maioria dos casos, são realizadas algumas perguntas que pouco (ou nada) se relacionam com o comportamento do agente. Nesse sentido é o entendimento do juiz Hélio David Vieira Figueira dos Santos[17], da Vara Criminal, Infância e Juventude de Jaraguá do Sul/SC:
Além disso, os exames criminológicos, trazendo consigo a tradição da ditadura da medicina legal sobre os tribunais, via de regra são vazados em um discurso-padrão, que mal disfarçam o fato de que suas conclusões são fruto de uma única entrevista com o apenado e que, muitas vezes, não duram mais do que 8 minutos[18]. Não se pode descartar os próprios preconceitos, a própria formação moral dos avaliadores, que podem resolver aplicar o seu próprio castigo particular no apenado.
Por derradeiro, temos que o exame criminológico deve ser prática extinta do ordenamento jurídico, por configurar em verdadeiro retrocesso à teoria biopsicológica que Lombroso, como bem assinala Aury Lopes Jr.[19], diante da análise infundada sobre aspectos físicos, comportamentais do indivíduo que, supostamente, seriam voltados a praticar novos delitos.
1.2– Do exame criminológico como um instrumento para a seletividade e a exclusão social promovida pelo Direito Penal
Neste tópico será analisado como a exigência do exame criminológico para a obtenção de direitos na execução penal contribui para a seletividade e exclusão social promovida pelo Direito Penal.
É sabido, conforme assinala as Teorias Deslegitimadoras do Direito Penal (abolicionismo e minimalismo radical), que o Direito Penal atual cria mais problemas do que apresenta soluções, em razão da sua incidência seletiva, bem como da inutilidade da pena que apenas causa sofrimentos e desigualdades sociais.
Se analisarmos a tipificação dos fatos eleitos pelo legislador como criminosos, chegaremos à conclusão de que o Direito Penal está sendo utilizado como um instrumento de dominação entre a população “elitizada” (com recursos financeiros) sobre a população desprovida de recursos financeiros.
Isto ocorreu desde o fim da escravidão, em que a preocupação do legislador foi em estabelecer uma continuação da obrigatoriedade do trabalho, tipificando delitos como a greve e a vadiagem.
No Direito Penal contemporâneo, foi mantida a mesma sistemática, já que os crimes praticados pela elite social e autoridades, como abuso de autoridade, crimes contra o sistema financeiro, recebem uma pena menor quando comparada com os delitos praticados pela população vulnerável. Como exemplo, podemos citar o crime de furto, com previsão de pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, já o crime de abuso de autoridade é apenado com detenção de dez dias a seis meses. Veja que não há proporcionalidade entre as sanções, o que confirma a preocupação do legislador em proteger as classes sociais privilegiadas em detrimento dos vulneráveis.
Se não bastasse, a legislação e a própria jurisprudência criam hipóteses de redução de pena e, em alguns casos, de extinção da tipicidade e punibilidade para beneficiar os “elitizados”. Como exemplo, podemos citar o efeito gerado pela reparação do dano que, como regra, configura simples causa de diminuição de pena por meio do instituto do arrependimento posterior[20], mas em relação aos crimes tributários é causa que extingue a punibilidade do agente[21].
Assim, o Direito Penal está sendo empregado com uma função meramente simbólica[22] de imposição de forças entre as classes sociais, a fim de gerar uma sensação de controle social frente ao caos enfrentado pelo país, em que o Estado não implementa os direitos sociais (moradia, saúde, lazer etc.), impulsionando a população vulnerável à pratica de crimes (como furto, roubos, tráfico de drogas etc.) como forma de buscar a implementação dos direitos fundamentais à vida digna.
Veja que está ocorrendo uma “tripla” punição, já que, num primeiro momento, os indivíduos vulneráveis são “punidos” pelo Estado que, apesar de ser obrigado constitucionalmente a lhes assegurarem uma vida digna (artigo 1, III, da Constituição Federal), se omite, trazendo imenso sofrimento a essas pessoas que, em muitos casos são privadas do direito à moradia, alimentação e saúde, vivendo em situação de miserabilidade.
Posteriormente, quando essas pessoas buscam a implementação dos direitos fundamentais à vida digna por meio de práticas delitivas, a única opção fornecida pelo Estado, são punidas severamente, de maneira desproporcional quando comparado aos tipos penais destinados aos “elitizados”’.
Por fim, após cumprir a pena, esses indivíduos vulneráveis são alvo de estagmatização social, já que são “devolvidos” à sociedade sem que ocorra qualquer amparo por parte do Estado, sendo taxados como “criminosos” o que impossibilita a reinserção social.
Essa é a lição de Zaffaroni e Pierangelli[23]:
(...) ao menos em boa medida, o sistema penal seleciona pessoas ou ações, como também criminaliza certas pessoas segundo sua classe e posição social (...) Há uma clara demonstração de que não somos todos igualmente ‘vulneráveis’ ao sistema penal, que costuma orientar-se por ‘estereótipos’ que recolhem os caracteres dos setores marginalizados e humildes, que a criminalização gera fenômeno de rejeição do etiquetado como também daquele que se solidariza ou contata com ele, de forma que a segregação se mantém na sociedade livre. A posterior perseguição por parte das autoridades com rol de suspeitos permanentes, incrementa a estigmatização social do criminalizado.
O exame criminológico é utilizado como um instrumento de promoção da seletividade, já que está sendo exigido para a “suposta” verificação do requisito subjetivo para a progressão de regime prisional apenas em relação aos agentes vulneráveis.
Se analisarmos a jurisprudência, percebe-se que os magistrados estão exigindo a sua realização somente em relação aos crimes de furto, roubo, tráfico de drogas, não havendo o mesmo rigor em relação aos crimes praticados pela “elite social” como delitos tributários, peculato etc. Nesse sentido, temos a lição de Hélio David Vieira Figueira dos Santos[24], da Vara Criminal, Infância e Juventude de Jaraguá do Sul/SC:
(...) num exame superficial de apenas breves minutos, parece inevitável que traços fisionômicos, características físicas e postura (a altivez é particularmente detestada) acabem fornecendo o material para as conclusões dos experts, mesmo porque nossas prisões estão repletas de negros, mulatos, cafuzos, enfim, toda uma variedade racial com a nota comum da pobreza, que sempre foi identificada como patologicamente voltada para o crime.
Esse também é o posicionamento do Conselho Federal de Psicologia, no manifesto contra a realização do exame criminológico:
(...) É PREOCUPANTE A OPÇÃO, FALSAMENTE APRESENTADA À SOCIEDADE COMO O ÚNICO CAMINHO POSSÍVEL, POR RESPOSTAS SIMPLISTAS, MERAMENTE PUNITIVAS E VINGATIVAS, DIANTE DA VIOLÊNCIA E A CRIMINALIDADE, OCULTANDO SUAS VERDADEIRAS RAÍZES, CRAVADAS NA ABISSAL DESIGUALDADE SOCIAL, ECONÔMICA E CULTURAL DE NOSSO PAIS.
(...) Assim, manifestamos nosso repúdio à manutenção do exame criminológico para concessão dos benefícios legais citados acima, considerando que o exame criminológico tem se constituído em uma prática não só burocrática, mas, sobretudo estigmatizante, classificatória e violadora dos direitos humanos.
(...) O exame criminológico, ao longo dos anos tem se mostrado mais um instrumento de controle do que de avaliação de personalidade, na medida em que sua origem está fundamentada na crença de que existe uma essência criminosa nos indivíduos, desvinculada de seus contextos sócio, histórico, político e cultural. Na sociedade em que vivemos, cada vez mais excludente, não há como responsabilizar apenas o indivíduo pelo delito cometido, quando sabemos que a maioria da população carcerária é constituída de pessoas das camadas mais pobres da população, jovens, de baixa escolaridade que tentam sobreviver dos modos que são possíveis.
(..) Nesse sentido, há um público previamente definido e ideologicamente constituído como alvo do exame criminológico. Sobre o tema há hoje uma extensa bibliografia crítica produzida nas áreas das ciências humanas e sociais que nos apontam ser necessário se ter uma relação crítica com a própria ciência, pois ela não é neutra e, historicamente, teorias e práticas têm sido construídas para garantir a dominação e disseminar a adaptação passiva dos indivíduos à ordem social sem questioná-la. Dessa forma, posicionamo-nos contrariamente em relação a tais práticas segregadoras que acabam por suscitar e/ou perpetuar preconceitos e exclusões nas relações sociais. (grifo nosso)
Posto isso, temos que o exame criminológico constitui instrumento que viola o princípio da igualdade e, sobretudo, da dignidade da pessoa humana, já que impulsiona a seletividade promovida pelo direito penal e a exclusão social, constituindo em verdadeira violência contra a população vulnerável. Compete ao Estado excluir tal instituto do ordenamento jurídico, bem como implementar os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal e evitar o processo de marginalização social por meio de políticas públicas sociais de reintegração social, pois, como bem assevera Paulo Queiroz[25], uma boa política social é, enfim, a melhor política criminal.
1.3– O exame criminológico e a suposta “terapêutica penal”
É sabido que as teorias que explicam a legitimidade da pena se classificam em absolutas, as quais entendem que a pena é um fim em si mesmo que visa a retribuição do mal causado com a prática do crime; e relativas, que vêem a pena não como um fim em si mesmo, mas com uma utilidade: a prevenção de novos delitos.
De acordo com as teorias relativas, essa prevenção pode ser geral, ou seja, voltada à coletividade, de forma positiva, quando visa fortalecer os valores ético-sociais veiculados pela norma e negativa, cujo objetivo é motivar os destinatários a não praticarem novos delitos.
Ademais, há ainda as terias da prevenção especial, dirigidas ao agente infrator, que também pode assumir a forma positiva, cujo fim da norma seria evitar a reincidência por meio da ressocialização do condenado.
A temática da “terapêutica penal” se relaciona com tais teorias, que entendem que a finalidade do Direito Penal é evitar a reincidência, ou seja, prevenir novos delitos, ressocializando e reeducando os autores dos crimes.
Dentre várias correntes de pensamentos, o positivismo de Lombroso, Ferri e Garófalo foi a escola que mais influenciou a noção de que os indivíduos que praticassem crimes deveriam ser tratados pelo Estado, estabelecendo uma espécie de “medicina social”, com tempo de duração indeterminado e com características ressocializadoras. Essa é a lição de Paulo Queiroz[26]:
Diversas correntes de pensamentos advogaram ou ainda advogam essa forma de justificação do direito de punir: o correcionismo espanhol (Dorado Montero, Concepción Arenal); o positivismo italiano (Lombroso, Ferri, Garófalo); a chamada moderna escola alemã, de Von Liszt, e, mais recentemente, o movimento de defesa social, de Filippo Gramatica, Marc Ancel e outros.
Em sua versão mais radical, a teoria da prevenção especial pretende a substituição da justiça penal por uma espécie de medicina social, a fim de promover um saneamento social, seja pela aplicação de medidas terapêuticas, seja pela segregação por tempo indeterminado, seja pela submissão a um tratamento ressocializador apto a inibir as tendências criminosas.
Com fulcro em tais correntes de pensamentos, o Código Penal e a Lei de Execução Penal adotaram uma teoria mista, que estabelece que a pena possui a função de retribuir o mal causado ao agente infrator e ressocializá-lo, para a prevenção de novos crimes. Nesse sentido é o artigo 59 do Código Penal:
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (grifo nosso).
Assim, a progressão de regime prisional, estabelecida pelo artigo 112 da Lei de Execução Penal, seria uma forma de implementar a “terapêutica penal”, pois estabeleceria uma gradual e harmônica reeducação penal, uma vez que o indivíduo poderia progredir de um regime de cumprimento de pena para outro mais benéfico (com maior liberdade) quando o “tratamento” proporcionado pelo Estado se mostrasse desnecessário, ou seja, quando estivesse pronto para o retorno à coletividade pois já ressocializado.
A sistemática da Lei de Execução Penal também corrobora com a referida “terapêutica penal” proporcionada pela progressão de regime prisional, já que prevê que o Estado proporcionará a devida assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa ao preso (artigo 10 e seguintes), bem como ao egresso (artigo 25). Ademais, está previsto o trabalho e o estudo como forma de reinserção social e reeducação penal (artigo 28 e seguintes).
Por conseguinte, no artigo 41 estão previstos os direitos dos presos, como a alimentação suficiente e vestuário; o descanso e a recreação; o exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas, desde que compatíveis com a execução da pena; a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes, dentre outros.
Na defesa da “terapêutica penal” promovida pela progressão do regime prisional, temos a lição de Luiz Regis Prado, Denise Hammerschmidt, Douglas Bonaldi Maranhão e Mário Coimbra[27], senão vejamos:
Agregue-se, por oportuno, que a comunidade não pode servir de laboratório para experiências desastrosas com condenados que são agraciados, indevidamente com benefícios, sem estar preparados para o convívio social, fomentando, dessa forma, a violência na sociedade.
(...) Salienta-se, inclusive, que o magistrado deve manter a mesma postura da exigência do exame criminológico na concessão de livramento condicional, indulto total ou parcial, a despeito da redação normativa do artigo 112, § 2º, da lei em comento.
Nesse sentido também é o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci[28]:
(...) Em outras circunstâncias, o sujeito agressivo, recebendo tratamento adequado por parte do Estado, apoio familiar, assistencial e psicológico, pode transformar-se em pessoa mais calma e equilibrada, o que denota a alteração positiva em sua personalidade. Resta ao juiz fiar-se no importante exame de classificação para determinar as condições em que se dará o cumprimento da pena, mas sobretudo, o modo pelo qual se avaliará o merecimento do condenado para efeito de progressão de regime e recebimento de outros benefícios.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[29] também adota esse posicionamento, senão vejamos:
Execução penal. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. Indeferimento por AUSÊNCIA DE preenchimento do REQUISITO SUBJETIVO. Sentenciado que além de ter demonstrado intensa agressividade na prática dos crimes pelos quais foi condenado, ainda ostenta registro de nove faltas disciplinares de natureza grave, entre elas, evasão do estabelecimento prisional. Prognóstico negativo sobre sua personalidade. Assimilação da terapêutica penal não demonstrada. Manutenção da decisão guerreada. Agravo não provido.
Ocorre que o discurso da “terapêutica penal” somente funciona no plano normativo e abstrato do “dever ser”. A realidade das penitenciárias brasileiras é bem diferente e deve ser analisada, sob pena de fecharmos os olhos para as constantes violações de direitos humanos e a falência do sistema prisional.
Em que pese estejam previstos vários direitos ao condenado na Lei de Execução Penal (alimentação adequada, saúde, vestuário, lazer etc), o Estado não implementa tais direitos que seriam essenciais para assegurar a dignidade da pessoa humana, logo, os condenados são mantidos em condições subumanas, em celas superlotadas, o que fomenta o sentimento de injustiça e proporciona condições favoráveis à violência e à reincidência.
É importante registrar que, em muitos casos, não há o fornecimento de água potável aos executados, bem considerado essencial à vida humana, consoante dispõe o Comentário Geral nº 15 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da UNU. Ademais, os artigos de higiene pessoal também não são disponibilizados pelo Estado, o que obriga os familiares, geralmente desprovidos de recursos financeiros, a custearem tais produtos por meio da prática denominada “jumbo”.
A comprovação da omissão estatal em fornecer os bens materiais essenciais aos condenados pode ser averiguada pelo grande número de ações civis públicas intentadas pela Defensoria Pública dos Estados, instituição responsável em promover o acesso à justiça e a implementação dos direitos sociais e fundamentais da população vulnerável.
Por conseguinte, a omissão do Estado não se resume ao campo material, a sistemática das penitenciárias estabelecem um ambiente de submissão, medo e tortura. Há constantes denúncias de práticas violentas promovidas pelos agentes penitenciários.
Por derradeiro, o Estado não promove a inclusão social dos condenados, já que não fornece trabalho e estudo suficiente ao número de detentos; não há apoio aos egressos que, diante da estagmatização decorrente da prisão, são impulsionados a cometer novos delitos.
Atualmente, o Estado tem dificultado a integração social bem como a manutenção dos vínculos familiares, já que o direito de visita vem sendo limitado em muitas penitenciárias em razão da realização de revista íntima vexatória. Verifica-se que tal prática viola os direitos fundamentais à intimidade, vida privada e dignidade humana e acaba afastando os familiares dos detentos, pois aqueles não pretendem se submeter a tal prática constrangedora que significa, em última análise, em um tratamento desumano que viola o princípio da intranscendência da pena.
É importante mencionar ainda que, a integração social e o convívio familiar são prejudicados diante da localização de presídios em lugares de difícil acesso, bem como em locais distante dos familiares dos condenados. A exemplo desta situação, podemos citar o Estado de São Paulo que, em decorrência da extinção do Complexo Penitenciário do Carandiru, promoveu uma interiorização das penitenciárias e muitos presos cumprem pena em locais distante de seus familiares, o que dificulta o exercício do direito de visita.
Portanto, temos que não existe nenhuma “terapêutica penal” proporcionada pelo Estado, mas tão somente constantes violações aos direitos fundamentais dos condenados que proporciona um ambiente miserável, indigno e violento. Assim, a progressão de regime prisional não deve ser analisada como um instrumento apto a alcançar a ressocialização, pois quanto maior for o tempo em que o indivíduo é mantido no sistema penitenciário, maiores são as chances de reincidência. Esse é o entendimento do Conselho Federal de Psicologia, no manifesto contra a realização de exames criminológicos:
(...) Portanto, o chamado "tratamento penitenciário" visa alteração de condutas das pessoas presas por meio do regime progressivo da pena (passagem do regime fechado para o semi-aberto e deste para o regime aberto) e da disciplina penitenciária. O exame criminológico deverá servir então para "auferir" a personalidade da pessoa presa por ocasião da progressão de regime e do livramento condicional, na expectativa de que se possa presumir que a mesma não voltará a delinqüir, ou seja, prever uma suposta "adaptabilidade social" e a conseqüente redução da reincidência criminal.
Ora, sabemos há muito tempo que a política penitenciária que se arrasta pelos séculos desde a criação da prisão tem sido marcadamente violadora dos direitos humanos, apesar das legislações nacionais e internacionais. Entre elas, estão a própria Lei de Execução Penal e as Regras Mínimas para Tratamento do preso no Brasil, de 11/11/1994 que determina, em seus textos, a garantia dos direitos constitucionais.
No mesmo sentido é a doutrina de Paulo Queiroz[30]:
Não é preciso lembrar que a prisão, longe de ressocializar, em geral dessocializa, corrompe, embrutece e, pior, não tem impedido os criminosos de continuarem a delinqüir mesmo quando encarcerados em presídios ditos de segurança máxima.
É importante ressaltar que a ressocialiação dos condenados somente será alcançada com a implementação dos direitos fundamentais ao indivíduo, não há um “tratamento mágico e rápido” que o Estado possa adotar, é necessário um conjunto articulado de ações que proporcione uma política pública efetiva com vista a reduzir as desigualdades sociais. Nesse sentido é a lição de do juiz Hélio David Vieira Figueira dos Santos[31], da Vara Criminal, Infância e Juventude de Jaraguá do Sul/SC:
O equívoco dessa sobrevalorização dos exames psicológicos/psiquiátricos decorre da falsa premissa de que o sistema carcerário brasileiro contemplo algo que se possa chamar de “terapêutica penal” e de que o crime decorre de um desvio de conduta que indique uma distorção moral que precise ser eliminada e ainda do tradicional peso que sempre tiveram sobre os tribunais os argumentos da autoridade médica. Ora, sabe-se que o sistema penitenciário, diante da Lei de Execuções Penais, é uma falácia e seria um lugar comum repetir que muitas vezes ele se assemelha a uma fábrica de criminosos. Depois, o crime precisa ser visto como um fenômeno social e não como uma manifestação individual de cidadãos moralmente inadaptados. (grifo nosso)
Por fim, temos que não é lógico acreditar que a educação para a liberdade possa ser alcançada por meio da sua privação, principalmente no ambiente miserável proporcionado pelas penitenciárias superlotadas.
CAPÍTULO 2 – DA EXIGÊNCIA DO EXAME CRIMINOLÓGICO PARA A CONCESSÃO DOS DIREITOS NA EXECUÇÃO PENAL À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
O Direito Penal, assim como os demais ramos do direito, para aqueles que acreditam que o ordenamento jurídico ainda comporta tal classificação[32], deve ser analisado, interpretado e aplicado de acordo com os princípios e regras constitucionais, pois é no texto da Constituição Federal que encontramos o modelo de Estado Democrático de Direito a ser alcançado por todo o sistema jurídico.
Essa nova dinâmica de interpretação é denominada de “constitucionalização do direito”. Sobre o tema, cumpre transcrever a lição de Aury Lopes Jr.[33]:
Nossa opção é pela leitura constitucional e, dessa perspectiva, visualizamos o processo penal como instrumento de efetivação das garantias constitucionais.
(...) Atualmente, existe uma inegável crise da teoria das fontes, em que uma lei ordinária acaba valendo mais do que a própria Constituição, não sendo raros aqueles que negam a Constituição como fonte, recusando sua eficácia imediata e executividade. Essa recusa é que deve ser combatida.
Atualmente, estamos diante de um movimento constitucional denominado de “neoconstitucionalismo”, segundo o qual as normas constitucionais devem ter um caráter mais efetivo, principalmente no que tange à concretização dos direitos fundamentais, para tanto, amplia-se a hermenêutica constitucional, a fim de atribuir maior carga valorativa aos princípios constitucionais.
Sobre o tema, cumpre transcrever os ensinamentos de Sebástian Borges de Albuquerque Mello[34]:
O constitucionalismo vai representar o alicerce do direito penal, pois os princípios penais fundamentais estão postos na categoria de direitos fundamentais apriorísticos, positivados nas constituições como irrenunciáveis e inalienáveis, refratários a qualquer mudança por parte do poder punitivo.
Nessa linha, o juiz passa a ser o protagonista da relação jurídico-processual, uma vez que ele tem como compromisso garantir a aplicação dos direitos fundamentais criados pelo Poder Constituinte. Nesse sentido, temos os ensinamentos de Marcelo Novelino[35] e Pedro Lenza[36], para este último doutrinador:
Busca-se, dentro dessa nova realidade, não mais apenas atrelar o constitucionalismo à idéia de limitação do poder político, mas acima de tudo, buscar a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais.
Portanto, no presente capítulo, com vista em atender a essa nova hermenêutica constitucional, analisaremos se a exigência do exame criminológico para a concessão de direitos em sede do processo de execução penal é compatível com as normas constitucionais, principalmente no que tange aos princípios relacionados ao Direito Penal.
Insta mencionar que tais diretrizes não serão analisadas de forma aprofundada, já que o presente trabalho não visa o esgotamento do tema, mas tão somente a sua relação com uma análise crítica do exame criminológico.
É importante ressaltar a terminologia utilizada na presente pesquisa: “direitos” concedidos em sede do processo de execução penal ao invés de “benefícios”. Isto ocorre porque, presentes os requisitos legais para a concessão de determinado instituto (como a progressão de regime prisional de cumprimento de pena, o livramento condicional etc.), não há discricionariedade do julgador em aplicá-lo, já que a concessão constitui verdadeiro direito subjetivo do condenado.
Assim, a utilização do termo “benefício” deve ser evitada, já que traz a idéia de que a concessão se aproxime da “caridade”, ou mesmo que esteja no âmbito da discricionariedade e subjetividade do magistrado, o que autorizaria decisões arbitrárias e injustas. No mesmo sentido é a lição de Luís Carlos Valois[37]:
O julgador acredita ser a progressão de regime um benefício concedido pelo Estado. Benefício passa a noção de que o preso está sendo agraciado, ganhando um presente, portanto, não pode reclamar se está sendo beneficiado tardiamente e até se não for beneficiado. Não há Estado de Direito na esfera de concessão de benefícios, mas somente um Estado paternal, autoritário, que age exclusivamente calcado na sua soberania.
A seguir passaremos a análise dos princípios constitucionais que se relacionam com o tema proposto.
2.1– Da violação ao princípio da legalidade
É sabido que o princípio da legalidade é de suma importância ao Direito Penal, já que delimita o direito de punir do Estado, garantindo o direito fundamental à liberdade, sendo considerado essencial ao Estado Democrático de Direito, já que submete não só os indivíduos, mas o próprio Estado ao imperativo legal.
Essa diretriz possui previsão, de forma geral, no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Portanto, por meio de tal dispositivo é possível afirmar que o executado não está obrigado a realizar o exame criminológico como condição para a obtenção de direitos na fase da execução penal, já que esse instituto não possui previsão legal, sob pena de inconstitucionalidade.
Se não bastasse, a Constituição Federal disciplinou de forma específica o princípio da legalidade no âmbito do Direito Penal, diante da efetiva incidência desse ramo do direito na liberdade individual. Nesse sentido é o seu artigo 5º, inciso XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
É importante realizar uma interpretação abrangente do referido dispositivo a fim de alcançar um resultado que não se resuma em mera interpretação literal, com a simples constatação de que, para que uma determinada conduta seja tipificada como crime é necessário a existência de lei anterior.
Assim, esse dispositivo exige que toda a atuação do Direto Penal seja concretizada por meio da lei, logo, o princípio da legalidade se destina não somente à atividade legislativa de tipificar condutas como sendo criminosas, mas também deve respaldar a atuação do Estado quando da aplicação da penalidade, bem como quando da execução da sanção aplicada. Nesse sentido é a lição de Igor Luis Pereira E Silva[38]:
Além de proteger o indivíduo de sofrer a incidência do poder penal do estado sem previsão legal, o princípio da legalidade também o protege da mudança de interpretação judicial da lei penal e da própria execução da pena. (...) Conforme lição de Nilo Batista: “A abrangência do princípio inclui a pena cominada pelo legislador, a pena aplicada pelo juiz e a pena executada pela administração” (BATISTA, Nilo, Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, p. 68, grifos do autor).
Por conseguinte, tal dispositivo constitucional acerca do princípio da legalidade também fundamenta a inconstitucionalidade da exigência do exame criminológico para a concessão de direitos na execução penal, diante da ausência de previsão legal.
Esse também é o entendimento da doutrina de Renato Marcão[39]:
Por outro vértice, com as mudanças introduzidas pela Lei n. 10.792/2003 já não há o que falar em exame criminológico obrigatório ou facultativo para efeito de progressão de regime, visto que a lei não mais o reclama para a aferição do requisito subjetivo (mérito do executado).
Nesse mesmo sentido, cumpre transcrever o posicionamento de Alexis Couto de Brito[40]:
Como já tivemos a oportunidade de nos manifestar em outra ocasião, a exigência do exame criminológico sem previsão legal é absolutamente abusiva e inútil. (...) Exigir que alguém se submeta a um capricho na falta de previsão legal é violar o princípio da legalidade constitucional de que ninguém deve fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Trata-se de frontal desrespeito ao direito subjetivo, reconhecido com tal o atendimento completo dos requisitos legais.
Sobre o tema, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos expediu em 13 de março de 2008 um documento intitulado “Princípios e boas práticas para a proteção das pessoas privadas de liberdade nas Américas”, que prevê:
Princípio de legalidade:
Nenhuma pessoa poderá ser privada da liberdade física, salvo pelas causas e nas condições dispostas anteriormente pelo direito interno, uma vez que sejam compatíveis com as normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos. As ordens de privação de liberdade deverão ser emitidas por autoridade competente por meio de resolução devidamente fundamentada.
As ordens e resoluções judiciais ou administrativas suscetíveis de afetar, limitar ou restringir direitos e garantias das pessoas privadas de liberdade deverão ser compatíveis com o direito interno e internacional. As autoridades administrativas não poderão alterar as garantias e direitos dispostos no Direito Internacional nem limitá-los ou restringi-los além do que nele seja permitido. (grifo nosso)
É importante consignar que a exigência do exame criminológico não encontra fundamento na relativização do princípio da legalidade, com a utilização da “técnica da ponderação”, já que o seu conteúdo é dotado de discricionariedade e subjetividade e, em última análise, afronta o superprincípio da dignidade da pessoa humana. Essa também é a lição de Luís Carlos Valois[41]:
O princípio da legalidade não pode ser relativizado em nome de argumentos que longe de serem científicos parecem mais encobrir sentimentos vingativos.
Quando isso acontece o réu não é mais parte de um procedimento legal, com direitos e deveres estritamente previstos, mas é um objeto ao qual não se atribui qualquer consideração. E visto desse ângulo, não só o princípio da legalidade é violado, atinge-se igualmente a própria dignidade humana (SARLET, 2002), base e fundamento do Estado Democrático de Direito.
(...) o uso do termo ressocialização, incompreensível, impossível, quase ridículo quando se imagina as celas imundas em que são colocados os que deveriam ser cidadãos sujeitos de direito, acaba se tornando um grande obstáculo para a clareza inerente e fundamental aos princípios da legalidade e da dignidade humana.
A seguir, analisaremos o princípio da segurança jurídica, já que tal diretriz se relaciona com o princípio em análise.
2.2– Da violação ao princípio da segurança jurídica
Como cediço, o princípio da segurança jurídica está previsto como um direito fundamental no caput do artigo 5º da Constituição Federal[42]. Esse mandamento constitucional também está relacionado com a noção de Estado Democrático de Direito, pois assegura um mínimo de previsibilidade aos indivíduos sobre as suas manifestações, bem como tutela a confiança que estes devem depositar em seu Estado.
Por conseguinte, temos que essa diretriz visa a estabilização das relações jurídicas, com o intuito de evitar que a coletividade se submeta às variações da vontade estatal quando determinada solução se mostre mais conveniente com os seus interesses. Sobre o tema, cumpre transcrever interessante lição da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal[43]:
Segurança jurídica é o direito da pessoa à estabilidade em suas relações jurídicas. Este direito articula-se com a garantia da tranqüilidade jurídica que as pessoas querem ter, com a sua certeza de que as relações jurídicas não podem ser alteradas numa imprevisibilidade que as deixe instáveis e inseguras quanto ao seu futuro, quanto ao seu presente e até mesmo quanto ao passado.
(...) O princípio da segurança jurídica manifesta-se em variadas confirmações institucionais, comparecendo quer no princípio da não retroatividade das leis e atos normativos, quer na regra que obriga o juiz a atentar ao direito intertemporal (...)
Desta forma, a exigência do exame criminológico como requisito para a concessão dos direitos em sede da execução penal é inconstitucional, por violar o postulado da segurança jurídica, já que constitui em uma análise arbitrária sobre a probabilidade do condenado voltar a delinqüir.
Ademais, temos que essa análise está sujeita à discricionariedade do magistrado que, em alguns casos, poderia exigir o exame criminológico e, em outros casos, não. Assim, a liberdade do executado ficaria à mercê da vontade estatal que agiria da forma mais conveniente aos seus próprios interesses, o que não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, pois acarreta sofrimento e angústia diante da incerteza quanto ao futuro da execução e da própria liberdade, bem como desconfiança e perda da credibilidade das decisões judiciais. Esse também é o posicionamento de Luís Carlos Valois[44]:
O que veremos a seguir é o ideal de ressocialização surgindo como ingrediente nessa equação, enfraquecendo o princípio da legalidade porque, ao invés de trazer certeza, aumenta o grau de arbítrio na aplicação da pena.
(...) Os presos, perplexos, sofrem com a dúvida que semeia no meio penitenciário, sentem medo da investigação de seus comportamentos que poderá distanciá-los da liberdade, “muitos expressam que é mais difícil encarar os procedimentos de avaliação, do que as más condições e os maus tratos da prisão. Como decorrência, surge a certeza de estarem submetidos a um processo carregado de obscuridades” (WOLFE, 2005, p. 164).
2.3– Da violação ao princípio da igualdade
O princípio da igualdade está previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal e consiste na imposição de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade, considerando as exigências da justiça social.
Essa diretriz também deve ser aplicada ao Direito Penal. Nesse sentido, temos a lição de Cleber Masson[45]:
No Direito Penal, importa em dizer que as pessoas em igual situação devem receber idêntico tratamento jurídico, e aquelas que se encontram em posições diferentes merecem um enquadramento diverso, tanto por parte do legislador como também pelo juiz.
Por conseguinte, permitir a discricionariedade do julgador em exigir o exame criminológico para a concessão de direitos no decorrer da execução penal viola tal postulado, sendo inconstitucional, uma vez que estabelece um tratamento desigual e prejudicial em relação a condenados que estão na mesma situação jurídica.
Para melhor visualização da constatação acima, imagine a situação de dois indivíduos que estão cumprindo pena privativa de liberdade, sendo que ambos já implementaram o requisito objetivo (lapso temporal) e subjetivo (bom comportamento carcerário comprovado e atestado pelo diretor do estabelecimento) para a progressão de regime prisional. Ocorre que, em relação a um deles o magistrado exige a realização do exame criminológico que, por meio de uma entrevista simplista, constata que ele possui “probabilidade de voltar a praticar novos delitos” ou mesmo “personalidade voltada para o crime”, ocorrendo a recusa da progressão de regime prisional com relação a este e a concessão em relação ao outro, que não precisou se submeter a tal avaliação.
Veja que há um tratamento desigual despendido pelo magistrado sem que esteja presente uma relação de desigualdade, logo, a exigência do exame criminológico para determinados casos constitui prática discriminatória que viola o postulado em análise.
Por derradeiro, conforme já explanado na presente pesquisa, o exame criminológico vem sendo utilizado como instrumento de seletividade do Direito Penal e precursor da desigualdade social, já que somente é exigido em relação aos crimes praticados pela população vulnerável (furto, roubo, tráfico etc.), e não pela população “elitizada” (peculato, crimes contra o sistema financeiro etc.), o que corrobora com a tese de sua inconstitucionalidade, pois há flagrante violação ao tratamento isonômico que deve ser despendido pelo julgador.
Sobre o tema, esse também é o posicionamento de Igor Luis Pereira e Silva[46] ao explicar a lição de José Afonso da Silva:
O constitucionalista José Afonso da Silva chama a atenção para a seletividade do Direito Penal, como um indicador de um sistema desigual. Segundo o autor, “os menos afortunados ficam muito mais sujeitos aos rigores da justiça penal do que os mais aquinhoados de bens materiais”. Os delitos e as penas devem ser aplicados a todos que pratiquem o fato típico. Se o Direito Penal for direcionado apenas a parte mais pobre do povo brasileiro, então o princípio da igualdade restará violado.
Portanto, o exame criminológico como requisito para a concessão dos direitos em sede de execução penal é inconstitucional por violar o princípio da igualdade, diante de seu caráter arbitrário e seletivo.
2.4- Da violação ao princípio da motivação
O princípio da motivação das decisões judiciais está previsto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal[47] e constitui importante instituto para assegurar a racionalidade das decisões judiciais, permitindo o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Sobre o tema, cumpre transcrever aos ensinamentos de Aury Lopes Jr.[48]:
(...) Só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder, principalmente se foram observadas as regras do devido processo legal. Trata-se de uma garantia fundamental e cuja a eficácia e observância legitimam o poder contido no ato decisório.
Em complemento, o Código de Processo Penal[49] dispõe, de maneira específica, que as decisões deverão observar, como regra, o sistema do livre convencimento motivado (ou sistema da livre persuasão racional), já que o magistrado é livre para emitir uma decisão, porém, deve fundamentá-la nas provas constantes nos autos e, sobretudo, nas normas do ordenamento jurídico. Essa também é a posição do Juiz de Direito do Estado de Minas Gerais, Vitor Luís de Almeida[50], vejamos:
Cabe à fundamentação formular em seu conteúdo qual a regra jurídica abstrata e geral a ser aplicada ao caso concreto. Nela deverá estar formulado o motivo da escolha e a chave da racionalidade da decisão, evitando-se o arbítrio. Saliente-se que uma decisão é tida como arbitrária quando não for suscetível de justificação.
(...) A transparência demonstrada através da motivação permite a verificação da legitimidade da decisão do magistrado, demonstrando que ele agiu corretamente, em consonância com o ordenamento jurídico e com os fins por ele propostos, o que a transforma em um elemento essencial que irá distinguir o legítimo exercício do poder no qual o Judiciário é investido, emanado do povo e exercido em seu nome, da arbitrariedade, fazendo com que o magistrado contribua para a concretização do ideal de Justiça.
Assim, em relação ao conteúdo das decisões judiciais, a legislação estabelece uma “liberdade regrada” ao julgador, a fim de impedir a prática de arbitrariedades e abuso de poder.
Portanto, como a exigência do exame criminológico não encontra amparo legal, tal decisão judicial é nula, por ser inconstitucional e ilegal diante da violação do princípio em análise. Não é crível admitirmos fundamentações meramente formais, baseadas na “gravidade em abstrato do delito’, na “pena longa a cumprir” ou mesmo na “periculosidade do condenado”, conforme será demonstrado no próximo capítulo.
2.5- Da violação ao princípio da presunção de inocência
Como cediço, o princípio da presunção de inocência está previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal e estabelece que todos os indivíduos são presumidamente inocentes independentemente do fato que lhe é imputado, até que haja a sentença penal condenatória transitada em julgado.
Tal diretriz se relaciona com a regra do ônus da prova no processo penal, de que compete à acusação comprovar a culpabilidade do fato, impondo-se a absolvição do imputado se a culpabilidade não for suficientemente demonstrada.
Porém o princípio da presunção de inocência deve ser “maximizado”, conforme ensina a doutrina de Aury Lopes Jr.[51], já que confere verdadeira regra de tratamento ao imputado, colocando limites às prisões cautelares, à publicidade midiática (que cada vez mais visa a estagmatização abusiva e precoce do réu), bem como ao arbítrio do magistrado em sede da execução penal.
É necessário esclarecer que, a sentença condenatória transitada em julgado somente afasta a presunção de inocência em relação ao fato específico que fora verificado mediante as regras do devido processo legal, persistindo a sua incidência em relação a todos os outros fatos “supostamente” praticados pelo executado.
Essa também é a constatação de Luís Carlos Valois[52]:
Como dito antes, a sentença criminal passou a ser o divisor de águas. Ora a única diferença entre um cidadão que cometeu um delito e outro que não cometeu é o próprio delito praticado, e do qual já resultou uma sanção legalmente prevista em lei, portanto, no mais, o cidadão condenado é também presumidamente inocente. O futuro deste cidadão condenado não pode igualmente ser investigado, porque somente o seu passado não é mais presumidamente inocente.
Portanto, esse postulado impede, em sede de execução penal, a adoção pelo magistrado de qualquer medida que afete a liberdade ou restrinja direitos do executado quando não tenham relação com o fato disposto na sentença condenatória transitada em julgado.
Assim, a exigência do exame criminológico para a concessão de direitos em sede de execução penal é inconstitucional, por violar o postulado da presunção de inocência, pois, conforme já explanado na presente pesquisa, tal exame recai sobre a probabilidade do indivíduo voltar a praticar novos crimes, ou seja, permite a restrição da liberdade do condenado (já que ele será mantido em um regime de cumprimento de pena mais gravoso) por um fato que sequer ocorreu, logo, que não permite a incidência do devido processo legal e da sentença penal condenatória transitada em julgado, aptos a afastar essa diretriz.
2.6- Da violação ao princípio da culpabilidade
O princípio da culpabilidade encontra amparo na Constituição Federal, pois decorre do princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III do artigo 1º), já que visa afastar a responsabilidade objetiva em sede do Direito Penal, exigindo que o indivíduo seja criminalmente responsabilizado somente quando pratique uma conduta típica, ilícita e reprovável (culpável).
Sobre o tema, cumpre transcrever os ensinamentos de Sebástian Borges de Albuquerque Mello[53]:
A missão da culpabilidade não é evitar a prática de novos delitos, mas definir, à luz dos princípios constitucionais que regem um Estado Democrático de Direito, os critérios pelos quais se atribui a alguém a condição de sujeito responsável pela prática de uma infração penal. Cabe à culpabilidade definir os pressupostos formais e materiais da imputação do crime a um indivíduo determinado.
Como conseqüência, tal diretriz estabelece a “responsabilidade penal do fato”, isto significa que o agente deve ser punido pela conduta efetivamente praticada, não havendo a possibilidade da adoção da teoria do “direito penal do autor” que, por sua vez, pune o agente pelo que ele é, ou seja, características físicas, condição social, estilo de vida etc.
Por conseguinte, o princípio da culpabilidade constitui importante limite à aplicação da pena, conforme determina o artigo 59 do Código Penal[54], uma vez que a sanção não poderá exceder à reprovabilidade da conduta criminosa praticada.
Assim, a exigência do exame criminológico para a concessão de direitos em sede da execução penal também viola tal diretriz, pois o agente receberá uma maior punição (como a não progressão de regime prisional, por exemplo) em decorrência do que ele é: um indivíduo que se encontra cumprindo pena privativa de liberdade, “supostamente” perigoso, geralmente sem recursos financeiros; e não pelo que ele fez, já que não foi praticado nenhum fato que justificasse tal reprimenda.
Essa também é a lição de Alexis Couto de Brito[55]:
Ainda que criminoso contumaz, o condenado imputável receberá a pena conforme o fato praticado, que se pressupõe suficiente para a prevenção da reincidência. A cada fato cometido, receberá sua pena. Os rigores da execução também estarão ligados à culpabilidade, com a determinação do regime inicial, redução de benefícios etc., mas pautados na sentença concreta e penal aplicada, e não pela personalidade do criminoso.
Ao final o autor conclui[56]:
A pena concretizada na sentença deve ser suficiente para a repressão da conduta e sua assimilação aos recursos disponibilizados pela execução da pena deve orientar sua progressão e concessão de benefícios. Nesse sentido, deve-se evitar a utilização de critérios de aferição da periculosidade, como “não voltará a delinqüir”, quando se trata do agente imputável. Embora a não reincidência seja um efeito esperado da execução penal, deve ser atingida através da concretização das finalidades premiais contidas nos institutos previstos na Lei de Execução Penal, e não ser convertida em fundamento a priori para a aplicação destes institutos.
Portanto, o exame criminológico deve ser abolido por violar o postulado do princípio da culpabilidade, da dignidade da pessoa humana e, em última análise, o Estado Democrático de Direito.
2.7- Da violação aos princípios da lesividade e da alteridade
Os princípios da lesividade e da alteridade serão abordados em conjunto, já que ambos visam uma atuação do Estado por meio do Direito Penal dissociada da moral.
De acordo com o princípio da lesividade, somente poderão ser criminalizadas as condutas que efetivamente lesionarem ou causarem perigo concreto de lesão a bem jurídico constitucionalmente protegido.
Em complemento, o princípio da alteridade impede a criminalização de atitudes internas, que, por sua vez, são incapazes de lesionar bens jurídicos. Assim, não pode haver punição quando a conduta causar um mal exclusivamente ao seu autor.
Portanto, temos que o Direito Penal é limitado à tutela de bens jurídicos relevantes, devendo incidir ultima ratio para reprimir comportamentos tipificados como infração penal que lesionem direitos de outrem.
É importante registrar que esses postulados também asseguram a responsabilidade penal do fato, pois proíbem a incriminação de simples estados ou condições existenciais.
Quanto à previsão constitucional, a doutrina de Igor Luis[57] esclarece que os princípios da lesividade e da alteridade estão previstos no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal[58], tendo em vista que esse dispositivo estabelece, a contrario sensu que as infrações penais mais brandas precisam ter um “mínimo de potencial ofensivo” para importarem ao Estado Democrático de Direito.
Diante do exposto, temos que a exigência do exame criminológico para concessão de direitos em sede da execução penal é inconstitucional, já que o Estado, por meio desse instituto, busca alterar a vontade íntima do agente em praticar novas infrações, porém, conforme já mencionado, essa constatação e alteração é impossível, já que pertence ao futuro.
Ademais, tal alteração na personalidade do agente com vista a impedir a reincidência não interessa ao “Direito Penal dos Fatos”, o qual é compatível com o modelo garantista estabelecido pela Constituição Federal, já que ainda não foi praticado nenhuma conduta pelo agente, logo, meros pensamentos ou propensões ao delito devem ser desprezados pelo magistrado, já que pertencem ao campo da moralidade e da sua intimidade. Nesse sentido é a lição de Rafael Barcelos Tristão[59]:
Mesmo que fosse possível mapear a personalidade do indivíduo, não pode o Direito atuar no sentido de modificar moralmente a pessoa e muito menos tratá-la de forma mais rígida se não estiver subjetivamente inserida nos “parâmetros éticos da sociedade”. Essa atuação viola o direito constitucional à intimidade (o Estado não pode interferir neste âmbito da personalidade do indivíduo) e o princípio da alteridade (o direito penal só pune o que se torna externo ao agente). Todos têm o direito de serem maus interiormente;
Sobre o tema, Zaffaroni e Pierangelli[60] também adotam esse posicionamento:
(...) seja qual for a perspectiva a partir da qual se queira fundamentar o direito penal de autor (culpabilidade de autor ou periculosidade), o certo é que um direito que reconheça, mas que também respeite a autonomia moral da pessoa, jamais pode penalizar o “ser” de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que nisso violente a sua esfera de autodeterminação.
Portanto, o exame criminológico é incompatível com tais diretrizes, já que constitui barreira à implementação dos direitos previstos na Lei de Execução Penal, pois busca perpetuar a sanção imposta pelo Estado sem que haja qualquer conduta que viole efetivamente bem jurídico constitucionalmente protegido.
Conforme a tese defendida na presente pesquisa, com a reforma estabelecida pela Lei 10.792/03 no artigo 112 da Lei de Execução Penal, o exame criminológico não constitui requisito subjetivo para a concessão de direitos na fase da execução penal, sob pena de violarmos diversos princípios constitucionais, sobretudo o da legalidade, da motivação, da segurança jurídica, da igualdade, da presunção de inocência, da culpabilidade, da lesividade, da alteridade e da dignidade da pessoa humana.
Contudo, apesar da referida legislação ter extinguido a obrigatoriedade do exame criminológico, muitos magistrados continuaram exigindo-o como requisito para a concessão de direitos em sede da execução penal, principalmente para a progressão do regime prisional.
Em razão dessa divergência, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante nº. 26, que dispõe:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. (grifo nosso)
Nesse mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 439, que estabelece:
Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.
Assim, ambas as súmulas dispõem que o exame criminológico pode ser determinado pelo magistrado, excepcionalmente, desde que por decisão devidamente fundamentada.
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci[61] entende positiva a edição das respectivas súmulas. Para ele, o juiz pode exigir o exame criminológico com fundamento no preceito constitucional de que ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário, bem como no princípio da individualização da pena. Vejamos:
Portanto, cabe ao juiz da execução penal determinar a realização do exame criminológico, quando entender necessário, o que deve fazer no caso de autores de crimes violentos contra a pessoa, bem como a concretização do parecer da Comissão Técnica de Classificação. A requisição do exame e do parecer fundamenta-se não apenas no preceito constitucional de que ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário, mas também na clara norma da Constituição Federal a respeito da individualização da pena, que não se limita à aplicação da pena na sentença condenatória.
Entretanto, conforme já mencionado, o exame criminológico quando realizado como requisito para a progressão de regime prisional ou mesmo para outros direitos em sede de execução penal, constitui em instrumento que não se relaciona com o princípio da individualização da pena, já que tem como conseqüência a análise da probabilidade da reincidência, que constitui dado impossível de ser verificado e que não encontra amparo na teoria do “Direito Penal dos Fatos”.
O princípio da individualização da pena é observado em sede da execução penal quando a perícia é realizada para atender os interesses do condenado no cumprimento da pena, por meio da verificação de suas necessidades. Isto ocorre quando o exame é realizado desde o início da execução, conforme prevê expressamente a Lei de Execução Penal. Porém, quanto a essa perícia, como o seu objetivo não é a negativa de direitos, os magistrados não lhe dão a importância devida, não havendo um controle efetivo sobre a sua realização.
Por conseguinte, o dever de colaborar com o Poder Judiciário também não constitui fundamento idôneo que ampara a exigência do exame criminológico, já que esse dever surge quando há a determinação legal no sentido de estabelecer uma obrigação.
Isto significa que, se não há a determinação legal em colaborar com o Poder Judiciário, não existe nenhum dever a cumprir, caso contrário estaríamos permitindo um abrandamento do princípio da legalidade que tornaria tal postulado um dispositivo meramente formal, sem eficácia e efetividade, pois qualquer determinação do magistrado deveria ser cumprida, mesmo que sem amparo legal e com a conseqüência de interferir na esfera da liberdade individual.
Ademais, a exposição de motivos que fundamenta a exclusão do exame criminológico do artigo 112 da Lei de Execução Penal demonstra a intenção do legislador em não permitir ou mesmo facultar a sua realização. Vejamos as palavras do Deputado Ibrahim Abi-Ackel, relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação[62]:
Hoje, cumprido um sexto da pena, o prisioneiro tem de submeter-se a um exame que não se realiza nunca, tem de requerer a sua liberação ao conselho Penitenciário, que nunca tem número e que nomeia um relator que nunca dá parecer rapidamente, e o sexto da pena, muitas vezes é dobrado e triplicado na sua extensão temporal sem que a Justiça emita alvará de soltura. Pelo substitutivo, o réu que cumprir um sexto da pena não tem que requerer coisa alguma e seu advogado terá apenas de requerer ao Juiz da Execução a imediata liberação do alvará de soltura, porque não haverá mais dependência do Conselho Penitenciário nem exame criminológico algum. Ele cumpriu a pena que lhe foi imposta e não deve ser submetido à burocracia judiciária, sempre demorada e confusa. (grifo nosso)
Por derradeiro, temos que as súmulas supracitadas estão em flagrante violação aos ditames legais e constitucionais. No presente caso, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça atuaram como “legislador positivo”, já que permitiram um instituto que foi retirado do ordenamento jurídico, violando o princípio da separação de poderes (artigo 2º da Constituição Federal). Esse é o entendimento do Ministro Marco Aurélio que emitiu voto contrário à súmula vinculante nº. 26, conforme constata a doutrina de Luís Carlos Valois[63]:
(...) podemos partir para a interpretação analógica que acabe por prejudicar o réu? A resposta é desenganadamente negativa. Não podemos nos antecipar a projeto em tramitação no Congresso, para restabelecer – no campo jurisprudencial – o exame criminológico, que, sabidamente, dificulta a progressão (...) Por isso é que adiantando o voto, e devo ter muito cuidado na edição de verbete vinculante especialmente em matéria penal, no sentido de não aprová-lo, porque se o fizermos, restabelecendo a redação primitiva do art. 112 da Lei de Execução Penal, estaremos atuando como legisladores (fls. 05).
A doutrina de Heráclito Antônio Mossin e Júlio César O.G. Mossin[64] também corroboram com a tese defendida no presente trabalho, vejamos:
Independentemente do juízo de valor sobre a imprescindibilidade ou não, conforme o caso, de ser feito o exame criminológico, a verdade é que ambos os Tribunais Superiores usurparam a função do legislador, o que não pode tolerar do ponto de vista constitucional.
Evidentemente, cada “Poder” tem sua função previamente determinada na Constituição Federal. O Legislativo tem a incumbência de aprovar ou não projetos de leis de sua iniciativa ou do Executivo, ao passo que este último poderá sancioná-los ou não. Já o Poder Judiciário é o organismo estatal incumbido da aplicação das leis, quando para isso provocado, posto que os juízes não procedem de ofício.
Portanto, a partir do momento que esses Tribunais Superiores passam a prever por intermédio de Súmulas a viabilidade de ser feito o exame tratado, sem que haja lei fazendo essa previsão, eles passam a legislar, o que não é plausível e menos ainda recomendável em um Estado Democrático de Direito, uma vez que isso implica regra básica de atuação.
O próprio Supremo Tribunal Federal[65] se manifesta contra a atuação do Poder Judiciário como “legislador positivo”, senão vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. LEI N. 9.249/1995. CORREÇÃO MONETÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO ATUAR COMO LEGISLADOR POSITIVO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (Grifo nosso)
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. LEGISLAÇÃO QUE ESTABELECE LIMITES À DEDUÇÃO DE GASTOS COM EDUCAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO ATUAR COMO LEGISLADOR POSITIVO. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do STF é no sentido de que não pode o Poder Judiciário estabelecer isenções tributárias, redução de impostos ou deduções não previstas em lei, ante a impossibilidade de atuar como legislador positivo (...) (Grifo nosso)
Sobre o tema, essa também é a lição de Alexis Couto de Britto[66]:
A questão que se coloca com a edição da Súmula Vinculante 26 é a possibilidade de se criar restrições à liberdade sem previsão legal, o que pelo nosso ordenamento constitucional se mostra inviável, diante do princípio da estrita legalidade. Assim, não seria correto, como prega a súmula, que o juiz tivesse a faculdade de inventar alguma restrição sem que esta possua parâmetros legais que possam verificar a sua correção e benefício social.
Por fim, diante da existência das súmulas dos tribunais superiores ora estudadas, temos que a solução a ser dada quando de sua interpretação e aplicação é no sentido de admitirmos o exame criminológico apenas quando tal instrumento for capaz de beneficiar o condenado, aplicando-se o princípio do in dubio pro reo.
Assim, seria permitido ao magistrado exigir o exame criminológico para flexibilizar o requisito subjetivo previsto na Lei de Execução Penal, ou seja, o bom comportamento carcerário devidamente comprovado pelo diretor do estabelecimento penitenciário, que, objetivamente, consiste na inexistência de falta grave homologada judicialmente nos últimos doze meses.
Portanto, o exame criminológico poderia ser determinado pelo magistrado, excepcionalmente e de forma fundamentada, para realizar uma avaliação positiva do comportamento condenado, quando este cometera falta grave nos últimos doze meses, a fim de comprovar que o requisito subjetivo encontra-se presente, mesmo diante da falta grave homologada, permitindo a concessão de direitos em sede da execução penal.
Essa também é a solução apontada por Luís Carlos Valois[67]:
Já que a súmula vinculante, com valor de lei, permite que o juiz traga ao processo dados a serem interpretados, estes novos elementos dos autos podem servir para uma avaliação positiva do comportamento do preso, ainda que haja fatos concretos que objetivamente possam impedir o direito à progressão de regime. Em termos práticos, uma falta grave poderia ser rechaçada como indício de conduta negativa, apesar da certidão da administração penitenciária, se a manifestação técnica trouxesse, por exemplo, elementos que indicassem ser tal fato esporádico ou involuntário na vida daquele preso, de acordo com as circunstâncias do cárcere. Por outro lado, em nome do princípio da legalidade, um preso que não cometeu qualquer infração disciplinar e possui atestado de bom comportamento, não pode ter direito negado com base na interpretação de características extraídas de sua avaliação psicológica.
Ocorre que esta não é a interpretação realizada pela jurisprudência brasileira.
Conforme será demonstrado no tópico seguinte, os julgadores utilizam as referidas súmulas para estabelecer, como regra, a exigência do exame criminológico para a concessão de direitos em sede da execução penal. Verifica-se que essa determinação acaba funcionando como um verdadeiro “cavalo de tróia” para burlar a legislação e a Constituição Federal.
3.1– Da ausência de fundamentação e excepcionalidade nas decisões que autorizam a realização do exame criminológico
Como cediço, o presente trabalho defende a tese de que a exigência do exame criminológico para a concessão de direitos em sede da execução penal não é compatível com a legislação ordinária e com a Constituição Federal. Contudo, a súmula vinculante nº 26 do Supremo Tribunal Federal e a súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça admitem tal procedimento de maneira excepcional e desde que haja efetiva fundamentação.
Ocorre que tal exceção (que sequer deveria existir) vem sendo aplicada como regra pelos magistrados, senão vejamos:
Há decisões que vinculam a exigência do exame criminológico ao direito pleiteado e aos “futuros direitos” que irão surgir no curso da execução penal. Isto demonstra que a realização do exame criminológico se tornou a regra e que não há a fundamentação concreta conforme determina as súmulas supramencionadas, mas sim uma fundamentação meramente formal.
Nesse sentido, foi concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a ordem no julgamento do Agravo Penal nº 0128784-44.2013.8.26.0000 da Comarca de Araçatuba, vejamos:
(...) o agravo, entretanto, comporta provimento em um ponto. É que o MM. Juiz de Direito responsável pela execução mencionou em sua decisão que deveria ser elaborado previamente exame criminológico sempre que fosse formulado novo pedido de benefício, o que é notoriamente inconstitucional por ferir o princípio da individualização das penas e da necessidade de fundamentação concreta das decisões judiciais. (grifo nosso)
Ademais, há muitas decisões que fundamentam a exigência do exame criminológico com base na “gravidade em abstrato do delito praticado” ou mesmo na “pena longa fixada na sentença judicial”.
Porém, tais decisões também não possuem fundamentação idônea, havendo uma fundamentação meramente formal que não pode ser tolerada, pois viola o princípio da individualização da pena e, sobretudo, da separação dos poderes.
É sabido que o princípio da individualização da pena consiste em um direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, sendo dirigido ao legislador, ao definir o campo do punível, criando tipos penais e cominando as respectivas penas; ao juizo de conhecimento, ao condenar a aplicar a pena ao réu, observando os parâmetros já estabelecidos pelo legislador; e, por fim, ao juízo da execução, ao analisar, de forma individualizada, a situação prisional de cada sentenciado, concedendo-lhes os direitos expressamente determinados em lei.
É importante ressaltar que a análise da “gravidade do delito” já foi considerada pelo legislador quando da fixação da pena máxima em abstrato. Desta forma, pode-se perceber que, por exemplo, o crime de furto (reclusão, de um a quatro anos, e multa) não possui a mesma pena do crime de roubo (reclusão, de quatro a dez anos, e multa), já que este último é praticado mediante violência ou grave ameaça a pessoa.
Por derradeiro, essa mesma análise pelo juízo da execução penal violaria o princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal, pois compete ao Poder Legislativo e não ao Poder Judiciário fixar os limites das penas aos delitos considerando a gravidade em abstrato do crime.
Ademais, a “pena longa” fixada na sentença judicial também já foi analisada pelo magistrado prolator da decisão condenatório, que adequou a sanção de acordo com o caso concreto. O lapso temporal do requisito objetivo é proporcional à pena aplicada, mesmo que longa, uma vez que um sexto de vinte anos, por exemplo, é maior que um sexto de dois anos.
Assim, tais considerações não podem ser averiguadas novamente em sede de execução penal, conforme pretendem muitos magistrados, sob pena de importar em dupla punição pelo mesmo fato, configurando violação ao princípio do ne bis in idem.
Por derradeiro, o argumento de que a “longa pena” a cumprir ensejaria o motivo de realização de exame criminológico, é contrária ao nosso ordenamento jurídico, pois cria uma espécie de delito (pena longa) que exige exame criminológico para a progressão, até mesmo mais rígido do que os critérios para os crimes hediondos.
Com efeito, caso acolhido tal entendimento, todo o preso com “pena longa” estaria desestimulado a manter um bom comportamento carcerário durante o cumprimento da sua pena, uma vez que eventual progressão de regime prisional lhe seria negada sob o argumento de que não está presente o requisito subjetivo.
Sobre o tema, podem-se aplicar, por analogia, as súmulas nº 718[68] e 719[69] do Supremo Tribunal Federal, segundo as quais é vedado ao magistrado impor o regime de cumprimento de pena mais severo do que a legislação prevê com base na gravidade em abstrato do delito. Na mesma esteira, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 440[70].
Veja a posição do Supremo Tribunal Federal[71]:
(...) A jurisprudência do STF consolidou entendimento segundo o qual a hediondez ou a gravidade abstrata do delito não obriga, por si só, o regime prisional mais gravoso, pois o juízo, em atenção aos princípios constitucionais da individualização da pena e da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, deve motivar o regime imposto observando a singularidade do caso concreto. 5. Aplicação das súmulas 718 e 719. 6. Ordem concedida para fixar o regime inicial semiaberto para início do cumprimento da pena. (grifo nosso)
(...) O Supremo Tribunal Federal entende que a alusão à gravidade do delito ou o uso de expressões de mero apelo retórico não validam a ordem de prisão cautelar. O juízo de que a liberdade de determinada pessoa se revela como sério risco à coletividade só é de ser feito com base no quadro fático da causa e, nele, fundamentado o respectivo decreto prisional. Necessidade de demonstração do vínculo operacional entre a necessidade da segregação processual do acusado e o efetivo acautelamento do meio social. 3. O fato em si da inafiançabilidade dos crimes hediondos e dos que lhes sejam equiparados não tem a antecipada força de impedir a concessão judicial da liberdade provisória, submetido que está o juiz à imprescindibilidade do princípio tácito ou implícito da individualização da prisão (não somente da pena) (...) (grifo nosso).
Cumpre transcrever, ainda, interessante julgado do Ministro Marco Aurélio[72]:
(...) tem-se que por último foi editada a Lei n 10.792, de 1 de dezembro de 2003, alterando a lei de execução penal - e o Decreto lei n 3.689 de outubro de 1941 - Código Penal-, revogando disposições em contrário. A nova redação do artigo 112 da lei de Execução Penal afastou o exame criminológico, estendendo-se a nova disciplina ao livramento condicional. Ora, se não mais se tem citado exame, incabível adentrar o campo do subjetivismo, observado o envolvimento que diz respeito ao núcleo do tipo penal, como é o relativo a esta ou aquela associação. O que cabe perquirir é o atendimento do fator objetivo, o cumprimento de parte da pena assinada na lei e a existência de bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento. (...). Por tais razões, concedo a ordem para deferir ao paciente livramento condicional (grifo nosso)
Segue a mesma linha os agravos em execução n° 488.187.3/3-00 e 1494577/1-00 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Veja a posição do desembargador Francisco Menin[73]:
(...) Ademais, o Egrégio Tribunal de Justiça tem entendido que: pode o magistrado determinar a realização de perícia, vez que a lei não proíbe, sempre que entender imprescindível para a formação de sua convicção, vale dizer, em casos especiais, quando presentes elementos concretos a indicar a sua efetiva necessidade. Ademais, constou que: ora, a natureza ou a gravidade abstrata do delito é de consideração legislativa, quando são apenas cominadas aos tipos penais definidos e por si só não justificam a submissão do reeducando a prova criminológica para evoluir no sistema progressivo de cumprimento de pena privativa de liberdade. Do mesmo moedo, não se mostra suficiente e idôeno o fundamento de que o sentenciado possui longa pena a cumprir, porquanto a sexta parte de sua pena é proporcionalmente igual ao mesmo período de uma pena curta (...) (grifo nosso)
A seguir, temos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça[74] que repudiam a análise do magistrado acerca da gravidade em abstrata do delito e da pena longa fixada na sentença, em sede de execução penal:
HABEAS CORPUS. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS E DESACATO. PEDIDO DE PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. DEFERIMENTO EM PRIMEIRO GRAU E REFORMA NO TRIBUNAL DE ORIGEM. GRAVIDADE DOS DELITOS E LONGA PENA A CUMPRIR. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS. DETERMINAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. EXIGÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA N.º 439/STJ. ILEGALIDADE. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. 1. Na hipótese, a negativa de progressão ao regime semiaberto e a determinação de exame criminológico foram fundamentadas pelo Tribunal de origem com base em considerações genéricas relacionadas com a gravidade do delito e com o longo tempo de cumprimento da pena, sem que fosse apontado nenhum dado concreto que desmerecesse a conduta do Paciente. Fundamentação que evidencia o alegado constrangimento ilegal e o descumprimento da Súmula n.º 439/STJ, cuja exigência é a de que a determinação de exame criminológico seja precedida de motivação concreta. 2. “O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a gravidade do crime ou a longa pena a cumprir não constituem fundamentos idôneos para indeferir o pedido de progressão de regime, especialmente quando dissociados de elementos concretos, ocorridos no curso da execução penal” (HC 248.488/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 30/10/2012) 3. Ordem de habeas corpus concedida, para cassar o acórdão impugnado e restabelecer a decisão do Juízo das Execuções Penais, concessiva do regime semiaberto (Grifo nosso)
(...) EXECUÇÃO PENAL. VISITAS PERIÓDICAS AO LAR. BENEFÍCIO CONCEDIDO PELO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. REFORMA DO ENTENDIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO COM BASE EM CONSIDERAÇÕES ABSTRATAS SOBRE OS OBJETIVOS DA SANÇÃO E A LONGA PENA A CUMPRIR. 3. ACÓRDÃO QUE REGISTRA BOM COMPORTAMENTO DO PACIENTE E IMINÊNCIA DE PROGREDIR AO REGIME ABERTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. 4. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
(...) 2. Para a concessão das saídas temporárias, a Lei de Execução Penal exige: o comportamento adequado do condenado, o cumprimento de 1/6 da pena, se for primário, e de 1/4, se reincidente, bem como a compatibilidade do benefício com os objetivos da reprimenda. Aqui, o pleito de autorização de visitas periódicas ao lar foi negado pelo Tribunal a quo com base em elementos abstratos quanto à sanção penal, a gravidade dos delitos e a longa pena a cumprir.
3. Acórdão que identificou bom comportamento do paciente, bem como sua iminência de progredir para o regime aberto.
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a autoridade da decisão de fls. 73/74. (grifo nosso
É importante ressaltar que, em sede da execução penal, o magistrado deve aplicar o princípio da individualização da pena averiguando o comportamento atual do condenado, logo, não cabe verificações em abstrato (que compete ao legislador) e nem mesmo a verificação do comportamento do condenado no momento da prática do fato delituoso (que compete ao juiz da condenação).
A análise de condutas anteriores afronta o Estado Democrático de Direito e o Sistema Constitucional de Garantias, que prima pela existência do Direito Penal voltado ao fato e não ao autor.
Portanto, temos que as súmulas dos tribunais superiores estão sendo utilizadas para burlar dos ditames legais e estabelecer a exigência do exame criminológico em sede da execução penal como verdadeira regra, sendo inconstitucional por violar, sobretudo, os princípios da motivação das decisões judiciais, uma vez que não há concreta fundamentação, bem como o postulado da individualização da pena.
3.2– Da medida processual cabível para atacar a decisão que determina a realização do exame criminológico
Conforme analisamos no item anterior, o exame criminológico vem sendo aplicado como a regra em sede da execução penal, violando o ordenamento jurídico e a Constituição Federal, bem como os ditames da súmula vinculante nº 26 do Supremo Tribunal Federal e da súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça, que o prevê de maneira excepcional e desde que em decisão devidamente fundamentada.
Assim, nesse item, analisaremos as medidas cabíveis para impugnar a decisão judicial do magistrado que determina a realização do exame criminológico.
Inicialmente, temos que as decisões do magistrado no curso da execução penal são impugnadas por meio do recurso de agravo em execução, conforme expressa previsão no artigo 197 da Lei de Execução Penal: “das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo”.
Tal recurso segue o mesmo rito processual do recurso em sentido estrito, conforme interpretação atribuída à súmula 700 do Supremo Tribunal Federal[75].
Porém, esta não deve ser considerada a única medida processual, pois é cabível também o remédio constitucional do habeas corpus, conforme assegura o inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal[76], bem como o artigo 647 e seguintes do Código de Processo Penal.
Insta consignar que alguns magistrados vêm limitando o cabimento do habeas corpus, no sentido de não admiti-lo em sede da execução penal, por não considerá-lo um sucedâneo recursal do agravo em execução. Conduto esse entendimento deve ser rechaçado, uma vez que a Constituição Federal não faz qualquer ressalva quanto ao cabimento desse remédio constitucional que, por conseguinte, constitui garantia fundamental, logo, não é cabível interpretação restritiva.
Veja que não compete ao Poder Legislativo limitar o cabimento do habeas corpus e nem mesmo ao Poder Judiciário, pois se trata de um remédio constitucional que tutela um dos mais importantes bens jurídicos do cidadão, qual seja, a liberdade (artigo 5º, caput, da Constituição Federal).
É importante mencionar que há outras decisões em matéria criminal que também são impugnadas por recursos próprios, e, nem por isso os Tribunais têm restringido a utilização do habeas corpus sob esse mesmo argumento.
Por conseguinte, nem se alegue que o cabimento do habeas corpus limita-se ao disposto nos incisos do artigo 648, pois é sabido que o Código de Processo Penal possui um rol exemplificativo.
Ademais, temos que o Código de Processo Penal é de 1940, sendo a Constituição Federal de 1988, ou seja, compete à legislação ordinária se adequar ao texto da Constituição Federal, que não limitou o cabimento do habeas corpus, de acordo com a nova hermenêutica constitucional.
Confirmando a assertiva acima, temos que os recursos previstos em lei possuem um trâmite demorado quando comparado ao do habeas corpus. Assim, a sua negativa permite que decisões que violem a liberdade dos condenados perpetuem por muito tempo, violando também a garantia constitucional do julgamento célere e dentro de um prazo razoável (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).
Diante disso, esperar o julgamento de recurso ordinário constitucional ou de qualquer outro recurso previsto em lei (como o agravo em execução) causaria um prejuízo enorme ao paciente, que sofre latente constrangimento ilegal.
Esse é o entendimento da Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal[77]:
(...) O eventual cabimento de recurso não constitui óbice à impetração de habeas corpus, desde que o objeto esteja direta e imediatamente ligado à liberdade de locomoção física do Paciente. Precedentes. 3. Ordem concedida, de ofício, para determinar à Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que examine o mérito do Habeas Corpus n. 139.346. (grifo nosso)
Por derradeiro, é na fase da execução penal que a liberdade do condenado pode ser efetivamente violada com a não concessão de direitos expressamente previstos em lei, logo, não permitir a incidência do habeas corpus significaria esvaziar uma garantia constitucional.
Por fim, verifica-se que compete aos aplicadores do direito alterar o cenário atual da jurisprudência acerca da exigência do exame criminológico como condição aos direitos pleiteados em sede da execução penal, por meio da interposição do recurso de agravo em execução ou mesmo do remédio constitucional do habeas corpus.
É importante ressaltar que tal tarefa vem sendo exercida brilhantemente pela Defensoria Pública dos Estados, uma vez que a maioria das execuções penais são acompanhadas por essa instituição, diante da sua função constitucional de defender os vulneráveis não só economicamente mais também juridicamente, a fim de assegurar o efetivo acesso à justiça daqueles que não possuem vozes ou, por vezes, não são ouvidos.
CONCLUSÃO
Conforme restou demonstrado, de acordo com a Lei de Execução Penal, para a concessão do direito à progressão de regime prisional são necessários dois requisitos: um de ordem objetiva, que consiste no cumprimento do lapso temporal de pena e outro de ordem subjetiva, que consiste no bom comportamento carcerário, atestado pelo diretor do estabelecimento prisional, conforme o artigo 112.
O bom comportamento carcerário ocorrerá quando o executado não tiver falta grave homologada judicialmente nos últimos doze meses, consoante a Resolução SAP 144.
Assim, temos que a Lei de Execução Penal, com a reforma promovida pela Lei 10.792/03, não mais exige o exame criminológico como requisito para a progressão de regime ou para a concessão de qualquer outro direito do condenado, sendo que a sua determinação constitui violação ao sistema legal e constitucional.
A referida exigência viola o princípio da legalidade, conforme artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, pois se trata de entrave criado pelo magistrado, já que não encontra amparo legal.
Ademais, há a violação dos princípios da motivação, da segurança jurídica, da igualdade, da presunção de inocência, da culpabilidade, da lesividade, da alteridade e da dignidade da pessoa humana.
Por meio desse instituto, o direito subjetivo do condenado ficaria subordinado à discricionariedade do magistrado ou mesmo do perito, embora ambos não possuam a capacidade de realizar um juízo de prognóstico sobre a reincidência.
Insta consignar que tal juízo sobre a impossibilidade ou possibilidade do condenado reincidir foge ao interesse do “Direito Penal dos Fatos”, se aproxima de um mero “achismo” e configura verdadeiro retrocesso à Teoria Lombrosiana, atualmente já superada pelo estágio atual do Direito Penal.
Portanto, entendemos que todos os requisitos para a concessão de direitos em sede da execução penal devem possuir previsão legal, sob pena de inconstitucionalidade e ilegalidade. Como exemplo, temos as avaliações multidisciplinares realizadas no Estado de São Paulo.
Isso condiz com a falência do sistema prisional. A negativa de direitos sob o fundamento de que o condenado não se adéqua à “terapêutica penal” não deve prevalecer, uma vez que não existe “terapêutica penal”, mas sim sistemáticas violações aos direitos humanos, como a ausência de água potável, castigos, falta de assistência médica, saneamento básico, educação, alimentação adequada, dentre outros direitos que compõe o mínimo existencial, ou seja, o núcleo inderrogável que guarda relação com o valor jurídico da dignidade da pessoa humana.
Dados e pesquisas comprovam que a reincidência é maior quanto maior for a permanência no sistema penitenciário, já que a função positiva individual da pena, que é a ressocialização, não esta sendo cumprida.
Por derradeiro, foi constatado que o exame criminológico é utilizado como um instrumento de promoção da seletividade, pois está sendo exigido para a “suposta” verificação do requisito subjetivo para a progressão de regime prisional apenas em relação aos agentes vulneráveis (pobres, negros etc.).
Porém, ao invés de adotar o entendimento supracitado, que corrobora com o texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que é possível a exigência do exame criminológico de maneira excepcional, mediante decisão fundamentada.
Ocorre que tal exceção (que sequer deveria existir), vem sendo aplicada como regra pelos magistrados, já que estes fundamentam o exame criminológico com base na “pena longa” fixada na sentença condenatória e até mesmo na “gravidade em abstrato do delito”, porém tais fundamentações não são idôneas, pois violam o princípio da individualização da pena, da separação de poderes e da proibição do ne bis in idem.
De acordo com a pesquisa, temos que o princípio da individualização da pena, quando aplicado na execução penal, exige que o magistrado analise o comportamento atual do condenado, logo, não cabe verificações em abstrato (que compete ao legislador) e nem mesmo a verificação do comportamento do condenado no momento da prática do fato delituoso (que compete ao juiz da condenação).
O presente trabalho também constatou que a realização de exames e avaliações estão previstas na Lei de Execução Penal como um direito do condenado, a fim de que haja uma seleção e classificação que melhor se adéqüe as suas necessidades para o cumprimento da pena. Porém, sob esse aspecto não há qualquer fiscalização ou preocupação do Poder Judiciário.
Portanto, verifica-se que o exame criminológico está sendo utilizado como uma barreira à implementação de direitos subjetivos do condenado. Assim, compete aos aplicadores do direito e, principalmente à Defensoria Pública dos Estados, instituição que assegura a defesa dos vulneráveis juridicamente no âmbito da execução penal, realizar uma transformação desse cenário; seja por meio do recurso de agravo em execução, seja por meio do remédio constitucional do habeas corpus, assegurando de maneira efetiva o acesso à justiça daqueles que não possuem vozes ou simplesmente não são ouvidos pela “elite social”.
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[1] BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 3ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 66.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1013 – 1014.
[3] DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 229.
[4] COSTA JR, Paulo José. Comentários ao código penal. Ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 155.
[5]BITENCOURT, Cesar Roberto; PRADO, Luiz Regis. Código penal anotado e legislação complementar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 260.
[6] Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão
[7] Artigo 89 - o preso em regime fechado ou em regime semi-aberto tem, no âmbito administrativo, os seguintes prazos para reabilitação do comportamento, contados a partir do cumprimento da sanção imposta:
I- 03 (três) meses para as faltas de natureza leve;
II- 06 (seis) meses para as faltas de natureza média;
III- 12 (doze) meses para as faltas de natureza grave.
[8] Súmula Vinculante nº 26: Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
[9] Súmula 439: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.
[10] TRISTÃO, Rafael Barcelos. Exame Criminológico. Movimento "DIREITO PARA QUEM?”. Disponível em: <http://direitopraquem.blogspot.com.br/2012/03/exame-criminologico.html>. Acesso em: 06.11.2013.
[11] Op. cit., p. 71.
[12] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 626.
[13] Op. cit., p. 76 e 77.
[14] Insta consignar que tal entendimento ainda é mantido por alguns doutrinadores que acreditam que a Lei 10.2016/01 não derrogou o Código Penal e a Lei de Execução no tocante às medidas de segurança.
[15] JACOBINA. Paulo. Medidas de segurança e reforma psiquiátrica. In Boletim dos Procuradores da República, nº 70, ano VI, maio/2006.
[16] QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 9 ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 551.
[17] SANTOS. Hélio David Vieira Figueira do. Exames criminológicos e execução penal. Biblioteca Virtual. Disponível em: <http://www.bu.ufsc.br/Exames_criminologicos.PDF>. Acesso em: 06.11.2013.
[18] Esse foi o tempo exato de duração dos exames criminológicos realizados pelo Hospital de custódia e Tratamento Psiquiátrico da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina, conforme relato pessoal ao autor por um diretor do Departamento de Estabelecimentos Penais do referido órgão, em conclave sobre Execução Penal ocorrido no ano de 2001, na cidade de Blumenau/SC.
[19] Op. cit., p. 627.
[20] Artigo 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
[21] Artigo 9º, parágrafo 2º, da Lei 10.684/2003: Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.
[22] O Direito Penal simbólico utiliza-se do medo e da sensação de insegurança da população, ao invés de criar normas que realmente protejam os bens jurídicos considerados essenciais para a vida em sociedade, o legislador preocupa-se tão somente em criar uma falsa atmosfera de tranqüilidade, gerando a sensação de que a criminalidade encontra-se sob controle.
[23] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1 - Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 73.
[24] Op. cit.
[25] Op. cit., p. 442.
[26] Op. cit., p. 425.
[27] COIMBRA, Mário; HAMMERSCHMIDT, Denise; MARANHÃO, Douglas Bonaldi; PRADO, Luiz Regis. Direito de execução penal. 3ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 160 – 161.
[28] Op. cit., p. 1014.
[29] TJSP – EP 1763728120128260000 SP, 16ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Desembargador Otávio de Almeida Toledo – D.J 28.11.2012.
Nesse mesmo sentido: TJSP – EP 1119599320118260000 SP, 5ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Desembargador Sérgio Rui – D.J 26.09.2011.
[30] Op. cit., p. 435.
[31] Op. cit.
[32] Os juristas contemporâneos criticam a dicotomia do direito em Direito Público e Direito Privado, uma vez que deve existir uma relação de integração e não de exclusão entre esses institutos, cuja preocupação do aplicador do direito deve ser em alcançar a unidade hermenêutica do ordenamento jurídico, tendo a Constituição Federal como ponto de referência.
[33] Op.cit., p. 59 e 62.
[34] MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. O conceito material de culpabilidade – O fundamento da imposição da pena a um indivíduo concreto em face da dignidade da pessoa humana. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 69.
[35] NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 59.
[36] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 9.
[37] VALOIS, Luís Carlos. Conflito entre ressocialização e o princípio da legalidade na execução penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 199.
[38] SILVA, Igor Luis Pereira e. Princípios penais. Salvador: Jus Podivm, 2012, p. 15 e 16.
[39] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 167.
[40] Op. cit., p. 250-251.
[41] Op. cit., p. 113 e 125.
[42] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[43] Rocha, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e Segurança Jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem ao Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 168 e 169.
[44] Op. cit., p. 109 e 206.
[45] MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. Vol 1. 3 ed. Rio de Janeiro, 2010, p. 43.
[46] Op. cit., p. 50 e 51.
[47] Artigo 93, inciso IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
[48] Op. cit., p. 243.
[49] Artigo 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
[50] ALMEIDA, Vitor Luís de. A fundamentação das decisões judiciais no sistema do livre convencimento motivado. Disponível em < http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2012_05_2497_2536.pdf>. Acesso em: 13.11.2013.
[51] Op. cit., p. 229.
[52] Op. cit., p. 207.
[53] Op. cit., p. 344.
[54] Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...) (grifo nosso).
[55] Op. cit., p. 77.
[56] Op. cit., p. 79.
[57] Op. cit., p. 169.
[58] Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;
[59] Op. cit.
[60] PIERANGELLI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.610.
[61] Op. cit., p. 1015.
[62] Deputado Ibrahim Abi-Ackel, relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação - Detaq, sessão: 033.1.52.0, data: 01.04.2003, p. 888.
[63] Op. cit., p. 208.
[64] Op. cit., p. 27.
[65] STF – ARE 698851 MG, 2ª Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia – D.J 13.08.2013.
STF – RE 606179 SP, 2ª Turma, Rel. Ministro Teori Zavascki – D.J 13.08.2013.
[66] Op. cit., p. 73.
[67] Op. cit., p. 212.
[68] A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.
[69] A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.
[70] Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito
[71] STF – HC 114817, 2ª Turma, Rel. Ministro Gilmar Mendes – D.J 27.08.2013.
STF – HC108802, 2ª Turma, Rel. Ministro Ayres Britto – D.J 04.10.2011.
[72] STF – 83.700/AC, 1ª Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio – D.J 17.12.2004.
[73] TJ/SP, Agravo em Execução Penal nº 0573005-52.2010.8.26.0000, 7ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Desembargador Francisco Menin - D.J 05/05/11.
[74] STJ – HC 266.694/SP, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz – D.J 06.08.2013.
STJ – HC 276.772/RJ , 5ª Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze – D.J 08.10.2013.
[75] É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra decisão do juiz da execução penal.
[76] LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
[77] STF - HC 112836, 2ª Turma, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA - D.J 25.06.2013.
Advogada. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pelo Centro Universitário de Rio Preto - UNIRP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SEIXAS, Aline Munhoz. O exame criminológico como uma barreira aos direitos da execução penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37463/o-exame-criminologico-como-uma-barreira-aos-direitos-da-execucao-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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